Volume 2 – Dispensando a Burocracia
Capítulo 47: Formalidade Nula
Ao chegarem perto do centro da cidade, as ruas se estreitavam e levavam a uma enorme praça similar as memórias de Felipe mostradas. Porém, havia enormes letreiros em hologramas que mostravam sinais de alerta e mensagens para que as pessoas fiquem dentro de suas casas.
— Seria uma surpresa caso houvesse nenhuma presença aqui.
— Por que a praça da prefeitura tá tão reforçada assim?
Árvores avantajadas, gramas bem cuidadas e uma estátua esculpida de uma criança, um idoso, homem, mulher e um cachorro; sobre uma placa de aço que os fazia levitar levemente, dando sentido a tal cidade “flutuante”.
O carro se aproximava lentamente e parou, ainda distante, devido a um número crescente de pessoas que apareceram de uma esquina a outra. Vans pretas, viaturas, motos, guardas, policiais, alguns militares. A movimentação que contradizia os avisos cercava as entradas da prefeitura e monitorava cada centímetro da praça.
— Vamos só falar logo com ele já que o cê quer tan...
— Peço que aguardem. Sou o único que pode levantar alguma palavra sem invocar suspeitas indevidas. Retorno imediatamente.
— Mas a intenção não é a gente ir junto? Ah, entendi... lá vai ele. Tá bom.
Luri estava com as unhas na maçaneta, no entanto, Feites saiu do carro antes para mostrar a alternativa melhor. Frisou a concentração quando ignorou a pergunta de Mark, fechando a porta antes que terminasse.
Os dois encararam o rapaz de cabelo brilhante se distanciar. Luri suspirou e se relaxou no banco, quase alcançando o chão do veículo. Mark se inquietou, tentando estalar os dedos e o pescoço.
— Confia nele?
— Você não confia?
— Confia nele?
— S-sim, acho que sim.
— Entendi.
Apesar de demonstrar o inverso, Luri fez uma pergunta séria. O peso na sua voz e a falta de um tom humorístico ou leve estava gradativamente mais frequente. “Ela também tá me escondendo algo”, pensou Mark.
Justo. Justo tinha que ser. Em menos de vinte e quatro horas, foram abordados por criaturas misteriosas, levando ao jovem a ter experiencias de morte várias vezes seguidas. A sua energia de criação era conveniente demais. Uma pessoa inexperiente teria que ser perfeita para sobreviver sem qualquer arranhão... e Mark estava completamente longe de ser um exemplar.
“Eu devo ser o esquisito aqui”. Desde que foi ao hospital, foi mais outra vez que apontou as justificativas para si mesmo. Fechou os olhos e abriu o zíper da blusa, colocou os cotovelos sobre os joelhos e terminou a posição de quem estava cansado de entender nada.
Quantos momentos precisou entrar em ação? Quantas vezes se sentiu desligado do próprio corpo? Quantas vezes teve vislumbres? Quantas vezes viu sentiu que faltava algo? Quantas vezes disse “esquisito” ou “coisas”?
Seja qual indignação que levantou na mente, apontavam para esperar o anfitrião trazer as respostas, já que sua líder e seu pai adotivo tinham assuntos mais interessantes do que explicar.
— Sobre o fantasma.
— S-sim?
— Hihi... — Uma risadinha meio forçada, mas era sincera. — Vou parecer muito com o metido a esnobe sabixão que acabou de sair.
Luri não gostava de se sentir do jeito que estava, passou as mãos pelos cabelos e ajeitou o retrovisor central para ver o jovem diretamente, ainda escorada no fundo do banco.
— Esse fantasma parece muito com você? Ele parece te dizer algo, mesmo sem ter uma boca?
— Sim e sim.
— Ele costuma a sair fazendo coisas sozinho?
— Humrum.
— E... o que acontece quando você não faz algo que ele faz?
— Como assim? Você consegue ver ele?
Luri se levantou e consertou a postura troncha, sem retirar o olhar de Mark por qualquer segundo.
— Te acompanhei enquanto fugia do touro, tava nas janelas do telhado após pedir a evacuação. Até que sabe improvisar, mas, para alguém novo, estava fácil. Tomou cada corredor que não levava para a entrada, só que vacilou pra ficar olhando para uma direita por tanto tempo. Estava seguindo o fantasma até ficar em dúvida, não é?
— Quer dizer que...
— Quando não fez o que o fantasma fez, você se machuca.
Mark coçou o queixo por um segundo antes do folego escapar com a surpresa exponencial. Tinha sentido, então por que algo tão inusitado? Feites não mencionou nenhum poder deste tipo. Haveria apenas chamas e somente. Pelo menos, foi o que pensou até a ficha cair.
“No treino”, viu o fantasma se distanciar de Luri e foi acertado por um golpe enquanto ficou perto. “No palco”, viu o seu eu perto da mulher estranha e foi pego numa explosão que varreu toda a área afrente. “E agora”, quando tomou a esquerda, o touro o cercou antes de pensar duas vezes. “No acidente”, viu o ser pálido que esteve longe nas árvores e depois apagou, mas essa última observação não fazia muito sentido.
Aquele fantasma alterava os sentidos para expressar algo claro. Pior que lembrar de suas aparições em modo de guia ou observador, foi se relembrar de quando sentiu o tempo parar antes de encontrar luri.
O ser misterioso fez questão que Mark escutasse o aviso para não deixar Luri morrer. “Eu ainda não entendi”. Se o fantasma é uma espécie de caminho para a melhor decisão, por que falar diretamente? Existiria um poder tão inconsistente assim?
— Eu sempre me senti estranho depois de ver ele... Is-isso faz muito mais sentido. Eu fico meio tonto e as coisas só saem por instinto depois de ver ele. Mas... mas... ele fica me observando as vezes, como um fantasma de verdade.
— Pra ser sincera, Mark, a pessoa que menos confio é você.
— Então como sabe disso tudo, hein? Fui arrastado pra cá contra minha vontade, preciso bancar um herói agora porque um diacho de uma... de uma... caceta de chama.
— Vou reformular o que penso. Especificamente... confio mais nesse fantasma.
Luri continuou a discussão seca, e Mark ficou irritado, se aproximando mais dela com presas a mostra. Porém, mesmo que um palavrão não tivesse saído a boca, se segurou ao perceber a lágrima que escorreu dos olhos azulados da líder.
— Minha irmã conheceu uma mulher gravida com uma energia muito similar a um “fantasma”, ela não disse quem era exatamente, só que encontrou como fugitiva de uma base da estrela sorridente numa missão qualquer.
— Me desculpa, não queria te fazer lembrar disso.
— Deve ter entendido pela briga de ontem. Minha irmã, a Quiral, ajudou essa pessoa fugir e usou o poder dela pra acobertar qualquer vestígio que provava que ela existia, pois seria forçada a entrar na rede militar. Eu não acreditei, até porque ela nem consegui provar porque literalmente apagou as provas hahah, he... erm.
— Então a história dela desaparecer por causa das criaturas não é exagero.
— Há dezoitos anos, a gente fez uma missão guiada pelo pessoal da inteligência do nível um. As suspeitas indicaram que haveria pessoas importantes da estrela. O objetivo era prendê-los, simples demais para nós do terceiro nível. Mas a missão ficou urgente quando detectaram a frequência de fendas da dimensão cristalina na mesma fábrica. Bom, você deve ter imaginado, o que alimenta essas fendas é a energia da criação, que nem lá no campo de treino da ODST ou a porta maluca da mansão agora. As suspeitas pioraram e tivemos que agir... e ela foi raptada lá e perdemos o contato com ela. Afinal, os canalhas usaram as mesmas brechas que fomos olhar para escapar.
Engoliu o choro e limpou com os dedos as trilhas de água pelo rosto. Mas não adiantava, as lágrimas continuavam a sair.
— As últimas palavras dela foram “sigam o fantasma”... — Soluçou. — Ela havia encontrado aquela mulher um dia antes depois de resgatá-la no ano anterior, ela disse que não devíamos fazer essa missão, porque a tal mulher sentiu a DROGA do fantasma ir avisar isso pra ela.
— Me des...
As mãos da líder esfregavam cada catarata e a voz não acompanhava a mudança de emoções, a garganta falhava e mais soluços vinham. Montou as frases em peças para traduzir o que queria contar.
— Depois de. Todo. Este. Tempo. Ré-réviz ficou pirado. Agora! Aparece com você, as criaturas aparecem. E. Esse. Fantasma. Aparece... Não devia. Ter usuários. Fora da. ODST. Não devia! Mas... mas... você e o esquisitão provou o contrário ontem. Sem contar essa paranoia de memórias dele.
Tal desabafo da líder se encheu de inquietação antes de desmoronar junto aos braços que sacudiam. Vagarosamente, as palavras perdiam forças. Restou apenas o gesto de abraçar o próprio corpo e uma cabeça abaixada.
O rosto te Mark já mostrava o suficiente. A expressão raivosa foi gradativamente desaparecendo num soar triste de arrependimento da alma. Luri tirou as costas do banco e virou para o jovem com olhos marejados para dizer:
— Você é uma coincidência ambulante...
O interior do carro transbordou em uma confissão de desprezo e um sentimento de culpa, embora o condenado não tenha ciência do próprio ato criminoso de dizer o que apareceu recentemente.
“Recomponha-se", soou a voz. Mark não a ouviu, mas um calafrio o fez levantar a cabeça e ver que feites já vinha retornar.
— Ele tá vindo.
— C-certo.
Assim, Luri amassou os olhos com os punhos e agitou os ombros para voltar a persona que tanto tentava manter: a mulher descontraída que agia feito uma criança que variava de feliz a emburrada.
— Venham comigo — comentou Feites, após Luri abaixar o vidro.
— O que houve? — perguntou Mark.
— Não era pra ser o vip dos vips?
— Ignorando a colocação grosseira, correto. Minha identidade não teve qualquer função.
O esquadrão desmotivado começou a andar pela delimitação das ruas próximas. Feites os guiava com frustração, seu nariz fungou com os questionamentos de seu fracasso.
Antes de prosseguir, levantou a mão e sinalizou para uma parada no andar do grupo. Seguiu para o escuro de um beco e chamou para que continuassem a segui-lo. No entanto, o dedo indicador apontou para o céu e fez os acompanhantes se entreolharem.
— A partir do telhado deste prédio, teremos a oportunidade de um acesso ao pedaço do pavimento que se encontra o gabinete do prefeito.
— Ah, então ótimo.
De prontidão imediata, Luri se preparou. A leve aura surgiu e rompeu com um peteleco. Assim, ganhou uma aceleração que a fez suceder em correr e saltar pelas paredes, escalando as varandas e encanamentos rapidamente.
— Oooxi.
— Eu fico um teco rapidinha quando meu escudo quebra, só isso. E vocês, não vem não?
— Nesta questão.
— Feites?
A moça começou a acenar do alto e não parou, conseguiu sentir de cima que a hesitação em subir era mais complicada do Mark pensava.
— Poderia... me emprestar o impulso de novo?
— Entendi... Chega mais.
O anfitrião não conseguiu manter a visão em Mark, que notou a insegurança repentina. “Ele tá com medo de subir?”
Com a borda do telhado na mira, o arpéu disparou e prendeu o gancho. A líder parou de acenar para mostrar dois joinhas ao ver o gancho que perfurou o concreto firme.
— Com licença.
— Ei! Olha a mão boba!
— Perdão.
Numa faísca de ignição, o motor fez os dois puros subirem. A moça estendeu a mão e ajudou finalmente os dois alcançarem o feito que muito mais do que precisava.
Ali do alto, a praça ficava completamente visível. Os três se aproximaram da beirada e notaram que o tamanho da segurança seguia valores proporcionais.
A prefeitura era muito maior do que devia. Uma arquitetura com alguns pilares que flutuavam e mantinham mais pavimentos flutuando levemente, um quebra-cabeça parado no ar.
Os cômodos se uniam novamente quando alguém se aproximava das escadas ou usava um elevador, o lugar por inteiro respondia ao movimento das pessoas, flutuando graciosamente.
— Esse pessoal não sente enjoo não?
— Acho que eles não percebem isso pelo lado de dentro.
— Ham-ham.
Os dois terceiros níveis se encantaram e esqueceram da intenção de estarem ali. Luri havia colocado as mãos no queixo sobre a curiosidade antes de Mark argumentar suas suspeitas.
Feites forçou um pigarro e roubou a atenção para si, indicou com a cabeça o pavimento ligeiramente mais deslocado que o resto, mesmo que ainda próximo do telhado onde estavam.
— Poderemos entrar por aquela janela. Logo, teu rope dart continua sendo vital.
— Sobrando pra mim de novo.
— Eu provavelmente consigo pular até lá se pegar uma distância, só que bem que queria não ter que negar mais uma oportunidade de dar uma voltinha nisso aí, hihi!
— Nem vem, não vem que não tem. Não e... Aaaaaahhh!
Mark balançou braços e a cabeça para qualquer chance de pensar em carregar duas pessoas de uma vez. Apenas em pensar, já que Luri puxou seu braço e fez a própria ignição disparar o arpéu outra vez.
Abraçaram o jovem e fizeram uma pequena parábola para atravessar o vão da rua. Guardas escutaram o grito e procuraram por um sinal de vida, uma pena não ter visto os cabelos arrepiados da adrenalina que Mark sentiu.
— Que top! Hhahaah!
No pavimento que foi alvo de um projetil composto por três corpos humanos, um outro guarda assoviava pelo corredor vazio, escorado enquanto mexia no celular. A voz de Luri apareceu baixinha, embora o suficiente para o fazer virar para o lado de fora.
Então, foi baleado — ou atropelado — pelo grupo que quebrou adentro o ligeiro acesso disponível, uma mera janela.
— Foi melhor que imaginei e... Me desculpa, foi mal, nossa, nossa!
Mark sentiu vários nadas. A aterrisagem surgiu quase nenhum dano, ficou aliviado até perceber que acabou de pisar sem querer no pobre guarda desavisado.
— Relaxa, véi. Pronto, taca seu foguinho nele só pra garantir.
Luri deu um tapinha na bochecha do recém terceiro nível e colocou um pequeno escudo no desavisado no chão, que ficou inconsciente de forma nada suspeita num corredor solitário. A chama veio e apenas fechou alguns ligeiros arranhões do vidro.
— Aqui.
Feites dispensava qualquer tipo de desperdício de tempo, foi logo na direção da penúltima porta do corredor, efetuada por um pequeno letreiro com o nome “Ernec” em letras douradas.
Com os três lado a lado, girou a maçaneta. Lentamente, outro raio de luz solar veio e evidenciou a silhueta do elegante homem que observava os arredores no vidro do tamanho de toda a parede.
O cabelo dourado reluziu e disputou brilho com o de Feites, que tencionou os ombros vagamente com o que ouviu logo em seguida:
— Bom dia, senhor assombração junior.
Ernec, o atual prefeito da Cidade Flutuante, fez questão de puxar algumas cadeiras para a frente de sua mesa pediu educadamente para os visitantes cautelosos se sentarem.
— Confesso que estive a sua espera. E, também, confesso que esperava somente a sua presença.
— Não condiz com a força tarefa de proteção abaixo de nós.
— Sinto muito, eu ainda preciso “entrar na onda” com meu personagem. Estou supostamente em perigo. Quem são estes ao seu lado?
Feites se sentou primeiro, os outros dois ficaram ainda em pé, receosos sobre o proceder da conversa. Enerc alcançou uma xícara de café e saboreou após perguntar sutilmente.
— Terceiros níveis.
— Hm...
Num microssegundo, o último gole parou forçadamente com o soar das duas palavras-chaves. A caneta-lança foi posta em cima da mesa e Feites cruzou os braços. Ficou claro que não havia hostilidade por nenhuma das partes, logo, Mark sussurrou “desarmar” e tornou o rope dart transparente.
— A quem quero enganar? Sandir já me relatou sobre o ocorrido no parque. Odeio ter discursos interrompidos.
— Creio que seja algo idealizado por ela.
— Ééé... — situou Mark —, o que houve de verdade?
— Parece que não me teme ou me respeita da forma devida. — Ernec encarou o jovem e ergueu um pouco o nariz. — Por mim, sem problemas.
Luri deu um passo afrente e colocou um braço na frente de Mark, que ficou surpreso com o tom odioso momentâneo. O tique do relógio ressoou pela sala e marcou o ponta pé inicial do meio-dia.
— Ha! Preciso lembrar de falar boa tarde a partir de agora. Boa tarde! Senhora líder do Segundo Setor. Para responder o outro, creio que a mesma pessoa fez artimanhas para dar trabalho para nós dois. Justamente ela, a Amanda.
A perna direita do anfitrião subiu para cima da outra e entrelaçou os dedos sobre o joelho, completando:
— Vim aqui por causa da profecia — destacou Feites.
— Lógico, não iria trazer estes dois como apenas guarda-costas baratos.
— Metidinho.
Luri suportava os ânimos violentos, descontando na puxada bruta da cadeira para perto ao se sentar. O jovem de blusa azul puxou a sua com educação e um toque gentil, separando-se de qualquer coisa que o ligava com a líder.
— Eu gostaria de saber sobre vocês, apesar de já os conhecer. Meu queridíssimo irmão Sandir e uma sobrinha me relatou o contexto das chamas primordiais e uma mulher deveras... única — Encarou Luri. — Logo, Feites e companhia, não quero perder tempo, pois tempo é a coisa mais perfeita que temos. Se assim certo estamos, explicações darei.
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