Possessão Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume 1

Capítulo 10: Combate Aproximado

Pelos corredores da escola acima do bunker, Matheus, Mutsuki e Yuudachi caminhavam em fila, de armas em punho, com roupas escuras, coturnos, coletes e porta carregadores.

O primeiro, que liderava as demais, parou ao lado de uma porta e socou a fechadura com a coronha de sua arma, abrindo-a violentamente. As duas que seguiam mais atrás entraram na frente dele, disparando em dois alvos de papel que estavam atrás de algumas mesas viradas. Um terceiro e um quarto estavam mais ao fundo da sala e foram alvejados engajados por Mutsuki, responsável por aquele lado.

Quando se certificaram que o local estava limpo, baixaram as armas e Matheus, que vinha mais atrás, deu seu feedback.

Estou impressionado. Logo na terceira tentativa você conseguiu fazer tudo quase na perfeição, ainda que devagar.

Mutsuki piscou um pouco os olhos fincados nos alvos e de forma vagarosa se virou para responder a ele.

São as vozes… Na verdade eu mais sinto elas do que as ouço.

Bem conveniente essa sua outra personalidade… Olhe para o alvo no fundo a direita.

Mutsuki olhou mais uma vez e enxergou um alvo menor caído atrás do que havia acertado, um civil, mesmo com uma perfuração.

Aff, que merda!

Yuudachi olhou com os olhos bem abertos para ela e silenciosamente os virou em direção a Matheus, movendo só seus olhos. Mutsuki por sua sua vez balançou a cabeça de um lado para outro e suspirou.

Desculpem.

Tudo bem, eu também gosto de sair distribuindo palavrões por ai, você só não teve a oportunidade de ver ainda. Façam uma pausa. Aproveite, Yuudachi e ensine ela a limpar a arma. Vejo vocês daqui a uma hora.

Yuudachi caminhou até algumas mesas escolares viradas, as desvirou uma e puxou um par de cadeiras. Mutsuki foi até lá, largou sua arma sobre uma delas e começou a retirar o equipamento que estava usando, mas quando o fez, acabou enredada e incapaz de tirá-lo. Com a voz abafada pelo colete, pediu por ajuda.

Yuudachi, socorro!

Ela ficou rindo vendo sua amiga com metade do corpo presa dentro da própria roupa, então caminhou até lá para socorrê-la.

Isso é hilário! Como você consegue ser perita com uma arma e ao mesmo tempo tão desajeitada? Hahaha.

Com alguns movimentos simples, ela conseguiu desprender Mutsuki de sua prisão, a mesma estando mais vermelha que uma maçã.

Que fofa!

De repente, Yuudachi deu-lhe um beijo na bochecha, ainda com o restante de seus braços presos, a gota d´água que faltava para matá-la de vergonha.

Escuta aqui, eu não sou mais criança! — falou convulsionando a parte livre de seu tronco.

Ó! Meu único crime é te amar! — dramatizou Yuudachi colocando uma mão no peito e outra com outra palma virada sobre a testa após livrar sua amiga.

Mutsuki não teve outra escolha se não suspirar e se sentar na mesa. Com os dedos, retirou os protetores auriculares que estavam em seus ouvidos, enquanto isso, sua instrutora se aproximava.

Esses não machucam tanto quanto aqueles grandões de lá do estande — disse ela levantando a arma e retirando seu carregador, então continuou — Gostei desse silenciador, meus ouvidos agradecem. Hahaha.

Ela tentou tocá-lo enquanto Yuudachi se sentava.

Ai! Me queimei!

Ela sacudiu sua mão e a assoprou algumas vezes, então recebeu uma bronca.

Eles ficam bem quentes depois de uns tiros, então não faça de novo — falou com seu dedo indicador pra cima como uma professora para um aluno, dai seguiu — Deixe ai, não precisa tirar pra desmontar.

Com sua típica maestria, ela desmontou a arma em questão de segundos e mostrou peça a peça e seu funcionamento para Mutsuki.

Complicado… Tem uma peça que libera a outra e diminui a pressão… — resmungou coçando a cabeça.

Não é difícil depois que se acostuma, além do mais é fácil de usar e limpar. Esse XCR-L é uma das armas favoritas do Matheus por causa disso e principalmente por não ser um AR.

Um M4 você diz?

Ué? Você conhece esse?

É porque ele aparece muito na televisão e acabei lembrando do nome…

Por mais que suas palavras fossem precisas e confiantes, seu olhar era um tanto de dúvida, mas logo voltou a si.

Sua arma é pequenininha… Fica fofa com você.

Yuudachi sorriu como uma criança cujo brinquedo gera ciúme nos outros.

Esta é minha MP5K, obviamente personalizada com um broche rosa do cruzador Mogami!

Mutsuki ficou olhando com um olhar de nojo para sua apresentação espalhafatosamente detalhada. Ainda que fosse de alguma importância, seu objetivo era apenas um: Se exibir.

Seu momento de glória não tardou a ser cortado, tomando logo um banho de água fria com a chegada de Satsuki.

Da porta, ela entrou dizendo — Acabou o recreio meninas. Deixem pra brincarem depois.

Aff! Mas eu ia mostrar o sistema de inércia atrasada por rolamento pra ela!

Não tenho tempo pra isso, Yuudachi. Ainda precisamos limpar o primeiro e o segundo andar dos alvos que restaram.

CQB!? Hihihi! — Exclamou com uma risada infantilmente maldosa.

Em uma velocidade alarmante, estas últimas palavras fizeram Yuudachi recolher todas as peças espalhadas pela mesa e montar novamente sua arma, com ela também sendo a primeira a sair correndo da sala.

Mutsuki permaneceu assustada em sua mesa, até seus olhos se encontrarem com Satsuki.

O que deu nela?

Sua única companheira restante respondeu dando de ombros.

Quando uma criança fica chateada por conta de um brinquedo, é só dar um novo.

Um sorriso bem discreto pôde ser visto no canto de seu rosto. Ele foi breve, mas digno o suficiente de uma expressão de dúvida no olhar da novata.

Prestes a sair dali, Mutsuki foi interrompida por uma última pergunta.

Consegue ficar bem fazendo isso? — perguntou Satsuki com uma voz lenta e bastante séria.

Você fala do treinamento?

Na mesma hora a unha comprida de Satsuki se apertou com o lado esquerdo do peito de Mutsuki.

Falo de matar pessoas… — disse fria como gelo.

Não ouve reposta, apenas um desvio de olhar.

O dedo que outrora apertava sua ouvinte foi afrouxando e ela se afastou em direção ao corredor. Em alto e bom tom, falou de costas.

Essa foi a melhor resposta que já ouvi.

Mutsuki ficou olhando ela partir, intrigada com os lábios levemente abertos, mas não demorou a fechá-los e ir atrás.

// — // —

A parte mais difícil do combate aproximado, CQB, sem sombra de dúvidas é a limpeza de salas, algo que existia de sobra em um prédio escolar.

Nas primeiras tentativas feitas com Matheus, Mutsuki seguia no meio, segundo ele para observar como eram feitos os movimentos de avanço e checagem do ambiente, como manobrar a arma, dentre outras coisas.

No momento ela estava na frente da formação, praticamente se arrastando nas paredes geladas.

Ao dobrar em uma esquina, ela olhou primeiro para um lado, onde avistou um alvo no fim do corredor. Na mesma hora, o som de três tiros silenciados ecoou pelas paredes, dois deles certeiros, com o último lascando um pedaço da parede atrás do alvo.

Ah… Não tem problema estrag…?

Antes de completar sua frase Satsuki atirou contra outro alvo do lado oposto do corredor, com um pouco de fumaça e o cheiro de óleo queimado se tornando presentes no ar. Mutsuki bateu com as costas de volta na parede com o susto

Corte o lado oposto antes, nunca o qual você está indo. Acabou de morrer.

Com uma expressão de repulsa, ela apenas acenou para sua colega continuar com a cabeça, a mesma mordendo levemente os lábios e franzindo o cenho antes de continuar.

O trajeto estava marcado com uma fita amarela que seguia pelos corredores, previamente colocada por quem organizou os alvos.

O próximo lugar era onde deveria ficar a sala dos professores ou uma espécie de secretária por conta dos móveis que se encontravam nela.

As portas de correr estavam fechadas, com Mutsuki usando a coronha de sua arma para abri-la, assim como Matheus, e Satsuki jogando uma granada de treinamento para dentro, só para simulação. Após um som não muito mais alto que uma bombinha, não dificilmente abafado pelo tamanho do lugar, Mutsuki a adentrou em meio a uma tímida fumaça de arma em punho.

Sobre as mesas de escritório cercadas de divisórias, alguns alvos estavam parcialmente cobertos, mas na mesma foram atingidos. Satsuki entrou quase na mesma hora atrás, disparando contra os alvos do lado esquerdo.

Ao caminharem por entre os moveis, Mutsuki foi em direção ao fundo da sala, passando por entre as escrivaninhas. De repente um click foi ouvido vindo do chão, ao lado do pé direito dela. Quando parou, viu uma cordinha conecta ao gatilho de uma arma presa a mão de um manequim deitado no chão.

Está morta.

Satsuki olhou da esquerda em direção a ela. Ao fazer esta constatação, não houve outra coisa se não um olhar de confusão pedindo por explicações, mas sua resposta ao mesmo tempo era retórica.

Ainda tem muito que melhorar, menos isso aqui — falou Satsuki apontando para a mira quase perfeita nos alvos, de costas e se aprontando para sair da sala.

Yuudachi se aproximou dela enquanto via Satsuki deixar o recinto.

Não fica triste, você tá crescendo — falou ela acariciando a cabeça de Mutsuki.

Sua resposta, ao ser tocada como uma criança, foi uma cara de nojo, mas logo ela balançou a cabeça e deu um risinho.

Bom, agora eu tenho que ver a Asashio. Se demorar mais vamos ficar sem almoço — Disse entregando seu fuzil e o colete para Yuudachi.

Nosso futuro depende de você IJN Chikuma! Banzai!! — exclamou levantando a arma por cima da cabeça.

Dando um risinho, Mutsuki seguiu o caminho de volta em direção a onde Asashio disse para esperá-la.

// — // —

Caminhando pelos corredores, Mutsuki chegou a porta da academia. De lá, escorou sua mão na parede, onde ficou encarando um tatame estendido no chão e Asashio descalça sobre ele, vestindo um cinto com uma faca e uma pistola, o mesmo que tinha em seu quarto, e segurando outro e mãos. O olhar sobre a segunda lâmina, deixou Mutsuki hesitante em sua entrada.

Seu semblante, por um lado ofensivo, não refletia a serenidade de suas palavras.

Não tenha medo...

Mutsuki, a passos lentos, caminhou mordendo discretamente os lábios para ela. Diante de sua nova tutora, a mão que levantou de forma trêmula acabou por parar no meio do caminho para alcançar o cinto.

Você merece pegar essa faca mais do que eu…

Seu foco, outrora intenso, foi cortado por essas palavras, de forma que até relaxou os músculos rígidos de sua boca.

Olhando para nos seus olhos confusos, Asashio continuou.

Ninguém aqui hesitaria em pegar uma dessas, pelo contrário, seriam tentadas a não pegar. Na boate, eu vi que você se indignou com o que aquele idiota fez com aquela moça. Todas as vezes em que pegou numa arma nunca foi por um capricho seu, foi sempre por alguém, por isso, merece usar mais essa faca do que eu.

O semblante gentil de Asashio tornou-se inexistente por todos os segundos em que se pronunciou, surgindo dele um olhar tão afiádo e convicto que chocou Mutsuki.

Você… já matou alguém antes?

Ela levantou o braço oferecendo mais uma vez o cinto a Mutsuki e respondeu — O dia em que me vencer, respondo sua pergunta.

Mutsuki vestiu o cinto e caminhou de costas para Asashio, que desembainhava sua faca.

Segure ela com a lâmina pra baixo.

Mutsuki vagarosamente segurou o cabo da faca e o puxou de sua bainha, demonstrando uma expressão dolorosa em seu rosto, até olhar para seu reflexo na lâmina.

Que cara horrível eu tô fazendo… — disse com um sorriso forçado tentando se abrir no canto da boca.

O vento foi cortado em direção a lateral de seu rosto. Seus olhos e sua boca se abriram, seu corpo recuou um passo para trás e foi daí que percebeu que sua aula havia começado.

A luta sempre começa quando você tira ela da bainha.

Asashio desferiu o próximo golpe mirando o abdômen de Mutsuki, a mesma deu um salto para trás.

Depois foi a vez de seu pescoço, com ela se abaixando e deixando a faca correr pelos seus cabelos.

Não pode fugir para sempre. Uma hora vai ter que me atacar.

Tentando acertá-la por cima, Mutsuki se defendeu segurando o braço de Asashio, mas rapidamente ela foi surpreendida com um puxão com a mesma mãoa que bloqueou e um chute no seu calcanhar que a fizeram cair de costas.

Asashio ficou com a faca sobre ela, a levantou de modo a lâmina brilhar sobre a luz da sala e a baixou em direção a sua garganta.

Mutsuki, com imensa agilidade, rolou pela sala e se pôs em pé quase no mesmo movimento, usando o ferro de uma das esteiras para se levantar.

Quando Asashio olhou para ela, já era tarde para se esquivar do chute de Mutsuki, que a acertou a lateral do braço direito, ainda de joelhos no chão e por pouco não soltou a faca. Então ela cerrou os dentes e levantou para se defender os próximos ataques.

Mutsuki a golpeou com socos e chutes de forma contínua. Ela mirou no estômago e nas laterais do rosto, mas quase todos os ataques foram repelidos, apesar de seu ímpeto. Seus braços ficaram marcados, mas o suor mal começava a correr por sua testa.

Em um dos diversos socos, Asashio abriu agarrou o branço de Mutsuki de modo que usou sua própria força para jogá-la para o outro lado por cima dos pesos de musculação, deixando seu som metálico ecoar pelo cômodo.

Mutsuki pegou alguns dos mais leves para jogar em direção a ela, sem êxito por conta de sua agilidade.

No último, ela arremessou e prontamente avançou uma segunda vez, aproveitando a defesa aberta de sua adversária para um ataque, ou, pelo menos, era o que esperava.

Os reflexos de Asashio a fizeram desviar no último instante para o lugar certo que precisar estar pra se defender e conseguir contra-atacar. Ela se abaixou levemente simulando sua esquiva, mas, na verdade, preparava sua faca para um cortar na vertical.

O levantar de sua mão fez o aço das lâminas tinirem com a colisão e a faca de sua oponente foi lançada pelo ar, até cair longe demais para ser alcançada.

Mutsuki recuou segurando sua mão atingida com os dentes cerrados de raiva, mas o breve desviou de seus olhos em direção a sua arma a fizeram incapaz de perceber o exato momento em que algo gelado repousou sobre seu pescoço.

Não era apenas o fio da faca de Asashio, mas principalmente o olhar frio de como quando um caçador olha para os últimos momentos de vida de sua caça.

Muito intensa, forte, rápida… Mas muito pouco precisa. O tempo de seus ataques foram muito mal coordenados, seja lá qual for seu nome. Vocês deveriam conversar mais.

Após a respiração ofegante de Mutsuki começar a se acalmar, com sua fúria dando lugar ao cansaço e a dor. Ela soltou alguns gemidos e se ajoelhou no chão.

Na mesma hora, Asashio voltou com seu sorriso costumeiro, guardou sua faca e caminhou por entre os aparelhos espalhados de onde retirou uma bolsa com uma cruz vermelha. De dentro dela, agarrou alguns comprimidos e uma garrafa d´água.

Aqui, querida, é pra ajudar com a dor.

Mutsuki não reparou muito na mudança repentina de sua professora, apenas fez o que lhe foi pedido e foi quando viu sua mão direita sangrando ao tentar pegar a garrafa.

Deixa que eu enfaixo — disse a tutora voltando-se para dentro da bolsa, onde retirou esparadrapo e gaze.

Gentilmente fez o curativo, tomando muito cuidado para não machucá-la.

Você me bateu com muita força, se não cuidar onde mirar isso acontece, principalmente quando bate nos ossos. Leva tempo até calejar.

Suas mão são ásperas.

Asashio terminou de enrolar, mas não respondeu.

Ambas ficaram de pé e Mutsuki fez outra pergunta.

O que quis dizer com conversar?

Com suas vozes. Eu percebi que não estão bem coordenadas uma com a outra. Ela te dá a força que tem, mas você não controla direito.

Ouvindo isso, ela desvio o olhar e vestiu uma expressão penosa.

Têm medo dela?

A resposta veio com um aceno positivo com a cabeça.

Eu sei bem como se sente, mas de agora em diante ela faz parte de você. Vocês precisam aprenderem a viver juntas.

Ele matou a Misato!

Ela, após alterar a voz, voltou a baixar a cabeça e se encolher.

Com um tom mais ameno, continuou a falar.

Eu sei que ela ajudou àqueles trastes, mas ela era minha amiga. Eu estava morrendo de raiva enquanto via ela olhando o que estava fazendo com a Sachiko, mas eu também pude ver ela triste. Eles devem ter chantageado ela de alguma forma, eu sei disso! Eu não queria ter matado a minha amiga!!

Então voltou a se desorganizar, com as mãos na cabeça e as lágrimas correndo por seus olhos, mas, de repente, uma expressão de susto veio a seu rosto úmido.

Asashio pegou, mais um pano e começou a enxugar suas lágrimas, então perguntou.

O que ele disse?

Após um momento de hesitação as palavras vieram depois de um grande suspiro que devolveu um pouco de paz a ela.

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