Volume 1 – O Segundo Setor
Capítulo 23: Copiloto
Com a menção do fato mais importante, que fez Réviz tomar a decisão de trazer Mark para a ODST, o chefe começou a suar frio enquanto ajeitava várias e várias vezes seu terno após levantar-se da cadeira.
O movimento apressado dos dedos, que serviu em uma provocação sarcástica, percorreu os nervos com a realidade no fulgor que alastrou pela sala. Sucinto demais para ser exemplo de coincidência. Réviz afinou a vista e suspeitou por inteiro:
— Algum problema, senhor? — O terceiro nível não parecia nada inquieto, sentiu um pouco de alívio em ver aquele homem angustiado, levantou ligeiramente a ponta dos lábios e deixou os ombros tensos relaxarem.
— Não. Não… pensei… — Sentou-se na cadeira. — Pensei que a parte da energia fosse apenas uma suposição.
“Disse quem confia em mim”, Réviz, mesmo em cautela, evidenciou que estava à vontade ali. Ter pegado o chefe desprevenido ao deixar claro suas suspeitas na linguagem corporal foi um troféu pessoal. O olhar assombroso e apertado do agente era quase maléfico. Sabia que tinha o controle da discussão, então ergueu o queixo com tranquilidade.
— Achar usuários fora da rede militar é detalhe extremamente importante e, supostamente, impossível. Deveria apenas existir alguém capaz de tais possibilidades de controlar isto nas gerações das famílias imortais, aquela que sempre forma novos terceiros níveis, não é mesmo? Senhor, é um detalhe, realmente, fora do planejado. Entretanto, senhor, não seria racional supor isto desde que ocorreu o incidente com as criaturas?
— O relatório de missões tão importantes quanto esta fica gravado no meu cofre pessoal. Seria, sim, racional, mas imaginar que tal poder tenha vazado do nosso controle geraria conflitos internos no acordo das famílias.
— Entendo. Se lembro bem, existe um relatório sobre um suspeito chamado “besta que pode ver” que diz sobre um prisioneiro que “pareceu” escapar de um interrogatório desta instalação — destacou junto a passos em volta da sala.
Réviz queria buscar mais informações que explicasse a existência de Mark e sua conexão com o presente. Não se importava com o processo, podia enfrentar o responsável da ODST caso o atrapalhasse.
O chefe suspirou sobre sua mesa, estava a ver que seu agente mais valioso transmitia um sentimento de desconfiança e um certo deboche. Mexeu pelo seu computador e transmitiu novas em hologramas que cobriram as janelas, irritado.
— Sinto que a falta de comunicação entre nós deu uma impressão ruim sobre mim durante esse meio tempo. Luri tem me relatado sobre seu progresso, sei que faz isto pelo longo prazo do nosso setor, embora seja impulsivo.
Réviz mantinha sua visão centrada no homem acima dele, porém as imagens das janelas foram muito precisas em desviar sua atenção. Uma mulher com roupas brancas e cabelo encaracolado, com cores separadas pela entrada do meio entre branco e preto, em uma sala de interrogatório.
Apesar das imagens de diversos ângulos, dentro e fora da instalação, o rosto da suspeita permanecia completamente borrado.
— Esta mulher se infiltrou em uma das famílias para tentar desvendar os segredos do nosso setor. A energia, que hoje utilizamos, quase foi revelada para a Estrela sorridente, no entanto, com a ajuda da geração de agentes anterior a sua, a suspeita foi descoberta e posta como prisioneira aqui mesmo.
Levantou da cadeira e recolocou os óculos, a cena na janela mudou novamente; mostrava os arredores da cidade — um local verde com flores que brilhavam.
— Matá-la seria inútil, um desperdício de potencial. Dessa forma, utilizamos os dados da energia da época para alterar as memórias daquele individuo, os mesmos dados que ajudaram você a controlar sua nova energia mais facilmente. — Apontou para Réviz.
O terceiro nível nunca tinha vistos essas imagens. Por alguma razão, eventos não-habituais ocorriam de forma constante. "Por que estou ouvindo isto só agora?" pensou antes de ouvi-lo continuar:
— Implantamos informações falsas sobre a energia, como ser uma simples IA de guerra. Dessa forma, os cientistas se dedicaram para auxiliar os médicos numa cirurgia capaz de mandar a visão da criminosa para um de nossos servidores, um implante de espionagem. Conseguimos identificar a sede da Estrela sorridente em nosso setor e… — Forçou a voz. — Assim, foi a primeira missão que enviamos a Quiral e erradicamos tudo que havia lá. — Ao reaver a calma, se jogou na cadeira.
As imagens mostravam uma construção subterrânea abaixo do rio que contornava o sul da cidade. Réviz prestava atenção a tudo. O homem, que tanto duvidou, falava eloquentemente como em um discurso político sobre acontecimentos pouco anteriores de ser convocado para o terceiro nível.
— Concluindo... a “besta que pode ver” é uma descrição literal do indivíduo que achou que podia passar por cima de nós e que fizemos parecer que escapou ileso... Haha! — Soltou um leve sorriso. — Foi eu quem sugeri o nome.
O outro parecia menos tenso com os detalhes desconhecidos, mostrou a posição de sentido num passo que ecoou pela sala. A sobrancelha do chefe ergueu perante o grunhido de surpresa.
— Senhor, obrigado pelo esclarecimento. Entretanto. Possuo uma requisição.
— Vamos lá! Prossiga, meu caro. Faça a conversa fluir! — comentou, impaciente ao impor uma forma amigável.
— Gostaria de permissão para levar o esquadrão e os convidados para a cidade flutuante.
Réviz não queria perder tempo, estava pronto para sair quanto antes daquele lugar que detestava.
— Hmmm… — Respirou fundo. — Complicado, hein. Posso permitir por partes, mas serei obrigado a deixá-los à mercê da rivalidade e não poderei interferir. E você sabe bem disso. Se alguém da ODST da passagem reconhecer vocês e deduzirem como espiões, estarei de mãos atadas se os ajudar. Por sua conta em risco — O fitou bem pelos óculos, viu uma feição que não demostrava nenhum receio ao contrair as sobrancelhas —, está liberado.
— Obrigado. — Réviz se retirou em direção à porta.
— Fico agradecido por me dar atualizações satisfatórias de sua missão.
Enfim, o terceiro nível se retirou da sala do chefe.
Os guardas quase caíram quando a respiração quente do líder passou pelos pescoços. Fora do corredor, estava aflito antes de chamar o elevador, a mão hesitou e Réviz resfolegou ao notar um detalhe, do seu braço ir ao caminho oposto.
Os dedos foram até o rosto e abraçaram o queixo. Junto ao rosto trêmulo, as pupilas escureceram pelo medo que o atingiu: “A Quiral mencionou sobre a missão não ter sido concluída ainda...”
As imagens da mulher e as memórias de ter encontrado Mark na escola retomaram a mente em clarões momentâneos. Ter um cabelo de cores parecidas não deveria ser padrão de comparação. Não devia, embora Réviz tenha engolido seco ao perceber um fato determinante.
Atormentado pelo susto, tocou o botão e chamou pelo elevador. Através de uma simples piscada, seu momento emocional havia encerrado. Transacionou para o resoluto e permaneceu com o rosto fechado ao concluir:
— Já é claro que a estrela sorridente não está parada. Seria possível... o inimigo estar aqui dentro desde sempre?
O seu medo havia encerrado, de forma inesperada, a chuva intensa havia se encerrado. Um leve suspiro respondeu este fato e alongou o corpo, como se estirasse um peso imensurável.
Sob o questionamento que pensou em voz alta, elevador chegou. O barulho da porta o fez lembrar de seus próximos passos. Precisaria se aprontar para que tudo ocorra bem. Luri preparou o recebimento no horário marcado dentro salão de treinamento numa última hora, que levou os funcionários ficarem em alerta. Réviz arrumou o cabelo e colocou os braços para trás, preparado para continuar o combinado: terminar a missão de quase vinte anos, treinando seu filho adotivo.
No lado de fora, focado no objetivo, o pai adotivo se aproximava do prédio que os convidados descansavam. Lá, o garoto de cabelo hipérbole parecia estar em um sono um pouco conturbado. O acordou e levou para fora. E, novamente, não notou a menina de olhos vermelhos que observava tudo por baixo da coberta.
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O chefe estava irritado, cerrava os dentes enquanto os braços sobre a mesa aceleravam constantemente. Tentou relaxar, mas não conseguia. Apertou o botão em sua tela, e as imagens anteriores derreteram e formaram outras por baixo que mostravam várias pessoas reunidas em uma espécie de contenção.
Tinha o foco em uma mulher com um cabelo longo que ia até os pés, dividido ao meio entre branco e preto; a suspeita de antes ou alguém igual. Invés de reservada e numa sala de interrogatório, as imagens realçaram o rosto que tinha olhos que brilhavam em branco perante uma ignição de cor ciana.
— Se consegue achar pessoas que não eram para existir, imagino se nos trará aquela que devia existir. — Deu um soco na mesa, quebrando-a em dois. — Era para qualquer migalha desse ocorrido ter sido apagada da face de toda essa... — Socou os restos mesa — existência imunda. Aquelas gêmeas!
O terno estava sujo, tudo em volta era destroços de um posto de chefe. Ao arrumar a gravata e apertar até o máximo, se sentou como um trono envolto de peças caóticas e comentou:
— Certamente, não irão matar o garoto, entretanto, não é certo nada a você, querido e incômodo Réviz. Pelo menos, o lixo da Quiral tinha alguma função para o Primeiro Setor, o contrário deste escroto.
Com a formação de um gesto esquisito, os destroços da mesa desapareceram e uma nova mesa surgiu de uma abertura do chão, substituindo a que sentiu a raiva através de um evento planejado.
Ao apoiar os cotovelos e bufar altamente, o chefe fez o desabafo final e solitário:
— O sacrifício de Quiral proporcionou algo que vai trazer o pôr do sol logo, logo. É uma lástima que seja o Primeiro Setor que esteja com o receptáculo.
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Através do escurinho do quarto, a menininha emitia o esplendor sutil em cor de rubi. Na abertura do quarto, percebia as sombras de Réviz e Mark se afastarem. A luz que entrava no quarto esclarecia que algo de última hora ocorreu, não prestaram a educação em nem em fechar a porta. Para ela, não precisava de mais palavras para explicar qualquer coisa.
— Ai, ai… — Bocejou. — Imagino que iniciaram algum tipo de protocolo preparativo. Mark não gosta de fechar portas que nem no orfanato. Mudou nada.
Ergueu o corpo sobre a cama, ajeitou seu cabelo pontudo, verde e bagunçado, e percebeu o irmão com cabelo cor de neve. Will babava rios, quase caiu para fora da cama e sua coberta estava espalhada pelo chão. A menina suspirou e ficou decepcionada, dando de ombros.
Ao sair, em pé, da cama, encarou diretamente, o rubi piscava até se tornar constante e mais forte que antes. Inclinou o rosto e estalou a coluna, pescoço e até os pés.
— Pois é, não é? Me parece que não tem nenhum pingo de desconfiança. Tão inocente.
Se aproximou de seu irmão e o cobriu, o puxou de leve para o meio da cama pelo braço, entretanto, ele se virou sozinho enquanto ainda dormia. Deu um ligeiro cafuné nele.
— Faz tanto tempo que…peguei o volante inteiro de novo.
Perto de começar a falar, se interrompeu ao curvar para trás as costas, gerou um estalo que ecoou pelo quarto. Soltou um sorriso, aliviada
— Aquela ferida aberta havia a plena capacidade de amputar a perna, teve muita sorte de ter acontecido na frente dele. Um minuto a mais ou a menos podia ser o suficiente para não gerar a ignição. Ah! Ele… tem tanto potencial. — Seus pensamentos se perderam por um momento quando a cabeça tendia para a porta. — E você? — Um rosto muito irritado surgiu. — Parece que não presta mais atenção em nada! Preciso ficar no modo espectador, observando cada detalhe enquanto mantenho uma mínima discrição, né? O outro fica imitando um fanático de alienígenas, cara feia para todo mundo, quase gritando que acha que está num sonho ou que querem machucar ele, ou que é um doido varrido. Não duvido que comece a chorar daqui a pouco. Mas você?! Bem, e você…
O rosto da menina estava anormal, invés da expressão assustadora em corpo de criança, que chegou a mostrar algumas vezes, transmitia uma seriedade de um adulto. Seu sorriso meigo esvaiu em uma expressão neutra, suas bochechas rosas se tornaram pálidas.
Havia algo anormal ali. A mudança no comportamento era clara demais para narrar que era Nirda.
— Ao analisar a maneira em que Mark tem se comportado, é fato que Réviz deve ter o explicado sobre a energia… — Suspirou. — Se ele se machucar na nossa frente, Nirda ficará muito e muito, tristinha, ora.
A garota foi para a janela, examinava as grandes luzes que havia na instalação, mas, numa rápida atenção, avistou os dois que caminhavam para o centro. Passou a mão sobre a testa, com preocupação e disse:
— Não posso simplesmente contar tudo e ajudar na busca de Réviz. Não posso falar nada para… — Olhou de volta para a cama — os dois. Ele precisa aprender por si só a usar a regeneração. Eu mesmo só vou descobrir quando acontecer de fato. Will foi apenas o gatilho dessas “coisas todas” ... Ha! Que maneira peculiar de descrever. — Voltou à janela, descontraída com a expressão estranha.
Virou de uma vez, novamente, quando o ronco de Will se alastrou por todo o quarto, fez as estantes tremerem como uma caixa de som ao máximo. O par de rubis cintilantes notavam cada movimento ao seu redor, como se enxergasse algo muito longe.
— Luri provavelmente está, com certeza, considerando ganhar tempo para agilizarem a posição dele no tabuleiro… — Abaixou a cabeça. — Ai, ai… porém, não imagina que vai ser um tanto complicado. Haha, não consigo me conter quando vejo algo interessante! — A expressão macabra retornou. — Oh! Não! — Caiu sobre o chão com o dorso da mão na testa, imitou uma genérica cena de drama.
Num giro de uma atriz perfeita, aterrissou de cabeça, podia ser fatal, entretanto, começou a soltar risadinhas imaginando a cena:
— Sou apenas uma garotinha, indefesa e muito, muito fo…
Seu rosto ficou estático em meio ao largo sorriso. Vagarosamente, se diluiu em algo sem esperança, e o brilho rubi diminuiu. Respirou fundo e continuou:
— A quem quero enganar? Não tenho capacidade de proteger Nirda sozinha, preciso que os outros comecem a se preparar. — Se pôs de pé. — Meu poder de dedução só funciona quando algo ao meu redor acontece.
Retomou para a janela e firmou-se para Will. Atentou-se para as luzes e viu seu irmão. Observou lá fora e observou ele, que era o mais indefeso de toda essa história. Virou e retornou, assumiu e regrediu — uma indecisão interna capaz de ser provada com facilidade.
Nirda — ou essa pessoa — não tinha a mesma personalidade de sempre, a preocupação genuína de uma criança, que apenas quis acompanhar seu irmão no hospital, que tentava provar esforço; tomava a mente. A pequena menina estava em meio a opostos de dois raciocínios.
— Nirda — Apertou o punho —, não encostaram em ti e… — Soltou um meigo sorriso. — Vou sempre protegê-los do meu jeito. Seu irmão ali, quando finalmente entender sua importância, será útil para nós. E o outro que saiu já tem um fardo enorme para aprender a cuidar. Apesar que... Não. — Balançou a cabeça. — Melhor não contar com o sujeito do Primeiro Setor agora. “Torres”, é? Sou péssima com nomes novos. Essa informação apareceu pra mim agora há pouco, não sei o que significa ainda, talvez seja algo de comer.
Retornou para a cama e se cobriu. O comportamento contraditório havia se acalmado em uma carga de sono que invadia os pensamentos da menina. O par de rubis piscava, perdia a força a cada sinal de luz até que, enfim, cessarem em um breu com um meigo piscar de uma donzela adormecida.
— Will? — sussurrou.
“Não, não. Não aja por impulso. Droga!”
— Will?
“Não consigo manter o volante por muito tempo”.
— O quê? — A menininha, com bochechinhas rosas, se levantou.
Esfregou os olhos enquanto bocejava, seus olhos sonolentos e sem brilho realçam a fofura que tinha. E o resplandecer reluzente desapareceu sem deixar sinal.
— Acor-cordei… — Espreguiçou. — De novo. É por não ser o orfanato? Mas a cama tá tãoo macia. — Apertou o colchão.
Ela estalou os lábios com a sequidão repentina. Foi em direção à porta e se tocou de estar aberta somente após passar por ela.
— Ué, mas a Luri fechou. — Olhou para dentro do quarto. — Mark?
Seu rosto desconfiado, que realçava a expressão meiga de uma certa desaprovação, começou a se fechar em um tom emburrado.
— Nem me avisa, né! — Cruzou os braços.
Desceu as escadas com cautela e buscou pelo filtro de água na cozinha ao lado. A luz estava apagada, procurou pelo interruptor e o avistou muito acima de qualquer casa comum. Deu pulinhos até alcançá-lo e acender a lâmpada. Pegou um imenso e belo copo de água e tomou em segundos. Girou a manivela e repetiu mais três vezes.
“Acho que os outros deviam convencê-la a andar com uma garrafa d’água. Seria um empecilho deixá-la assim toda vez que eu tomar o controle”. Nirda voltou a cama, com ainda mais sono. Enquanto a menininha fitava o teto, colocou a mão sobre os olhos.
— Ai. Minha cabeça tá doendo muito.
“Nunca me perdoarei… Droga”.
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