Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Cidade Flutuante – O Segundo Setor

Capítulo 26: Caminhos Estrelaçados

O jovem simplesmente desistiu, não adiantava buscar explicações claras para quem via um único objetivo, que não era explicar tudo. Olhou em volta e percebeu a situação normal; seja lá o que houve, foi concluído. 

— Tá… — Suspirou, arrumando sua blusa. — Beleza, ótimo, incrível, sensacional…

Continuou a dizer adjetivos aleatoriamente, queria organizar as ideias em sua mente, mas todas apontavam para um caminho conturbado e perigoso.

— Se entendi, querem minha ajuda, não é?

— Considere como necessária — soltou Luri antes de fechar a geladeira com o pé

Havia lágrimas escorridas pelo rosto, a maioria estava encoberta pelos farelos de biscoitos que começaram a afundar pelas mágoas dela. Sua voz estava mais leve, tinha doces em cada bolso, mãos e na boca.

Mas como assim? Levar alguém como Mark para uma situação de investigação militar numa área fora do Segundo Setor? Questionamentos que odiava possuir foram colocados em seu nome dentro da mente. Simplesmente abaixou a cabeça, decepcionado com a resposta; estava certo que sua desconfiança constante nunca iria parar.

“No final, vou ter que me virar”. Concordou em se tornar um terceiro nível para salvar pessoas, para tornar sua energia útil, para manter quem está próximo seguro.

“Proteger… eles disseram”. Sem peso. Essas palavras não tinham peso de verdade. Estava movido por uma motivação digna de animes quaisquer que via. Podia mesmo fazer isso? Viu seu irmão quase morrer duas vezes e quase morreu em um treinamento esquisito. Era mesmo suficiente? Sentiu impulsos instintivos que o levaram a concluir essas situações. É possível, mesmo? 

Embora usasse todas as forças para afirmações otimistas, o uso da palavra “quase” passou como um requisito para as mesmas afirmações. Um assunto que definia sua vida agora: entender as coisas todas. De qualquer forma, o estado de aceitação foi concluído, ergueu o rosto, apontou para o pulso e, exausto, comentou:

— Pelo menos, me digam como tira esse treco aqui.

Luri inclinou o rosto, confusa. Percebeu um comportamento incomum somado à blusa que tinha amassos na região do pulso.

— O rope dart? 

Com os olhos fechados — como se meditasse —, Réviz ficou ligeiramente intrigado. Era uma pergunta que ele também queria saber.

— Ah, é só deixar a ignição bem pititica e dizer “solte”.

Fez como ela descreveu. O instrumento caiu no chão, e o som de aço ecoou pelo andar, agora a arma estava no seu estado visível completamente.

— Uai, me disseram que tinha que registrar energia e não sei o que lá — comentou Mark.

— Ha! — Ela balançou a mão como se espantasse algo. — Isso é só do relatório de um protótipo. Precisavam registrar minha energia também para testar, colocaram a do Réviz como padrão só pra evitar que alguém sem energia fizesse o que quiser e se prendesse nele. — Ela levantou o queixo, andou até seu colega e deu um tapinha em seu ombro. — Você já tinha falado pa ele, né?

— S-sim, eu disse a ele. — Seu estado zen foi destruído, o rosto desmanchou em angústia da escuridão profunda de um oceano desconhecido. Pela primeira vez em muito tempo, ficou com vergonha e revirou o rosto.

Mark sempre notou um ar de que os dois se completavam, não no sentido romântico, mas em tarefas, que sempre se concluíam bem juntos — devido à isso, seu pai sempre deixou os relatórios para ela, dando olhada só por curiosidade em um ou outro; entretanto, ela ainda não sabia deste pequenino detalhe.

 

Mais uma vez, ficou cultuando o teto em meio à noite, virava de um lado ao outro e do outro voltava e continuava. Não conseguia dormir.

Viu seus irmãos dormirem tranquilamente ao seu lado. Nirda, que passava os dias animada e até ouviu que ela se perdeu após correr pela instalação, tinha seus cabelos lisinhos e brilhosos num sono muito bom. Will, sem qualquer surpresa, estava com trajeto de uma queda livre ao temido chão, que já acordou nele muitos dias.

“PROTEGER…”

“Não quero que se machuquem nisso”.

“IMPEDIR…”

“Tenho que insistir só mais um pouco…”

“A MORTE.”

“Nessas coisas todas”.

Embora perto e longe ao mesmo tempo, a voz no subconsciente de Mark o alertava da mesma maneira que sua insistência era forte. Forte e fraca, pequena e grande. Um nada-tudo e um tudo-nada.

Na manhã seguinte, a mais nova viagem dos irmãos apareceu como desculpa de mais um passeio, que não houve nenhuma objeção. Tendo o carro completamente cuidado, transmitia uma mensagem a todos da instalação em volta: os dois terceiros níveis partiriam. Dividia as opiniões dos observadores em uma oportunidade de ouro e uma decisão destrutiva.

Nada disso importava. Nada mesmo. Não importava os métodos que iam passar, as dores que iam ver, o tumulto que iam presenciar, erguer a cabeça e só desistir no fim era o resumo dos destinos dos dois que pensavam de forma tanto que parecida.

Dourres e Mark tinham seus destinos prontos a se cruzar. Tentar sempre. Tentar nunca. A junção de extremos que ansiavam pelo meio-termo. Uma união que era prevista por muitos naquele mesmo segundo. Uma união canalizada até uma onda de caos descomunal, o pôr do sol único e de verdade.

⟪ Ao mesmo tempo, no Primeiro Setor ⟫

Dourres, acima de qualquer outro, queria estar na frente para impedir que outros se prejudicassem. O rapaz, que mal sabia se expressar, foi quem mais se importou, mesmo quando nunca o entendessem completamente a sua frieza calorosa.

A instalação do Primeiro Setor estava literalmente igual se não fosse a falta que duas pessoas faziam, seu pai e sua colega Beatrice.

Receoso pela dúvida, ou melhor, pela certeza que algo não estava certo, saiu de seu quarto com passos apressados. Seu rosto desprotegido pelo toque suave de sua máscara acabou com as pessoas ao redor assustadas de forma boa, inclusive quando Cortax emitiu o sorriso ao ver, pelo reflexo da TV, o homem-estátua, líder do terceiro nível daquele setor.

— Vai lá, gostosão!

Uma olhadela singela veio como resposta, não foi o que esperava. Sua animação foi corada com um jeito estranho, percebeu que o rosto tão estático estava estático de um jeito diferente — algo que só um amigo antigo podia perceber.

— Isso… isso não é bom.

Com pressa e sob os olhares curiosos, Dourres subiu imediatamente ao último andar do prédio mais alto — o lugar em que saiu também às pressas na última vez. Sem qualquer mudança, a sala de guardas estava milimetricamente igual. A porta chamativa trazia um ar intrigante, estreitou os olhos como se reagisse ao clima incerto.

Xerta, com sua boina da vigilância, estava sentada no lugar que um dia ele queria sentar, mas só havia aversão agora. A mulher, que tanto digitava em velocidade impressionante, congelou ao se deparar. 

— Do-Doures, algum problema?

A fitou incessantemente, esperava que ela continuasse, porque sabia do motivo de estar naquela bendita cadeira.

— Para ter vindo aqui desse…

— Xerta.

Ela pareceu abatida por um segundo, porém, reconfigurou o corpo em uma postura séria e organizou a tela em sua frente, arrastando as mãos delicadas sobre o ar.

— Seu pai ainda está na reunião com os outros chefes. Todo o ano pergunta isso, sabe que é importante e quão demorado pode ser. Sabe, sabe, eu não posso. — Engoliu seco. 

— Vou caminhar. — Saiu da mesma forma misteriosa que entrou.

A mulher despencou a postura, colocando o peso em seus braços à mesa, cerrava os dentes em negação. O outro parou um passo da porta, respirou fundo e comentou:

— Não se esforce muito. É como uma mãe. E odeio te ver cansada assim.

Silencio bastava para ele como resposta. Isso era o que trazia medo sobre seu rosto petrificado. Quando saiu, lágrimas em pequenos soluções viam da moça, que retirou a boina enquanto tentava segurar os sentimentos. Esteve tanto naquela sala por ser uma pessoa digna de assegurar grande parte das possibilidades, queria dizer o mesmo a Dourres o quanto…

— Odeio, da mesma maneira que diz isso, o que vão te forçar a fazer… Não, não, não… — negando com toda a alma, pegou da gaveta uma foto.

O chefe levantava o pequeno líder novo, os dois sorriam como uma família feliz, Xerta estava mais jovem no outro lado do enquadramento, um pouco distante deles.. Seu ser ruiu, chorava mais e mais. Virou o item e passou o dedão — como se removesse poeira —, uma mensagem se revelou sobre o toque:

— Sexto sentido. — Ela pegou a foto e aproximou do peito, abraçando suas esperanças num fio que queria acreditar que existisse. — Não morra — Soluçou —, me desculpe. — O lamento foi tão baixo que podia ser um pensamento.

Apesar da distância, uma única circunstância conectava os três. Dourres entendeu o que havia algo estranho da mesma maneira que Mark não descobria uma razão convincente, eis a falta de clareza. Essas faltas de explicações num algo estranho selavam os dois ao tão aguardado… 

Sem jeito. Com jeito. Sem jeito e com jeito. Jeito… Sujeito. Ideias parecidas em um significado muito diferente, mas que surgiram perante a mesma observação; caracterizar alguém simples e talvez… desajeitado.

Várias perspectivas cultuavam as ações de Dourres, que caminhava lentamente em para a saída do portão. Ansiedade e ânimo pareciam um só em meio a todos os olhares. 

— Lá vai ele.

— De novo.

— Relaxa! É só um exercício, não é mesmo? Ser um cara desses, sem o que fazer na maior parte do tempo, deve ser chato. Que tal a gente motivar ele a limpar os banheiros?

— Como se ele não pudesse se exercitar aqui — comentou outro, irritado.

Vendo a distração dos colegas, outro funcionário puxou o celular para o contato, que tinha somente a letra “A” como nome. Após digitar rapidamente, mandou a mensagem que tentava esconder: “Avise-o”.

Uma ODST podia ser facilmente resumida entre guardas e cientistas, mas o grupo ao longe insistia em trazer a discussão para abordar aquele que estava tão travado. Não sabiam o que pensar dele, não podiam, não deviam e possivelmente só não queriam.

Com a mão levemente estendida, Dourres deixou sua ignição sair em um mero milissegundo. Bolas minusculas percorrem seu corpo até se concentrarem em ambas de suas mãos. Formaram um para de luvas pretas, vestidas sem alarme nenhum

Podia parecer item muito comum se não fosse pelas últimas bolinhas atrasadas que foram ao seu rosto. A máscara se formou diferentemente, o branco que trazia tinha um contraste com seu agir tão monótono. Os leds que realçavam as reações estavam apagados.

Olhar fixo à saída, cabelo que refletia a luz da instalação e o traje, agora, incomum: maneira condizente de um líder se preparando para uma missão. Passou os dedos nas bordas da máscara e sentiu algo peculiar. 

“Ele se esforçou bastante. Pelo menos, tenho alguém para confiar os próximos protótipos”.

Desde que voltou do Morro da Lei, realizou muitos testes com o jovem cientista. Lembrava do seu sorriso escancarado ao testar coisas que podiam facilmente matar o homem mais importante do lugar.

De qualquer forma, Dourres não se importava em deixar alguém feliz.

No último teste, as bolinhas estavam agitadas da exata forma do dia que deixou o líder incapacitado. A incrível satisfação do jovem com cabelos arrepiados foi se diluindo em um olhar formal — aonde se controlou, nervoso.

“Excelente! HAHA! Deu CERTO! Tá bom… Senhor Dourres, acredito que, com sua ‘permissão’, podemos criar muitas coisas”, lembrou-se da fala. Potencial. O projeto, que vinha como uma lembrança forte, tinha o objetivo de criar uma arma que usasse a energia específica do filho do chefe e que tivesse uma capacidade indescritível. Ambicioso e arriscado.

Junto ao barulho de aço rangendo, o portão imenso se abriu e permitiu em caminhar lentamente à mercê das áreas em volta da cidade. Deserto e floresta estavam conectados sem sutileza logo à frente. Ventania anunciava o começo do exercício, zumbindo por seus ouvidos. Seguiu sem perder tempo… bastante calmo.

A noite deixava a areia como o oceano, sem sinal de qualquer coisa em lugar nenhum. A floresta transmitia perigo mortal a todo tempo com barulhos de diversos tipos. Sem qualquer cuidado, seguiu pelo deserto com as mãos no bolso. Era possível ver as luzes da cidade atravessarem o fundo da mata. Daria a volta completa para entrar pela entrada principal e prosseguir ao destino que foi tantas vezes.

“Parte de mim quer que tenham feito algo”, pensou ao imaginar o beco.

O vento desacelerava. Suas pegadas, que marcavam todo o seu trajeto, continuavam sendo apagadas com rapidez. Zumbido se emudecia, e os cabelos paravam de mexer. O vento se tornou calmo, as pegadas ainda se apagavam com pressa mesmo assim.

Finalmente, chegou na cidade. As luzes estavam quase todas desligadas, já era muito tarde da noite. Foi até a praça, onde o seu velho amigo poste sempre esteve.

— Nada — soltou enquanto olhava em volta.

Procurava por quaisquer sinais da Estrela Sorridente, mas não encontrava. Colocou as mãos no bolso e prosseguiu, examinando cada detalhe da rua: mercadinho fechado, lojas impenetráveis, árvores estáticas como cera. 

Sentiu um ligeiro alívio ao retirar as mãos e passá-las pela máscara. Devia mesmo se preocupar e ficar em meio a um risco? Podia estar fazendo o quê? Esperar algo ruim? Silencioso demais, muito silêncio, um bocado de silêncio. 

Agora… o silêncio o incomodava. A falta de qualquer sinal da organização dava uma má ideia. O passear dos dedos pela máscara parou e, assim, determinou na mente: “Errado”. Inclinou o rosto para ver mais o fundo da rua e observou o banco que visitou há não muito tempo. Seus olhos estavam frenéticos, virava a cada detalhe como um jogo dos sete erros.

“Errado, errado, errado”. Se virou lentamente, deixando os olhos irem, primeiro, ao encontro do poste que tanto se importou. Estava acesso e, pela primeira vez desde que aprendeu a usar a energia, não piscava nem uma vez. Dourres arregalou ligeiramente os olhos, surpreso. Aproximou com cautela, tendo os sentidos disparados.

Podia ser apenas um poste finalmente consertado…

— Não é real — sussurrou ao tocar no objeto e sentir seus dedos atravessá-lo.

Uma pessoa se revelou nas sombras da praça, caminhava em direção a ele com passos que, ao contrário do visitante recorrente, anunciava com barulho a sua chegada para toda a rua, revoltando contra o silencio do lugar.

— Presumo que tem conexão com a Estrela Sorridente.

— Ah! Uau! Meus parabéns! — Deu ligeiras palmas sarcásticas. — Vejo que, além de ter uma visão afiada, é muito inteligente!

Continuou até estar no outro lado da rua, os dois se encaravam esquisitamente. Um homem com metade do rosta maquiado e outro que parecia estar congelado.

— Ah! Que sem graça… — lamentou para si mesmo. — É uma pena que não achei nada que os malandrinhos de bilionésima categoria elaboraram… até parece que é tudo de proposito. — Mantinha os olhos fechados como se falasse sozinho, só reparou em Dourres com uma cara fria quando fitou apenas com o olho verde. — Sem graça! — gritou, levantando as mãos para cima. — Você é sem graça, já te contaram isso?

Eram opostos de verdade. De qualquer forma, seria muito fácil ser o oposto do Dourres. O sujeito suspirou e balançou a cabeça. Assentia sozinho, mantendo um sorrisinho desagradável. 

Uma ignição verde apareceu, trazendo o ligeiro arregalar de olhos do líder de esquadrão, que apertou os punhos e piscou…

O sujeito estava apoiado no poste, relaxado. Entre o piscar de olhos, a posição de Dourres foi trocada com o suspeito, porém… o suspeito conseguia tocar no poste e estabelecer contato físico.

— Entendi.

O estranho puxou um pincel de pintura, num simples girar entre os dedos, se transformou em uma laça dourada e esverdeada do tamanho do seu corpo inteiro.

— Rá! — Deslizava a mão sobre a lança. — Deve estar pensando: “eita nois, um usuário da energia da criação fora da rede militar. Ai, ai, ai, ui, ui, ui!” 

Apertando os punhos com ainda mais força, sentiu uma ameaça que havia enorme tempo desde a última vez. Notou com agilidade: o desconhecido trocou de lugar com ele em um único instante, existe uma ignição e estava tudo errado em volta. 

Girando o bastão, o suspeito encerrou o movimento ao apontar para Dourres. Uma onda de choque se propagou em um miserável e curto tempo. Apesar do movimento inesperado, Dourres deixou sua guarda firme e cruzou os antebraços na frente do rosto enquanto sua ignição respondeu à altura. As luvas se desfizeram em um escudo que cobriu seu corpo inteiro — um escudo totalmente preto que engolia toda a luz.

A poeira subiu com o impacto, o barulho transmitiu o soar de uma luta. E estavam no deserto novamente quando a visão perdeu a sujeira. No caminho que pensou já ter passado, viu o desconhecido sentado em uma pedra, apoiando a cabeça com a mão.

— Ah! — Um sorriso sinistro apareceu. — Odeio perder tempo com gente sem graça. 

Os olhos de Dourres brilhavam em amarelo, e os do outro em verde-claro. Uma luta entre dois usuários começou.

Sem aviso, sem qualquer sinal, os cabelos de Nirda arrepiaram, ligeiros fios se tornaram lisos. Estava olhando a lua de dentro do carro de seu pai. O breu da estrada deixava as coisas medonhas em silhuetas.

— Que frio.

 

Skin desbloqueada: 

(Mark véspera de ano-novo)

 

FELIZ ANO-NOVO!

 



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