Volume 3 – Terra Exilada
Capítulo 55: Violência Inata
Réviz botou a mira da arma amarrada a cabeça do sujeito, era tarde para começar a questionar coisas e decidi afirmar algo:
— Aliado!
— Mark?
— A voz... o fantasma falou comigo. Esse homem não é perigo.
Mesmo com meu protesto ter sido o suficiente para mudar
o clima que surgiu com o aparecimento da figura esquisita, Réviz ficou aflito em simplesmente abaixar a arma.
Ele fechou o rosto, pareceu discordar de si enquanto guardou uma das pistolas.
— Mudaram de ideia tão rápido. Hm... conveniente.
— Quem é você?
Mal vi Luri saindo do carro, já estava ao lado do homem, prestes a reagir caso tenha alguma gracinha. Seus punhos tremiam ao ser pressionados, estava se segurando.
Este fantasma pode mesmo mudar o ritmo tão fácil.
— Fui avisado da chegada de um grupo colorido. Podem se recordar com o termo “informante do prefeito Ernec”.
— Daniel?
— O próprio.
Parecia um andarilho do deserto, pano cobrindo o corpo, dava pra notar só uma parte do rosto e um pedaço do cabelo ruivo. Espero que não seja um fugitivo ou algo do tipo.
Falou de um jeito estranho como se já nos conhecesse, os tais terroristas, vulgo gente da estrela, também falava assim a primeira vista.
Uma parte de mim não queria ter dito o que ouvi do fantasma, apenas para ter certeza. A outra parte relutava em achar algo confortável para pensar.
Acabei falando sem pensar. Não tirava minha concentração do homem. Só espero ter sido realmente a decisão certa.
Réviz saiu do carro e levantou o peito ao lado de Luri, apesar da diferença de altura entre os dois, tentaram ser tipo uma muralha pro carro.
— Entendo que a confiança é o primeiro passo para negociações, todavia, queria pedir um favor.
— Favor? Sempre começam assi... — indagou Réviz, irritado.
— Recebi notícias do prefeito há algumas horas. Preciso que me sigam.
Até eu senti essa cortada. Os dois deram uma olhadela pra mim, aguentando os nervos contra o cara sem noção. Estavam esperando que eu diga “o fantasma disse pra bater nele” ou algo do tipo?
— São poucas pessoas que ela permite a rondar o perímetro da Terra Exilada, seu carro não duraria um segundo e sobraria nem um parafuso sem alguém dessas terras o verem. Venham. Existe um resquício de um abrigo logo aqui em cima. Aliás, cuidado com as rochas — continuou.
O tal de Daniel deu a volta no carro e seguiu por um caminho mais à direita, era um percurso estreito por uma literal borda de um morro.
Tô começando a ter memórias do acidente do ônibus.
— Ela?! Quem é o responsável por aqui?! isso não é uma cidade ou um povoado reconhecido. — Luri deu alguns passos atrás do homem, exaltada.
— Pra ser sincero, aposto que nenhuma resposta minha os fariam ter mais confiança em mim ou neste lugar. Por causa da situação em que estamos, não gastem sua confiança comigo, mas gaste-a com ela.
Sem mais e nem menos, balançou a cabeça, indicando a enorme torre que havia no centro daquela região.
Réviz sinalizou para nós enquanto entrou no carro. Percorremos o caminho estreito que havia por onde Daniel andava.
Agora que tínhamos a atenção de volta pro lugar esquisito. Percebi que o jeitão meio quadrado, vasto e tão horizontal, exceto pela torre no meio, lembrava muito um lugar que já vi antes.
— Perceberam?
— O fantasma falou algo mais?!
— Não, calma.
O meu suposto pai de mentira tava no limite já. Deu pra perceber que não gosta de gente sabichona que sabe de tudo como se fosse ele fosse último a saber.
— Peço perdão. — Respirou devagar. — Odeio pessoas deste tipo.
Feites coçou o nariz de relance.
— Isso eu percebi. — Cara, é muito fácil entender o Réviz quando está irritado. — Eu ia falar sobre esse lugar aqui.
Quando toquei no assunto, Will, que estava se recuperando do susto ainda, inclinou para frente e começou a examinar os arredores.
— As estruturas condizem com as encontradas em uma ODST. É sensato afirmar que tais condições precárias retomam tons tão... tristes — comentou Feites.
— É a primeira vez que vê uma favela? Riquinho.
— “Favela”?
O certinho é mais certinho do que parece. Pelo menos, não tem pavor de germes ou coisa do tipo, isso se saber o que são germes.
— Tá certo isso? Como nunca ficamos sabendo de um lugar desses? Parece e não parece uma ODST, nem na internet falam algo assim. — A moça pegou o celular-guia e fuçou pelo google. — Ah... sem dados moveis aqui.
— Enfim, estamos desamparados de qualquer informação ou contexto, as opções que podemos, e em minha opinião devemos, é abordar com tamanha cautela. Réviz, por gentiliza, mantenha-se devagar e apague os faróis. Pressinto olhares peculiares a nos engolir.
Luri se virou para os bancos de trás e trouxe uma mão para perto e deixou a outra sobre o ombro de Réviz.
— Pode acontecer qualquer daqui em diante. Coloquem as suas mãos sobre a minha.
Will tocou primeiro, já colando sua outra mão sobre o ombro de Nirda, ainda bem que estava dormindo.
Quando o certinho e eu repetimos, a ignição apareceu e todos nós brilhamos juntos em azul.
— Prevenção.
A camada fina de escudo apareceu em mim outra vez. Ao menos, foi a primeira vez que pude ter isso sem estar em pânico ou algo assim. Finalmente o chamado dessa energia tá fazendo sentido.
— Enquanto eu estiver consciente, vocês não vão se machucar facilmente. Vamos ter tempo de reagir a qualquer coisa.
— Obrigado — falamos juntos, pareceu até um coral.
O rapaz estava bem mais adiante, é muito mais fácil cortar o caminha a pé, mas não podemos só deixar o carro aqui. Ao menos, tem alguma coisa chegando lá no...
— Pera!
O carro parou. Até Réviz levou um susto com o alerta de Luri.
— O que houve? — perguntou Réviz.
— Um peteleco! É... o peteleco. Não podem trocar petelecos com o escudo, ele quebra na hora.
Cacete, já achei que tinha perigo. Como essa mulher descobriu uma coisa dessas? E precisava gritar assim?
O motorista tentou relaxar os ombros em outra respirada funda. E estou impressionado com a habilidade da Nirda em ter um sono pesado.
Quando notamos direito, Daniel parou e pediu para prosseguirmos a direita, mas só havia subida de morro.
— Uma caverna. Grandinha, né? — destacou Will.
— Avance o quanto puder, irei facilitar o caminho.
Daniel se aproximou do carro e apontou para o fundo escuro antes de continuar:
— Essa é a regra.
Várias luzes se acenderam com o comando de voz. Eita, não era uma caverna qualquer, parecia um tipo de refúgio reforçado.
Mais ao fundo, estava tudo limpinho, feito uma casa ajeitadinha.
— Este é o meu posto, não é tão chique quanto o que imagino estarem acostumados, terá que servir para esconder a presença de vocês por hora.
Enquanto nos instruía, apontou para um lado amplo da garagem própria para passar os pneus sem preocupação.
Depois que nossos pais de mentira saíram do carro, fizemos o mesmo. Esse lugar é maior do que parece, está tão elevado do chão do vale, ninguém conseguiria vir para cá sem passar pelo caminho estreito.
— E agora? — perguntou Will, ainda no carro.
— Vocês precisam falar com ela.
— A quem se refere ao utilizar “ela”?
Feites chegou mais perto com os braços cruzados, curioso. Não o julgo, também quero saber a razão de tanto suspense só pra dizer quem é que manda:
— A mandachuva, a estourada, a barraqueira, a desaforada, a não-sei-o-que-mais. Ernec pediu para apoiar sua chegada e direcioná-los para a torre dela, somente.
Vou ter que anotar mais adjetivos pra quando eu estiver nervoso, esse cara consegue competir comigo facilmente.
Réviz e Luri estavam tão impacientes que começaram a pressionar o rapaz, o fazendo se afastar com passos lentos até esbarrar as costas em uma das paredes da caverna.
— Irei presumir que é sobre a responsável por aqui — soltou Réviz, afinando os olhos.
— Isso mesmo, só tem um contratempo.
— Explique-se. — Luri estalou as mãos numa ameaça passiva-agressiva, o barulho do estalo dos dedos deu até um eco ligeiro aqui.
— Aff... — resmungou. — De resumo: chegaram em péssimo momento. — Daniel passou pelos dois dando a volta, gesticulando. — Estou aqui vigiando junto com mais algumas pessoas qualquer movimentação ao redor da Terra Exilada. — Deu ênfase ao olhar pela borda inteira do vale. — Eu sou o mais confiável por ela e pelo prefeito para recebê-los, só que as pessoas lá embaixo não vão tanto com a cara dela, não adianta eu dizer que vocês não são da estrela. Qualquer estranho; briga feia.
— Estamos aqui para encontrar a tal Amanda e...
— Essa perua só dá problema, pelo menos, desistiu de fingir estar do nosso lado.
Réviz apertou o punho com um nervo de aço ao ser cortado mais uma vez. Esse rapaz tá fazendo de propósito? E continuou como se fosse só um estranho qualquer:
— Ela está procurando pela Amanda também. De alguma forma, a Amanda conseguiu entrar aqui dentro sem que nenhum dos vigias a visse. Alguns trabalhadores perto do rio disseram ter visto uma mulher parecida.
— A vi se misturar com uma gosma antes e de... escorrer por aí. — Luri retomou, lembrando da cena quando o touro pareceu derreter do nada no parque de diversões.
— Isso explica. Certo, se virem.
— Hân?
Daniel acabou de provar que é capaz de irritar terceiros níveis com tamanha perfeição. Essa cara de desdém dele me dá a impressão que tá fazendo um serviço malfeito e com má vontade.
Will e eu nos entreolhamos, de cara com o que ouvimos.
— Se virem... tem poderes, não é? Óbvio que têm. Então se virem, cheguem na torre, porque não vou me colocar na reta de uma briga generalizada por estranhos de novo.
— Tsc! Réviz, pode ir lá com o Mark e o Feites, deixa que eu fico aqui pra ficar de olho nesse desaforado e nos dois.
— Vamos.
Luri já mandou o sinal para irmos e Réviz foi na frente. Eu relutei um pouco para ir, mas o olhar severo de Réviz não facilitou.
— Espera.
— Will?
— Tome cuidado, por favor.
A pegada sutil na minha blusa apareceu logo quando encaixei o primeiro passo para o lado de fora da caverna.
Meu irmão estava nervoso, a mão trêmula indicou que estava se segurando para não transparecer. E eu também estava.
Agora, nada é impossível de acontecer. Assenti e respondi com sinceridade:
— Eu... vou tentar.
— Tem uma trilha logo aqui na frente, vai dar direto na periferia, só seguir no rumo da torre!
Daniel levantou um pouco a voz para dar um aviso, mas Réviz não ligou muito enquanto tinha o passo acelerado.
— Por que essa pressa? — Fiz uma pequena corridinha para os acompanhar.
— Estamos faltosos de tempo e oportunidades, é necessário o tom de urgência desde a saída da cidade flutuante. — Feites respondeu de prontidão como se quisesse defender o pai de mentira.
— Viu ou ouviu o fantasma? — E outra pergunta seca veio de Réviz. Dai-me paciência.
— Eu não já disse que não controlo quando ele aparece? Pra falar a verdade, espero que nunca apareça! A única coisa que tenho certeza nessa esquisitice toda é que só vem coisa ruim quando ele aparece.
Meus tênis não são feitos pra andar nisso aqui, poxa. Temos que passar por esse matagal, não gosto desse tipo de coisa.
Bom, vou só entrar na onda e ver no que vai dar. Ainda sinto o ropedart no pulso. Está invisível e pronto para ser usado, mesmo que eu só o balance aleatoriamente como sempre.
No mesmo momento em que Mark, Feites e Réviz se separam da líder do terceiro nível, duas silhuetas familiares se aproximavam pelo morro contrário a muitos quilômetros de distância.
As duas partes passavam pela vegetação sem dar a devida importância para qualquer passo incerto, vidrados pela cidade maltratada e escondida do mundo.
— Conseguiu os ouvir?
— Sim.
Uma moça ajoelhada tinha suas mãos perto de cada ouvido e abriu os olhos de seu rosto concentrado, o bastante para revelar o brilho que cintilavam em pulsos.
— A Beatrice está aqui?
O rapaz que a acompanhava passou os dedos pela máscara presa ao rosto, que revelou uma expressão um tanto preocupada, embora seu rosto permaneça estático.
— Talvez. Não está com o garoto.
— Hum.
Assim, a máscara anormal se apagou quando a boca escondida do homem ressaltou em seguida:
— Existe a possibilidade de serem parecidos com o estranho me atacou há alguns dias.
— Como devemos prosseguir?
— Esperando. Vamos observar.
Deu meia volta e ousou desafiar a mata novamente, porém, sua calmaria foi interrompida numa pergunta sincera que passou, dessa vez, pelos seus ouvidos:
— Perdoe minha intromissão, mas realmente confia em Ernec?
De costas e sem manifestar resposta, passou a mão novamente pela máscara. O objeto ascendeu, mas não revelou nenhuma expressão notória, sendo sincronizada em perfeita harmonia com o jeito preso e indiferente do homem-estátua.
— Dourres?
— Siga-me.
Não respondeu apropriadamente, continuou seus passos e se escondeu fora de vista.
A moça, apesar da postura correta e pronta para ordens, tensionou os ombros e deu uma última conferida na imagem da Terra Exilada, antes de segui-lo.
A cada metro em que o grupo de Mark se afastava da caverna, mais perto a Terra exilada acrescentava um nervosismo no jovem de cabelo hipérbole que demonstrava mais força.
Casas pobres, ruas deturbadas, lixo exposto para animais. Bêbados e pessoas desafortunadas de dignidade caídas no meio da calçada.
— É inevitável que uma cidade tenha áreas de menor foco e desenvolvimento social, todavia, este nível é desconhecido por mim.
— Espero que melhore perto da torre.
— Um momento.
Feites e Mark trocaram sussurros ao se aproximarem de uma rua. Réviz abaixou e chamou a atenção dos dois com cuidado.
— Consegue nos camuflar?
— Sim, contando que mantenham contato físico constante com minha pessoa. Mark, aproxime-se.
Feites contornou a vista ao redor e se deparou com um grupo de bêbados descolado mais à direita — casacos pretos e roupas desajeitadas. Precisavam seguir em frente na rua logo a frente.
— Eita, não entendi, aí.
Os outros dois seguraram Mark por baixo dos ombros e envolveram suas cabeças com cada braço do jovem.
— Crer.
Um ligeiro clarão apareceu entre a mata em tons de roxo, por sorte, sendo reparado por ninguém nas redondezas.
O ex-garoto havia piscado entre o movimento repentino dos dois e havia adquirido uma nova aparência.
Réviz e Feites, também de aparências transformadas em cópias de cidadãos descolados, carregavam um homem que, hipoteticamente estava embriagado.
— Preciso elogiar sua percepção.
— Meus agradecimentis, senhor Réviz.
— E o que eu...
— Permaneça quieto, olhos fechados e solte o seu corpo. Temos que reconhecer o local enquanto avançamos; espere o sinal.
Um protesto sussurrado foi encurralado pela seriedade da situação. Mark, incapaz de refutar, largou o próprio peso em cima dos colegas, que o levantaram e adentram na rua.
O peso de seus corpos estava, oficialmente, dentro do perímetro urbano da Terra Exilada. A periferia os recebeu de braços abertos, ao menos, pela maioria.
Um bêbado ainda consciente revirou para o grupo invasor no mesmo segundo que entraram. Réviz e Feites notaram o comentário que os permitiu avançar sem atrasos:
— Garh... Be-bi demais... huh...
Sua visão via duas pessoas iguais, balançou a cabeça, tentando melhorar a visão que mentia para o cérebro, mas o próprio balanço o fez tropeçar no meio-fio e cair para assim permanecer, junto ao restante, sem consciência.
O ritmo cauteloso dos usuários de energia desacelerou. Rapidamente, Réviz sussurrou para Feites atrasar os próprios pés para evitar mais atenção que conseguiram.
Embora emergidos como um entre os cidadãos, alguns dos inúmeros bares continham homens que grudaram seus olhares feito imã.
— Lá vem os homi!
— Que bom!
Mais no alto, no pavimento superior de algumas casas — ou o que remetia a uma —, mulheres apontaram para um grupo no final da rua que se aproximava.
Homens fortes e trajados de laranja e listras brancas. Apesar dos trajes estarem montados em trapos e pedaços costurados de vários tons diferentes, evidenciou a tentativa de ser o mais próximo de um uniforme.
— Cê lembra da contagem?
— Eu?
— O que tá de traz.
— Esqueceu que não sei contar?!
Quatro rapazes se aproximavam, contrastando suas vozes finas como o absurdo contrário do volume de músculos de seus corpos.
— Já pegamo uns vinte nego da estrela essa semana.
— Seus zé mané! Vamo aproveitar o fim de semana!
Outro homem com uma voz vindo de dentro de um bar próximo ao grupo, os chamou saltitando quando os prestigiados viam na sua direção.
— Feites, me acompanhe.
Réviz, em sua aparência disfarçada, indicou a próxima esquina antes do bar, mesmo sendo um beco, o anfitrião da mansão não hesitou em obedecer.
O suposto líder dos prestigiados, que havia afirmado no sucesso de deter a estrela, deu um passo para trás e inclinou o rosto, tentando entender o movimento estranho na esquina a sua frente.
— Um segundinho, gente.
Deixou seus instintos o guiarem, fungou e coçou as orelhas, prosseguindo para encontrar os responsáveis por suas suspeitas.
— Alou, se não for ressaca, posso ajudar o cês? Alou?
E seus instintos, aparentemente, entregaram uma resposta incerta. Havia nada no beco, apenas um rato que se assustou e saiu correndo após sua aparição repentina.
— Oxente — soltou, com a mão na cintura.
— Zé da manga, vai beber não?
— V-vou sim!
Antes de voltar ao bar, ajeitou no cinto o que estava escondido por trás do uniforme barato, o que fez reluzir uma pistola um tanto bem-acabada para o local que estava.
— Foi embora? — A voz de Mark emergiu pelos ventos parados do beco.
— Sim.
Feites respondeu e revelou o grupo, que estava mais que camuflados, estiveram invisíveis no real sentido da palavra.
Apesar de ter concordado, a resposta um tanto repuxada da garganta também revelou que nem mesmo o mais “certinho” do grupo era imune aos efeitos do cansaço.
— Confira o relógio — pediu Réviz.
— Sessenta e três por cento. Decaiu em dez unidades.
— Planejo não abusar de sua energia, preciso que aguente firme até acabarmos.
As sombras do beco escondiam a verdadeira forma do grupo, que deu uma folga para a concentração de Feites.
— Está bem, Feites?
— Manipular várias miragens consecutivas em movimento e tornar algo invisível além da minha pessoa é deveras desgastante.
Por um momento, Mark, após ter ouvido a resposta de sua pergunta, lembrou de quando o encontrou a primeira vez, nas ruínas perto da mansão. Se quisesse manipular várias miragens, haveria um custo de mobilidade e concentração que, agora, entendeu a razão de o ter visto tão quieto antes.
— Daremos a volta, ainda segurando o Mark. Precisamos encontrar uma maneira de adentrar na torre sem sermos notados.
— Não podemos só ficar invisíveis?
— Apenas a minha pessoa é capaz de permanecer imperceptível em movimento. Se tornariam visíveis assim que se mexessem. Tal ordem contrária é também se demonstra válida. Perdoem-me por minhas incapacidades.
— Tá... Entendi. Mas nos perceberiam muito fácil se escalássemos por fora.
Mark ponderou por alguns segundos, ainda suando frio com as possibilidades esquisitas que atravessavam seus pensamentos.
— Em plena luz do dia e com patrulhas ao redor, a entrada deve estar somente com o mínimo de vigias. Sigam-me.
Feites respirou com calma e afinou o olhar, retornando para a posição enquanto segurou Mark junto do vice-líder.
O ritmo da caminhada para ajudar alguém supostamente inconsciente teve como único guia o supostamente homem barbudo.
Retornaram pela rua e deram a volta pelo quarteirão de traz para evitar a ronda que pausou suas atividades no bar.
A densidade de pessoas variava muito a cada rua, outras quietas demais, outras em festas impróprias e fardas de agitação. O fato em comum ainda eram as perguntas curiosas sobre a pessoa sendo carregada, não pelo ato de ajuda, mas pela razão de ser aquela pessoa entre os outros desacordados pela bebida.
De subida em subida, o grupo se aproximava do centro da Terra exilada. Mesmo que as condições estruturais se demonstrassem melhores, ainda era muito longe das condições mínimas de uma cidade comum.
A base da torre — ou o que parecia ser a entrada — estava inteira apenas teoricamente, apenas o suficiente para garantir a estabilidade estrutura, e não o seu serviço para a população.
A estrada de chão começou a ser pavimentada com pedras aglomeradas, um enorme círculo fazia o perímetro da torre, feito uma estrutura posta em uma rotatória exagerada.
Pessoas iam e vinham, outras mais limpas, outras nem tanto.
— Tem gente de tudo que é jeito aqui.
— Não precisa se esforçar — retrucou Réviz.
Ansiedade forçou Mark a abrir a vista de apenas um lado do rosto, cedendo a curiosidade. O vice-líder arrumou a pegada de seus braços, disfarçando a voz que vinha de quem devia estar desacordado.
— Cinco adiante — sussurrou Feites.
— Se o derrubarmos, chamaremos atenção de qualquer forma.
O pai de mentira interrompeu a própria fala enquanto seus ouvidos realçaram mais as conversas alheias das pessoas em volta.
Balançou a cabeça um pouco e girou os ombros numa tentativa de se soltar mais de algo intangível.
— Fiquem quietos.
Antes de atravessar a rua até a torre, o anfitrião analisou os arredores, transmitiu o que conseguiu detectar e Réviz assentiu em tom seco, franzindo o cenho.
Sem pensar novamente, o grupo avançou em direção aos que protegiam o portão, o porte de armas nada condizentes do local e roupas quase uniformizados em laranja destacou para o vice-líder o necessário para uma solução.
— Ehr... — pigarreou — Gente! Faz favô!
Mark sentiu um arrepio. Desta vez, não foi algo esquisito e perigoso da sua nova rotina, e sim o que os ouvidos sentiram.
— Eita nois, o que houve?
— Não vô fazê o barraco. Uns cretinos de preto tomaram nossas casas e tão com nossa mainha de refém, conseguimo sair, mas meu irmão tá ferido, ó, dá uma ajuda — sussurrou Réviz ao se aproximar de um dos guardas.
Feites arregalou cada músculo do rosto e se espantou, ligeiramente. Nenhum aviso claro apareceu antes disso: o vice-líder, que tinha a personalidade um tanto ranzinza normalmente, incorporou um personagem que mudou completamente a sua voz e jeito de falar.
— Pessoas de preto?
— Uma muié mascarada, tá lá. Cês tem que agilizar! Vai, vai, logo!
— Caraio! Joazinho, ajuda os irmão aqui!
— Moramo no final da rua ali, ó! Tão mocado lá.
— Cabeças de vento, simbora!
A sequência de falas deixou os espectadores... atordoados. Entonação, gesticulação do rosto, lágrima escorrida. O espanto de Feites, mesmo com sua miragem o trocando de aparência, transpareceu a surpresa que, sem perceber, tornou o relato ainda mais convincente.
Tal grupo de guardas — relaxados a primeiro momento — escalaram suas reações a cada palavra do pedido de socorro sussurrado.
O menor deles, que estava mais ao lado, levantou a voz e direcionou os colegas para segui-lo, direcionados pela indicação de Réviz que, convenientemente, apontou para o lado oposto por onde vieram.
Somente um permaneceu ali, aquele que estava afastado e atrás do portão da torre.
A porta foi aberta e uma mão sinalizou para os usuários de energia entrarem.
Por dentro do hall acabado, Réviz revirou os arredores com a vista e enfincou sua atenção no único guarda que estava ali, puxando de uma bolsa das costas alguns panos e remédios.
— Minha nossa senhora, deixa eu ajuda o cês! Sou o mais perto de um médico por estas bandas. Como seu irmão tá?
Réviz soltou Mark, o que fez Feites segurar o jovem mais forte para que não caísse. Os dedos do vice-líder se prenderam na testa do médico de meia tigela e conduziram sua energia em tons de marrom.
No mesmo instante, as miragens foram desfeitas e voltaram a forma original.
— Hein... Ihhh!
O rapaz se assustou num pulo e acabou desmaiando após tomar um pequeno choque.
— Vamos em frente.
— Tantas... perguntas.
Mark recompôs o corpo e se manteve de pé sozinho. Encarava o pai adotivo como se visse uma pessoa completamente desconhecida.
— Basta sobrecarregar as memórias que a consciência se perde.
— Senhor, as habilidades teatrais são também provenientes de tua energia ou fortuno de experiência? Fascinante.
— Por favor, esqueçam o último minuto.
Feites pareceu um pupilo admirando um mestre, a execução da tramoia foi baixa e, ao mesmo tempo, alta o suficiente para superar expectativas.
Qualquer cerimônia por concluírem o objetivo primordial estava longe de ser presenciada, pois, ao atravessarem mais adiante na construção, constataram mais corredores sem sentido e vazios.
— O arquiteto daqui tava meio descabelado e o engenheiro mais ainda por ter deixado isso em pé.
— Mantenham a atenção e vamos prosseguir.
Mark declarou seu comentário para os ventos enquanto girava a cabeça por todos os cantos. Os outros dois estavam atentos e só se prendiam em seguir reto ao centro da estrutura.
O jovem reparou o clima e voltou a postura ao se esgueirar junto ao grupo entre os vãos dos corredores, averiguando se havia qualquer ser vivo por perto.
— Uma baita escada. Cara, como a gente não viu um trem grande desses na estrada?
— A ODST tem sistemas de refração de luz que permitem camuflar áreas inteiras de perspectivas externas. Tenho dificuldades em considerar essa possibilidade num local tão carente.
— Não viram as armas deles? Não é o tipo de coisa que veria alguém daqui carregado.
— Concordo.
Os dois mais novos do grupo concordaram com o nível do porte da Terra Exilada.
Sem perceber, o jovem havia apontado o queixo totalmente para cima, buscou enxergar o final de uma escada em espiral.
Réviz afunilou a vista outra vez e acabou por pensar em voz alta:
— Presumo que “ela” está no topo.
Ao contrário do suposto pai e filho, que examinavam o destino da escada adiante, o anfitrião examinou melhor o centro da torre.
— Acabei de notar um elevador rudimentar e robusto. — Feites revirou o rosto algumas vezes, tentando descrever o que exatamente viu.
— Quanta enrolação pra dizer que é um elevador de madeira!
— Não exatamente um elevador; uma plataforma elevatória, este lugar é tão antigo quanto aparenta.
Acima do piso constituído por pedras naturais, uma peça predominantemente horizontal esteva apoiada sobre o chão.
Cordas e roldanas que estabeleciam o que, em poucas palavras, um elevador extremamente manual, contendo uma enorme manivela que só dava lugar a força bruta para se locomover tão extensamente ao final das escadas.
Antes que os pés dos agentes avançassem, outros passos desafiaram o silêncio.
Rapidez e uma lentidão abrupta. Passos leves demais e indecisos.
— Tem alguém aí?
Feites se pôs a frente e retirou a caneta do bolso do sobretudo. Reagindo perfeitamente a pergunta de um desconhecido, a lança reconstituiu sua verdadeira forma, pronta para contra-atacar.
Réviz alcançou as pistolas e o jovem mais atrás apenas averiguou a existência do ropedart, sendo o último a reagir.
Uma pequena gota de suor frio desceu pela testa de Mark, que tensionou os ombros ao encarar os primeiros degraus da escada.
O anfitrião apertou firme a lança com as duas mãos, apontando para a direção onde os pequenos passos vinham.
— São o cês, né?
Uma pequena cabeça esgueirou pelo pilar que segurava a escada. Grandes olhos e um pequeno corpo, a presença misteriosa que os abordou deixou Feites despreparado em como reagir:
— Uma criança?
— São o pessoal que tinha que falar com minha irmã, não é?
O menino se aproximou mais animado ao ver o grupo, Feites abaixou a lança por reflexo ao vê-lo se aproximar.
Antes de tomar uma ação, Réviz revirou para trás num tom ameaçador para Mark. As sobrancelhas tencionadas mostraram que cogitava a ideia de ainda ser um inimigo.
— Viu o fantasma?
O sussurro deixou o jovem aflito. Um calafrio ressaltou pela espinha de Mark, que balançou a cabeça, negando a pergunta.
Seu corpo não sentiu um frio repentino, não por causa da presença ilustre de seu fantasma, mas por Réviz não ter receios em ter que tratar uma criança como uma real ameaça.
O pai adotivo revirou de volta e relaxou o corpo, deixando um sorriso naturalmente bem orquestrado persuadir a criança.
— Sim! É nois memo! Ela ainda tá lá em cima?
— Humrum! Acho bom cês irem logo, ela tá furiosa.
O menino desceu os últimos degraus e pisou na plataforma, apontando para cima.
— Eu ainda não consigo subir sozinho, mas minha irmã consegue subir numa girada só!
Ao acompanharem o garoto, Réviz indicou a manivela para os dois mais atrás, que se posicionaram frente a frente para subir.
— Cacete!
— Ugh! Este peso é indescritível.
Ex-órfão e um dono de uma mansão chique. Duas personalidades nada em comum que, naquele momento, sentiram a física provar a força de atrito esmagadora.
Veias saiam e suor emergia, segundo a segundo, mais centímetros eram elevados pelos dois que davam a vida para girar a manivela.
— Isso não... Devia... ser... mais... Ah! Rápido que a pé?
Tecnicamente, estavam mais rápidos que percorrer tantos degraus, mas, cada girada remetia a séculos de esforço.
Após alguns minutos de completo ruir físico, barulhos de pancadas faziam as paredes tremerem.
Mais perto do topo, mais perto dos barulhos. Réviz, que permaneceu atento ao menino, ainda emanava a personalidade falsa e amigável.
Quando o chão da plataforma se alinhou ao chão do piso do último andar, um estalo nos mecanismos travou a manivela e permitiram que os dois, que fizeram a travessia possível, pudessem despencar de costas, respirando arduamente para conseguir o fôlego.
Tremidas e tremidas, além destes barulhos sem ritmo, grunhidos vinham por trás da porta.
O garoto misterioso foi na frente a bateu na porta com uma casualidade admirável.
Seja o verdadeiro significado do cenário que estava, parecia ser corriqueiro a ponto de permitir o luxo de ignorar as tremidas.
— Mana! Eles chegaram!
— Finalmente, caralho!
Enquanto Feites e Mark se recuperavam de pé, Réviz deixou as armas prontas para serem apontadas, atrás de suas costas.
Tal detalhe alarmou mais os jovens, que estavam agora de pé ao seu lado.
— Eu ia sair pra brincar, mas...
O menino contava para quem se aproximava pela porta, no entanto, esta mesma pessoa parou atrás da porta e não a abriu.
Num movimento veloz, uma abertura surgiu e mostrou mãos que puxaram o menino para dentro.
— Iggy, num disse pra ficar comigo?! Fique atrás de mim... Estes homi não são dos meus.
— Irmã?
Lentamente, a abertura se estendeu e mostrou a porta, de fato, aberta.
Assim, na frente do grupo, uma mulher de cabelo ruivo e um cabelo extremamente longo, preso em dois rabos de cavalos colocou o garoto para trás, exibindo um rosnar mortal de suas presas.
— Você... — Feites soltou, incrédulo com a presença que viu.
Réviz apertou a pegada das armas, ainda as escondendo.
E, por fim, nenhuma reação foi sentida por Mark, afinal, estava petrificado com a visão trêmula.
“Não se esqueça”, ressoou em sua consciência.
Atrás dela, era possível ver uma enorme sala... Uma sala que tinha o fantasma apontando para a mesma mulher que surpreendeu o grupo.
— A mulher daquele vislumbre — relembrou Mark, mencionado quem viu pouco depois da fuga do festival flutuante.
— So... — Feites estava tão atordoado quanto.
— Tsc! Essa estrela não me dá sossego!
Tal desconhecida preparou o ataque e pulou em direção ao grupo, sendo respondida por velocidade igual pelo vice-líder, que preparou as pistolas.
— Não! — gritou o menino.
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