Volume 1
Capítulo 3: As portas do destino
“Peçam, e será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta será aberta.”
Mateus 7:7
— Parece que o Michael vai sair hoje do hospital.
John, com um cigarro no meio dos seus dedos, via lentamente o fumo subir em direção ao teto. Fazia-lhe lembrar de Michael, a sua escuridão era semelhante à substância que saía do cigarro.
Ao lado dele, o quarto integrante do esquadrão colocava os seus grandes olhos azuis sobre dezenas de cartas que lhe foram entregues no mesmo dia. Mesmo ocupado, a sua beleza era divina: tinha uma pele mais branca que a própria neve e o cabelo loiro escorria pelo corpo até metade do tronco, tronco esse que parecia esculpido à semelhança do de um esqueleto.
— Pouco me importa, isso é problema dele. Agora, mudando de assunto, quer ver as cartas das minhas fãs comigo? Talvez haja alguma coisa boa — falava a figura angelical alucinando em meio aos seus pensamentos perversos. — Da última vez vi algumas fotos duvidosas, mas muito interessantes. — Mal cortou o monólogo, soltou uma gargalhada.
O caçador olhou para a figura reluzente de lado, lançando um ar de desaprovação sobre o ser.
— Nem sei porque trouxeram um anjo, não é como se isso fosse mudar a popularidade do nosso esquadrão. — De repente fez uma breve pausa e expirou o fumo, continuando. — Tem sorte que ninguém vê esse seu lado doentio.
Apenas com o foco na leitura das mensagens que os admiradores tinham deixado, o Anjo dos Mangás nem se deu ao trabalho de ouvir o que o caçador balbuciava de fundo.
— Se não quer ler o que os meus amores escreveram, pelo menos pare de fumar aqui. Não preciso desses vícios humanos em cima de mim.
Olhando a criatura nos olhos, ele retirou o cigarro da boca e soprou toda a fumaça em direção a cara do anjo. Sufocado pelo furacão de vapor do cigarro, sentiu pequenas lágrimas brotarem nos seus olhos e, logo depois, uma forte tosse perfurou-lhe a garganta.
— É surdo por acaso!? Não tenho paciência, nem tempo para aturar o seu mau humor. Os meus fãs esperam uma resposta urgente e muito dedicada de mim.
— Foda-se, não perguntei mesmo. — De cara séria, esmagou o pedaço de tabaco com a mão. Colocando, no momento seguinte, ambas as pernas sobre a mesa de vidro da sala.
Toc… Toc… Toc…
Surpresos, os dois olharam entre si esperando alguma acusação, mas nada. Percebendo que estavam ambos tão perdidos, visaram a porta com rapidez e, em coro, responderam:
— Entra!!!
A maçaneta girou sem demora e do outro lado Andrey surgiu. Era ele quem tinha sido encarregado, pela direção, de ir buscar Michael ao hospital. Contudo, não havia ninguém consigo.
— E então? O chefe ficou na casa do caralho?
O caçador adentrou a sala e avançou meia dúzia de passos. Sua respiração era ofegante tal como o seu peito que pulsava sem descanso, e tomou para si um dos lugares vagos.
— Deixa-me adivinhar, John, a balança está no azar?
— É, odeio quando não tenho um pingo de sorte. Pareço a minha mãe com TPM — resmungou ele, retirando mais um cigarro da caixa.
Em seguida, foi o isqueiro. Tentou ligá-lo, uma, duas, três vezes, mas nada de a chama iluminar a ponta do vício do caçador. Chateado, ele mandou o objeto sobre a mesa e começou o seu sermão ao azar:
— Pode ser pouco, mas é suficiente para me tirar do sério. Porém, se for só isso o problema de hoje, eu até que aceito de bom grato. — Ao mesmo tempo que da boca escrevia no ar as suas palavras, tentou procurar alguma alternativa, todavia sem sucesso. — Que ódio. Tem algum isqueiro?
— Acho que sim. — Regressando ao assunto principal, fez uma longa pausa para se situar. — Pensa, John, esse não é o problema aqui. Se não me engano, quando você entrou na equipe eu me lembro de te ouvir dizer que o seu problema afeta os outros, certo? — raciocinou ele. O bater constante da sua perna contra o chão era visível, assim como o olhar que escorregava sem parar por toda a sala.
O caçador estranhou o comportamento do seu companheiro de esquadrão, e essa estranheza fez a sua curiosidade querer entrar mais a fundo no problema:
— Aconteceu alguma coisa com alguém que você conhece?
— Não, pior que isso. A direção chamou o Michael para uma reunião, e eu estou sentindo que nada de bom vai sair dali. Eles não são de confiança, podem estar tramando alguma coisa depois de tudo o que aconteceu.
Recebendo um isqueiro novo, John acendeu o seu cigarro e, inspirando todo aquele mal, seguiu a conversa:
— Acho que realmente existe uma chance de eu ter algo a ver com isso, mas a verdade é que a nossa situação está uma bela merda.
No meio de toda aquela conversa, o Anjo dos Mangás, incomodado com aquela troca de palavras, tentava alegrar o seu pensamento com todas as maravilhosas cartas dos seus fãs. Porém, não era suficiente e aquilo o irritava. Anjos não tinham de ouvir histórias lamentáveis de humanos.
— Chega disso, eu gosto de responder os meus fãs nos meus momentos mais agradáveis, então não estraguem o clima com os seus problemas sem sentido. Não quero deixar uma gatinha triste porque dois imbecis não calavam a boca.
Na mesa, cinco homens, todos sentados, olhando entre si sobre um silêncio perturbador. Em frente a eles tinha uma porta e atrás uma pesada escuridão, tamanha essa a sombra que mal dava para ver os rostos de cada um dos líderes da divisão europeia.
— Vocês não estão achando estranha a atitude da Morte recentemente? Faz meses que ela interfere no nosso casos. Algo não está certo, isso eu posso garantir — divagou o mais a esquerda, quebrando a troca de olhares calados.
O do meio, mais gordo e baixo que os demais, entrou no monólogo do seu igual, concluindo:
— Talvez tenham vazado os planos de invasão ao complexo empresarial dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse!?
— Duvido, nenhum dos membros da OMD abriria a boca.
Outro entrou no meio da conversa, desta vez foi do extremo direito da mesa, segurava um livro nas mãos, ao mesmo tempo que aprontava o seu bigode. Tinha ao seu favor também uma postura mais calma que os seus antecessores na palavra, tomando com facilidade as rédeas da discussão:
— Nós sabemos bem que eles têm informantes em todos os lugares, estranho seria se eles não soubessem disso. O mais provável é estarem mantendo os funcionários mais desobedientes no devido lugar, sem deixar rasto. Claro, — com um discurso assertivo as suas palavras perfuraram que nem flechas os outros quatro, que em poucos segundos acenavam positivamente com a cabeça sem notarem — também existe a chance estarem nos provocando.
— Acho que falo por todos em dizer que é um ponto de vista acertado…
Toc… Toc… Toc…
Todos calaram-se e tomaram de novo a sua postura silenciosa, esperando envolver os seus esquemas nessa calmaria momentânea.
— Faça favor, estávamos a sua espera.
De imediato, Michael atravessou a porta para dentro da sala. Estava vazia como sempre, apenas a mesa com os homens por trás povoava o lugar. Habituado com aquilo avançou alguns míseros passos.
— Michael, aposto que sabe porque está aqui. O seu trabalho tem se mostrado cada vez mais ineficaz em não alarmar a população, o medo na Europa só aumenta a cada novo surto. O ataque na escola e a sua ida ao hospital foram só mais alguns exemplos disso.
— A mídia em todo o mundo não para de falar como os nossos caçadores são os mais negligentes do mundo. Além disso, as ações da bolsa dos nossos financiadores têm caído que nem uma cachoeira ultimamente. Isso é inadmissível para alguém que foi recomendado pelo alto escalão da organização.
Michael olhou para cada um deles calmamente, mal conseguia ver os seus rostos cobertos pela escuridão.
— Sendo assim, senhor Michael, gostaríamos que visitasse a Academia de Caçadores. Com isto queremos dizer que decidimos, através de uma votação unânime, expansão da sua equipa a partir de amanhã.
O mais a direita de novo interviu, cruzando os braços, modificando o rosto para um olhar agressivo. Depois de julgar o caçador de cima a baixo, passou as ordens:
— É simples, amanhã de manhã um dos nossos motoristas vai te levar lá e, dentre os candidatos, vai entrar para o esquadrão aquele que estiver mais adaptado às alterações genéticas.
O caçador protestou internamente, fazendo uma cara de espanto. Sem notar, a sua sobrancelha já estava reduzida ao ódio e, pouco tempo depois, já os seus punhos, agora cerrados, se tinham convertido.
— Desculpe interromper, mas eu não confio muito nessa tecnologia. Não existe nenhuma prova concreta que funcione e, se eventualmente funcionar, ainda acho mais confiável qualquer humano que use um demônio, já que sempre foram os preferidos pela OMD.
Nenhum deles gostou de ser contrário, e, em vez de um olhar ameaçador, agora eram cinco preparados para fatiar o Michael por inteiro num só ataque mortal. Deles, o do meio foi o primeiro a libertar a sua frustração:
— Não admito que nos desobedeça! Será um humano geneticamente modificado e fim de conversa. Ninguém neste continente acredita mais no uso de demônios, não mais depois de todos os fracassos sucessivos que vocês têm conseguido. Ainda têm sorte de não serem despedidos..
De cabeça baixa, engolindo tudo aquilo, Michael apenas acenou com a cabeça. Problemas com os seus superiores era uma coisa que ele tinha de evitar sem qualquer dúvida.
— Ainda bem que entendeu. Hoje mais para o fim do dia será entregue o seu horário para amanhã, qualquer aluno pode ser integrado ao esquadrão. Contudo, alguns, segundo o diretor, apresentam defeitos. Talvez seja melhor analisar bem antes de tomar uma decisão precipitada — revelou outro dos homens, de braços sobre o peito e postura relaxa, parecia dar pouca importância àquilo em comparação aos seus companheiros de profissão.
Cumprimentando visualmente cada um dos cinco, o caçador apenas voltou as costas e abriu a porta, soltando, pela última vez, meia dúzia de palavras ao superiores:
— Amanhã estará tudo resolvido.
— Já agora, Michael. Os tempos mudam e, para evoluirmos, o passado tem que ficar para trás. Os caçadores estão morrendo aos poucos e novas armas vão substituir os seus lugares. Pense bem nisso. — As palavras saíram de forma calma, mas com uma pitada de provocação.
Com força a porta bateu. Essa pequena explosão sonora foi acompanhada da volta do silêncio. A reunião estava finalizada e tudo parecia correr da forma prevista.
— Acho que terminamos por hoje. Tenho ainda algumas reuniões a fazer, mascarar toda essa confusão não é tão fácil como parece — O da esquerda apressado levantou-se e em seguida arrumou a sua cadeira.
O da extremidade direita olhou de forma perturbadora para o homem atarefado, fazendo uma leitura calma e fria de toda a sua postura.
— Oh, caralho, não sou sua puta para olhar assim para mim…
— Educação, Marcus... educação.
Enquanto as tensões entre os importantes homens estavam cada vez a escalar mais, um barulho ecoou pelo espaço.
Toc… Toc… Toc… Toc…
— Alguma queixa do plano, Michael? — questionou um dos engravatados, sem nem ter visto a pessoa do outro lado.
De andar superior e visão aguçada, a figura misteriosa entrou, calando todos e usando como arma o silêncio. A máscara branca com alguns detalhes em vermelho fez arrepiar a pele de cada um deles:
— Será que essa é a forma mais correta de tratar um membro do conselho?
Um por um, os cinco, foram arregalados os olhos. Era o número seis do conselho dos Escolhidos em carne e osso. Sem hesitar, assim que a presença do homem tomou a atenção da sala, todos fizeram uma saudação.
— Isso, sim, é respeito. Contudo, deixemos as regras de etiqueta para outra hora, temos coisas mais importante a tratar. Como o nosso plano, não é?
— Sobre isso, talvez não tenhamos o que o senhor queira. Nenhum de nós acredita que podemos ganhar algo significativo em ajudar.
Com uma gargalhada alta ele aproximou-se lentamente da plateia, deitando o seu corpo sobre a mesa.
— Acho que vocês ainda não perceberam, todos os cinco aqui ganham a coisa mais importante.
Antes de se expor, o homem calou-se e focou o seu olhar no teto branco. Paralisado, seguiu a observar o limbo em cima de si por minutos, perturbando os presentes.
— E qual seria essa coisa, senhor? — perguntou o mais calmo dos chefes da organização europeia.
— Não é fácil de entender? É a segurança das suas famílias, ou até mesmo a sua. Seria um problema se a Betty, Matilda ou até a Jully desaparecessem sem deixar rastros. Mas eu acho que elas também sentiriam falta caso fosse o Marcus ou o Nicolai.
Ao ouvirem aquilo, sentiram uma aura ameaçadora pesar sobre a sala, as mãos deles tremiam e suavam, nem mesmo uma frase conseguiam formular.
Com um sorriso no rosto, o homem misterioso levantou o seu corpo da superfície de metal e colocou-se de pé em frente daqueles cinco, continuando o seu discurso:
— Ainda bem que entenderam a mensagem queridos, espero que não saia daqui a nossa conversa, se não eu vou me divertir muito com os seus corpos antes de ser descoberto… Hahahahahaha… Ai, ai. Mas enfim, tenho algumas perguntas a fazer sobre o Michael antes de ir, tenho estado com dúvidas se vai ser mesmo fácil como vocês disseram…