Possuídos Brasileira

Autor(a): Guilherme Alves

Revisão: boreggio


Volume 1

Capítulo 4: Nascidos da Genética

“Instruir-te-ei e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os meus olhos.”

Salmos 32:8



 

As portas abriram-se e do outro lado saltou um humano. Os seus olhos logo percorreram a sala, mas apenas conseguiram ver uma silhueta espreitar por um espelho mais ao canto.

— Senhor, finalmente chegaram notícias do nosso embaixador na Europa.

— Diz de uma vez, estou ansioso por saber. — A criatura alta focava a sua atenção no vidro diante dos seus olhos de cabeça erguida, era a melhor vista para observar todos os operários da fábrica. Na mão segurava um copo de whisky, que, de tempos em tempos, rodava antes de dar um longo gole. 

O humano, abrindo a carta, tentava observar mais alguma coisa por entre o pesado nevoeiro da sala, contudo era quase impossível.

— O plano foi um sucesso, ao que parece a Europa focou a atenção toda na Morte e não parece tentar achar uma ligação entre nós e os treze ataques recentes a escolas. 

Com os braços a escorregar pelo sofá onde se encontrava sentado, levou mais uma vez a bebida aos lábios e aguardou até todo o delicioso líquido descer. De sorriso arreado, cruzou as pernas e sentiu por breves segundos a sensação da vitória percorrer o seu corpo.

— Ainda bem que a minha pequenina ajuda os fez abrir os olhos, com certeza não vão encontrar outra solução a não ser contratar os nossos serviços. — Em meio ao nevoeiro a besta contorceu-se. — Já posso sentir o sabor do dinheiro e o início do longo reinado da DemonicWeapon. — Sem nem dar tempo para o humano respirar, soltou uma enorme gargalhada, grossa e diabólica.

Amedrontado, recuou alguns passos, mas a voz do demônio continuava a adentrar pelos seus ouvidos e parecia aos poucos querer corroer a parte mais obscura dos tímpanos.

Tentou falar algo, contudo mal se ouviu. Tremia de medo e, ao mesmo tempo, receava a morte frente ao monstro, contudo, após uma distância segura, as cordas vocais retornaram, deixando-o questionar o seu senhor: 

— E agora? O que faremos?

Tudo rapidamente entrou num profundo silêncio e o corpo da besta paralisou sobre o sofá. Minutos e mais minutos de um desconfortável vazio de som perturbaram o homem, que a cada segundo questionava a sua própria sanidade.

Porém, lentamente a cabeça do monstro começou a virar até chegar a um nível incompreensível aos padrões humanos. Dentro do silêncio, que dividia ambos, dava para ouvir a carne a separar-se e os ossos a partir, todavia não existiam gritos, não era sentida dor pela aberração, perdurava a calma no seu olhar.

A sua expressão, isenta de qualquer emoção, em cima de um rosto totalmente branco era assustadora. Temendo o pior, o jovem encolheu-se no chão. Parecia com o mais novo dos bebés, estava desprotegido e temia a tudo ao seu redor, o desconhecido o amedrontava. A boca do demónio abriu-se e, da escuridão nela existente, algo começou a surgir devagar, uma arma…

No andar de baixo, poucos foram aqueles que ouviram o barulho da bala repercutir como um trovão em dia de tempestade, contudo nem se questionaram o motivo, continuando o incessante trabalho, sem serem consumidos pela dúvida.

Na sala, a porta estampava o buraco do disparo e o corpo pavimentava o solo, unindo o castanho do chão com o vívido vermelho que escorria da cabeça dele. 

Quando ainda nem o som do tiro tinha terminado nos ouvidos do demónio, outro surgiu, vindo diretamente de um celular. O vibrar dele era constante e incomodativo para a besta.

— O que foi? — uma voz doce e humana atendeu do outro lado da linha, todavia as palavras que ela expeliu revelaram-se rudes. 

— Acabei de matar o secretá…

— Porra, é o quinto só este ano…

— Eu sei, mas a Luxúria disse-me que ele não era de confiança… — Ergueu o copo e deu mais um longo gole — Os humanos são tão burros. Vendem-se por pouco. 

O celular, em alta voz, estava em cima da mesa. Ele esperava a resposta, mas demorou. Talvez o homem estivesse pensando na melhor solução para o corpo. O silêncio foi de tal forma dominante, que quando a recebeu já a sua cabeça tinha voltado ao lugar de origem, embora a cor não fosse mais o branco e, sim, o vermelho mais vívido que o sangue podia trazer. 

— Quer que eu faça o quê? Mande o corpo para algum grupo terrorista fingir que foi um acidente? 

— Não diria um acidente, mas ninguém se vai importar se ele for mais um suposto alvo de um desses grupos. — Fez uma curta pausa para beber mais um pouco. — Porém, o que importa agora é a Europa, já vejo os milhões entrando na conta e a nossa cotação passando a daqueles quatro arrombados na bolsa de valores — disse a besta, colocando em cima da mesma mesa o copo agora vazio. 

— Espero que assim seja… Agora, tenho de desligar, depois falamos…

— Parece que finalmente eu voltei aqui. 

Diante de Michael, toda a magnitude da escola ofuscava a sua presença. Levantado por um dos mais ilustres arquitetos dos tempos que correm, aquele monumento já constava como uma maravilha para se visitar na cidade dos caçadores, Roma. 

Michael não gostava de chamar os criados ali de procuradores de bestas, considerava-os fracos, muitos tinham sido aqueles que cederam com o avançar dos anos.

Entretanto, parado ali sendo consumido pela maestria do edifício, não deu pela aparição de um homem, que lentamente caminhava para junto dele. 

— Gostou da nossa escola? 

Perdido nos seus pensamentos, sentiu aquilo puxá-lo de volta à realidade. Com velocidade, recompôs-se e soltou palavras em direção ao sujeito: 

— Não… estava apenas a recordar uma coisa… Mas, quem seria você?

Como se tivesse levado um choque, a figura ficou espantada pela falta de conhecimento sobre a sua pessoa. Todavia, viu uma oportunidade de causar uma boa primeira impressão, ajeitou o seu terno e com orgulho por todo o rosto respondeu-lhe: 

— Sou o diretor desta magnífica instituição. Porém, isso são assuntos para outra altura, deve ser o homem enviado pelos excelentíssimos líderes do braço da OMD na Europa.

O caçador limitou-se a concordar com a cabeça, poupando palavras. O orgulho, ao ver aquilo, parecia escorrer da face do diretor até ao chão de desgosto. 

— Aposto que não tem muito tempo, vamos nos apressar.

O diretor seguiu pela pequena rua que levava há construção. De cara baixa, ele olhava para as dezenas de pedras que constituíam a calçada, limitando-se a tomar aquela vista para pensar sobre o caçador que lhe tinham enviado. 

"Que homem mais deselegante… acho que finalmente entendi porque o esquadrão europeu é odiado em todos os cantos do mundo…"

Reparando nele cada vez mais, Michael seguiu os seus passos para dentro do edifício. O caçador de olhar atento e julgador olhava aquele homem de cima, analisando cada pedaço e pedacinho que surgia. 

Ambos entraram, um após o outro. Aquela magnífica arquitetura, inspirada nos mais importantes monumentos clássicos, fazia escorrer água da boca de qualquer apaixonado em arte greco-romana.

Em cima das cabeças dos dois a torre alongava-se, subindo tão alto quanto a vista alcançava, e as escadarias, grandes e de mármore, em cada um dos degraus parecia existir uma história, contada seja pelo nível de desgaste, ou a cor suja que corrompia o branco.

— Está quase igual ao dia em que eu a encontrei. — Deleitado, passou a mão numa das paredes. 

— Parece a mesma que eu vi no último dia que eu estive aqui. Deve ter sido realmente um trabalho difícil manter tudo intacto — respondeu o caçador, perturbado com a paragem temporal que aquela academia parecia viver, mesmo depois de oito anos ainda eram os mesmo locais e na cabeça de Michael as mesmas memórias — Mas vamos para a parte que interessa, não vim aqui para perder muito tempo a recordar o passado.

Em frente deles, uma porta de madeira dava acesso ao pátio. O diretor limitou-se a levar Michael até junto dela, não mais fez, deixando no final apenas as suas últimas palavras ao homem: 

— Eu não vou puder ficar para ver qual será o candidato que terá a sorte de ser escolhido, tenho algumas coisas para fazer. Boa sorte, caçador, qualquer dúvida pode me chamar.

As palavras entraram mais devagar no ouvido do procurador de bestas que a ida do diretor, então Michael nem teve tempo de lhe dar um último adeus. Voltando os seus olhos para trás, o homem não lá estava, restava agora apenas seguir para o objetivo.

Foi como se um novo mundo tivesse sido revelado, o verdejante jardim misturou-se com o ar clássico da academia e inspiraram o caçador com mais visões do passado. 

Avançou um passo para o pátio florido em meio a dezenas de novos pensamentos. Uma fileira de estudantes aguardava por ele em pé. Uns tremiam, outros riam de alguma coisa, era um misto de emoções. Todavia, todas foram cessadas com a presença dele ali, era uma figura amedrontadora para os todos os que compareceram.

— Muito bom dia a todos, espero que não tenham esperado assim tanto tempo. 

Confusos olharam entre si. Aguardavam um homem que iria fazer da primeira impressão um inferno, mas diante deles estava um homem comum.

— Certo, sem respostas… enfim, eu sei que vocês receberam o plano desta reunião, se a podermos chamar assim, então vou mandar o foda-se para a explicação. — Da sua mão saiu uma neblina negra, que aos poucos foi formando uma espessa cadeira. 

— Não sei se deva saltar a explicação, temos aqui uma aluna que não entende bem as coisas. — Sem se conter, deixou escapar uma gargalhada por entre os lábios. Porém, não foi o único desajeitado, outros permitiram escorrer risos e comentários a uma tal de Maria.

Maria pareceu tímida e tentou esconder o seu rosto por detrás das mãos gélidas. Michael continuou inexpressivo apenas sentando-se na cadeira de névoa com as pernas cruzadas.

— Vamos começar por você engraçadinho, se ver um demônio o que vai fazer? 

O rapaz levantou a sobrancelha e abriu a boca para dar a mesma resposta que dava em todas as aulas, mas não conseguiu, Michael foi mais rápido e perturbou-o: 

— Seja o que for que vai dizer está errado. Não existe um protocolo, caçadores criam um plano no momento. Ou será que não sabe improvisar? 

— Ah… claro que sei… senhor…

— Certo. Vamos imaginar então que tem um dêmonio atrás de você agora. — A névoa envolveu-se numa figura negra que olhava de perto as costas do jovem, era assustadora e inspirou-o a fugir antes que fosse tarde demais. — Me mostre!

Olhou pelo canto do olho e perdeu toda a coragem que tinha, nunca iria enfrentar algo tão medonho. Por segundos ficou apenas paralisado. 

Alguns temendo ser um teste avançaram sobre a criatura, acertando devastadores golpes no pó negro. 

Maria era um deles, isso fez Michael ganhar interesse na situação dela. Mesmo corajosa era troçada pelos companheiros. 

— Podem parar. — Girou os dedos formando um círculo e todo o nevoeiro que estava sendo usado de saco de pancada desapareceu no ar. — Vocês que avançaram contra a besta podem continuar aqui, os restantes voltem para as suas salas. Se fosse um combate sério, todos os que ficaram paralisados de medo iam ver o seu esquadrão morrer, um por um. 

— Que bela merda, nem acredito que fui eliminado — sussurrou um rapaz que falhara no teste.  

Um outro então surgiu dentro aqueles que confrontaram a besta e dirigiu-se a ele: — Para alguém que rebaixou tanto a Maria, como foi perder para uma fraca como ela e para os outros deficientes? — Com um sorriso no rosto, o estudante limitou-se a olhar o perdedor de cima e arrumar os seus óculos. 

— Vai se fuder.

De palavras rápidas, baixou a cabeça empurrando-o ligeiramente em seguida. 

Aos poucos, um por um foram trocando o verde das árvores pelo fosco dos corredores de mármore, restando por fim apenas os mais corajosos na escolha.

— Já que os primeiros foram eliminados, passaremos ao próximo teste. Quero ver do que a sua genética privilegiada é capaz.



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