Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Volume 2 – Destino Flutuante: A Entrada da Cidade

Capítulo 33: Socorro Marcado


 

Dourado. Roxo. Branco. Vermelho. Verde.

Brilhos sem fim tocavam o cérebro em pontadas que não compreendiam. O quarto luxuoso recebia os três irmãos, que estavam sentados na cama longa. Riqueza transmitia um calor estranho.

O mordomo, que os recebeu mais cedo, estava muito alegre; insistiu para que entrassem e se acomodassem. Não teve a ligeira impressão de medo, não perguntou quem eram, uma razão, muito menos algo que o fizesse revogar a decisão e os impedir.

Se apresentaram de forma desesperada, foram respondidos com fervor anormal e convincente. Aconteceu um encontro de hora marcada acidentalmente, não uma reunião de socorro.

Ficou a sós com os terceiros níveis e os guiou para aquele cômodo e os separou dos filhos adotivos.

Faz um pouco mais de uma hora desde a destruição do parque.

O pescoço de Mark girava e girava, olhos piscavam e piscavam. O que é isso? Ele devia reconhecer o lugar? Ele abaixou o zíper da blusa, a falta de folego pela não-informação concreta condenava o alarme o todos.

Em seus braços, Nirda o abraçava com força. A pequena não queria estar longe de mais ninguém. Ao seu lado, apoiado na cabeceira chique, Will não demonstrava estar vivo, a visão do teto não sumia da sua mente de maneira alguma.

— Explicações.

As palavras voltaram num susto assombroso. Mark enterrou o que tinha no rosto e virou feito um boneco sem alma. Saliva desceu, seca. A menina apertou o abraço, e a resposta se tornou a ideia de mais espera do que ouviu:

— Deve. Explicações.

As pupilas de Will contraíram, aquilo foi mais que um simples ataque de nervosismo, na verdade, divergia por completo. Ali, logo ao lado, viu um desejo de maneira vazia. Um detalhe sem nada especial. Um assunto sem discussão.

A aceitação do total absurdo.

— Vai ficar tudo bem, tá bom? Só temos que…

— Me ouviu, Mark. Não minta para mim… nunca. E nem tente. Agora, quero que seja verdadeiro. Agora, em muito tempo, sou a pessoa mais sã do mundo, a pessoal na qual você deve… explicações.

Soou o toque de temor, o temor de perder a confiança dos seus irmãos. A movimentação da pequena passou batida, as lágrimas escorriam e quebravam o coração dos dois. Assim, Nirda parou de escorar e afastou. Ambos, na sua frente, o encaravam e nada mais.

— E-eu… Eu… Me desculpa.

O pescoço de Mark perdeu a noção da força, o queijo apontou ao chão e o rosto era quase imperceptível na escuridão de seu rosto. Perante a busca de iniciar uma resposta convincente, a decepção encheu o coração como um balão prestes a estourar.

— As coisas começaram no dia anterior ao acidente. — Choque correu dos seus olhos e uma pequena chama se acendeu no indicador. — Eu realmente estava numa posição estranha, você tinha notado no hospital. Com isto, esta coisa… esquisita, eu te salvei, Will. Pude te curar e salvar sua vida, antes de desmaiar no chão depois.

Apontou o dedo para a perna que desencadeou os eventos, rapidamente, apagou a chama. Aquele ângulo trouxe a imagem do desespero e neve num clarão de sua mente. Fechou a mão e afastou, assustado.

Colocou a mão sobre as mechas pontudas de Nirda com leveza. Os dois tinham expressões nubladas, deixaram ar escapar com o anunciar das tão merecidas explicações:

— E então as coisas todas mudaram…

Enfim, Mark discursou para os ouvintes a situação em que passou, as conversas com Réviz, os vislumbres, as maneiras estranhas de saber o que fazer, o treinamento com Luri e sua nova função: terceiro nível.

A porta de madeira esculpida estalou. Três toques apareceram, e as chuquinhas balançaram, Luri inclinou a cabeça para averiguar o quarto grande.

 — Gente, podem me acompanhar? — perguntou, ansiosa.

Os passos relutantes foram com cautela. Logo atrás da moça, a mansão mostrava sua grandiosidade em luxo. Corredores, esculturas, escadas; o orfanato se reduzia a uma simples casa de cachorro em comparação.

A situação impedia o apreciar da arquitetura. Luri estava cabisbaixa, segura seu próprio braço esquerdo com a tensão que crescia ao redor.

Chegaram na sala de estar. A enorme entrada do lugar tinha vitrais que ressaltavam desenhos do sol e a lua, compartilhavam o mesmo céu partido entre noite e dia do momento em que Mark acendeu a primeira chama.

Quatro pessoas com mantos sobre uma montanha. Mark sentiu o arrepiar incomum ao reconhecê-los: “Esses são…”

— Espero, de coração, que os três tenham alcançado alguma paz após tal tragedia.

No centro, o mordomo os recebeu com compaixão no enorme sofá. Os órfãos relutaram com a presença ao lado, Réviz tinha a postura firme e olhos fechados, estava num estado de meditação anormal.

A moça se apoiou numa estátua próxima, relaxou lá e suspirou. Liberou o que apertava seu peito com esforço.

— A comoção negativa que recebo é… compreensível. Entretanto, tenho o dever de ressaltar claramente que não existem intenções maliciosas nas minhas palavras: as vossas presenças são esperadas desde o momento na qual obtive minha função!

O mordomo se levantou, satisfeito junto aos braços ao alto. A felicidade tocou o ambiente em surpresa. Nirda apertou Mark como num reflexo que esperava um ataque.

— Protetores da energia, jovem lorde, menina diabo e… um puro, Marcos — Apontou por todos ali, o sorriso surgiu e soltou uma risada.

Piscou algumas vezes, suas sobrancelhas contorceram. Puxou um óculo do seu bolso e a expressão desmoronou em tons amargos, ajeitou a roupa e prosseguiu após sentar novamente. Havia muitos assuntos disparados na consciência, escolheu um deles para o foco e adaptou a postura para tal.

— Perdoem a minha impulsividade. Creio que estender isto trará repercussões ainda mais negativas. Me chamem de “Frederico”, dono e cuidador desta mansão. — Sentou-se no sofá. — Senhores e senhoras, a visita de vocês não é uma surpresa. Desta maneira, preciso ser direto… será uma abordagem longa que necessitará da prática.

Fez um gesto ascendente, uma porta se levantou do piso, reverberou em mecanismos e brilhou com energia que fluía pelas bordas. Não havia saída, era uma opção de entrada que surgiu para cruzar o nada da sala. Uma porta em pé sem qualquer parede ou apoio.

— Impossível. — A meditação de Réviz ruiu.

— Tenho posse de informações na qual uma certa categoria especial de militares estariam interessados.

Luri arregalou os olhos ao notar o que presenciou. A porta se tornou branca e abriu no mesmo instante. Atrás, onde deveriam apenas ver o outro lado do cômodo, um ambiente tingido por todas as cores e extremo protesto de falta de profundidade.

— Dimensão cristalina?! — soltou Luri.

— Ou o que uma pequenina ODST possuiria.

O mordomo apontou para a abertura no meio da sala. Havia outro lugar mais ao fundo da travessia pelo vasto vazio, que estava totalmente aberta e indefesa de todos.

— Encarecidamente, peço mais confiança a meu humilde pedido: sigam-me. Irei dar as conclusões necessárias para teus anseios.

Ajeitou os óculos e seu passos calmos até dentro do nada. Réviz e Luri foram de imediato, mas hesitaram em pôr os primeiros pés ao notarem os órfãos assustados.

— Permaneçam perto de nós — comentou Réviz.

Removeram pressentimentos negativos e bateram pensamentos ruins. Mark os segurou pelos ombros e os guiou com pedras na garganta.

Naquele momento, matou e dilacerou sua última oportunidade de evitar envolvê-los. Pouco a pouco, “as coisas todas” se convertiam para a cruel definição de “eles todos”, uma frase que ricocheteava nos confins do consciente.

Finalmente, estavam no meio do branco. O horizonte não tinha vida ou qualquer outra contradição a isto, somente os ambientes suspensos davam noções de direção para a família improvisada.

— Talvez saibam disto. Eis a dimensão cristalina em sua forma virgem. Em protocolos rotineiros, é usada para transloucar dois espaços físicos através de uma entrada, proporcionando uma viagem-rápida para outro lugar do mundo. Em verdade, caso a porta fosse milímetros fora do lugar, poderia nos levar a um lugar totalmente diferente da mansão.

Os passos eram mudos, respirações também, somente a voz do mordomo surgiu em completa casualidade de uma palestra. Os ouvidos sentiam a pressão diminuir, acabava até se tornar o mesmo que o branco do em volta.

Finalmente cores vibrantes o atingiram, o ar finalmente os tocou com força. A diferença de um ambiente abafado foi esmagada pelo imponente cenário sem término aparente. Lá chegavam na entrada simples que parecia pairar, outra porta aberta que tinha um destino diferente.

— Boas-vindas ao centro da criação de nossa civilização. Bem-vindos ao ponto vital da energia. Boas-vindas ao que um dia foi sinônimo da perfeição. Boas-vindas… à biblioteca do éden.

Com um braço esquerdo atrás das costas, o mordomo reverenciou e levantou o outro braço. A imensidão de prateleiras e livros que se estendiam desafiava as leis da física. Pelo vazio, não se enxergava tais proporções, as mesmas proporções que eram dignas de um prédio causador de torcicolos.

Os vitrais nas paredes brilhavam intensamente. Logo ao meio, uma mesa redonda, iluminada por uma lâmpada em forma de lua, estava centralizada como item de exibição.

Hurum! — Pigarreou. — Se me permitem tal ousadia, faço outro pedido: peço que esqueçam tudo que acham que sabem sobre a energia.

— Co-como assim? Quem é você?! Por que parece que todo mundo já conhece a gente quando CLARAMENTE NÃO CONHECEM?! — indagou Luri.

O dono da mansão virou de costas e contemplou os livros que invadiam os sentidos e espaço. Uma imensidão dessas… num lugar destes.

— Creio que são militares de um ODST, a mesma que traz a origem da força sobrenatural que tanto conversamos com naturalidade: energia da criação. Estrela sorridente? Rivalidade? Ou até mesmo… um usurário fora do controle das grandes famílias.

Surpresa atingiu novamente os dois adultos, a calma e um respeito estranho trazia tanto alarmar. Aquela pessoa sabia disso, mostrou com a transição de dimensões, demonstrou até mesmo ter ciência do motivo da chegada deles.

Sejam quais forem as causas daquele novo evento, evidenciou que não esconderia nada.

— Me dê uma razão para eliminar a chance de ser outro da Estrela. — Ordenou Réviz, friamente.

— Peço desculpas pela falta de recepções claras. Estão se refugiando dos radares da rivalidade, um assunto que atrasaria ou impediria a missão na qual foi escrita nestes livros, ser abordado pela polícia revelaria serem de outra ODST e ativaram o protocolo que os condenaria a serem tratados como lixo, vulgo espiões ou variações.

Numa pausa planejada como o maior dos planos, o mordomo segurou um livro específico e, antes de o abrir, inclinou o pescoço na direção do vice-líder e continuou:

— Existe a chance do senhor estar atrás de uma moça raptada? Existe a chance de vossa energia ter sido substituída, trocada ou mudada por uma “luz negra”?

Perguntas enfiaram estacas no peito do pai adotivo feito espadas unilaterais de remorso. O mordomo atacou com palavras que o fez dar um passo para trás. O foco obtido, acumulado, fundido e provado foi desintegrado feito um sopro no pó de um móvel comum.

A moça de chuquinhas tremeu os dentes, processou o ruir daquele na qual tanto prestou preocupação. Aquela pessoa… Quem era ele? A moça sentiu agonia percorrer os dedos, estendeu o braço e protestou com impulso:

— Como sabe disto? Isso… Isso. I-isso era para ir direto à cova!

As costas foram ignorantes. Frederico apenas avançou um pouco, esticou o corpo para que suas luvas branquinhas pegassem o livro roxo. Folheou, ajeitou os óculos, leu, folheou; repetiu.

Os dedos passavam de linhas e linhas. Estalou a língua num ato de conquista. Havia achado o que queria. Luri permanecia lá, atônita e incrédula com a ignorância.

Mark não conseguia parar de admirar a imensidão do lugar. Tinha algo a mais, uma informação que podia mudar a verdadeira questão. Colocou as mãos na cabeça, pensou, pensou, sentiu algo agarrar a mente e soltar, escorregadio.

“Se esses livros estão contando nossas histórias...”. Sua boca abriu, ar saiu, mas o som o deixou vazio.

— “Hoje, meus homens estão vigiando as regiões densas da mata, meu encarecido amigo completou dez anos e obteve outras informações do futuro. A preocupação alimenta vontade de eternizá-los em tinta, e meu cargo fornece a fome do fulgor de mentiras.”

— Responda!

— “‘A luz, divina sobre a partição do oeste, serena e acolhedora, tocará o coração do sujeito enraizado pelo impossível. Uma dama será vítima da crueldade do pôr do sol, as consequências da guerra perduram nas linhas do tempo, enraizadas pela ferrugem do aço imperfeito. A energia transfigurará em algo impiedoso como sua teimosia, não por alguém, não por algo, mas por um rei’; Ele… consegue ver tão adiante? Me pergunto o que o grande rei faria em meu lugar. De qualquer forma, gravarei até a minha morte e não deixarei tua honra morrer…”

Luri se calou. As palavras de Frederico ecoavam numa autoridade tranquila. Réviz teve suas emoções atingidas pela ebulição do juízo. Foi em direção em passos pesados e puxou o mordomo pelo colarinho.

Os olhares entrelaçaram. O punho foi levantado e disparou ao rosto.

— Felipe! Foi Felipe que escreveu, não foi?

Réviz congelou o punho no ar, próximo ao nariz do mordomo e dono da mansão. O jovem que usou como ferramenta de sua missão sentimental falava com convicção. Olhou para trás, ainda com o mordomo em mãos.

— Assim como o esperado, aquele rapaz está se recordando das memórias escondidas na carne.

— Que memorias? Você... também sabe o porquê de coisas esquisitas aparecerem na minha cabeça? — Insistiu Mark

— As memórias de Marcos, o grande general do rei Adnis, quem governou o Oeste depois do colapsar da guerra. Simples, assim.

Luri segurou com força o ombro de Réviz. Os cargos trocaram, a emoção escancarada do vice-líder era suprimida pela agressividade da moça. Um simples olhar dela foi o suficiente para o fazer soltar.

Os pés de Frederico tocaram o chão, desarrumou a roupa elegante e limpou os óculos. A expressão congelada considerava a agressão como cotidiano de um cuidador da mansão. A atenção foi roubada no momento em que Mark avançou para ao lado de Réviz.

— Por favor! Se tem as respostas pra essas coisas todas, conte de uma vez!

Sobre o impacto do ônibus, o treinamento, o Will, o hospital, a adoção, e finalmente a neve. As fichas logo caíram e selaram a fundação do pedido sincero. Frederico suspirou e olhou em volta de novo, aquilo o atingiu, invés de toda a agressividade dos adultos.

— A grandiosidade de tua prece é maior que as nossas gerações condensadas em um único nó. Não sou digno de dar as devidas ânsias com a grandiosidade necessária. Por isso… — Abaixou o corpo, reverenciou para a súplica: — Peço para buscarem, no final da trilha, atrás da mansão, o meu querido neto.


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