Possessão Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume 1

Capítulo 9: Obtendo Informações

Em uma sala escura, iluminada apenas em seu centro por uma lâmpada, estava uma cadeira de ferro. Um homem encapuzado foi trazido por duas pessoas que o sentaram nela.

Ele tentava olhar para os lados, se debatia e gemia, até amarrarem suas mãos contra o encosto da cadeira e retirarem seu capuz e sua mordaça. Seus olhos repousaram nas duas figuras a sua frente, enquanto sua respiração se mantinha ofegante.

Yuhiro Nakazawa, seu contrato com o demônio acabou e agora é hora de pagar o preço…

Ele estava suando frio, somado ao fato de estar sem camisa e com um ar gelado vindo da sala que o faziam tremer.

Queremos saber tudo de sua operação. Para onde vão as mulheres que sequestram, como são escolhidas e como planejam e fazem a distribuição de suas drogas — falou Matheus bastante calmo, sem pressa.

Eu não posso. Se falar eles me matam!

Um soco veio em direção a sua boca, resultado em um corte que fez ela se encher de sangue.

Não foi o que eu perguntei…

Por favor, cara. Eu tenho dinheiro. Posso te dar o quanto quiser!

Com sua prótese, ele desferiu uma descarga elétrica forte o suficiente para fazê-lo convulsionar. Mesmo após o ataque, ele não desmaiou.

Pela sua resistência posso assumir que você vendeu sua alma e se tornou um deles. Melhor assim… Dá pra arrancar mais pedaços de antes de morrer.

Não faz isso, cara! Eu sei que deve ter algo que você quer. Eles podem conseguir de tudo!

Eu sei que podem, mas tem prazeres que o dinheiro e a ganância não podem comprar. O que você fez com aquelas mulheres é algo que só quem está no fundo do poço consegue saborear. Eu já estive lá, vislumbrando seus cantos mais sombrios. Quer saber o que está além da escuridão?

Matheus voltou seu olhar lentamente de forma perversa para sua companheira e disse — Mostre a ele.

Rapidamente, a mulher outrora gentil e amistosa transformou seu olhar e seu modo de caminhar. Indo até um canto da sala, ela trouxe o que parecia ser uma mesa tapada com uma toalha. Quando chegou perto de Yuhiro, retirou o pano, mostrando bisturis, alicates, serras e outros itens aterrorizante para alguém na situação dele.

Sabia que em minha antiga equipe, era eu a responsável por arrancar informações? — falou Asashio fria como gelo, inspecionando um bisturi.

Ele começou a tremer ainda mais e a olhar desesperado para Matheus.

Vou deixar os dois se conhecerem. Não se importem com o barulho, ninguém vai ouvir…

Assim, ele deu de costas, ignorando os pedidos dele.

O desenrolar da noite foi, para as outras, simplesmente refletir sobre os acontecimentos, tomar um banho e dormir. Na manhã seguinte, Mutsuki acordou algumas horas mais tarde do que costumava, quase na hora do almoço.

Depois de ver as horas no relógio, ela se levantou rapidamente e correu para o banheiro. Tendo feito uma higiene básica as pressas, ela foi terminando de vestir suas roupas no meio do caminho.

Quando entrou na cozinha, foi recebida por todas as suas companheiras, exceto Asashio.

Kasumi foi a primeira a falar.

A bela adormecida acordou.

Que feio, Mutsukinha!

Aquele remédio que te dei ontem fez mesmo afeito pelo visto…

Bom dia. Desculpem, meninas. É, eu acho que fez mesmo, Satsuki. Que bom ter você como enfermeira, hahaha — respondeu coçando a cabeça com um sorriso envergonhado.

Então, ela caminhou para se sentar na mesa, fungando algumas vezes com o nariz. Ao olhar para a cozinha, viu a figura de Matheus cozinhando.

Bom dia, Matheus.

Bom dia. Como hoje sou eu quem cozinha, vou fazer uma comida bagual — falou de costas para elas, sacudindo uma frigideira.

O que ele disse? — perguntou Mutsuki a Yuudachi, cobrindo a lateral de sua boca, sendo respondida com ela dando de ombros.

Mas então, Mutsuki. O que achou da operação de ontem?

Mutsuki ficou visivelmente desconfortável. Yuudachi, que estava mais próxima dela, olhou para Kasumi.

Que isso, Kasumi? Falar duma coisa dessas logo no almoço?

Só estou falando da nossa operação de podar as árvores, retirar ervas daninhas, coisas do dia-a-dia.

Mutsuki tocou no ombro de Yuudachi e respondeu Kasumi.

Não foi nada demais, acontece todo mês. No começo você se assusta, mas logo vira rotina.

Yuudachi ficou olhando espantada para ela por alguns instantes, logo após alguns segundos, a postura de Mutsuki tornou-se de um pouco encolhida e vestiu uma expressão de estranheza. Antes que pudesse formular uma frase entre alguns murmúrios, Kasumi abriu lentamente um sorriso no canto da boca.

Aprendeu rápido, mas não pode ter medo dele.

Logo em seguida, Matheus chegou carregando 5 pratos com pães grandes, recheados com o que estava fazendo na frigideira.

Porque foram boas garotas, hoje vão comer como rainhas.

Como é que é? Pão?! — falou Yuudachi escandalizada.

Satsuki baixou seu livro o seu para ver do que se tratava.

É carne aqui dentro?

Entreveiro, uma comida que representa muito bem minha terra natal. Aí dentro tem carne de vaca, de ovelha e de porco, tudo misturado e temperado, com maionese pra acompanhar.

Yuudachi ficou horrorizada com aquele prato que era o puro desespero daqueles que vinham de uma sociedade mais acostumada a verduras, como a japonesa, por outro lado, as outras aceitaram de bom grado, comendo com muita vontade.

Isso é muito gostoso! — falou Mutsuki com um brilho ofuscante nos olhos e de bochechas cheias.

Meio forte, mas eu gostei. — disse Kasumi

É muito revigorante comer carne assim, principalmente depois de treinar. Experimenta também, Yuudachi.

Com o pedido de Satsuki, ela pegou o pão com as mãos e timidamente repousou seus dentes sobre ele, dando uma dentada na ponta. Aos poucos, sua resistência foi diminuindo e logo logo estava como as outras.

Matheus se sentou a mesa, acenando positivamente com a cabeça quando recebia elogios. Ele se sentou para comer seu pão e falou com elas.

Aproveitem. Estou muito orgulhoso de vocês, principalmente Mutsuki. Um brinde a nossa nova companheira de batalha!

Ele levantou seu pão ao alto, com as outras fazendo o mesmo, saudando de forma simbólica sua verdadeira iniciação.

// — // —

Algum tempo depois, Matheus recebeu Mutsuki em seu escritório, sobre o pretexto de que ele precisava de um relatório dela. Ela bateu na porta e se aproximou da mesa.

Sente-se. Deixe eu te servir um mate.

Ele encheu o copo forrado com couro que usava e colocou do lado oposto da mesa. Por alguns instantes, ela o encarou com dúvida.

Não quer?

Não, o estranho é isso. De uns dias pra cá eu comecei a preferir coisas amargas e me deu vontade de comer mais carne que o de costume.

Deve ser por causa da possessão. Ela começa a se manifestar de algumas formas e se mescla um pouco com a sua personalidade. Nesse caso a agressividade que seu outro eu exerce pode ter desencadeado uma preferência por esse tipo de coisa, rejeitando coisas doces e leves. Provavelmente foi isso na cozinha mais cedo.

Mutsuki olhou um tanto melancólica para seu chimarrão, o pegou em mãos e bebeu seu conteúdo com vontade.

Essa coisa faz parte de mim mesmo, né… Lá na festa, briguei com um traste que tinha, depois que sacou uma faca pra namorada dele. Uma voz na minha cabeça veio dizendo que ele era como o Yuito e os amigos dele. Também não parava de me lembrar que “Para que o mal triunfe, basta que as pessoas de bem façam nada”.

Acho que ela se fixa nos personagens desse filme. Já tentou conversar com eles?

Mutsuki largou sua bebida, levou as mãos a cabeça e começou a chorar.

Eu só queria sair com minhas amigas e agora eu mato pessoas e fico falando com vozes na minha cabeça! Nem meu irmão eu posso mais ver…

Matheus deixou ela chorar por todo tempo que precisou, até seu rosto ficar em farrapos, então ele tirou um lenço de seu bolso e limpou suas lágrimas.

Desculpa. Eu tento superar isso tudo, mas é tão difícil.

Preciso que você tente conversar com suas vozes, redescobrir a si mesma. Se estiver certo, então entrar em sintonia com sua outra personalidade pode até mesmo te ajudar nessas horas. Por que não conversa com as outras sobre isso? A Kasumi mesmo até já te deu uma dica de não ter medo.

Eu não quero chatear ninguém, não mais do que já fiz…

Já deve ter notado, mas ninguém aqui tem um passado bonito. Quando estiver sozinha com alguém, peça ajuda. Mesmo que seja incomodo, tenho certeza que todos ficarão felizes em te ajudar.

Um breve sorriso melancólico se abriu em seu rosto e logo em seguida voltou quase a seu estado de humor original, se não fossos seus olhos húmidos.

Me dá um… Matê?

Claro, quantos precisar… — falou ele pausando brevemente para lhe servir e seguiu — Vamos começar uma nova série de treinamentos com você amanhã. Armas longas, combate a curta distância e combate corpo-a-corpo. Seus professores serão Yuudachi, eu e Asashio, respectivamente. Alguma dúvida?

A Asashio vai me treinar?

Ela é a melhor. A propósito, vou lhe dar um conselho. Quando sair daqui, vá até Yuudachi e peça umas dicas. Diga que quer saber a diferença entre um revólver e uma pistola.

Matheus parou de falar, colocou a mão por dentro de sua gandola e retirou sua arma de seu coldre, um revólver.

Pegue. Diga que eu te emprestei pra ela te mostrar.

Ele abriu o cilindro e retirou as munições, depois entregou ambos nas mãos de Mutsuki. A arma era de um azul tão escuro que parecia preto, com cabo de madeira avermelhada entalhado com o nome Rossi.

Que bonito.

Se quiserem atirar com ele, diga que é apenas 38. Divirtam-se.

Mutsuki levantou-se e curvou sua cabeça para Matheus.

Obrigada. Eu me sinto melhor conversando com você.

Disponha — respondeu ele com brilho nos olhos

Mutsuki saiu da sala e caminhou pelos corredores em direção ao quarto de Yuudachi. Quando bateu à porta, ouviu a voz dela dizendo para entrar e o fez, dai pode vê-la deitada em sua cama lendo manga. Ela olhou para Mutsuki que estava mostrando o revólver de forma interrogativa, então foi respondida.

Me ensina a usar?

Imediatamente Yuudachi saltou da cama e correu com ela para o estande de tiro.

Deixa eu ver ele! — falou Yuudachi animada ao pegá-lo como uma criança pegando um brinquedo novo e continuou — É um Rossi! Não fabricam um desses a 20 anos!

Ele disse que é 38, seja lá o que isso quer dizer.

Vamos usar imediatamente!

Yuudachi correu pelos corredores para testar a arma, entrando no quarto de Matheus sem bater ou pedir licença, ainda que o mesmo não se encontrasse. Espalhando várias munições pela mesa do estande, com a alegria de uma criança que espalha seus brinquedos para brincar, virou-se alegre para Mutsuki.

Deixa eu te mostrar. Primeiro você abre e coloca seis balas.

Ah? Só seis?

A explicação foi bastante simples, devida a própria natureza da arma, mas sobre as diferenças, vantagens e desvantagens em relação a uma pistola vieram a ocupar um tempo considerável da conversa. No fim, quando finalmente testaram a arma, Mutsuki saiu extremamente frustrada com o resultado.

Essa coisa é horrível! O gatilho faz meus dedos doerem de tão duro e só tem 6 tiros!

Um brinquedo não precisa ser bom pra você gostar dele. Nessas horas o valor emocional fala mais alto!

Mutsuki, embora não estivesse tendo um resultado agradável, sorriu ao ver Yuudachi se divertindo. Ela sentou na própria mesa ao lado das munições e perguntou para sua amiga.

Então, como você lida com essa vida?

Yuudachi ficou com a munição que estava carregando parada, então soltou lentamente no tambor. Ela não parecia incomodada, apenas se manteve olhando silenciosamente para a arma antes de responder.

Bom… Quando cheguei aqui tava arrasada. Não conseguia comer, tomar banho ou sequer dormir direito sem ter um pesadelo. A mulher que me recebeu, a Sagiri, vinha no meu quarto todos os dias. Ela dizia pra mim colocar um sorriso no rosto e pensar em como poderia compensar pelo que fiz. Desde então eu caço demônios, talvez pra provar pra mim mesma que não sou como eles.

Mutsuki desviou o olhar dela em direção aos alvos que havia disparado.

Então sua motivação e lutar contra eles?

Sua ouvinte saiu da inércia e continuou carregando as munições que faltavam.

É isso que me faz sentir humana… No começo eu não entendia nada de armas, sabia?

Ela fez seus disparos sem pressa e descarregou a arma antes de soltá-la sobre a mesa e encontrar os olhos de Mutsuki para continuar falando.

Eu queria mostrar a mim que poderia me tornar melhor, dai comecei a estudar sobre um assunto o qual não sabia absolutamente nada. Muito tempo depois encontrei o Matheus e desde então somos melhores amigos. Foi ele quem me fez uma nerd, haha… Você disse que o gatilho é duro, só tem seis balas e as miras são arcaicas, mas vencer essa dificuldade só aumenta a nostalgia deu conseguir superar aquela que sou hoje.

Superamos a si mesma… — falou desviando o olhar sussurrando baixinho.

Disse alguma coisa?

Ah, é que me disseram que a gente vai começar a treinar com armas longas. Queria que me mostrasse uma.

Pois então está no lugar certo, senhorita!

Mutsuki seguiu com Yuudachi para ver as opções disponíveis e, de quebra, receber um aulão de história e engenharia bélica. Por mais que tenha se estendido por um tempo considerável, ela não estava incomodada, até porque nunca deixou de sorrir por todo tempo que passou com sua amiga.

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Na noite daquele mesmo dia, Asashio se encontrou com Matheus no prédio escolar acima da base. Ele estava bebendo seu tradicional chimarrão sentando em uma das várias classes, olhando pela janela. Diferente do seu jeito alegre e maternal, ela estava friamente séria.

Ele falou.

Matheus tragou o restante de sua bebida antes de responder.

Então?

Kasumi estava certa, ele era amante da Hisen. Eles estão usando algumas lojas de fachada para distribuição de drogas, dentre elas aquela onde a Mutsuki trabalhava. Gostam disso pois dá pra esconder elas nos doces.

Asashio deu um brevea pausa para finalizar seu raciocínio. Matheus, se virou para ela e soltou seus itens.

O que mais?

Seus estabelecimentos são geridos na maioria por mulheres, as quais eles fazem questão de que sejam atraentes, para depois oferecê-las ao seus clientes mais fiéis e Mutsuki era uma delas. Ele disse que Hisen muitas vezes comparece a essas trocas, para realçar os laços entre ela e os clientes e me passou uma lista com o nome de algumas das candidatas para o próximo evento que farão.

Asashio largou sobre a mesa uma nota. Matheus olhou ela e disse — Não gosto dessa ideia. Vamos ter que esperar eles agirem… Avalie as candidatas, depois que fizer, quero falar com você sobre como e se podemos alertar elas. O que aconteceu com Yuhiro?

Coloquei ele na van e mandei pro hospital, depois fiz questão de fazer uma denúncia anônima pra polícia sobre algumas evidências na mochila que dei pra ele.

Com o dinheiro que eles tem, sabe que não ficará na cadeia por muito tempo.

E se tentarem tirar ele de lá, terão que passar por nós. Ganhamos dos dois jeitos.

Os dois riram alto e mudaram bastante o clima tenso que havia desde dia anterior. Depois Asashio se sentou cansada na classe a frente de Matheus. Ele encheu sua cuia com água e repassou para ela. Assim os dois permaneceram juntos olhando a luz do luar, em silêncio.

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