Possuídos Brasileira

Autor(a): Guilherme Alves


Volume 1

Capítulo 7: Equipa

"De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele."
1 Coríntios 12:26

 


Os quatro, sentados numa das mesas da cafetaria, olhavam-se mutuamente enquanto eram envolvidos num silêncio perturbador.

John puxou um cigarro do bolso com certa agressividade. Com a outra mão revelou um isqueiro, acendendo a ponta do tabaco na boca.

— Chega deste silêncio. — As mãos do Anjo bateram com força na mesa. — Eu quero saber exatamente o que ela faz!!! — O grito irritado espalhou-se por toda a sala num piscar de olhos.

Todos focaram, de imediato, a atenção nele. Michael, olhando para o fundo da alma da criatura, bebeu mais um pouco do seu café que não estava mais tão quente.

— Por que não lhe perguntas? — Deu um leve trago no cigarro. — Se tens vergonha, são outros quinhentos…

A criatura sentiu o tom de deboche do companheiro, mas não cedeu à provocação, contou até dez e, com toda a calma do mundo, interrogou a nova integrante do grupo: 

— Maria, quais são as tuas habilidades? Aposto que são impressionantes. — As mãos dele estavam em cima da mesa, numa posição onde esboçavam tranquilidade. Já o tom das palavras era o mesmo usado numa entrevista de emprego.

— Ah… ah… eu… sou… uma pessoa que usa a… genética… — No meio de tantos gaguejos conseguiu com dificuldade terminar a frase.

Os olhos do Anjo brilharam, pareciam pequenas pérolas verdes. Esse brilho seguiu enquanto se levantava da sua cadeira, a mesma que estava de frente à da jovem, e, instantes depois, agarrou-lhe nos ombros.

— Eu nem acredito, uma pessoa geneticamente modificada bem à minha frente. Pensei que um processo tão caro e demorado iria levar anos a ser implementado em esquadrões importantes. — Assim que saíram as últimas palavras retomou o seu lugar.

— Parece que a situação mudou, não só vão ser usados a partir de hoje como ela é a primeira de uma nova geração. — O chefe interrompeu a sua fala com mais outro gole na chávena. — Claro, nós sabemos bem o que isto quer dizer, o investimento foi grande e tem de se mostrar aos acionistas que está a dar resultados. 

John escutou tudo, mesmo focando os seus olhos na vastidão do espaço onde estavam, vazio e sem vida, de paredes metálicas, talvez fosse apenas a sua cor, uma cor de natureza sintética. Logo depois, bocejou de tédio ao ver que Michael já havia terminado o discurso e tomou para si as rédeas da conversa: 

— Mesmo assim, demónios são muito mais confiáveis, e até onde eu sei a Europa é a única até agora que está a incluir isto, por quê? 

— Simples, a meta da Itália. Basta veres a televisão.

Os três fincaram os olhos no televisor preso na parede. Era bem velho, contudo as imagens que transmitia tinham uma certa qualidade. Porém, isso não era o importante, e sim o que dava no jornal.

— Ok… a entrada da Demonic Weapon na Europa… Isso explica muita coisa.

O caçador deu por terminado o café assim que todos leram o rodapé da notícia.

— Para se ter demónios em certas áreas precisam de cortar noutras, pelo menos é assim que parece funcionar por aqui. 

John, mal virou os olhos da caixa de vidro, bateu com o punho cerrado sobre a mesa e continuou, agora com palavras, a sua indignação: 

— Como se eu quisesse saber da Itália, porra. Estão fechados naquela merda de estado papal há anos, o melhor que a Europa faria era abandoná-los de uma vez. 

— Itália, o céu dos anjos, ou o inferno dos demónios. Será que com o Demónio das Pistolas aqui isso vai mudar? — intrometeu-se o Anjo, tinha a sua cabeça deitada sobre a madeira pintada, branca era a tinta escolhida, e fechava, mesmo que devagar, os seus olhos com um tédio repentino que o dominava. 

Maria ficou perdida no meio de toda aquela politicagem, demonstrava as mesmas expressões de uma criança que ouvia os pais a falar de assuntos que mal entendia.

Esgueirando-se por entre o corpo do Anjo, John apagou o cigarro no cinzeiro e recuperou a concentração dos dois com poucas palavras: 

— Enfim, isso é muito bonito, mas no fim eu acabei a saber o mesmo sobre ela.

— Pois é!! — concordou a criatura, erguendo-se logo depois.

A mulher, tímida nas palavras, contudo jovem e bela na aparência, receou responder como se as palavras teimassem em ficar travadas na garganta. Dentre essa batalha constante, com a sua fragilidade em conversar, deixou algo escapar pelos seus lábios trémulos:

— Eu me chamo Maria… E nasci na França… em uma cidadezinha no sul…

— Uma vez eu fui ao sul da França ter a uma convenção de Anime e Manga. Gostei da simpatia das pessoas, mas entender o que falavam foi um grande problema para mim…

— Os teus fãs são divertidos e tal, mas ninguém tem paciência. — Sem nem pensar John agarrou na cabeça do Anjo e acertou com ela na mesa, silenciando qualquer coisa que fosse dita depois.

Com o rosto afundado no pedaço gélido de madeira branca falou alguns ruídos, os restantes deduziram que talvez fosse alguma barbaridade dirigida ao companheiro.

— Ele está bem, não te preocupes, infelizmente estes filhos da puta não morrem facilmente. Podes continuar — respondeu ele ao olhar surpreso da novata, ao mesmo tempo que largava a criatura.

— Ah… mudei-me para Paris bem nova e sempre tive o sonho de ser caçadora, acho que é tudo… eu não sei… mais o que dizer…

Do outro lado da porta da cantina, eles escutaram alguns passos, algo estranho para um dia onde a maior parte dos funcionários estava descansando em casa.

John nem se incomodou com isso, colocou os dois pés em cima da mesa e inclinou um pouco a cadeira. O chefe do esquadrão olhou na direção do som, aguardando, com uma expressão morta, quem adentrasse o espaço.

A porta correu para o lado entrando dentro da parede, no corredor estavam Andrey e a morena, com os seus longos cabelos negros a engolirem a luz.

Quando Michael apercebendo-se que eram eles desviou o olhar no mesmo segundo e falou algo sem qualquer relevância para John que nem tentou ouvir.

O grupo estava sentado na mesa mais próxima da porta, talvez por preguiça essa tenha sido a escolhida. Andrey avançou sobre a sala e aproximou-se logo do seu superior, Jamilla vinha logo atrás com o olhar focado em tudo menos naqueles quatro.

— Pensei que viesses só amanhã. Aconteceu alguma coisa? Ou será que a Itália não agradou os teus gostos?

— Quem me dera tivesse sido isso. — Deu um longo suspiro antes de continuar. — Mas, não foi, segundo o que me disseram, duas pessoas aqui marcaram uma luta sem qualquer autorização.

O caçador inclinado ergueu a sobrancelha e revidou em seguida: 

— As notícias correm rápido por aqui, não acham?

— Eu sei que tu estás envolvido também. Mas, para ti a punição é dentro do regulamento, já o Anjo vai apanhar muito no próximo treino.

Andrey encarou Michael com um sorriso no rosto e soltou poucas palavras: 

— Eu juro que tentei impedi-los — falou num tom de deboche.

Cansado da viagem nem teve forças para o repreender, pegou na energia alegre que ainda restava dentro de si e limitou-se a sorrir de volta.

— Fazia um bom tempo que o grupinho não estava todo reunido — concluiu Andrey, todos concordaram com a cabeça em seguida. Aquela sensação de estarem os quatro caçadores juntos depois de tanto tempo era como um estimulante para os corações mais fracos. — Agora que eu reparei, quem é essa mulher? Seria alguma integrante nova no trabalho? 

— Prazer… Eu  chamo-me Maria… 

— O prazer é todo meu… — revidou de sorriso arreado, enquanto olhava o vestido azul florido que ela trazia a cobrir todo o corpo, um azul acompanhado de branco e na cintura uma corda, "Uma ótima forma de se fazer notar as curvas, deve ser francesa, ou então veio de Paris. Nota-se logo pelo estilo parisiense" pensou. 

— Mas, e então, vão ficar aí parados, ou vão se juntar a nós? Por mim já sabem quantas mais gatas na mesa melhor.

O atirador avançou para junto deles, agarrando numa cadeira perdida na sala. Parou só quando estava ao lado do Anjo, onde colocou o seu assento e deixou o corpo cair sobre ele. Jamilla copiou os movimentos do homem, mas escolheu o lado oposto da mesa, ficando grudada com o Michael.

Fazia tempo que eles não se viam depois do que ele tinha falado. Os olhos do caçador focaram-se no que acontecia em frente, tentando evitar qualquer contacto ao máximo. Porém, de repente, sem nem se aperceber,  o seu braço estava dominado pelos peitos da mulher, eram macios e quentes, pensava ele.

À medida que via o rosto do homem ficar cada vez mais vermelho aproximou a boca dos tímidos ouvidos dele, escondidos pelo cabelo escuro despenteado, e sussurrou palavras leves: 

— Eu estava com saudades tuas… pensei que me tinhas abandonado…

— Eu sei que entendeste o que eu disse na nossa última conversa… Eu deixei bem claro o que disse, não quero que acabes a chorar por minha causa se algo me acontecer, — falando no mesmo tom que a mulher ele colocou a mão sobre a cabeça dela — eu sentiria-me mal por isso. Sendo assim, nada de sentimentos. — Sorriu para ela delicadamente. 

Com lágrimas a brotarem no olhos e carinha de cachorrinho ela interrompeu o homem: 

— E quem és tu para decidir isso por mim? Eu escolho de quem eu gosto...

— Agora que eu penso, nós ainda não nos apresentamos à Maria. — O caçador observava a situação entre o casal pelo canto do olho enquanto acendia mais um cigarro.

Cheio de audácia na voz, a criatura angelical, tomou a atitude inicial: 

— Como todos sabem eu sou o famoso Anjo dos Mangas. — Com as mãos imitou confetes a rebentarem por cima da mesa.

— Famoso entre muitas aspas, antes de vires para a equipa nunca tinha ouvido falar de ti. E sinceramente estava muito melhor assim.

Maria, notando as constantes brigas da dupla, nem ligou para a troca de palavras ásperas entre eles, o que a chamava era a aparência incomum do ser alado. De cara e corpo era como uma criança, talvez também de mente, contudo a altura não batia, nem as cores exóticas que exibia no cabelo e olhos.

— Enfim, agora é a minha vez. — resmungou tapeando a fera na parte de trás da cabeça — Eu sou o John, não que sirva de muita coisa saberes isso — Assim que a última letra escorregou pela boca, o homem soltou o fumo que prendia na garganta e viu o seu desenrolar pelo ar da cantina.

— Vocês dois são o cúmulo da simpatia, um é mal humorado, o outro um convencido. — Andrey soltava gargalhadas em conjuntos com as suas características palmas sarcásticas. — É melhor perdoá-los Maria, são meio burros, se não fosse a força bruta já tinham sido substituídos há muito tempo… — Pensou um pouco no que falar depois em seguida. — Para facilitar podes tratar-me por And, ou Andrey, é como quiseres.

— Ah… Ah… muito obrigado… — Maria sem saber o que falar abaixou a cabeça. — Eu ouvi falar muito que vocês os três, espero que nos demos bem… — Ainda com o rosto a contemplar o chão sentiu as bochechas tornarem-se cor de vinho.

Todos miraram na garota. John, ainda com o cigarro na boca, soltou uma leve gargalhada seguida de um longo trago. O Anjo seguiu o exemplo do companheiro continuando com o riso. Do outro lado da mesa, acariciando levemente o cabelo de Michael, Jamilla olhava para ela com ódio, ódio de ser trocada. 

 



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