Possessão Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume 1

Capítulo 11: O Lado que Ninguém vê

Kasumi estava parada em frente a uma faixa de pedestres, esperando o sinal abrir. Depois que os carros pararam, ela cruzou por algumas crianças falando sobre trocar doces, idosos falando sobre o tempo seco e colegas de uniforme falando de saírem para beber, que discretamente soltavam alguns olhares em sua direção.

A avenida era repleta por sacadas de lojas, com vitrines mostrando as últimas peças de roupa da moda, os mais recentes videogames e até haviam algumas garotas vestidas de empregas distribuindo panfletos, o qual foi pego por ela com um sorriso breve.

Não tardou até virar uma esquina que traria para ela uma visão bem diferente. Logo ao entrar na nova rua, um cano de esgoto quebrado vazava água pela lateral da calçada. Passando por ele sem parecer incomodada pelo cheiro, um mendigo, coberto de sujeira e com os dentes amarelos, estendeu a mão pedindo por esmola, mas ela não deu importância.

Um bar mais adiante, ainda que estivesse no fim da tarde, já contava com alguns clientes exaltados, bebendo e discutindo uns com os outros, com uma mulher fumando um cigarro e de roupas pouco pudorosas sentada em seu colo.

As demais casas eram pouco dignas de serem chamadas como tal. A pintura que possuíam não era muito melhor que o reboco por baixo delas e as janelas de madeira pareciam que cairiam a qualquer minuto.

Uma delas, bem distinta das outras, parecia mais como vinda de um condomínio de classe média alta, com um par de carros de preço considerável em meio a um jardim florido, logo atrás de seus portões de grandes altas.

Na entrada principal, dois seguranças vestidos de preto e expressão carrancuda estavam a seu lado, mas não intimidaram Kasumi.

Quero falar com seu chefe.

Eles só a olharam por alguns segundos da cabeça aos pés, até que um respondeu.

É meio cedo pra ele ter pedido uma acompanhante.

Ela imediatamente deu um tapa em cheio na lateral do rosto, fazendo-o cair de costas sangrando pela parte de dentro da boca.

Não me confunda com sua mãe!

O segundo tirou uma arma de dentro do terno e apontou para ela, que o olhou para ele de forma mais fria que o próprio aço do cano.

Antes que essa situação continuasse, um rapaz relativamente novo, vestido com roupa e calça social, saiu de dentro da casa correndo para o portão.

Espera!

Gritou enquanto corria quase tropeçando pelo pátio. Então o segurança guardou escondeu de volta sua pistola e o homem, curvado com as mãos no joelho e ofegante, sinalizou para que a deixasse entrar.

Ela caminhou para dentro como se nada tivesse acontecido, dai foi recebida de cabeça baixa pelo aparente dono da casa.

Perdão! Eu sinto muito mesmo!

Levante a cabeça, Suzuki.

Ele voltou a se levantar meio desajeitado e tentou disfarçar seu desconforto coçando sua nuca, então estendeu seu braço apontando para casa.

Vamos entrando, eu vou te servir uma bebida.

Ao cruzar pela porta do casarão, Kasumi olhou para seu interior. Moveis de qualidade, uma sala com um tapete de aparência bem cara, uma televisão gigante com um aparelho de som condizente com seu tamanho, todos eles saltavam aos olhos em se tratando de estarem um uma vila tão pobre como aquela.

Pelo visto os negócios vão bem…

Enquanto olhava o cômodo, Suzuki já estava sobre uma bandeja pegando dois copos e colocando uma dose de uísque em cada um.

Sim… Contrabando de mercadorias, jogos, mulheres… Essas coisas vendem — falou fechando a garrafa e se virando para entregar o copo de Kasumi, daí continuou — Eu cuidei de tudo direitinho desde que te pegaram… Como você saiu…?

Sua expressão de dúvida ficou bem pronunciada, mas ela apenas respondeu pegando o copo e se sentando em uma das poltronas de couro. Com um único gole, bebeu sua bebida e depois soltou um grande suspiro.

Aaaa… Fazia tanto tempo que não bebia…

Ela olhou para o lado e encarou um pouco a parede antes de soltar seu copo sobre uma mesinha, com seu anfitrião permanecendo de pé, esperando uma resposta.

Fiz um acordo. Preciso de algumas informações suas — falou largando uma lista com algumas fotos sobre a mesa — Se fosse sequestrar alguém dessa lista, qual delas escolheria?

Sequestrar? Mas… Isso não combina com você.

É justamente pra impedir que eu quero saber.

Ele ficou em silêncio com um olhar intrigado por alguns segundos, mas acabou pegando a lista. Em alguns minutos, um nome se destacou.

Mikasa Noshiro…?

Conhece ela?

Não muito, só sei que ela começou a fazer tiktok a pouco tempo… Não faz muito sentido alguém querer uma garota humilde como ela, sabe. Um dos vídeos que uma… Amiga me mostrou era justamente como ela costurava os cosplays dela, então não dá pra dizer que é por dinheiro…

Ele franziu o cenho e ficou com a mão no queixo pensativo. De repente, de forma lenta, se virou para encontrar os olhos de Kasumi.

Porque alguém sequestraria uma garota humilde e inocente se não pra…

Saciar seus desejos sádicos…? — falou entortando o canto da boca em desgosto e continuou desviando seu olhar — Essa é uma de nossas principais suspeitas. Tem mais alguma?

Na verdade, sim — disse largando a lista e pegando uma das fotos — Essa mulher… Eu a vi no noticiário recentemente.

Tem certeza? Não achamos nada sobre ela, nem na polícia e nem nas redes sociais. Pensamos que pudesse ser um alvo aleatório.

Mas é coincidência demais, porque ela apareceu numa reportagem a um mês sobre aquela colegial que matou quatro pessoas. Os repórteres tentaram entrevistar o irmão dela e essa mulher apareceu e puxou ele pra longe de multidão. Achei curioso.

Kasumi franziu o cenho, se levantou da poltrona e fez um pedido.

Quero que você despache alguns de seus homens pra vigiar as duas. Não se preocupe com o dinheiro.

Que isso, é o mínimo que posso fazer por uma velha amiga.

Obrigada, Suzuki.

Ela sorriu e curvou levemente a cabeça. Quando deu de costas, uma última pergunta foi feita.

Kasumi… Eu não queria falar disso mas…

Ele hesitou por um instante.

Pode perguntar… — falou sem se virar, como se soubesse a pergunta.

Você esquartejou mesmo aqueles caras?

Após um breve silêncio, sua reposta surgiu em um tom desprovido de qualquer emoção.

Sim…

O último som que ecoou pela sala foi o bater da porta.

// — // —

O lugar era uma sala ampla, do tamanho de um auditório, com um par de mesas para cinco pessoas de cada lado, cortados por uma escada e colocadas sobre degraus.

Na frente delas estava um palanque com um gigantesco quadro branco onde uma pessoa de terno apagava anotações feitas nele.

Pessoas de mochila falavam umas com as outras, alguns sentados nas mesas, outros de pé, em pequenos grupos e ainda havia aqueles que estavam indo embora.

Um homem de rosto e penteado arredondado estava sobre uma das mesas arrumando alguns livros em sua mochila, sozinho. Sem pressa ele pegou seus lápis e os guardou no estojo, fechou seus cadernos, ajustou seus óculos sobre seus olhos azuis e se levantou, quase em completo silêncio.

Quando deu seu primeiro passo, uma mão tocou suas costas. Ele se virou e viu uma mulher de cabelos amarrados e rosto pontudo, bastante magra, com a mesma idade, em torno dos 25 anos.

Kaori…

Keishi, vamos juntos.

Por um instante, ele chegou a abrir a boca, mas acabou fechou quando viu um grupo atrás dela cochichando algo baixo, então apenas continuou seguindo o caminho por onde ela o guiou puxando seu braço.

Nos corredores lotados, olhares pouco discretos eram lançados em direção a eles. O jeito despreocupado dela, não era seguido pelo cenho franzido e os olhos agitados em observar os arredores dele.

Lentamente, ele baixou o rosto e falou discretamente no ouvido de sua acompanhante.

Tem certeza que quer ficar perto de mim?

Não faço ideia do que está falando — respondeu sem desviar seu olhos do fundo do corredor e sem um pingo de preocupação.

Quando estavam se aproximando da esquina, antes de dobrar, algumas vozes chamou-lhes a atenção.

Cara, eu não sei como não expulsaram ele.

E não é? Tenho asco só de tar perto de um cara desses. A fruta não cai longe do pé.

Eu fico com medo, digo… Esses dias eu tava no banheiro e ele entrou… Foi sinistro.

Keishi se enrijeceu ainda mais, com seu punho ficando cerrado.

Kaori apertou com mais força seu braço e falou.

Continua andando.

Depois de caminharem na direção oposta, um silêncio noticiável, mas breve tomou conta do corredor e as frases de antigamente tentaram ser disfarçadas com algumas risadas forçadas.

Os passos dele se tornaram mais pesados, a altura de se tornar até distinta dos demais.

O alívio veio ao chegar no lado de fora do prédio, com uma inspiração e expiração alta, sem que isso abalasse sua postura.

A paisagem a sua frente se tratava do campus universitário da universidade de Tóquio.

Uma infinidade de prédios de diferentes cursos e tipos de pessoas se apresentavam de maneira bem vívida, ainda que estivessem no fim da tarde.

Ambos caminharam até uma cantina onde Keishi ficou esperando Kaori.

A mesa que escolheram foi a mais afastada das outras pessoas, com elas inclusive fazendo questão de não direcionarem olhares, aumentando de maneira colateral seu nível de privacidade.

Aqui — falou ela deixando um copo de café sobre a mesa e se sentando ao lado dele.

Quanto custou? — perguntou levando a mão ao bolso.

Nada que vá me fazer falta.

Ele a olhou com interrogação, mas ela apenas abriu um sorriso e recebeu um dar de ombros em resposta.

Depois de provar um gole do café, Kaori perguntou.

Quer me dizer alguma coisa?

Por que é tão boa comigo?

Ser sua amiga não basta?

Ele olhou de volta para o café pensativo e tomou outro gole.

Minha irmã está foragida suspeita de ter matado quatro pessoas. Tenho uma família rica que não tem boa reputação e sou cercado de invejosos que estão loucos pra me verem no chão. Sou problemático demais pra alguém conseguir me aturar.

Mais uma vez levou o copo descartável a sua boca.

Não é pra isso que estudamos psicologia? Pra ajudar os outros com os problemas deles?

Keishi levantou o canto esquerdo de sua boca e uma espécie de meio sorriso.

E todo psicólogo precisa do seu – respondeu ele.

Poético…

Com os ombros bem mais descansados, terminou largou seu copo vazio sobre a mesa e começou a caminhar lentamente, acompanhado de Kaori.

O sol começava a se por no céu, dando um tom amarelado na rua e nos prédios a sua volta.

Desdo dia em que acordei com a imprensa me ligando pedindo declarações que a minha vida não tem sido fácil… Nossos pais sempre foram muito rígidos comigo e pouca atenção davam pra Mutsuki. Foi praticamente eu quem criou ela…

Desta vez, não estavam caminhando de braços dados e ela seguia mais atrás ouvindo atentamente seu relato, que era interrompido vez ou outra para desviarem dos pedestres.

Daí eles me obrigaram a fazer uma faculdade pra gerir os negócios da família e a coitada ficou sozinha, sem ninguém com quem se abrir. Sabia que, se ela não encontrasse alguém, ia ser só uma questão de tempo até ela começar a fazer as coisas escondidas deles… Como bons oportunistas que são, eles apenas se esconderam e disseram pra mim esquecer dela.

Keishi parou de caminhar e se virou para sua amiga.

Eu não sei o que aconteceu aquele dia, mas eu definitivamente não vou ser o mesmo traste que meu país e abandonar ela. As pessoas me temem por causa disso, pois eu dou a ela o direito a dúvida em vez de aceitar o julgamento da sociedade sobre aquilo que não viram e não entendem.

Eles passaram alguns segundos se encarando com o tom pensativo das palavras pairando no ar.

De repente, uma voz tirou os dois de seu momento.

Kaori! Saia de perto desse cara!

Um rapaz baixo de cabelos extremamente bem penteados e roupas de extrema boa qualidade, inclusive com sapatos pretos de couro brilhosos, vinha logo atrás deles, andando a passos largos.

Você não tem mais o que fazer se não estragar a vida das pessoas?! — gritou para Keishi se colocando ao lado de Kaori.

Ishida, o que pensa que está fazendo?! — respondeu Kaori com uma expressão de nojo em seu rosto.

O que eu estou fazendo?! Esse cara é irmão de uma assassina! Deveriam estar interrogando ele na cadeia até dizer onde estão escondendo ela!

Como pode ser tão presunçoso?! Ninguém sabe direito o que aconteceu aquele dia, muito menos se ele tem alguma culpa nisso!

Chega, isso é pro seu próprio bem! — falou apontando o dedo para seu rosto.

Ishida agarrou a mão de Kaori e tentou puxá-la para longe, mas quando tentou, um tapa estalou em seu rosto, tão alto que poderia ser ouvido do outro lado da rua.

Vai embora e não me procura mais! — gritou com ímpeto.

Ela começou a chorar, voltou-se para Keishi, agarrou novamente seu braço e continuou andando, sem olhar para trás.

Ishida ficou com a mão em seu rosto marcado, com a raiva espumando por sua boca, tremendo. De seu bolso, pegou o celular e ligou para alguém.

Eu quero falar com a Hisen…

// — // —

Ambos caminharam até uma estação de trem, onde estavam esperando sua carona para casa, sentados em um banco.

Kaori limpou as lágrimas de seu rosto com um lenço e fungou algumas vezes.

Você está bem mesmo?

Eu vou ficar… Sabe, o Ishida era meu amigo desde a infância. Sempre foi um rapaz mimado, os pais deles faziam todas as suas vontades e sempre passavam a mão na sua cabeça quando brigava com os outros, mas a mim, ele respeitava. De uns anos pra cá ele começou a ficar mais arrogante. Sai pra festas com gente estranho, humilha quem é mais fraco que ele…

Um trem começou a frear na frente deles, atrapalhando a conversa, então ela continuou.

Uma vez ele se juntou com os amigos dele pra espalhar umas mentiras sobre uma colega que tirou uma nota maior. Ela teve que trocar de universidade depois disso. Agora, depois te falar essas coisas pra você, eu não quero mais olhar pra cara dele.

Ainda com seu olhar sério e atento, Keishi respondeu a ela.

Não quer ir pro meu apartamento?

Um olhar de espanto foi vestido por ela, seguido de uma risada.

Sabe que isso soa meio estranho, né?

Desculpa, não falei com má intenção.

Eu sei que não…

Mais um trem se aproximava, o qual fez eles se levantarem e caminharem até a plataforma.

Eu tenho prova amanhã, mas sobre sua proposta…

Ela deu-lhe um beijo que o pegou de surpresa. Os segundos que se seguiram pareceram tornar a chegada do trem mais demorada do que realmente foi. Seus lábios só se soltaram quando as portas se abriram a sua frente.

Eu vou aceitar da próxima vez…

Ele ficou parado olhando para a silhueta dela até o trem partir e ela se despedir com um aceno de mão.

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