Volume 1
Capítulo 12: Primeira Vez
Haah... por que não consigo me mexer?
... meu corpo está tão pesado...
O que aconteceu... onde estou? Que cheiro nojento... é esse...?
Minha visão... está tudo tão embaçado. Isso é um sonho?
Tudo está tão disforme e... vermelho.
— Consegue me ouvir?
Escuto a voz da pessoa que está sempre comigo, minha mãe. Como sempre, sua voz é tão suave e bela.
Tento responder, mas percebo que não tenho forças nem para falar. Tudo que escapa da minha boca são gemidos.
O que diabos está acontecendo?
Enquanto minha mente começa a se tornar mais clara, percebo algo latente pulsando por cada célula do meu corpo...
— AAAARRRRRRHHHHHGGGGGG!!!!!!!!
COMO DÓI!
DÓI!
DÓI!
DÓI!
MEU DEUS?!
AHHHHHH!!!!
O QUE É ISSO? COMO PODE DOER TANTO? AHHHH!!! ISSO É...
Mãe, me ajude...
Eu vou morrer, isso definitivamente vai me matar!
Cada pedaço do meu ser ruge de dor. Uma dor aguda tão profunda e abrasadora. É como se tudo estivesse sendo rasgado de dentro para fora por agulhas flamejantes. Tudo dói, absolutamente tudo; meu estomago, ossos, coração, pulmões, braços, pernas, ossos, cabeça, pele...
Em meio a desespero, a dor não me permite nem mesmo desmaiar ou morrer.
Isso está me enlouquecendo...
Não sei quanto tempo se passou. Meus gritos em algum momento cessaram, talvez pela dor ter diminuído ou simplesmente porque minha garganta já não suportava mais...
Em todo caso, minha visão lentamente começou a recuperar a nitidez. Assim como meus outros sentidos. Comecei a sentir frio e aquele cheiro anterior, tão pútrido e nojento se intensificou, senti vontade de vomitar.
— Meu pequenino Miguel, consegue se mexer agora?
Apesar da dor que ainda consome minha carne, tento me levantar. Uso meus braços para apoiar a subida, é então que vejo que meu braço esquerdo está completamente quebrado, como se um caminhão tivesse passado por cima dele.
Os ossos em frangalhos, sustentados apenas pelo tecido epitelial coberto de fissuras grotescas, criam uma imagem bizarra. Como se fosse um pedaço de carne triturada, segurando-se à pele como se recusasse a desmoronar.
Olho para meu braço direito. Igual ao outro, está coberto de fissuras, deixando a mostra veias, músculos e os ossos... quebrados. Não está tão detonado quanto o esquerdo, mas ele não pode ser utilizado para nada...
Minha mãe me ajuda a ficar sentado e analiso o restante do meu corpo, minha roupa ensopada de sangue... como acabei assim? Por que não me lembro de nada? Todo meu corpo está um caco, parando para pensar, talvez, se esses machucados tivessem ido um pouco mais longe... meu corpo teria sido totalmente dilacerado em pedaços.
— Miguel. Olhe a sua volta.
A voz da minha mãe continua tão suave como sempre, mas há um peso frio por trás dela. Isso me deixa um pouco ansioso, raramente a vejo tão séria. Como ela diz, olho em volta.
Meu coração para...
Era como estar no centro de um jardim de papoulas vermelhas em pleno florescimento. Contudo... não se tratava de flores, mas de corpos.
Não dava nem para contar. Mais do que quantidade, a realidade é que a cena diante dos meus olhos era composta por corpos e mais corpos desfigurados, despedaçados... identificar a quantidade era tão fútil diante de inúmeros cadáveres estraçalhados misturados a outros em meio a lama e sangue.
Eu não conseguia reconhecer ninguém ali, ou ao menos era o que eu acreditava.
Consegui lembrar dos uniformes de algumas dessas pessoas. Eles eram soldados, todos pertencentes as forças norte-americanas que invadiram a região norte do Brasil.
Comecei a me lembrar.
Estávamos em Manaus...
Uma guerra estava ocorrendo, uma disputa pelos recursos naturais. A força norte-americana, os soldados brasileiros e os civis...
Eu e Teresa tentávamos escapar do fogo cruzado...
Uma bomba explodiu perto de onde estávamos, derrubando um prédio próximo e prendendo a gente em um beco sem saída...
Minha mãe não estava perto, ela havia ido ajudar outras pessoas...
Eles nos cercaram...
Seus números eram esmagadores, eu não poderia lutar contra todos. Além disso, eu precisava tomar conta de Teresa...
A última coisa que me lembro... fui espancado e Teresa... eles... eles...
Sinto uma raiva imensurável brotando em minha alma.
— Se acalme!
Meu coração estava quase explodindo em meu peito quando minha mãe me chamou. Logo voltei a me acalmar. Mesmo a dor que eu sentia pareceu sumir por um instante...
— ... o... que... aconte... ceu...
Mal consegui cuspir essas palavras.
— Você matou todos eles.
Tremi por um momento.
— ... como...
Ouvi minha mãe suspirar. Olhei para ela, seu olhar sempre tão gentil estava tão melancólico. Meu único alivio naquela situação foi ver Teresa, ainda que desacordada e com as roupas rasgadas, sendo carregada no ombro da minha mãe.
— Eu já deveria ter previsto isso... seu desenvolvimento sempre foi tão precoce...
Ela murmurava, eu não podia compreender suas palavras.
— Mas... atingir o Despertar tão cedo... haah...
Depois de outro suspiro cansado ela sorriu gentilmente. O olhar melancólico ainda estava lá, mas havia uma ternura sem igual que fez todo meu ser sentir uma paz genuína.
— Meu pequenino Miguel, tudo que aconteceu aqui, foi feito por você, porém, nada estava sob seu controle. Veja como seu corpo ficou... olhe também para Teresa. Não se preocupe com ela, seu corpo sofreu ferimentos leves, mas sua mente acabou sofrendo um dano considerável.
Minha mãe se agachou e agarrou meu corpo com seu braço, me colando sobre seu ombro livre.
— Enquanto se recupera, irei explicar o que aconteceu. Depois que se curar, os treinos se tornarão ainda mais intensos. Vou ensina-lo a controlar esse poder, caso contrário, é muito provável que acabara se matando e, pior ainda, acabara machucando e até matando que você ama...
***
Um longo sonho... uma lembrança dolorosa da primeira vez que usou uma das habilidades mais extraordinárias do Parasita Primordium em seu corpo.
Então, enquanto sua mente escapava daquele sono profundo, ele sentiu...
O toque sedoso que deslizava sobre sua pele o despertou completamente.
Ela engatinhava sobre ele, lentamente, como um felino, deixando que a própria pele exposta acariciasse a dele. Miguel engoliu em seco, os olhos ainda turvos do sono fixando-se na figura que emergia debaixo do cobertor rosa. Samira. Seus longos cabelos carmesins caíam como uma cascata sobre os ombros nus, e seu sorriso provocador era acompanhado por olhos semicerrados que exalavam uma intensidade felina.
As mãos delicadas dela traçaram um caminho provocador, começando na cintura dele e subindo pelo abdômen, peito e clavícula, até pousarem em seu rosto avermelhado.
— Finalmente acordou. Me deixou preocupada. — A voz dela era suave, quase um sussurro melodioso. Em seguida, continuou com o mesmo tom aveludado: — Devia estar mesmo cansado, dormiu por dois dias.
O calor do corpo de Samira contra o dele fez o sangue de Miguel ferver. O contato da pele dela sobre a sua era um estímulo avassalador. Miguel ainda sentia seu corpo extremamente pesado e dolorido. Seus ossos, tendões, músculos, pele; uma dor excruciante que o lembrava do preço que pagou pela última batalha. Ainda assim, sua mente estava atraída pela figura da garota sobre ele.
— O que aconteceu depois que saímos? — perguntou, tentando manter o controle da situação tão estimulante, como se para manter a mente fria e tranquila.
Samira aproximou seu rosto do pescoço dele e fungou. O calor sobre a pele fez Miguel arrepiar todos os pelos. Então, um beijo suave foi plantado no pescoço, depois outro. Mais um, agora na clavícula dele; só então Samira respondeu:
— Um pouco depois que saiu da boate, você desmaiou na nossa frente. Ju me ajudou a te carregar até a moto. Depois disso viemos direto pra minha casa.
— Entendi... — murmurou, soltando um suspirou cansado.
Usar aquilo com o corpo ainda em recuperação — do estado de inconsciência na câmara criogênica, custou caro demais. Ele sustentou aquele estado por menos de um minuto e ainda assim acabou tão debilitado. Miguel considerou que era hora de pegar mais pesado nos treinos diários para recuperar logo a forma física que tinha cem anos atrás.
— Estou morrendo de fome — reclamou. Sua barriga realmente doía de fome, bem, era uma das consequências de entrar naquele estado, ainda mais depois de sofrer tantos danos. Seu corpo precisava recuperar os nutrientes perdidos o quanto antes.
Samira riu baixinho, um brilho travesso nos olhos. Aproximando os lábios do ouvido dele, sussurrou com uma voz doce como mel:
— Hehe... e o que gostaria de... comer?
O tom dela era tão sedutor que Miguel sentiu o corpo reagir instintivamente. Suas mãos agarraram a cintura dela, e Samira soltou um gemido suave, seus olhos brilhando com um misto de surpresa e provocação. Uma aura irresistivelmente sedutora parecia envolvê-la.
Foi então que ambos congelaram. Samira sentiu algo rígido pressionar sua bunda, e seu coração disparou.
— Sam, o café já tá pronto. Levanta e vem comer.
Sem bater, a porta se abriu de repente.
— Oh...
Julia encarou a cena com os olhos arregalados, a boca formando um “O” perfeito.
— Ops! Foi mal aí! — disse, antes de correr porta afora, deixando um silêncio constrangedor para trás.
— ...
— ...
Samira quase chorou, se perguntando o que havia feito para o destino ser tão cruelmente inconveniente nesses momentos.
Porém, antes que pudesse mergulhar na vergonha, Miguel ignorou a situação constrangedora. Sem hesitar, ele a puxou para mais perto, envolvendo-a em um abraço firme e a beijando com intensidade logo em seguida.
O gesto inesperado fez Samira arregalar os olhos por um instante antes de relaxar nos braços dele, deixando-se levar pelo momento.
Miguel sentiu o calor dela, o aroma de seus cabelos, e enquanto o momento voltava a ganhar intensidade, ele prometeu a si mesmo de forma infantil:
“Se mais alguém entrar por aquela maldita porta, juro, irei meter uma bala na testa!”
Bem, essa era sua primeira experiência sexual, talvez fosse um pouco justificável o pensamento imaturo.
***
O gramado verde se estendia até onde os olhos podiam alcançar, pontuado por árvores que lançavam sombras confortáveis sobre as pessoas que buscavam refúgio do sol morno de um dia perfeito. Risadas ecoavam pelo parque, crianças corriam atrás de bolas coloridas ou brincavam de pega-pega, outras empinavam pipas que flutuavam no céu azul impecável.
Pássaros cantavam melodias suaves, complementando o som de conversas tranquilas e a música de um violonista que tocava sob uma árvore próxima. O aroma de flores silvestres misturava-se ao cheiro doce de tortas e frutas frescas das cestas de piquenique espalhadas.
No centro de um pequeno grupo de árvores, Nina e Mia estavam sentadas sobre um cobertor quadriculado. Nina segurava uma taça de suco de laranja brilhante, enquanto Mia, ao lado, pegava um sanduíche aparentemente perfeito.
Ambas riam baixinho, suas expressões despreocupadas e leves, como se fossem amigas de longa data aproveitando um raro momento de descanso. A cesta ao lado delas estava repleta de guloseimas, frutas impecáveis e doces decorados com detalhes minuciosos, como se saídos de um livro de contos.
— Isso é delicioso! Como é possível?! — Mia exclamou, com a voz abafada pela quantidade de sanduíche na boca, os olhos arregalados de surpresa.
Nina observou a cena com um sorriso divertido antes de responder:
— Hehe. Nem eu sei exatamente. Bem... na verdade, quando levamos os alimentos à boca, tudo é processado pela nossa consciência, que está diretamente ligada ao chip do processador. O interessante é que, por alguma razão, nossa percepção cria uma experiência sensorial idêntica ao paladar humano. É como se o sabor fosse... subjetivo, ao mesmo tempo, tão real. Estranho, não é?
Mia assentiu vigorosamente, mordendo mais um pedaço do sanduíche, apesar de suas bochechas já estarem completamente estufadas. Ela parecia completamente absorta no prazer de saborear a comida virtual, como se fosse a melhor refeição que já experimentara — na verdade, era a primeira.
Nina não conseguiu segurar o riso diante da expressão dela. A aparência exagerada e quase caricata de Mia a fez soltar uma risada que logo se transformou em uma gargalhada contagiante. Mia, percebendo a situação, começou a rir também, mesmo com a boca cheia. O som das risadas ecoou pelo parque virtual, um momento tão genuíno que quase fazia esquecer que tudo ao redor delas era apenas uma construção de dados.
— Se pelo menos eu já soubesse que dava pra fazer isso... — Mia murmurou, enquanto saboreava um pedaço de bolo de chocolate. Era doce, macio, e tão delicioso que ela mal acreditava que aquilo não era real.
— Depois eu te ensino a fazer tudo isso — respondeu Nina, fazendo beicinho antes de esticar a mão e beliscar as bochechas de Mia. — Mas, sério, vocês dois fizeram a maior bagunça e nem me chamaram!
Mia choramingou de dor e, depois de massagear as bochechas avermelhadas, respondeu:
— Bem, o que estávamos prestes a fazer era algo... ilícito. E considerando suas responsabilidades, achei que você poderia interferir.
Nina suspirou, os ombros caindo de leve.
— Quanto a isso, relaxa. Não sou responsável por manter a ordem ou a paz mundial. Minha prioridade máxima é a segurança da rede principal. Desde que não haja uma ameaça real à rede, eu posso me abster de qualquer ação enquanto estou, digamos, "ocupada". Não teria atrapalhado vocês.
Ela fez uma pausa antes de continuar, sua voz mais suave:
— Além disso, não poderia ajudar muito, mesmo se quisesse. Seria mais como uma espectadora, sabe? Não tenho permissão para interferir nos negócios dos outros. Mas, ainda assim, gostaria de assistir às suas aventuras. Aqui é tão... chato e solitário.
Mia sorriu gentilmente antes de puxar Nina para um abraço caloroso.
— Tá bom, da próxima vez iremos te chamar.
— Hehe. Obrigada.
As duas continuaram conversando, o tom descontraído fazendo parecer que eram apenas garotas normais, e não duas das IAs mais poderosas do planeta.
— E como está indo com Miguel? Seu querido mestre — perguntou Nina, lançando um olhar curioso e travesso.
Mia corou imediatamente, suas bochechas adquirindo um tom rosado.
— Bom... não sei ao certo. Eu e Samira meio que deixamos implícito que somos parte do "harém", mas não tivemos a chance de falar abertamente sobre isso. Miguel disse que teríamos uma conversa depois.
— Está ansiosa?
— Claro que sim... — Mia suspirou, sua voz cheia de incerteza e expectativa.
Nina sorriu e afagou o ombro da amiga de forma reconfortante.
— Sabe, acho que o plano da Samira vai funcionar. Foi uma ideia... exótica, mas brilhante.
— Você acha mesmo?
— Tenho certeza! Então, Mia, sorria. Logo poderá abraçar seu querido Miguel e fazer... um monte de safadezas com ele!
— Eu...! — Mia corou ainda mais, sua expressão um misto de constrangimento e indignação.
Nina gargalhou, mas por dentro sentia um misto de inveja e admiração. Mia era tão... livre.