Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Cidade Flutuante – O Orfanato

Capítulo 8: Motivo Especial

Uma madrugada silenciosa e fria, em meio a uma cidade tranquila, onde existia um sujeito que andava em meio a rua de uma praça vazia… passos silenciosos, respiração calma e um rosto, também, estranhamente calmo: Dourres. 

Não se intimidava com o cenário, nem mesmo com o breu oscilante, que era causado por um poste, perto de um beco. A naturalidade daquela situação era algo que somente ele podia ter.

— Você não cansa de dar problema? — Se aproximou do poste. 

Olhou atentamente para ele, de cima a baixo, com curiosidade.  Desafiava a escuridão em frente ao beco, como se já soubesse o que tinha nele.  

Estendeu a ponta de seus dedos ao poste e, quando o tocou, eletricidade chegou a se conduzir pelo seu corpo, focou e intensificou em sua mão; "Permissão" pensou, fez o poste acender de uma vez por todas. 

— Certo, tenho certeza que você vai funcionar, diria que gastei bastante para te deixar satisfeito. 

Quando a luz finalmente se estabilizou, revelou o final do beco. Havia um estranho desenho, que estava centralizado na parede do fim. 

— Sem criatividade. Muitas decisões sem sentido — comentou tranquilo enquanto olhava, atentamente. 

Era um desenho de uma estrela tanto conhecida, que se referia a um grupo criminoso, onde envolviam desde vagabundos a pessoas do alto poder, fortalecia uma hierarquia ao envolver crimes e qualquer coisa baixa que ofereça poder ou respeito para os contatos certos.  

— Devia realmente saber disso… — Fechou os olhos, insatisfeito. — Bem, vou esperar eles. 

Sentou ali ao lado do poste na calçada, sua espera não durou muito — nem mesmo dez segundos. Percebeu a presença de alguém acima de um prédio, sua silhueta era estranha, um tecido voava com o vento, não precisava ver diretamente para senti-lo. Queria saber se estava ali para vigiá-lo. 

— Espero que não demore muito... 

— Relaxa, a gente já tá aqui! — disse um homem, que se aproximava pela rua.  

O desconhecido era acompanhado de mais três indivíduos, encaravam Dourres com desprezo. A troca reciproca de frieza tingiu o ambiente quase escuro do beco.

— Já sei o motivo... 

— Você não tá em posição de dizer nada! — Apontou o dedo próximo do rosto da máscara. 

— Você acha que vai ficar legal se achando o tal do agentezinho fazendo rondas de madrugada? Nem a polícia tem tanta vontade de fazer isso. Eles nem precisam fazer nada, quem dita o que fazer somos nós! Digamos que, vou só colocar você no seu lugar, e torça pra que... não seja no inferno — continuou. 

Apenas olhava o discurso do sujeito estranho em sua frente, tranquilamente. Um breve silêncio pendurou a noção dos três ali, o suor frio escorreu na testa do mais afastado. O ranger dos dentes estava claro que não estavam ali por vontade.

— No momento que achei que iriam responder rápido, não imaginei que seriam diretos. Vamos lá, meu "casa", me diz, é peão de quem? — Balançou as mãos. 

O homem puxou um canivete dos bolsos, onde deixou claro sua tatuagem da estrela na mão. Chegou perto e começou a passar de leve a ponta afiado da faca no pescoço enquanto dizia: 

— Me diz... Se você se ajoelhar e me fazer um favor, eu finjo que não te vi hoje... 

O homem ficou lá com um sorriso bizarro que esperava uma resposta. O outro não se intimidava nem um pouco. Dourres levantou enquanto sentia a ponta fria da lâmina no pescoço e, depois do ligeiro ajustar de sobrancelhas, simplesmente, disparou um soco na barriga do dono da faca.

Sangue foi cuspido e a lamina caiu no chão. Um golpe para desarmar vagabundos que não sabiam com quem mexiam. Os joelhos atingiram o chão na frente do mascarado de cabelo cinza

— E eu vou fingir que não ouvi isso. 

Chutou o rosto do homem ajoelhado, e o fez cair de costas ao chão, onde cuspiu ainda mais sangue.  Os outros dois indivíduos puxaram outras duas facas e correram raivosos em resposta. 

Dourres via a ameaça e ergueu um singelo sorriso. De forma assombrosa, a máscara também sorriu. Um sorriso foi desenhado, aquele item reagia conforme as ações de quem usava — mesmo que não fosse comum para alguém como ele.  

Quando o contato vinha, no mesmo instante, desviou do ataque de um e puxou o braço do seguinte. Desarmou, tomou a lâmina para si e fez o indivíduo de refém num escudo humano. 

— É legal ter boas amizades, se não... — sussurrou no ouvido do seu “escudo”. 

Com certa delicadeza, apontou o refém para o outro adversário, que estava nervoso com a sequência de eventos.  

— Tem ordens, né? Vai esfaquear seu amiguinho do peito aqui? — As ações doentias não combinavam com a expressão estática, colocou a faca próxima do coração do refém. — Não preciso te dizer o que vou fazer se vier. 

O Refém estava desesperado, já que, em uma fração de segundo, viu ser completamente desarmado e humilhado. O outro começou a chorar em desespero, se não fosse para cima morreria, se fosse para cima mataria seu amigo — e podia também morrer. 

Após hesitar tanto, largou a faca com as mãos tremulas, e disse: 

— Por favor! S-solta ele! 

— P-por fav... — suplicou o refém.  

— Tão tá. 

Dourres nocauteou seu refém em um mata-leão. O corpo caiu no chão quase sem vida. Ressoou pelo beco estranho, que piscava entre os breus. O poste que tanto consertava se tornava o cúmplice do ato, logo em seguida, encarou o outro. 

Suas costas estavam apontadas para o fim sem saída. O vagabundo restante tinha as pernas inquietas, deu vários passos para trás, segurava nas paredes com força para se manter focado. 

Estava um pouco longe, viu o Dourres se aproximar dele num piscar de olhos. A aparição entre as piscadas trazia a noção de uma alma penada e mascarada. A espinha gelou quando o rosto frio apareceu na sua visão com o sorriso falso da máscara. 

Ajoelhou no chão e chorou. Os grunhidos de medo destacavam como um pobre cachorro indefeso.

— E-eu f-fui forçado! Por favor, não me ma... 

— Me responda uma coisa... — Inclinou o corpo para perto. 

Com a distância que respirações se cumprimentavam, o vagabundo vacilou, pernas falharam e atingiu o chão do beco com as mãos que tentava cobrir sua visão para não ver a assombração.

— Tá bom! Tá bom! Pode dizer. 

— Onde está quem te mandou aqui — disse Dourres, calmamente. 

— E-eu não sei... 

A faca que seu amigo tentou usar como ameça foi disparada a poucos milímetros de sua orelha. O item se fincou quase por completo no concreto e deixou rachaduras que fariam qualquer carne ruir em um nono de segundo.

— Ah! — O susto prevaleceu e deixou suas mãos caírem, o olhar frio era tudo que conseguia ver.

— Terei que reformular a pergunta? 

— Eu não sei agora! Só sei que vão se reunir daqui a três dias no "Morro da lei". 

— Certeza?... 

— S-Sim! Por favor, me dei... — Sacudiu a cabeça. 

Um chute, que podia ser confundido com um foguete, atingiu o rosto do último num impacto que jogou seu corpo contra a parede. O corpo afundou e deixou estragos que deixou a faca feito um ataque de misericórdia.

— É bom mesmo — disse Dourres, sem qualquer preocupação. 

Logo, quando se virou, viu um homem alto com cachecol, que se aproximava pelo beco. O poste havia parado de ajudar na briga, a silhueta escura e tecido ao ar era claro a cada passo.

O líder suspirou e se virou para a presença. Viu os braços se abrirem e o cachecol se tornar claro.

— Não pensa que é legal? 

— Eu deveria? Cortax. 

A expressão de seu rosto ainda não havia se alterado. Cortax, que se aproximava lentamente, chegava cada vez mais perto da cena do interrogatório.  

Dourres o olhava e também começou a andar para o encontro, logo em seguida, os dois ficaram parados um na frente do outro, um silêncio agoniante os atormentava por alguns segundos. 

De repente, ele simplesmente disparou um sorriso, onde quebrou o silêncio, e disse:  

— Já tô até vendo... Mimimi, você tá me seguindo, mimimi. Por que você não me chama para esses negócios? Haha... — Imitou Dourres, com a cara congelada.  

— Já estava me observando há muito tempo. — Apontou para o telhado próximo.  

— É... Não sou bom com discrição... — comentou sem jeito.  

Cortax colocou uma de suas mãos no ombro direito de Dourres, sua expressão mudou drasticamente ao ter voltado para o tom sério e dizer em seu ouvido: 

— Olha, me responde uma coisa... Não devia matá-los?  

— Não faz parte do meu plano.

Ele retirou a mão do ombro e seu sorriso o dominou novamente.  

— Nossa, você leva tudo no sério, hein? Digno de ser um líder! Inspirador! Bravo! Vamos sair desse beco e ir para luz, me dá uns calafrios ficar num lugar apertado como este. 

Dourres não parecia se importar com o que ele dizia, mas se perguntava em porque Cortax estaria ali também. Logo, quando as atividades da Estrela Sorridente começaram, também havia começado a ser seguido em suas caminhadas. “Beatrice tem que ter algo com isso”.  

— Cara, você realizou um belo trabalho aqui, esse pessoal não tem uma chancezinha! — Observaram o grupo inconsciente. — Mas não sei não, se fosse ela, além de ser mais rápido, esse pessoal estaria provavelmente mortinho da Silva.  

— Se fosse ela, eu não teria a sentido me observar ou ter escutado se aproximar — retrucou Dourres.  

Os dois pararam em baixo da luz do poste, porém, próximos a eles, havia o primeiro indivíduo que foi nocauteado. Cortax se aproximou dele e pegou um dispositivo que estava no bolso da calça do indivíduo, após dar uma olhada, lançou em direção a Dourres, onde o agarrou no ar.  

— Era isso que estava querendo? 

— Não exatamente, mas isso vai me ajudar de outra forma.  

Dourres olhou o dispositivo e percebeu ser parecido com o que viu um tempo atrás. Por que aquele grupo carregava isso? Pretendiam invadir outro lugar? Questionamentos assim pairavam a mente atenta. 

— Você vai voltar agora? — perguntou Cortax.  

Nenhuma resposta. Os dois foram na mesma direção para voltar à ODST. O olhar do seu colega era apreensivo, os dois tinham a mente nublada e densa em não-respostas. Tudo que podia fazer era prosseguir com o tal plano.

Era de manhã. O líder estava de volta na sua instalação. Analisava a paisagem a enormes metros abaixo de si. O ar passava pelo cabelo, zumbia pela máscara… Apenas e somente isto, era de fato uma verdadeira escultura viva.

Os guardas em volta da grande porta se mexiam, desconfortados.  Tentar adivinhar o pensar tão vago do agente mais importante era algo impossível para eles. A postura desabou, suspirou e finalmente teve coragem de averiguar:

— Chefe, o senhor está bem?  

— Estou. Apenas a organizar o plano.  

Ombros tencionaram, o guarda curioso voltou sem jeito para ao lado da porta. Sua postura estaria digna de um protetor se o líder não tivesse virado diretamente para ele. Saiu do caminho com passo desastrado.

Dourres só passou por todos ali. Tocou na maçaneta e viu seu pai tanto quanto preocupado — mais que o normal.  A quantidade de luz que vinha do início do dia fazia as pupilas quase sumirem, mas ele nem tampou os raios ignorantes.

— O senhor está bem?  

— Irei ficar filho. Preciso decidir algo muito importante, preciso me concentrar. — Esfregou o rosto.  

— Eles estão na ativa novamente — comentou enquanto pegava o mesmo dispositivo de antes do seu bolso. — Isso é uma prova que vai habilitar alguma ação nos...  

— Já falamos sobre isso! Você precisa entender que não é tão simples fazer isso. — Se ergueu da cadeira, exaltado.

O pai rangia os dentes por tamanha insistência. Juízo ruiu quanto notou que o questionador já havia saído da sala tão rápido. Vazio retomou, e o silêncio alertou. Simples respirar fundo soou como uma sirene.

Guardas não conseguiam imaginar o líder pensavam. Pai não podia imaginar o que o filho pensava… nem mesmo entender o que podia.

Quando olhou de volta a mesa, notou papéis que citavam várias vezes “Ritual dos pilares da perfeição”, escritos de forma anormal em relação aos outros — uma mensagem destacada de forma sinistra. 

— Não existe surpresa. Era mais útil ir direto para ela — disse ao arregalar suavemente os olhos  

Andava ligeiramente pelo pátio gigante. Nunca teve um pai presente, sempre era forçado desde criança a treinos e missões que o deixavam longe de qualquer conceito natural de família. O máximo que conseguia expressar sobre tal coisa, era seu esquadrão nível 3, em que passou a maioria do tempo, e somente mais outra pessoa.

Foi direto para uma construção grande, que parecia um forte próximo à entrada de toda a ODST. Adentrou no lugar. As pessoas ao redor tentavam cumprimentar, mas as mãos estendidas eram ignoradas com frieza. Focou apenas na mulher que já conhecia no fim do corredor.  

— Oi! O que houve… Uh!  

— Achei isso aqui ontem, e é mais do o que o suficiente para mostrar o perigo deles e como são uma praga a toda essa cidade! — Mostrou o dispositivo  

Xerta estava sentada e tomava café. Abaixou a xícara de volta a mesa, desviou a bebida da trajetória do dispositivo que trouxe tanto alarmar do líder.

— É nada parecido com o que é liberado ao nível 1.

— Dourres! Calma, precisa ir devagar.  

Não mudou o tom de voz e nem sua expressão rotineira, mas Xerta sabia o que realmente significava. A ausência de emoções claras era diluída em variedade. Para poucos, linguagem corporal bastava. Para ele, era tudo. A intromissão dos espaços pessoais era admissível em sua grande tentativa de trazer atenção. 

  — Exijo liberação para guiar uma operação de reconhecimento, você já tem pedido a eles para me seguirem sem eu saber...  

Era muito importante para ir sozinho e já sabia disso, Xerta também sabia que ele não iria parar tão cedo com a investida contra as pessoas que atormentam a cidade. As mechas pretas de seu cabelo aterrissou em seus braços e ficou lá. 

O homem não ia sair até receber o objetivo como concluído, um soldado perfeito.

— Isso me parece um tipo de radar... Seja lá como funcionava, agora está quebrado. Vou mandar isso para análise dos pesquisadores do nível 3. — Pegou o dispositivo ao olhar mais de perto. — Posso deixar você ir, vai ser, no mínimo, muito difícil conseguir, porém, se der certo, você finalmente terá o que quer. Precisará me escrever um procedimento detalhado e, como requisição minha, precisará levar mais um do seu esquadrão — Disse Xerta, calmamente. 

— Me surpreenderia não exigir companhia de outro usuário. Levarei quem bem entender.

Ela guardou o dispositivo em seu bolso e voltou seu olhar preocupado para Dourres — sentia um peso de responsabilidade maior.  

— Mas… — O pescoço parecia carregar pedras. Tom choroso preencheu as ideias no arregalar de olhos. — Não faça nada imprudente, você sabe que eles não são só criminosos ou mercenários que já abateu. — Abaixou a cabeça.  

Dourres saiu da casa sem prestar qualquer comentário — o que queria já havia conseguido. Xerta guardou o dispositivo e resfolegou. Outros funcionários tentaram ajudá-la, embora negasse as comoções sem sentido.

Havia lembrado de algo, ela colocou a mão sobre a testa e apoiou o cotovelo na mesa. Negou e negou o que vinha nas lembranças.

***

Ao longe, existia um funcionário que o observava atentamente, todos os passos do líder. Um carrinho, que carregava produtos de limpeza, rangia e atormentava os arredores. Parou abruptamente quando o alvo sumiu pelo horizonte das bases.

Colocou um de seus dedos em sua orelha para ativar uma escuta.  

— Avise a igreja que as coisas irão começar a andar. O senhor pode prosseguir e ir até os cristais. 

Com as luvas sujas, prosseguiu com o carrinho para o banheiro próximo. 

 

 

 



Comentários