Possessão Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume 1

Capítulo 8: Batismo de Fogo

No bunker, uma sala ainda não conhecida por Mutsuki estava funcionando a todo vapor. Não era um lugar secreto, apenas não havia necessidade de mostrá-la, pelo menos até então.

Uma mesa de reuniões estava em seu centro, embora suas cadeiras fossem simples cadeiras de ferro quase sem estofamento.

Um ar-condicionado trabalhava de maneira um tanto ruidosa para mantê-la fria, junto de uma parede cheia de telas de câmeras de segurança e computadores.

Asashio usava um deles para compilar diversas fotos, vídeos e gravações, com Kasumi aparecendo em diversas delas. Destacava-se a dentre todas elas a foto de uma casa noturna, a qual ela estava observando com afinco.

Logo em seguida, Matheus apareceu batendo na porta aberta, apenas para avisar sua ocupante. Sem esperar resposta, ele entrou.

Que bom que chegou. Veja isso aqui.

Uma boate? O que tem ela?

Kasumi conseguiu descobrir que um dos subordinados da Hisen estará lá, seu braço direito.

Se pegarmos ele, podemos fazer com que nos diga onde ela está. Ótimo, vou falar para as outras se prepararem. — falou distanciando-se da tela, cruzando os braços e olhando diretamente para Asashio antes de continuar — Meu único receio é quanto a Mutsuki…

Sua companheira largou o que estava fazendo e virou-se para ele.

Há duas semanas ela era uma menina normal do ensino médio. Com a minha experiência, não dá pra confiar em gente assim.

Acho exatamente a mesma coisa, porém, não existem muitas pessoas com a habilidade que ela tem. Se não dermos uma chance dela crescer, ela nunca irá. — disse escorando-se na parede e desviando o olhar para a entrada. — Nas conversas que tive com ela, consegui constatar que seu estado mental é estável, até muito resiliente. A grande questão é saber como ela vai agir sobre pressão.

Asashio levou sua mão ao queixo, desviou seu olhar e assumiu uma postura reflexiva.

Ela não teve nenhum sintoma?

Até agora não. Ainda é cedo pra ter qualquer certeza, mas é um fato curioso… Já me decidi. Ela fará parte da operação, na retaguarda. O único jeito de ter qualquer certeza é ir a campo… Isso soa nostálgico pra você?

Ela sorriu e deu um riso baixinho.

Me lembra dos velhos tempos… Não sei dizer se é nostálgico…

Matheus caminhou até ela e touco seu ombro, com seu corpo apontado para saída.

Vou passar a ordem. Prepare tudo para o Briefing.

Ele saiu do cômodo, deixando Asashio mais uma vez sozinha com suas várias informações e agora dúvidas.

A cozinha, a algum tempo, vinha sendo usada como área de recreação e lazer entre as companheiras da equipe de Matheus. Yuudachi estava sentada em uma das mesas, mostrando para Mutsuki como fazer cama de gato.

Você pega os fios e passa pelos dedos assim…

Com seus malabarismos, formou uma figura parecida com a torre Eiffel.

Que legal! Eu sempre gostei de ver as pessoas fazerem este tipo de coisa, mas nunca consegui alguém que me ensinasse.

Seus pais não sabiam?

Mutsuki surpreendeu-se um pouco com a pergunta. O assunto família era algo que desde os primeiros dias era evitado, não bastasse a vez em que Satsuki disse que ninguém tinha uma. Ainda sim, ela respondeu.

Eu não era muito chegada a meus pais. Eles sempre passavam ocupados com o trabalho. De vez em quando me davam presentes ou fingiam se preocupar, mas no fundo só meu irmão realmente se importava comigo.

Yuudachi se encolheu um pouco, parecendo um pouco chatiada. Quase na mesma hora, voltou a sorrir.

Me fala uma coisa. Seu irmão é bonito? — perguntou com um sorriso felino.

O humor de Mutsuki demonstrou-se bastante revigorado ao falar de seu ente querido. Ela gesticulou com as mãos e falou acelerado.

Sim! Ele é alto, queixo pontudo e tem olhos azuis lindos!

Hum… Me apresenta ele um dia?

A resposta dela tinha um quê esperançoso, por mais que mantive um certo peso.

Com um sorriso igualmente esperançoso, Mutsuki respondeu.

É claro. Eu ficaria muito feliz se vocês se dessem bem.

A troca de olhares entre elas durou alguns segundos, até Yuudachi fazer outra pergunta.

Satsuki, tem alguém que você gosta?

A mesma se encontrava na outra ponta da mesa, de cabeça baixa lendo um livro. Com a pergunta de Yuudachi, seu rosto brilhou um pouco, quebrando o ar sério que usualmente tinha.

Sim, um namorado. Gostava muito dele…

Aí, que legal! O que aconteceu com ele?

Satsuki imediatamente baixou sua cabeça e gesticulou negativamente com ela, completamente o oposto de sua reação anterior.

Percebendo se tratar de um assunto espinhoso, Yuudachi trocou olhares com Mutsuki, então coçou a cabeça. Logo em seguida, Matheus entrou recinto.

Senhoritas, desculpem estragar o tempo livre de vocês, mas teremos uma operação hoje.

Satsuki e Yuudachi imediatamente passaram a prestar atenção nele, enquanto Mutsuki parecia incerta de como reagir.

Aproximando-se delas, Matheus largou um envelope sobre a mesa, depois se aproximou de Mutsuki e colocou a mão sobre seu ombro.

Quero que participe hoje. Pode fazer isso?

Ela levantou sua mão e a colocou sobre a dele, acenando positivamente com a cabeça, vestindo um olhar firme.

Ótimo, conto com você — falou tirando a mão de Mutsuki e se afastando para olhar as outras, então completou — A operação terá início a meia-noite. Usem somente os equipamentos de porte velado, o resto fica na van. Asashio irá lhe passar os detalhes mais tarde.

Tendo feito sua parte, ele deu as costas e foi embora. Mutsuki respirou fundo no instante em que a porta se bateu. Yuudachi levou sua mão até a dela.

É a hora da verdade, Mutsukinha. Nós treinamos justamente para esse dia!

Satsuki, por outro lado, olhou com incerteza para Mutsuki e depois para porta por onde Matheus havia saído.

Vamos nessa!

Tanto Yuudachi quanto Mutsuki levantaram a mão em forma de punho para o alto e caminharam para saída, tirando Satsuki de seu estado pensativo.

As três partiram em direção ao arsenal. Lá, Mutsuki pegou sua bolsa, checou sua pistola, verificou os carregadores extras e recebeu mais algumas dicas e equipamentos. Com tudo pronto, ficou olhando para suas mãos e sua arma. Aquele seria seu batismo.

Muito tempo havia se passado desde então. A ansiedade era evidente em todas elas, mas especialmente em Mutsuki. Para ela, com toda certeza, as horas se pareceram dias, entretanto, a espera finalmente tinha chegado a seu fim. Naquele momento, estavam todos na sala de briefing.

Prestem atenção. Nosso objetivo é capturar o braço direito da Hisen, Yuhiro.

Quem dava as instruções era Asashio, usando um pointer em uma tela grande no meio da sala para apresentar alguns slides, o qual estava com a foto de um homem relativamente novo, um pouco mais velho que Satsuki.

Como podem ver pelas imagens, o lugar é bem movimentado, por isso precisam ser discretas. Há somente uma entrada na frente que, para nossa sorte passa lotada, ou seja, menos um lugar para alguém fugir. Vocês farão uso da saída nos fundos.

Ela saiu de onde estava e apoiou suas mão sobre a mesa longa onde todos os outros estavam sentados.

Quanto a distribuição de tarefas, Matheus ficará dando cobertura a partir do prédio a frente com seu rifle. Yuudachi e Satsuki vão entrar nos andares superiores e procurar pelo alvo. Kasumi e Mutsuki ficarão no primeiro andar para evitar que alguém escape e como primeira linha defensiva caso mais capangas apareçam. Eu vou ficar na van observando pelas câmeras de segurança e vou parar no beco dos fundos quando forem extrair. Alguma dúvida?

Todos ficaram em silêncio.

Dispensados.

Então começaram a sair um por um, mas quando foi a vez de Mutsuki, Asashio a barrou na porta. Com olhar de curiosidade, a jovem ficou observando-a, até vir uma resposta.

Mutsuki… — falou com tom de preocupação — Se precisar usar sua possessão, não hesite. Não tenha medo de fazer o que for preciso.

Ela assentiu acenando com a cabeça e respondeu — Obrigada, Asashio. Me ajudaram tanto que não acho que consiga retribuir, então devo tentar o possível por vocês e por todos as pessoas que eles feriram.

Mutsuki mais uma vez reestabeleceu seu semblante determinado, sendo respondido com um sorriso orgulhoso vindo de Asashio, com um pequeno aperto em sua bochecha e um tapinha nas costas. Deste modo elas partiram para sua missão.

// — // —

Pelas esquinas sombrias de um beco esgueiravam-se três pessoas. Todas elas estavam com a atenção dirigida para todos os lados, ainda que transmitissem uma certa naturalidade no que faziam.

No caminho havia lixo espalhado por alguns cantos, emanando um cheiro desagradável e até alguns bêbados cambaleantes que abarroaram Satsuki pedindo esmola, mas com um leve empurrão, um deles caiu e o outro se afastou, balbuciando algum resmungo.

Em uma porta atrás de um prédio, elas bateram. O som da fechadura veio logo em seguida e a pessoa revelada era a própria Kasumi, maquiada e com batom vermelho.

Olá, meninas. Fiquem à vontade.

Assim, todas caminharam em silêncio uma atrás da outra pela entrada de serviço.

Rapidamente o barulho retumbante de música passou a ser ouvido, até chegarem a uma porta dupla com isolamento. Quando foi aberta, a festa que se desenrolava passou a estar diante de seus olhos.

Ela era escandalosa, música extremamente alta e pessoas dançando pela maior parte do local. Alguns casais se azaravam aqui e ali, outros discutiam. Ainda havia alguns fazendo algazarra, quase trocando socos.

Vocês vão na frente. Eu vou seguir com o plano e ficar com a novata ali no bar — disse Kasumi colocando as mãos sobre os ombros tensos de Mutsuki.

As duplas se separaram e foram em direção aos respectivos lugares para onde foram designadas.

Kasumi agarrou a mão de Mutsuki e a puxou. Abrindo caminho entre a multidão, sentaram-se na mesa e foram recebidas pelo balconista.

Um refri pra mim e pra ela — pediu gesticulando o número 2 com os dedos, depois se voltou pra sua companheira e continuou — Não nos falamos muito, né, Mutsuki?

No momento, sua ouvinte estava distraída, dando uma boa olhada para o lugar, virando-se com um olhar interrogativo.

Pois é, agora que falou…

Eu sou mesmo mais distante dos outros. A maior parte do tempo estou servindo como os olhos de ouvidos da equipe, mas gosto de conhecer as pessoas.

Kasumi pegou de seu bolso um maço de cigarros, pôs um na boca e ofereceu o restante para Mutsuki.

Com um olhar assustando, abanando negativamente com a mão, ela recusou.

Não, eu sou menor de idade.

Menor de idade e metida nessa vida… Pega um. Acho que é o menor dos seus problemas.

Mutsuki pegou e levou a boca, com Kasumi acendendo com um isqueiro. Imediatamente começou a tossir.

Esse negócio é horrível!

Se não quer, joga fora. — respondeu acendendo o seu.

Foi exatamente o que ela fez, esmagando o cigarro em um cinzeiro que o balconista trouxe junto de sua bebida.

Logo ao lado delas, um casal começou a discutir. A princípio, era algo costumeiro, motivado por ciúmes, porém, após alguns minutos o homem deu um tapa no rosto da mulher, deixando-a caída no chão.

Mutsuki olhou com raiva para aquela cena, mesmo de cerrar os dentes. Kasumi, vendo aquela reação, tocou seu ombro e sussurrou em seu ouvido.

Não é problema nosso.

Não era o suficiente, Mutsuki aos poucos ia perdendo cada vez mais sua estabilidade.

// — // —

Antes de conseguirem entrar no andar de cima, Yuudachi e Satsuki foram barradas por dois seguranças.

Ei! Não podem entrar aqui.

Satsuki colocou a mão no bolso da jaqueta e ficou com ele rente ao peito do homem, disparando sua arma silenciada. Yuudachi, interveio de outra forma, passando um fio de nylon a volta do pescoço do segundo e o enforcando. O lugar ficava mais retirado do grande público, mesmo assim, elas esconderam os corpos em uma das várias cabines privativas do local.

No segundo andar, som de risadas podiam ser ouvidas vindas de uma das salas. Com a porta entre aberta, podia-se ver quatro homens armados jogando cartas. Satsuki ligou sua escuta e falou baixo para não ser ouvida.

Matheus, na última janela a esquerda do segundo andar, consegue ver?

Sim. Querem fazer um ataque sincronizado? O da direita é o único de quem tenho boa visão.

Certo. No três… Um… Dois… Três!

Matheus acertou com seu rifle, de modo que partes de seu crânio saltaram sobre um dos indivíduos. As outras duas abriram fogo contra os outros dois que não tinham sido afetados, disparando várias vezes contra eles.

O remanescente se jogou no chão e puxou sua arma, com um disparo sendo dado antes que elas conseguissem matá-lo.

Droga! Fomos comprometidas!

Eu vou dar cobertura, mas não tenho visão boa dos locais. Avancem o mais rápido possível.

Ambas saíram correndo pelos corredores. Dois homens surgiram a sua frente, sendo alvejados antes que tivessem chance.

No fim do corredor estava uma porta onde a inteligência apontava ser o quarto de Yuhiro. Com um chute, Satsuki arrombou a fechadura.

Uma mulher sem roupas repleta de marcas de ferimentos estava jogada no chão. Quando verificaram que não havia mais ninguém, Yuudachi correu para socorrê-la.

Você está bem?

Ela levantou sua cabeça com dificuldade. De rosto erguido, olhou com raiva para sua salvadora.

Por que?! Ele ia me pagar tanto e vocês estragaram tudo!

Que?! Tá me dizendo que preferia ser espancada por um lixo como ele?!

Ele fez eu lamber o pés dele! Depois bateu em mim com um chicote e ainda fez eu dizer que gostava! Ele ia me fazer famosa e eu finalmente poderia ter uma vida decente, mas tudo foi em vão!

Ela começou a chorar e se encolheu em posição fetal. Yuudachi estava estagnada, sem reagir.

Deixe ela! Há pessoas que preferem ter uma vida de animais e ainda se vangloriam disso… Temos que correr atrás dele — disse ela levando sua mão em direção a seu comunicador — O alvo está fugindo, tentem interceptar ele!

// — // —

Do outro lado da linha, antes da chamada ser feita, a discussão entre o casal escalou a tal ponto que Mutsuki não se conteve, não depois do homem ameaçar cortar o rosto da garota, não após ver as pessoas rindo da humilhação que ela estava sofrendo.

É isso que essa vadia merece!

Isso que dá uma puta achar que pode se dar bem!

Mutsuki correu e agarrou o homem das contas, arremessando-o sobre o balcão.

O que você pens…

Antes de completar a frase, um punho veio voando no meio de seu nariz, depois outro em sua boca, forte ao ponto de arrancar um dente.

O restante da multidão, alguns que pareciam ser seus amigos, vieram atrás dela. Tendo pego o canivete do agressor ela jogou contra o estômago de um deles, fazendo-o cair de costas sobre o outro que vinha mais atrás.

Vermes imundos! Vocês não valem a merda que cagão!

A demonstração explosiva de raiva, somado ao fato dele estar disposta usar força letal, fez com que os outrora valentões se acovardassem e todas as vozes de escárnio cessarem.

Kasumi, voltou a tocar-lhe o ombro, sendo que desta vez ela revidou com um soco, do qual ela desviou.

Mutsuki, percebendo que estava atacando sua amiga, recuou.

De novo… Eu…

É bem como você disse… Eles não valem a merda que cagão, muito menos nosso tempo.

Então, neste momento, a ligação de Satsuki foi feita. Quase na mesma hora, um homem sem camisa acompanhado de mais dois de preto saiu correndo rumo a saída.

Mutsuki se apressou para pegar sua bolsa e Kasumi seguia logo atrás, com seu revólver em punho.

Nos fundos do edifício, Asashio havia movida a van de forma a bloquear a principal rota de fuga, fazendo necessário eles contornarem o prédio. Isso deu tempo suficiente para suas principais perseguidoras interceptarem o trio.

Disparos foram dados, tendo as duas como alvo. Reflexivamente, elas buscaram cobertura. De lá, pela primeira vez, Mutsuki alinhou sua mira contra um ser humano. O peso do gatilho deveria ser imenso nessa hora, entretanto, muito por conta da prática, não foi demorado e nem impreciso. O tiro pegou no pescoço de um dos homens de Yuhiro, deixando-o agonizar enquanto a vida se esvaia dele.

Kasumi também disparou contra o outro homem, acertando em cheio seu peito duas vezes. Ao seu lado, Mutsuki permanecia estática, com os olhos bem abertos, talvez tentando processar o que havia feito em sã consciência. Percebendo sua demora, ela gritou

Vamos!

Seu alvo estava encurralado. De um lado estava a van e do outro as mulheres que estavam atrás dele, todas elas. Como um gato assustado, ele se encolheu em um canto e implorou por sua vida.

Por favor! Eu pago o que vocês quiserem!

Satsuki apenas o jogou de bruços no chão e amarrou suas mãos. Yuudachi passou fita em sua boca. Quanto a Asashio, ela abriu a porta da van e gesticulou que entrassem. Somente Kasumi e Mutsuki ficaram para trás, com a primeira falando com a segunda.

Já pode guardar sua arma.

Assim ela o fez, de forma desajeitada.

Você agiu muito bem. Não só agora, mas também ajudando aquela garota. Nem mesmo eu suporto aquele tipo de covardia. Agora é hora de irmos pra casa.

Mutsuki relaxou um pouco sua postura rígida e deu até um pequeno sorriso discreto em direção a Kasumi, então as duas entrarem pela porta da van e partiram.

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