Volume 2 – Lembranças de um Passado Perdido
Capítulo 40: Mentiras flutuantes
— Como você pode fazer aquilo?
Essa sensação… O gelo do cimento, a sensação de escuridão, a luz vaga de um luar singelo que atravessava a pequena janela. O cérebro me contava informações vagas e desconexas.
As imagens anteriores reviraram a cabeça e as lembranças tomavam nitidez enquanto constatava o lugar que estava. Fui acertado pelo coice de uma arma na nuca, fui desacordado e me vi agora numa cela.
— CONTE-ME!
O meu cabelo havia retornado o roxo, levantei o corpo e… algemas. Minhas mãos estavam presas, foi um reflexo usá-las para me levantar. Ao redor, o cinza morto me rodeava, mas havia uma pequena lanterna que destacava a silhueta das grades que me prendiam neste lugar.
— POR QUE ESTUPROU MINHA FILHA?!
Aço reverberou na dispersão de uma insatisfação. Ao olhar para frente, havia um dos meus homens com os dentes para fora. O raciocínio do peso das palavras me chegou atrasadamente... Estuprar? Inadmissível!
— Tenha juízo de suas pala…
A perna travou, avancei o corpo e meu pé ficou preso. Estava amarrado a uma pesada bola de metal no meio da cela, mal era capaz de dar um passo para chegar perto da grade.
Afinal, foram duas semanas para parar nesta situação que revirou o ápice em um dia. Talvez estivesse no final do mesmo dia em que Vitrax arruaçou a ODST. Aquela foto da moça a ser violada era obra de uma ilusão da energia dele.
Se fui fútil a ponto de não suspeitar do meu amigo, foi justo apontar que outras bancas de jornais colaboraram para espalhar simultaneamente para a cidade por completo.
Qualquer álibi parecerá falso, pois a foto de mais cedo foi o ponto decisivo para garantir a posição dele.
Preciso agora evitar que meus nervos aflorem e declarem guerra… Guerra. Nem posso ousar em mencionar que houve um mal-entendido devido a “energia da criação”, não devo de verdade dizer isto ainda… É uma promessa.
Voltei o passo e me sentei com as mãos cobrindo o rosto, foquei em organizar os pensamentos e tentei ignorar o "resto" que tinha olhos arregalados.
— Possuía um enorme respeito, uma admiração digna para um representante das ótimas ideias. Vejo tu e sinto que é um coitado desumano, um imprestável que não serás aceito nem no céu ou no inferno.
Acreditei no que foi certo, acreditei no que foi provado, acreditei no que foi demonstrado por mim. Precisei tomar conta dos meus novos objetivos: sair daqui e buscar o paradeiro dos outros convocados.
Se possuo inimigos da guerra aqui, há uma garantia que existam perto deles da mesma forma. Não podem estar mortos. Não devem. Me falta imaginação para pensar num cenário que eram capazes de serem derrotados. Foi uma questão de tempo para algum simpatizante de Édnis aparecer, estava planejado e arquitetado, fiquei acuado e vulnerável por décadas.
Marcos ficou encarregado do Segundo Setor, devo alcançá-lo o mais rápido para esclarecer a situação e buscar uma medida apropriada. Com o apoio dele, será fácil retornar meu respeito e a veracidade dos fatos agora. Reconheci que qualquer protesto verbal meu nesta será inútil.
— A evitar contato direto comigo? Vai dizer que até a escória da humanidade tem arrependimentos? Poupe-me, Felipe. Apenas pereça aqui.
— Amanhã, perante o júri...
Embora não tivesse o contato visual com o sujeito que cuspia absurdos no outro lado da grade, pude sentir a surpresa no seu corpo, invés de esperar pela experiência de apenas humilhar um suposto criminoso. O vi segurar a grade e focar em mim, enojado pela afirmação.
— Minhas afirmações não possuem valor devido, porém, eu creio e mostrarei que será provado com o tempo necessário para tal. Aguarde, já que és uma testemunha desta promessa.
— “Promessa”? Pare de mentir, imundice. Faz um favor e morre aí, gentalha.
Seria mentira dizer que esta afirmação fosse o fazer pensar o contrário. Mantive-me atento à linha correta de ações. Irei para um tribunal pela manhã e usarei a oportunidade para fugir.
O pai da vítima violada por Vitrax saiu enquanto cerrava os dentes. Abri a mão e concentrei nas pontas dos meus dedos. Minha ignição estava transparente, quase inexistente.
— Levo cerca de três dias para retomar minhas forças e ser capaz de utilizar minha energia. Até amanhã, posso conseguir, ao menos, ficar invisível brevemente.
Energia tão fraca que era interrompida pela iluminação da lua cheia da janela. Suspirei e escorei na parede. Vou sair daqui e implodir esse lugar. Acredito nisto.
As memórias do campo de batalha e das chamas de cor ciano… pessoas como essas não seriam mortas por simples mentiras, portanto, não cairei também.
A noite voou e acelerou no tempo. Falta de sono convergiram para alimentar como combustível a arquitetura e fundação dos meus planos. Quando o sol finalmente emitiu e provou presença pela janela, muitos homens vieram para a minha cela. Estavam preparados para que eu reagisse durante a abertura provisória até o tribunal.
Ficaram ligeiramente incomodados pela minha casualidade, ergui o pé e retiram a trava da bola de metal. Neguei ao balançar o queixo para mim mesmo, podia facilmente retirá-las, mas era papel de um chefe permitir que seus funcionários executem este trabalho.
Assim como era conveniente para, aos poucos, retirar a tensão daqueles que se entreolharam. Ainda foi bom reconhecer a cautela deles, afinal, eu ia realmente reagir.
Me escoltaram pela prisão, estes presos acham que são dignos de sequer dar uma opinião. Latiam e rosnava selvagemente ao reconhecerem quem sou.
— Essa espelunca é para riquinhos da silva também?
— Só espera até a hora do banho, hehe…
— Quietos.
O guarda ao lado saciou meu desejo, bateu o cacete pelas grades e acertou a mão dos que ousaram desbravar palavras ao vento. Foi um tanto ágil na locomoção, viramos corredores e descemos escadas até chegar aos enormes vitrais da entrada.
Caso pudesse provar minhas intuições, diria que Vitrax será invocado como testemunha e mais evidências falsas foram criadas para lhe dar o álibi preciso e o argumento favorável ao seu favor. De fato, foi um homem compromissado e caprichoso, era uma tristeza ter que o reconhecer como o inimigo.
A vontade de matá-lo era cessada pelo companheirismo carregado pelos anos, mas tinha que fazer algo… eventualmente, logo, não será hoje.
Estou sem condições de lutar com qualquer usuário. Usei a metodologia de Marcos e postei em tentar algo ainda, agir por instinto e torcer que a sorte me favoreça de maneira igual.
O amarelo esbranquiçado entrou no meu rosto. No lado de fora da prisão, a enorme rua em linha reta, que era rodeada por cercas enormes, ocupava e disputava a visão com as montanhas.
Pelo incrível que pareça, ainda era possível ver parte da floresta albina. Enfim, estava no lado oposto da direção da ODST.
Uma carroça preta, que havia uma pintura de uma estrela sorrindo, estava parada logo ao centro da visão. Não preciso nem raciocinar que vão me levar por ela para ser visto publicamente pelos cidadãos.
Os olhares vis a mim destacavam o desejo de me humilhar enquanto ficava na palma da mão. Bom, fiquei centrado e indiferente.
Se o grupo fosse unido, saberia que o único guarda a se tremer, ao sentir que minhas intenções verdadeiras, havia um fundamento para não baixar a guarda. Os braços trêmulos e lábios vacilantes…
A farda militar parecia uma fantasia. E devia mesmo, pois, em um prisioneiro comum, a escolta seria um tanto quanto satisfatória para aqueles que almejam a justiça, humilhar um criminoso era apenas uma das maneiras de preencher o vazio das vítimas no melhor dos casos.
Mas eu não sou criminoso.
— Anda logo!
— Pessoal… — O guarda amedrontado tentou alertar.
— O que é mais perigoso? Uma alma penada presa em uma casa ou liberta nos campos de trigo?
— Alguém perguntou algo pro mané aqui? Porque escutei nada!
Para a carroça, somente três foram comigo, o resto permaneceu dentro da prisão e voltou aos deveres. Basta interromper o andar de um pé para sentir o clima de superioridade ruir vagamente. Afinal, ainda não responderam a minha pergunta.
— Independente do lugar, se a alma entra na sua cabeça, é assombrado pelo resto da vida. O perigo está naquele que desafia a alma, não a própria alma.
— Eu vou atirar, hein…
Tentei dar o aviso enigmático, mas o aviso meu não é igual ao de Marcos. Enfiei a assombração chamada de cotovelo colidiu no queixo e o nocauteei. Ouvi a arma engatilhada, minhas mãos estavam algemadas e precisei raciocinar rápido. Esse tipo de arma era incomum na guerra, não havia contra-ataque cabível.
Empurrei o cano para cima e finalizei com uma joelhada na barriga do outro. Despencou duro, mas ainda relutante para alcançar a arma. Chutei a nuca e o desmaiei logo, a boca ficou tão próxima ao cano que simulava um ato trágico, mas sem nenhum sangue.
Quando me virei logo para trás e fui terminar o… serviço. O amedrontado de antes estava em reverência com a testa no chão, as lágrimas escorriam e mostravam o ruir mental de um digno militar despreparado... ou que era sincero:
— POR FAVOR! Me po-poupe! Estou aqui contra a minha vontade! Eu acredito na tua inocência, general Felipe!
— Segure.
— HAn?! Claro, hi, claro. Hum!
Peguei a espingarda caída no chão e entreguei aos braços estendidos do bebê chorão, foi pega como uma viga bi apoiada. Este tipo de piedade não estava acostumado a oferecer, mas possuía o tempo certamente contado e, quanto antes eu agir, melhor podia ser. Irei abusar da vontade chorosa deste estranho.
— Espera! Ei! E-espera…
— Quer me auxiliar? Então, prove, indo ao tribunal e diga que me encontraram morto.
Ergui os braços e abri o máximo que as algemas permitiam, desci com força total e deixei a força cisalhante da arma apoiada quebrar as correntes — devo ter exagerado, o cano acabou por romper no processo.
— Bruxaria…
Era certo que este olhar transmitiu uma fidelidade inevitável, não iam acreditar nele, mas ele acreditava em mim. Isso foi o bastante, minha ignição saiu e toquei no corpo de um dos dois desmaiados. O roxo envolveu minha pele feito uma aura e minha aparência dilatava no ar. Aos poucos, assumi a aparência do que deveriam me escoltar.
— Vamos até a saída da cidade em direção ao segundo setor, deixe-me perto das docas e faça o que mandei.
— Sim! — Bateu continência.
Entramos na carroça e balancei as cordas para os cavalos andarem. O caminho seguiu tranquilo pela cidade. Os cidadãos demonstraram o respeito da maneira que era merecido normalmente para mim, embora fosse para o suposto guarda que copiei.
Não demorou muito, a doca estava a poucos metros e já havia um navio perto de partir.
— General…
— Eu voltarei para cá em algum momento. Cuide-se. E pare de chorar, causa desonra a tua farda.
A mão estendida me mostrou um item que serviu como um alívio, a minha caneta, ou melhor… a minha lança foi entregue de volta. Devo agradecer que tenho um ser pensante que ainda acredita em mim.
— Sim, senhor. Esperarei.
A direção das lembranças percorreu sobre um solo linear de fatos. Usei minha energia para embarcar em um dos navios enquanto tinha a aparência de outra pessoa. O rumo seguia em direção ao norte do mapa pelas Águas do Grande Corte, vulgo rio central.
Nunca tive quaisquer problemas com relação ao enjoo, contudo, o movimentar oscilante da embarcação realçava minha preocupação que aumentava e diminuía a cada centímetro de inclinação.
Um horizonte um tanto simples, porém, pintado de anseios pelo outro lado. Bastava encontrar Marcos.
E por que sinto uma… energia negativa em volta deste objetivo? A imagem da carta estava estampada e cravada por baixo da alma. Como um general, era tolice dar a possibilidade zero para a pior das hipóteses.
Embora ainda fosse um blefe… a precisão da menção de assuntos perdidos foi um exímio exemplo de dar insônia.
— Um passo de cada vez. Serão dias de viagem. Cadê os portais de Thiago quanto são necessários…
Nada mais ou nada menos. Os fatos seguiram monótonos. Usei todo o foco de ignorância e me apoiei na parede do convés, finalmente pude dormir um pouco e com calma… mesmo que não tenha durado o tanto que desejei.
— Acorda, soninho!
Uma voz rouca e grossa me empurrou para fora da estrada da tranquilidade. Esta falta modos e de educação dos marinheiros foi o que me dava ânsia de vômito. Havia de permanecer sereno em meio às barbaridades.
No instante em que tivemos acesso ao chão da costa do setor da Passagem, manobrei minhas aparências para misturar ao trânsito de pessoas.
— Ué! Soninho?
Muitas barracas que preenchiam o litoral inteiro. Soube que a Passagem recebe enormes volumes de cargas sem pausas, o número de comerciantes e produtos variados. Confesso que causou um pouco de inveja. Quanto potencial…
— Posso ganhar influência aqui e direcionar até a cidade de… Na verdade, após resolver meu problema.
Ao caminhar mais adiante, pequenos varejos se aglomeravam num imenso catálogo de joias expostas por trás de um vidro. Algumas delas brilhavam numa cadência muito atraente, era quase como se lembrasse a ignição de uma energia da criação.
— Com licença, quanto custa esta aqui?
— Oh, meu querido. Tais obras de arte estão somente a exposição para um grande evento que acontecerá daqui a alguns dias! Lá, talvez possa encontrar algumas parecidas que possuem um valor monetário digno!
— Na cidade flutuante?
— Exato!
Pude ouvir uma conversa paralela logo ao meu lado, o comerciante apontou para o extremo lado da barraca e mostrou a entrada para um longo caminho que percorriam muitas carroças, uma estrada improvisada que ainda tinha condições de prestar uma direção.
Esta foi a primeira vez que ousei pisar neste lado do mapa, ter uma noção para onde ir foi decisivo, posso descansar por lá antes de continuar o caminho até Marcos.
Não perdi tempo, fui até lá e negociei uma carroça. Havia nenhuma moeda que era digna para o dono dos cavalos. Usei a minha energia e recriei algumas notas da Passagem ao ver a aparência dela nas mãos do possível cliente de joias.
— Seu lazarento, volta aqui com… Desculpe, o confundi com outra pessoa.
Bom, a ilusão das notas não durou muito tempo pela distância que aumentava. O rapaz correu atrás e procurou satisfação das notas desaparecidas. Entretanto, retomei a minha verdadeira aparência.
Estava eu pronto a seguir mais longo caminho, embora seguisse por terra desta vez. Vou chegar até a Cidade Flutuante e me reorganizar novamente. Espero que nada de ruim tenha ocorrido até então.
Após percorrer longas estradas que atravessavam um campo de flores luminosas, a densidade de carruagens e pessoas aumentou quanto mais me aproximava do outro lado do morro. Ao atingir finalmente o horizonte escondido, pude vislumbrar a visão do enorme desfiladeiro que formava o tal perímetro.
— O nome demonstra sua razão…
Uma arquitetura da natureza muito louvável, a ilha seca em forma de círculo, que era separada por um espaço limitado do vão mortal, foi conectada por pontes que ainda tinham trabalhos árduos a serem concluídos. Trabalhadores manobravam enormes máquinas e peças para criar pilares para outros pontos da cidade.
Este local não me cativou pela beleza, ainda finalizavam partes iniciais da infraestrutura, usando a força trabalhadora como os próprios habitantes numa vasta extensão. A única frase que verberou minha mente ao admirar as extensões da população foi:
— Promissor e ambicioso.
Direcionei o foco novamente para a pista a frente, uma enorme avenida de uma ponte já pronta concentrava o transporte de ida e volta de visitantes e moradores como num só. Fazia muito tempo que não comia e meus cavalos pareciam cansados. Preciso encontrar um local para pernoitar e descansar antes de voltar para fora da cidade.
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