Volume 3 – Terra Exilada
Capítulo 54: Ignorância Mútua (Parte 2)
Começou a explicar cada detalhe que o motivou a tomar as decisões que já tomou. Eu irei resumir para ficar melhor. Só é difícil aceitar tão rápido...
Poucas pessoas estavam a bordo, já que fomos um dos primeiros. Foi aproveitada a deixa de sermos os únicos passageiros no convés para começar a contar:
— Meus assuntos com cada um de vocês começaram por causa de uma pessoa: Quiral, a minha esposa.
Réviz realmente tem uma esposa, ao menos, acredita que tem.
Somente Feites e Luri não ficaram tocados pelo o que disse, a informação repentina fez Nirda se preocupar mais, olhando para Luri, desentendida.
Não posso julgar, essa menina deve realmente ter achado que Luri era a esposa dele. Mas estava na cara que era o contrário.
Will e eu, apesar de estarmos segurando as tensões para prestar a atenção, entreolhamos, sem jeito.
Já tinha ouvido falar dessa mulher enquanto estive com Luri no carro, perto da prefeitura; o restante da história só aumentou minha insegurança com esse nome.
Logo em seguida, Réviz mencionou sobre esta mulher ter sido sequestrada por monstros muito parecidos com que vimos no parque. No fim, estava tudo relacionado com a estrela sorridente.
Sua voz falhava ao retroceder no tempo, quase duas décadas desde este dia. Só que o fato que o fez chegar até nós foi os tais vislumbres que viu.
Comecei a vê-los somente após Réviz ter me encontrado, mas ele afirmou que começou a os ver muito antes e sempre era alguma dica para encontrar algo ou uma pessoa.
No fim, essa pessoa que via sempre era eu. Desde quando cheguei no orfanato, quando fui encontrado num cesto clichê junto com o pano que carrego no bolso.
Se isso não fosse bizarro demais, contou que uma voz misteriosa apareceu antes do primeiro vislumbre dizendo “encontre o general Marcos”.
— Desta forma, foi neste momento que minha energia mudou para a que possuo hoje.
— Isto... condiz minuciosamente com o relato nos livros da biblioteca, no entanto, “uma voz”? — Até que, enfim, Feites começou a reagir as falas, cruzando os braços.
— Energia? — perguntou Will.
Tentava ignorar o fato de alguém ter ciência de mim... ou do que, em teoria, eu sou. “Reencarnação do general Marcos”, pensava nisso direto desde quando vi Feites pela primeira vez.
Porém, não era a primeira vez que “uma voz” estranha surge na conversa. Ouve um menino nas memórias que o certinho mostrou, a voz rouca que gritava e pensei ter ouvido, e agora com Réviz.
Antes que pudesse sequer levantar o dedo para falar, Réviz se apressou para explicar o que já explicou para mim, encarando bem Nirda e Will.
— Além de um militar, faço parte do terceiro nível do Segundo Setor; um esquadrão que é formado por uma linhagem de descendentes das famílias reais, um conjunto de militares que possuem esse poder: a energia.
A ignição começou a dar as caras, até hoje não tenho ideia de como deixar forte assim.
— Meu poder era diferente antes do sequestro da Quiral. Essa energia é nossa principal arma contra a estrela sorridente. Agora, percebemos que não só possuem também o controle dela, como estão permeados por dentro da ODST.
— Tá bom, mas como? Estou tentando entender, mas porque sequestrariam sua esposa se já tinham esse poder antes? — Will continuou as perguntas, mesmo que suas mãos fossem diretas para a cabeça a cada sílaba.
— É isto que estou tentando entender também...
— Mark.
De repente, Luri me chamou a atenção, puxando para o lado de Réviz. Tinha uma sombra no olhar dela, quase como se fosse a mesma expressão tensa quando me perseguia no campo de treinamento.
— Sei que ainda é muito confuso, assim como é para nós. Fará mais sentido a partir de agora. Feites, vimos que suas memórias são reais. E vamos acreditar que está do nosso lado por enquanto. Este “general Marcos” possuía as mesmas chamas que a energia de Mark possui?
— Correto.
— Mark, poderia nos contar cada detalhe do seu fantasma. Todos os detalhes. — Fui encurralado, era quase como se estivesse me forçando a confessar um crime.
Réviz tentou manter o contato visual comigo, porém, parecia ter visto algo que tinha medo e desviou o olhar. Luri estava da mesma forma, por que o fantasma é tão importante assim?
De todas as bizarrices, essa era a mais justificável como esquizofrenia alheia, e, nesse momento, presumo que seja a mais crível delas.
— Se não me engano, eu o vi nove vezes. Uma vez enquanto ia para o colégio no ônibus, outra antes de desmaiar no acidente do ônibus; na primeira vez que vi a Luri, quando eu senti cada pedaço do meu corpo paralisar enquanto ele dizia pra “não deixá-la morrer de novo” ou algo assim... — Na medida que citava as aparições, a minha líder engoliu seco ao mencionar uma delas. — Também no teste absurdo que Réviz me fez passar, no palco do festival flutuante, e enquanto eu fugia das aberrações, na prefeitura, no hospital e, por último, quando o fomos atrás do prefeito.
Contei o que me veio na cabeça de primeira, mas o silencio que seguiu em resposta deixou claro que queriam mais. Mais o quê? Eles não entendem tudo que está acontecendo e eu devia saber agora?
— Continue, por favor.
Assim, Réviz conseguiu olhar para mim, não com um rosto frio, não com um sério, não um com um sorriso falso quando falava com meus irmãos, e sim com uma expressão triste.
— Não sei o que querem que eu diga. Só vou dizer o que bater na mente.
Se querem me ouvir, terão que ouvir tudo então! Abri o zíper da blusa e levantei um pouco as mangas para gesticular, fui continuar:
— O fantasma apareceu depois dos vislumbres, ele não tem boca e é igual a mim, só que completamente branco como se fosse realmente um fantasma. Consegui ouvir ele dizer alguma coisa na última vez. Parece que ele me dá um caminho ou quer me mostrar alguma aleatoriedade esquisita toda vez que aparece, como se mostrasse o que vai acontecer ou para onde ir. Você já percebeu isso, Luri, lá no hospital, o fantasma estava me guiando pra fugir daquele touro do demônio!
A mulher assentiu comigo, mas não conseguiu dizer nada. Agora, não estou entendendo.
— Seu relato condiz com a explicação da criança que o general Felipe acompanhava, contudo, não havia um fantasma, somente uma voz similar a “metal”, segundo o próprio.
É! Feites levantou o dedo rapidinho para pontuar algo que foi bem preciso. Lembro de ter visto isto nas memórias do general Felipe que mostrou, isso é uma coincidência?
— Isso! Qual é a palavra? Ah! Gutural! É como se fosse um vocalista de metal. Pode... ser a voz dele.
— Luri.
— Mark, peço que se acalme agora.
— Tô calmo, uai! O que foi?!
Réviz chamou pela líder feito uma fala ensaiada. Começou a pedir minha calma como se EU fosse o locão da história, mas que cacete que ninguém me entende!
— Lembra quando te disse sobre a Quiral ter encontrado alguém que também via um fantasma?
— Lembro, o que tem? Onde quer chegar? Vai dizer que era eu ou outro absurdo?!
Luri não costuma de vir com voz mansinha, ou é uma doida querendo me metar ou uma desmiolada metida a bobona. Só pode significar coisa esquisita.
— Esta mulher foi resgatada de um cativeiro da estrela sorridente. Esta mulher, magicamente, apareceu na nossa ODST sendo guiada pelo fantasma para avisar a Quiral sobre o destino dela. Eu... só queria der dado ouvidos.
— E?!
Desviou o olhar no último segundo. Arrependimento, pelo visto, mas o que isso tem a ver comigo?
— Assim como a Quiral, essa mulher misteriosa estava grávida. Tinha um cabelo dividido em preto e branco que nem o seu, e tinha uma energia, um mesmo fantasma que falava com ela.
Não, não. Não, nada disso. Isso é clichê demais. Pelo amor de deus... Não seja o que tô pensando. É pura coincidência, não sou o homem-coincidência? É claro que tem que ser mais uma.
Desculpe a ignorância da minha parte, mas esse não é o ponto! Beleza, sequestraram uma mulher a sei lá quando anos atrás. O que isso tem comigo?
— Um momento... — Feites?
— As famílias reais passam suas gerações de agentes adiante. Cada energia é hereditária, sofrendo ligeiras variações raramente. — Réviz?
— Não me diga que...
— Existe a possibilidade... de ter sido sua mãe.
Que. Caralho. De. Informação. É. Essa?!
O quê?! Antes que notasse, já tinha levantado a voz:
— E onde ela foi?! Onde?! Deixa eu adivinhar: ela me deixou num orfanato achando que ia me proteger, por um acaso? Proteger do quê? É óbvio que isso tipo de coisa ia acontecer comigo.
Eu sou o quê? O tal escolhido? O salvador? Que droga de conexão é essa? Afinal, que caralho tá acontecendo?!
— Quiral não revelou a existência dela a outras pessoas; nem para nós. Ela suspeitava da estrela e ODST serem a mesma coisa desde o início. Nós que fomos idiotas, burros, patetas, vagabundos em desacreditar!
Interrompi a autodepreciação dela, simplesmente reformulando a pergunta de uma forma educada-passiva-agressiva-e-totalmente-calma:
— E. Cadê. Ela?!
— Depois disso, Réviz e eu a procuramos pela região, sem sucesso. — Balançou a cabeça. — Demorou um tempo para que os vislumbres mostrassem pistas mais específicas. E foi aí que ele sumiu da ODST por quase duas décadas para achar ela ou a Quiral, mas acabou sendo guiado até você. E te adotou.
— Levando estes fatos em consideração, como é possível este garoto ter a energia do general Marcos? Compreendo o detalhe de duas décadas de espaçamento, porém, entende-se que é impossível ter duas energias. Tal definição existe por milênios desde a chegada dos reis imortais. Se a mulher, supostamente, exercia duas energias, poderia ter a usado e, caso faltasse conhecimento sobre esta energia, o tal fantasma poderia ter a instruído, sim?
Feites não parecia demonstrar uma surpresa, mas uma curiosidade que o fez soltar os braços. Estou entendendo nada direito! Minha mãe? Duas energias?
Mergulhei num mar de questionamentos. Minha visão escurecia e me perdia nos próprios pensamentos. O chão foi a única coisa que tentei me focar para não perder a concentração e surtar de vez.
— Isso é impressionante. E há o fato da estrela sorridente ter ciência do poder dele, contudo, não do Mark em si.
— E como sabem deste poder? Aquele apresentador que te atacou sabia bem como usar as chamas de Mark nos bichos.
— Seja o que for a voz que me forneceu estes vislumbres, sabe dele em específico.
Respira. Foram só Luri e Revíz jogando palavras no ar.
— E pensar que você o trouxe antes direto para eles. Por enquanto, parece que só a ODST do Segundo Setor sabe dele. O prefeito não o conhecia.
— Por isso que não podemos voltar para lá. Vai ser questão de tempo até os outros setores tomarem ciência dele.
— Mark mostrou-se se adaptar bem as situações, embora o fato de preparo. Isso mostra que seu sucesso surgiu através da ação conjunta do fantasma e das memórias, que nem o Feites.
Inspira. Estou fingindo, fingindo ser só um personagem de fundo. Respira, cacete!
— O próprio Mark disse que não se lembra de nada! Pode ser um tipo de dejavu, isso se realmente essa parada de memórias se real.
— Perdoem-me a intromissão, estas criaturas realmente apareceram antes? Não existe menção delas na biblioteca e nada foi me dito pelo prefeito antes do ocorrido. Estive me perguntando desde o embate final contra o touro: por qual razão as chamas somente queimam estas criaturas? O propósito final da energia do general Marcos era para proteger e manter pessoas a salvo.
Feites se juntou com palavras no vento.
Cada opinião foi como vozes ecoadas na cabeça, não estava aceitando que isso realmente tá acontecendo.
Sempre deu para piorar, né? Nunca deixou de ser verdade.
Isso tudo realmente não foi um sonho. As chances de eu acordar com a Maria novamente e nada disso ter acontecido tá indo pra zero.
Pois, realmente, era zero.
— Chega! Já chega dessa conversa! Chega!
Dane-se. Tô segurando cada neurônio para soltar um palavrão daqueles! Meus braços enrijeceram e saí da frente deles na hora.
Tão me tratando feito um objeto de novo! Falam disso tudo tão casualmente como se fosse um evento normal de anime ou light novel! Como assim?! COMO? Eu não tenho paz.
Achei que ia ser uma viagem calma, pelo menos durante a viagem, mas iludido fui. Cacete, sou algum cara com poderes extraordinários ou algo assim, abençoado pelo destino conveniente pra reunir três malucos?
Esbarrei em Feites e só desviei de novo, me afastei dali, fechando minha blusa.
Me direcionei para a outra ponta e passei pelo corredor. Tinha um salão com inúmeros assentos, tendo algumas pessoas sentadas, fiz questão de ir para o assento mais distante possível, lá no fundo.
Tudo acolchoado, me enterrei na poltrona e fechei o capuz. Quero conversa com ninguém.
Pra variar, demorou pouco pra aparecer o som de passos logo em seguida.
— Saiam daqui! Não quero mais conver...
Toques sequenciais na blusa. Não eram os metidos a casuais com poderes sobrenaturais, quando puxei o capuz para trás, notei que era minha irmãzinha.
— Desculpa, Nirda. Eu... Nirda?
— Ela não te seguiu pra continuar a conversa. Tenho certeza de que ela entendeu nada. A gente discute isso depois.
Nirda só me abraçou, sem dizer uma palavra. Logo atrás, Will chegou e sentou-se no sofá ao lado. Havia uma tensão no ar, minha respiração acelerada não ajudava, e minha irmã apertou o abraço.
— Obrigado, Nirda.
— Não faça isso mais!
— O quê?
— Não saia de perto de mim.
Comecei a fazer um ligeiro cafuné, a pegada dela começou a se afrouxar e mostrou o rosto entristecido, segurando lágrimas.
— Vacilei com vocês. Preciso me acalmar um pouco, nada de diferente.
— Às vezes, sinto que trocamos os papéis.
— Sempre sou eu que coloca vocês na linha. — Nirda esfregou o rosto e se colocou entre nós, tentando sorrir.
— Há! Com certeza!
O clima começou a melhorar. Minha respiração voltava ao ritmo normal e meu tom de voz estava no habitual. Finalmente, mais calmo.
Basta ficar próximo dos meus irmãos que fico mais tranquilo. Ao contrário daqueles lá no outro lado.
— Ainda estão discutindo lá. Só perguntas sem resposta pelo que entendi. O poder que você tem é... um baita fardo estranho.
— Prazer, me chamo homem-coincidência.
Comecei a encarar o outro lado do corredor. Will já imaginou o que passava pela minha cabeça.
Após ter vista pela mesma direção que eu, ajeitou um pouco os fios desarrumados da cabeça e voltou o olhar pra mim, dizendo:
— Tenta se acalmar aqui, vou falar com eles e te digo o resumo. Deu pra notar que você não suporta ser o centro das atenções.
— Eu vou ficar aqui e te proteger!
— O-obrigado.
Embora Nirda tentasse ser otimista — ou inocente demais para entender o que mesmo devia falar —, respirei fundo, tentando aceitar o meu destino enquanto deixo a poltrona me engolir. E Will fez o mesmo no sofá.
O Ro-ro começou a tremer, o horizonte deu uma mexida e já deu pra sentir o movimento. Minha irmã acabou perdendo o equilíbrio e caiu, sentada no braço da poltrona.
Puxei o capuz de novo e o fechei. Vou aproveitar esse impulso pra me atirar na terra perdida da minha mente que ganho mais.
Assim, mais passos vieram e moveram os assentos. Os tais passageiros começaram a preencher esse barco gigante. As vozes apareciam e, somente em volta da minha poltrona, havia um silêncio, já que Will e Nirda ficaram quietos.
Aproveitei o escuro que meus olhos recebiam pelo capuz fechado e tentei dormir.
Infelizmente, impossível.
Fiquei remoendo cada palavra que ouvi hoje. Um fantasma que me guia, uma mulher desaparecida, uma literal organização criminosa e... minha mãe.
O tipo de fanfic de conspiração que podemos ler a qualquer momento sobre o governo. Só falta iluminatis ou reptilianos.
Só quero um tempo para mim...
Enfim, o dia seguiu. Me chamaram para o almoço quando o restaurante foi liberado, me juntei a todos e disse nada. Tava na cara que minha frustração os deixava aflitos, mas tô pouco me lixando.
As chances de ter aparecido um monstro aqui não eram zero.
Assim foi com a janta e o café. Minha presença e nada eram a mesma coisa, mal mexi na comida, o apetite vazou fora do corpo e recusei até o prato que montei para mim mesmo.
Por sorte, Will e Nirda revezaram para comer para não ter o desperdício. Fiz questão de tentar ficar o mais longe daqueles três. Pelo menos, até eu ter uma ideia melhor do que realmente deveria aceitar.
Meu irmão voltava sempre de tempos em tempos para conferir como estou e tentava dizer o que tiveram de conclusão. Ver se cabelo bagunçado a distância até que me... reconfortava.
Não que quisesse o ver nervoso e ansioso, mas ver isso me fazia lembrar que eu não sou o doido da história por só ouvir absurdos desde que fui adotado.
Conversamos um pouco no momento que Nirda se distraia coma brinquedoteca. Já sabia da minha preferência por ser mais direto e evitar mais detalhes que me irritasse.
— Acham que o cristal que aquela psicopata tinha é a conexão que pode explicar seus poderes e o sequestro da Quiral. A prova é aqueles monstros, que são parecidos com os que Réviz e Luri viram antes, terem surgido daquele cristal. Precisamos recuperá-lo como o prefeito pediu e descobrir o porquê estão matando pessoas aleatoriamente. Cara, isso é loucura! Resumindo, a missão começa quando chegarmos na Terra exilada e acharmos o informante do prefeito Ernec.
Nada comentei, apenas escutei enquanto olhava pela janela. Will apenas se virou e voltou para perto de Nirda. Sei que ficava chateado quando estava assim, porém, não tenho animo pra dizer “nossa, como quero ir pra uma missão suicida!”
Deixei minha cabeça apoiada sobre uma mesa, que estava na minha frente. Uma ligeira coceira me fez lembrar do detalhe que tenho certeza que Réviz preferiu não contar.
Temos o mesmo vislumbre, uma “voz” o guia até mim e agora os tenho também... Só falta ser um vírus novo: esquizofrenia dois. Pelo que lembro o último vislumbre que tivemos foi enquanto fugíamos no parque no carro: uma mulher destruindo casas com o vento de um soco no ar.
Que clichê de anime. Cadê as câmeras da pegadinha? Já estava anoitecendo e as pessoas estavam adentrando no salão pra aproveitar a música e seja lá o que mais.
Me retirei dali e fui para o quarto designado para nós. Quando abri a porta era um lugar chique, mas não dei bola, me atirei na maior cama que tinha. Estou nem aí, pra quem vai ter que arriscar a vida por livre e espontânea pressão, a cama de casal não é suficiente.
Poucos segundos; dormi. Estava desgastado mentalmente só por uma conversa de cinco minutos, que agora tenho que encarar as consequências pra vida toda.
No dia seguinte, despertei com os toques de Nirda. Estava pedindo para que me ajeitasse. Até que enfim, chegamos ao destino.
Pela janela, dava para ver o porto se aproximar, então esse é o setor de Quiral? Tem muitas árvores, parece uma barreira de floresta em volta, que estranho.
Fui guiado até a ponte e lá estava o restante. Fiz questão de evitar contato visual com os três. Segui meus irmãos e descemos pelo elevador até chegarmos ao carro.
Silêncio e Silêncio.
A fila dos carros para cruzar a rampa para as ruas do porto foi até que rápida. Feites ajeitou novamente o ponto de interesse no celular e os três se entreolharam, terminando ao vidrarem em mim.
— Está bem? — perguntou Feites.
— Depende. Vou ter que arriscar minha vida de novo?
Não conseguiram me responder. Que coisa, não? Réviz tentou ignorar, só tentou mesmo; colocou o carro em movimento e seguimos rumo a estrada, atravessando a pequena cidade que existia em volta do porto.
Tá bom, tá bom. Posso ser o ignorante da história agora, mas queriam o quê? Uma resposta calma e otimista, totalmente indiferente ou neutra e robótica? Prefiro a realista.
A autoestrada apareceu outra vez. Estávamos quase numa trilha dentro de uma floresta, apesar de ser uma “trilha” voltada pra carros.
Este setor é realmente bem diferente. As árvores parecem até maiores do que o habitual. Estávamos em pleno dia e ainda tinham postes ligados para iluminar a estrada, que passava por baixo das copas grandonas.
O perímetro da cidade era passado agora. “Duzentos quilômetros ainda...”, vi ao notar o gps do celular. Pela velocidade que íamos, seria umas quase duas horas e meia se silêncio agoniante para aguentar.
Um toque sutil surgiu no meu ombro, apesar de já ter uma ideia de quem seja, não esperava que Nirda fosse começar a sentir sono tão rápido.
Me ajeitei do lado dela e deixei que se apoiasse em mim. Ao menos, alguém precisa ter a consciência tranquila neste grupo.
Sem mais enrolação, só pararíamos quando chegássemos na Terra Exilada.
Finalmente, o carro estava só há alguns metros do local. A quantidade de árvores estava diminuindo num ritmo acelerado.
— Chegamos.
— Só que a gente tá no meio da estrada. Como assim? Talvez a gente devesse só continuar seguindo a estrada? Isso aqui é um corredor de árvores!
Will e eu ficamos confusos quando paramos. Era o lugar certo? Réviz alertou a chegada e Luri procurou qualquer sinal de entrada, olhando para todo canto.
— Se continuarmos, iremos para uma cidade a mais de cinquenta quilômetros — alertou Réviz.
— De fato, não encontraríamos uma placa ou um local óbvio. Senhor Réviz, por favor, manobre o veículo.
Desde antes, Feites parecia concentrado demais nas árvores. Avançou para mais perto de Réviz e apontou para uma direção no meio da mata, é sério isso?
— Existe um espaço aberto capaz de permitir nossa passagem. Adentre nesta direção.
Réviz estranhou a sugestão e franziu o cenho. Tava na cara que ainda não concordava em seguir as sugestões de Feites cegamente.
Aproveitou que não havia nenhum carro próximo virou à esquerda, atravessando a mata bem devagar.
O carro tremia pra caramba e mal dava pra enxergar alguma coisa. Acendeu o farol e continuou desviando das pedras e atropelando galhos.
— É um pressentimento — comentou Feites.
Lá na frente, uma luz atravessava as árvores. Bom, pode ser só o outro lado da floresta.
Cada vez mais perto. Feites estava chutando o caminho, certo? Minha confiança nele estava em jogo com esses tiros no escuro, literalmente.
Perto da luz, as árvores formavam um pequeno corredor, tendo marcas de pneus que passaram ali antes. Uma trilha escondida.
Numa freada brusca, Réviz apertou mais o volante.
— Que lugar é esse?
A reação de Luri foi igual pra todo mundo.
— Uma cidade em um vale? Aquela torre grande...
— O que aconteceu com as árvores aqui? — perguntou Will.
Calafrios.
— É parecido com o caminho morto — soltei.
Caramba, que coisa esquisita é essa? Era como se as árvores grandes estivessem escondendo este lugar, inclusive aquele prédio deteriorado no meio disso. Parece uma favela!
Havia árvores secas e um clima seco completamente diferente do lado de fora do vale. Folhas mortas, terra rachada.
Se tivéssemos ido mais rápido o carro teria perdido o controle na descida íngreme.
— Com licença.
— Aaaaaaahhhh!
Um homem esquisito com um pano na cabeça apareceu ao lado da porta de trás, perto de Will.
Bastou dois toques no vidro pra fazer meu irmão gritar.
O desconhecido forçou o grupo a se armar: Feites segurou a caneta, Luri apertou os punhos, e Réviz segurou uma de suas pistolas.
Demorei demais para reagir. O estranho afastou do vidro, levantando as mãos e mostrando as palmas.
— Peço desculpas, pelo susto. São os convidados do prefeito?
“Aliado”. Senti! A voz falou outra vez!
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