Volume 3
Capítulo 4: Uma única escolha pode mudar tudo.
Era a noite depois de eu ter voltado da viagem de churrasco, e eu estava deitado na minha cama pensando em um monte de coisas. Meus pensamentos estavam completamente dispersos. Eu não conseguia tirar da cabeça a conversa entre Mizusawa e Hinami. Claro, foi um choque testemunhar Mizusawa dizer a ela que gostava dela... mas algo mais ficou comigo ainda mais.
Mizusawa havia tomado uma decisão na viagem. Ele resolveu jogar fora sua máscara e ir atrás do que realmente queria na vida. Hinami o viu fazer essa escolha, mas ela não se moveu um centímetro de seu próprio caminho escolhido, protegendo ferozmente sua máscara e entregando uma atuação impecável. Os dois pareciam semelhantes de algumas maneiras, mas, no fundo, eram fundamentalmente diferentes.
A máscara e a verdade, a atuação e o verdadeiro eu, o jogador e o personagem — seus caminhos divergiam de acordo com qual lado de cada dicotomia valorizavam mais. Escolher entre a máscara ou a verdade. Continuar a atuação ou tornar-se o verdadeiro eu. Ver a realidade como jogador ou personagem. As escolhas que eles fizeram não estavam profundamente conectadas à minha própria situação agora?
Eu estava lutando com uma sensação desconfortável. Aoi Hinami, que sempre estava certa, não tinha a resposta desta vez. A resposta estava nas palavras que continuavam a se repetir em minha mente. Pelo menos, eu tinha a intuição de que era lá que estava a resposta.
E então havia a mensagem no LINE que Hinami me enviara alguns minutos antes.
[Ao final dos fogos de artifício, diga a Kikuchi-san como se sente sobre ela.]
Eu não sabia como reagir a essa tarefa. Quando pedi mais informações, ela disse que, com base no que eu lhe contara sobre nosso último encontro, minhas chances de sucesso pareciam altas. Além disso, o cenário especial dos fogos de artifício aumentaria ainda mais minhas chances. Finalmente, mesmo que Kikuchi-san me rejeitasse, seria uma boa experiência que eu poderia aplicar no futuro.
Suas palavras eram convincentes, e eu sabia que o que ela estava dizendo provavelmente estava certo e que fazer o que ela disse seria a escolha mais eficiente. Mas eu sentia que ela estava me dizendo apenas para fazer uma boa atuação. Isso parecia errado — repulsivo. O que eu deveria fazer? Eu me sentia como se tivesse sido lançado diretamente na escuridão impenetrável. Os fogos de artifício estavam chegando na noite seguinte.
Eram seis e meia da tarde. O sol de verão estava baixo no céu, na transição entre a tarde e a noite. A praça em frente à Estação Toda Koen estava lotada de pessoas. Elas estavam por toda parte. Não importava para onde eu olhasse, estaria respirando o ar que alguém acabara de exalar, e eu comecei a respirar mais superficialmente instintivamente. Era incrível que os fogos de artifício tivessem atraído uma multidão tão grande.
Eu achei que seria difícil encontrar Kikuchi-san entre todas aquelas pessoas, mas eu não deveria ter me preocupado. Seus poderes mágicos tinham aumentado vinte vezes, então era impossível não notá-la. Eu olhei ao redor da estrada em frente à estação, me aproximando cada vez mais da fonte do poder mágico.
— Kikuchi-san.
— Oh!... Tomozaki-kun.
Assim que ela me viu, sua expressão ansiosa se transformou em uma pacífica. Só isso já era quase suficiente para me deixar desnorteado. Mas havia mais.
— Um yukata.
— Oh... sim.
Kikuchi-san olhou para baixo modestamente e deu alguns passos para trás, acho que por timidez. Suas sandálias geta batiam no pavimento.
— E-eu pensei em usar...
— Oh, sim.
Ela olhou para mim, e nossos olhos se encontraram.
— ...Como é uma ocasião especial.
— ...Ah, sim.
Sua breve explicação desferiu o golpe final. Felizmente, no momento antes de eu tombar, consegui dar um gole no meu chá engarrafado, o que salvou minha sanidade no último segundo, mesmo que minha capacidade de pensar ainda estivesse em frangalhos.
— T-tanta gente.
— ...Sim.
— ...Vamos?
— ...Está bem.
Nós seguimos em direção à Ponte Todabashi, onde os fogos de artifício aconteceriam. Estávamos andando um pouco mais perto do que o habitual para garantir que não nos separássemos.
Agora que eu tinha a chance de olhar mais de perto, vi que Kikuchi-san estava usando um quimono de algodão azul-índigo com um padrão japonês, realçado por uma faixa amarela. A razão pela qual ela parecia tão elegante e refinada apesar da combinação de cores menos discretas era sua aura natural e energia mágica como um riacho claro.
Enquanto eu procurava o caminho certo, meu coração estava em risco de sucumbir completamente à esmagadora sensação de encantamento de verão emanando de Kikuchi-san. Cada batida de suas geta estava reverberando evocativamente em minha cabeça.
Eu tinha relaxado em descobrir uma rota com antecedência porque assumi que poderíamos seguir a grande multidão de pessoas indo para o mesmo lugar, mas a multidão de pessoas se dividia em várias direções fora da estação. Ih, oh.
— Você acha que todos estão indo para os fogos de artifício?
— Eu... acho que sim.
Eu poderia assumir que as pessoas estavam indo por caminhos diferentes para evitar o superlotação em qualquer rota, já que todos os caminhos levavam à área de visualização? Para garantir, escolhi a rua com mais pessoas. Como dizem, o caminho do rei é o caminho certo.
— Deveríamos tentar ir por aqui?
Eu sugeri.
— Um, tudo bem.
Kikuchi-san concordou e caminhou ao meu lado com passos delicados. Seus passos eram um pouco mais curtos do que o habitual, talvez por causa das geta, mas ela formava uma imagem perfeita ao caminhar tão elegantemente. O yukata estampado japonês realçava seus ombros pequenos e a pele branca radiante.
Minha impressão usual dela era como uma fada de uma história de fantasia, então eu havia assumido que ela ficava melhor em roupas ocidentais, como o uniforme de empregada do café onde trabalhava. Vê-la com um quimono parecia uma nova descoberta. Basicamente, ela era uma fada-anjo-elfo, não importava o que vestisse. Eu não conseguia parar de olhar para ela.
De repente, nossos olhares se encontraram.
— Uh, um... Tomozaki-kun.
— ...Hein?
De repente, voltando à realidade, percebi que Kikuchi-san estava olhando para baixo timidamente.
— ...Eu fico envergonhada... quando as pessoas me olham demais...
— Oh! Uh, um... me desculpe... eu não quis...
— Oh, uh, eu sei que você não quis... nada, mas... um...
— Ah, certo... um, desculpe, eu...
— Uh, está tudo bem...
O rubor de suas bochechas se juntou ao azul escuro e amarelo de seu yukata, tornando-a ainda mais bonita do que antes. Depois de um tempo, chegamos a uma parte da rua repleta de barracas de festival.
— Oh... olha!
Ela havia avistado as maçãs do amor.
— V-você quer uma?
— ...M-hm.
Com suas geta ecoando sonoramente, ela se aproximou da barraca e pediu uma maçã. Mas antes que eu pudesse segui-la para pagar, fui interrompido pela visão dela segurando-a. Ela estava tão bonita que eu pensei que poderia desmaiar de verdade.
Um ou dois minutos se passaram.
— ...Eu comprei.
Ela disse, caminhando na minha direção. Sua aparência usual, suave, leve e de fada, se casava com a elegância chamativa, mas equilibrada, do yukata. E para completar, ela segurava a fruta vermelha brilhante.
Ela estava perfeita.
— ...Uh, está bem.
Eu disse, olhando para ela novamente.
— D-devemos ir?
Focando unicamente em manter a calma, mal consegui liderar o caminho pela rua.
— Uau, tem muita gente aqui.
— Sim, é uma multidão!
Chegamos às margens do rio Arakawa e estávamos procurando um lugar para sentar. O espetáculo estava programado para começar em cerca de dez minutos, e a maioria dos lugares gratuitos já estava ocupada, então estávamos procurando por qualquer pequeno espaço.
Toda a margem estava lotada de pessoas, com mal uma fenda entre as folhas de plástico estendidas para sentar.
Kikuchi-san parecia achar a cena deliciosamente nova. Faz sentido. Acho que para alguém que desceu tão recentemente dos céus, os costumes mundanos dos seres humanos devem parecer refrescantes.
— Acho que vejo um lugar ali!
— Oh, você está certa!
Depois de dar a volta por toda a área, encontramos um local justo o suficiente para nós dois entre dois grupos grandes. Estendi a folha de plástico que Hinami me instruiu a trazer, e nos sentamos.
— Oh... Tomozaki-kun, muito obrigada....
Ela disse, abaixando os cílios.
— Um, um, não é nada...
Kikuchi-san se sentou elegantemente na folha.
Segundo Hinami, — Há lugares bons e ruins, mas basicamente onde você se sentar, será bonito.
E se Hinami diz, provavelmente é verdade.
— Faz tempo desde que fui ver fogos de artifício.
Disse Kikuchi-san.
— Sério? Eu também... acho que não vou desde que costumava ir com minha família.
— Sim! ...Eu também não.
A conversa terminou.
Neste dia, eu estava fazendo algo diferente do nosso encontro no cinema. Durante todo esse tempo, eu não trouxe um único tópico memorizado. Mais do que isso, eu não memorizei nenhum para hoje. Naturalmente, havia mais silêncios do que quando fomos ao cinema. Mas essa era minha estratégia para testar a verdade dessas palavras.
— Oh, está começando!
Uma pequena explosão iluminou a multidão, anunciando o início do show. Poucos segundos depois, houve um estrondo alto.
— Oh, está começando...
Outra pequena explosão aconteceu. O rosto erguido de Kikuchi-san estava tingido de amarelo.
De acordo com algumas informações que eu tinha procurado online antes de virmos, os fogos de artifício de Todabashi acontecem no mesmo dia e horário que os de Itabashi, e você pode ver o outro show à distância de ambos os locais. Ambos os shows são bastante grandes por si só, e se você somar o número de fogos de ambos, podem rivalizar com os maiores shows de fogos de artifício de Tóquio. Em outras palavras, embora estejam a uma boa distância, o show é realmente importante.
A multidão ao nosso redor murmurava agradavelmente. Não estava exatamente em silêncio, mas para uma reunião tão grande de pessoas, senti que estava impressionantemente tranquilo.
A maioria das pessoas estava olhando casualmente para o céu, mas outras estavam olhando para seus telefones, conversando com amigos ou espiando para baixo os yakisoba que compraram em uma das barracas. Cada um estava fazendo sua própria coisa. Grandes multidões são assim — de alguma forma animadas, consideradas e silenciosas ao mesmo tempo.
Os fogos de artifício coloridos floresceram no céu escuro.
As delicadas explosões de vermelho, azul, verde e rosa se sobrepunham, compartilhando o céu para criar uma única fantasia mágica. Eles se irradiavam para fora, desciam até a terra em uma trilha de imagens residuais brancas e desapareciam. A mágica cintilante parecia preencher todo o céu. Havia maravilhas pequenas e grandes, explosões poderosas e a beleza requintada feita por todas juntas.
Antes que eu percebesse, eu estava completamente envolvido. Kikuchi-san parecia estar também.
— Uau...
— ...Sim.
— É tão bonito, não é...?
As cores da noite de verão iluminavam o rosto de Kikuchi-san enquanto ela olhava fascinada para os fogos de artifício.
— Sim, é bonito.
Sentado ali na margem do rio escura, aquecida pelo calor residual do sol da tarde e pelas multidões de pessoas, seu rosto iluminado pelo brilho mágico, Kikuchi-san parecia incrivelmente bonita, sagrada e serena para mim. O tempo fluía por nós em um riacho silencioso e cintilante.
Eu me sentei em silêncio, não procurando algo para dizer, mas simplesmente absorvendo as sensações ao meu redor e aproveitando o momento. Se as palavras surgissem naturalmente, eu as dizia. Essa era minha diretriz para a noite.
— Um...
Eu estava pensando em algo. Kikuchi-san olhou para cima para mim.
— ...Sim?
O pensamento veio até mim enquanto eu ouvia a conversa de Hinami e Mizusawa. Eu queria saber. Aquelas palavras.
Até a noite do churrasco, Mizusawa havia olhado para o mundo de uma perspectiva de jogador, vivendo a vida de uma maneira que garantia que ele estivesse a salvo da dor.
Mas naquela noite, ele saiu da zona de segurança e desceu para o mundo dos personagens, sendo fiel ao que ele queria e avançando com base em seus sentimentos reais, apesar do risco de se machucar.
Fez-me questionar: e quanto a mim? A sequência de ações que planejava tomar com o Kikuchi-san, sob instruções da Hinami, não era uma escolha minha como personagem que vive neste mundo. Não, essas eram ações calculadas escolhidas por um jogador que se mantinha um passo afastado do mundo, um jogador tentando avançar em direção a um objetivo artificial chamado — missão.
Não eram? E é por isso que eu tinha uma suspeita.
— No outro dia, você disse que às vezes é difícil falar comigo, mas e hoje...?
Talvez hoje ela sentisse algo diferente.
— Sim. Um, h-hoje...?
E se fosse o caso, eu poderia ter cometido um pequeno erro o tempo todo.
— Sim, apenas hoje.
Era isso que eu queria saber.
— Bem, agora que você mencionou...
Um sorriso se espalhou lentamente pelo rosto do Kikuchi-san.
— Hoje, você esteve fácil de conversar o tempo todo. O
s fogos de artifício finalmente atingiram o clímax. O céu explodiu com luz.
A explosão se espalhou lentamente para fora, acariciando suavemente a escuridão e deixando para trás rastros brilhantes.
Novamente e novamente, até que a série de estrondos e flashes gradualmente cobrisse todo o céu noturno com luz flutuante. O céu ficou cada vez mais brilhante a cada explosão sobreposta, até que tudo ao nosso redor foi iluminado intensamente.
As luzes alaranjadas piscantes que dançavam ao redor da borda do branco decoravam o céu noturno como cordões de luzes de Natal. Eu não conseguia tirar os olhos da cena mágica.
Dizem que as pessoas se tornam mais proativas no verão, e é provavelmente inevitável quando coisas assim estão acontecendo. Depois de ver essa exibição brilhante, você certamente começará a se sentir um pouco romântico. Quer dizer, eu nunca estive apaixonado antes. Eu sempre desviava os olhos da realidade — e mesmo assim, eu não conseguia deixar de me contagiar.
As trilhas de luz se espalhavam lentamente do céu para a água como uma árvore chorona antes de se dissiparem. Enquanto eu observava aquele último toque de magia, pensei na missão que a Hinami me deu.
[No final dos fogos de artifício, diga a Kikuchi-san como se sente em relação a ela.]
Outra vez, ela me disse que eu havia aprendido a agir. Ainda tinha dificuldade em agir por iniciativa própria, mas conseguia realizar as missões que ela me dava.
Ela estava certa. Eu havia iniciado conversas com garotas, perguntado o LINE ID da Mimimi e convidado o Kikuchi-san para um filme e os fogos de artifício.
Antes de conhecer a Hinami, eu nem conseguia fazer isso, e agora conseguia. Eu havia crescido. Talvez fosse porque a luz mágica estava me ajudando ou talvez porque o clima era tão romântico, mas eu me sentia capaz de dizer o que precisava para completar minha missão atual, que provavelmente era a mais difícil que eu já havia recebido. Eu tinha certeza disso.
Os últimos vestígios do encanto se derreteram na água, e o céu voltou a ficar negro, deixando apenas a fumaça branca iluminada pelos arranha-céus distantes. Cheio de confiança, me preparei para falar na solidão e no silêncio após o brilho.
— Kikuchi-san, — e essa confiança foi a razão pela qual escolhi minhas próximas palavras, — vamos.
Kikuchi-san e eu caminhamos lado a lado pela rua lotada em direção à estação. A larga rua estava repleta de barracas dos dois lados. Aqui e ali, lanternas de papel brilhavam em vermelho.
Um homem de meia-idade sorria para os clientes enquanto retirava pequenos bolos redondos e grelhados de seus moldes. Um menino mordia uma enorme panqueca okonomiyaki, o molho manchando os cantos de sua boca.
Um jovem casal caminhava em silêncio, suas mãos firmemente unidas. Uma jovem de terno, talvez a caminho de casa do trabalho, marchava contra a corrente na multidão com uma expressão carrancuda.
Eu caminhava simplesmente absorvendo cada uma dessas cenas, observando a expressão e os movimentos do Kikuchi-san, experimentando as emoções que surgiam em resposta, processando as palavras e imagens passando pela minha mente — e percebi algo.
Naquele momento, eu estava claramente e intencionalmente desobedecendo a missão da Hinami. Afinal, eu não me sentira incapaz de contar a Kikuchi-san meus sentimentos. Eu simplesmente decidi não fazer isso.
Depois de nos despedirmos, peguei o trem para a estação de Kitayono, a mais próxima da minha casa. Quando desci do trem, enviei uma mensagem pelo LINE para a Hinami.
[Terminei várias coisas. Posso te ligar?]
Pela resposta dela, a Hinami deve ter sentido algo incomum na minha mensagem breve.
[Se algo importante aconteceu, devemos nos encontrar pessoalmente? Posso chegar rápido a Kitayono.]
Parecia que ela também tinha ido ver os fogos de artifício e estava na Linha Saikyo entre as estações Toda Koen e Omiya.
Se ela descesse no caminho para Omiya, poderíamos nos encontrar imediatamente. Eu disse que estava bom, e como eu ainda estava dentro da catraca, peguei um dos assentos na plataforma para esperar por ela.
Vários trens pararam na plataforma e partiram. Quando o terceiro ou quarto chegou, sentei na minha cadeira observando os passageiros saírem pelas portas, até que finalmente vi uma figura se separar da multidão em direção às escadas e caminhar na minha direção.
Era a Hinami.
— ...Ei.
— Então, o que aconteceu?
Ela parecia mais séria do que o normal, mas ir direto ao ponto era o jeito típico dela. Eu me levantei, cocei a cabeça e olhei para a máquina de venda.
— Espere um segundo; estou com sede. Você quer alguma coisa?
— ...Não especialmente.
— ...Okay.
Caminhei até a máquina de venda e comprei uma lata de cacau gelado. Depois, me sentei novamente ao lado da Hinami e abri a tampa.
— Então? Como ela respondeu? — ela perguntou em um tom de teste.
— Bem... — eu disse, olhando diretamente para frente. — Eu não contei a ela.
Hinami soltou um suspiro exasperado.
— Eu sei que essa missão foi uma das mais difíceis.
— Mas não porque eu não podia.
Eu a interrompi.
— ...O quê?
Ela virou silenciosamente para mim e encarou meu rosto. Tomei um gole do cacau e então a encarei nos olhos.
— Eu apenas decidi não contar.
Mantenho meu olhar, e ela mantém o dela.
Ela ficou quieta, como se por trás de seus olhos negros estivesse rastreando minhas palavras de volta às intenções que as motivavam e à lógica que as explicava, pesando tudo. Talvez estivesse esperando que eu desse uma desculpa, ou talvez não soubesse o que dizer em resposta.
De qualquer forma, ela esperou muito, muito tempo, os olhos fixos nos meus, mas quando eu não disse nada, ela finalmente me fez uma pergunta.
— Por quê?
Ela disse essa única palavra em um tom monótono e sem emoção, expressão menos viva do que a de um manequim. Para mim, soou tão afiada quanto uma faca cortando a corda que nos ligava, a Hinami e a mim. Escolhi minhas palavras cuidadosamente, mas honestamente.
— ...Fui no encontro hoje sem memorizar nenhum tópico. E não trouxe nada do que memorizei antes. Apenas disse o que me veio à mente.
— ...Entendi. E?
Ela perguntou gelidamente.
— Bem, naturalmente, nossa conversa não foi muito suave, e houve longos silêncios, e... não correu muito bem.
— ...Obviamente.
Seu rosto era uma máscara total.
— Mas... perguntei à Kikuchi-san sobre isso no final. Lembra, eu disse que ela tinha dito depois do filme que às vezes eu era difícil de conversar? Hoje, perguntei a ela se ela achava que eu estava difícil de conversar desta vez. O que você acha que ela disse?
Hinami não respondeu. Ela apenas continuou olhando nos meus olhos e ouvindo.
— Ela disse, 'Hoje, você esteve fácil de conversar o tempo todo.’
Esperei que ela dissesse alguma coisa, mas quando percebi que ela não ia falar, continuei.
— Quando ela me disse pela primeira vez que eu era difícil de conversar, pensei que ela queria dizer que minhas habilidades não estavam desenvolvidas o suficiente, mas não era isso.
Hinami ergueu as sobrancelhas surpresa. Continuei.
— Na verdade, eu era difícil de conversar por causa dessas habilidades.
Eu estive pensando nessas palavras nos últimos dias:
— Às vezes você é de repente muito fácil de conversar... e às vezes... você é de repente muito difícil de conversar.
Eu assumi que o primeiro caso era quando eu introduzia suavemente um ponto de conversa do meu repertório e o segundo caso era quando eu tropeçava e falava honestamente. Quero dizer, acho que essa era a conclusão normal que qualquer um chegaria. Por isso, pensei que precisava trabalhar especialmente duro para memorizar mais tópicos, melhorar a qualidade de cada um e roubar técnicas para manter uma conversa. Mas eu estava completamente errado.
A verdade era que eu era difícil de conversar quando era suave e fácil de conversar quando era mais desajeitado e honesto.
Voltei à conversa entre Mizusawa e Hinami.
— ...O que eu acho que aconteceu foi... ela enxergou através da máscara que eu criei.
Eu estava tentando dizer algo muito importante para a Hinami. Então, por que seus olhos estavam tão frios?
— É mesmo?
Ela perguntou. Seu tom era plano e pouco impressionado. Parecia uma rejeição da minha sinceridade.
— ...Hinami?
— Há uma contramedida para isso, não há? Quando você está com a Kikuchi-san, expressar seus verdadeiros sentimentos é uma estratégia de ataque mais eficaz do que a memorização
— Escuta.
Eu a interrompi.
— Você poderia parar com isso?
Eu estava fazendo tudo o que podia para dizer a ela o que eu realmente pensava, o que realmente sentia.
— ...Parar com o quê exatamente?
Ela estava olhando profundamente nos meus olhos como se estivesse me testando ou tentando ver dentro da minha mente. Eu não desviei o olhar enquanto respondia.
— Você realmente acha que é uma boa ideia começar com contra-medidas e estratégias de ataque como você fez agora? Você não acha que precisamos começar com perguntas como, O que eu realmente quero? ou Eu realmente gosto da Kikuchi-san?
Ela me deixou uma pequena abertura, e eu fui por ela.
Ela permaneceu quieta e sem expressão por alguns momentos, depois eventualmente disse com desdém: — Mizusawa te descobriu ou algo assim?
Seu tom cortante me chocou. Eu tinha derramado cuidadosamente a verdade dos meus sentimentos nessas palavras e as entregado com determinação — e tinha falhado em alcançá-la.
— ...Ele descobriu, mas...
É verdade, Mizusawa foi o catalisador para esses pensamentos. Mas não era isso que eu estava tentando dizer.
— ...Entendi.
ela murmurou com a mesma expressão fria. Isso foi tudo.
— Parece que você quer dizer alguma coisa.
Ela desviou seu olhar frio de mim.
— Não particularmente. Isso é um hábito clássico dos fracos. Eles são facilmente iludidos pela ideia de perseguir o que realmente querem, quando a ideia de 'o que você realmente quer' nem mesmo existe. Tudo o que faz é atrapalhar o progresso. Não me surpreende ouvir isso de você.
Não havia emoção na entrega de seu argumento ordenado.
— ...O que isso deveria significar?
Ela deu um suspiro cansado.
— Quando uma pessoa fala sobre o que realmente quer, simplesmente se refere ao que acontece ser melhor para ela naquele momento específico, é uma ilusão. Portanto, é inútil deixar esses equívocos temporários te limitarem e distraírem seu foco de ações verdadeiramente produtivas.
Ela me deu outro olhar de teste. Pensei sobre isso por um momento, e tive que admitir que a explicação dela fazia sentido. Tudo o que ela dizia sempre estava correta de alguma forma e assustadoramente desprovida de emoção. Mas será que ela realmente, verdadeiramente estava certa?
Será que o que uma pessoa realmente queria sempre era um equívoco temporário? Será que realmente era improdutivo e sem sentido priorizar o que você quer na vida em relação à eficiência?
Não importa o quanto eu pensasse sobre isso, não consegui encontrar um contra-argumento lógico e racional para o ponto de Hinami. Mas com base na minha intuição, meu senso do problema e meus instintos como nanashi, o jogador, eu sentia que o que eu realmente queria era a coisa mais importante.
— Eu não acho que seja inútil.
— ...Do que você está falando?
Eu sabia que insistir que eu estava certo não conseguiria alcançar a Hinami. Claro que não — meu ponto não era lógico.
Se estivéssemos falando sobre fazer algo sem sentido — bem, este era um exemplo.
— ...Ainda quero colocar o que eu quero em primeiro lugar.
No entanto, insisti como um idiota.
Sim, o que as pessoas dizem que realmente querem pode mudar muito facilmente. Você pode pensar que realmente quer algo em um determinado momento e agir de acordo, e depois, com o tempo, o significado pode mudar facilmente, fazendo com que você se contradiga. Isso não é nada incomum. Você poderia até dizer que é a norma.
Nesse caso, o ponto de Hinami sobre o que eu realmente queria ser um equívoco temporário era realmente mais lógico do que minha própria posição. A coisa — certa — a fazer era evitar deixar esses pensamentos me confundirem e, em vez disso, focar de forma única em tomar as ações que levam ao crescimento pessoal produtivo e eficiente.
Era um argumento irritantemente sólido.
O que significava que nada do que eu dissesse teria algum efeito sobre ela. Mesmo assim, decidi seguir os instintos de nanashi. Afinal, eu sempre mudava as regras do jogo usando meus instintos.
— Acho que... preciso priorizar o que eu quero.
— Entendi. E o que você quer?
Com os olhos frios, Hinami deu a resposta racional para avançar na conversa. Isso me deixou incrivelmente triste. Ela não estava perguntando porque queria ver a verdade em meu coração. Estava simplesmente procurando uma maneira de avançar na conversa.
— Você não quer contar à Kikuchi-san que gosta dela porque não tem certeza sobre seus sentimentos, certo? Bem, então, você prefere encontrar outra pessoa que atenda aos seus padrões e definir o objetivo como uma confissão para essa pessoa? Quem seria?
Como de costume, ela estava me lançando perguntas lógicas. Era como se ela ainda estivesse procurando uma maneira de eu evitar minhas falhas emocionais e irracionais e ainda alcançar o objetivo. Sua proposição era perfeitamente racional, mas não era o que eu queria ouvir.
— Isso... não é o problema.
Eu sentia a imensa lacuna entre nossos valores, mas a encarei novamente.
— Então, qual é o problema?
— É...
Eu entendia o quão tremendamente importante era minha resposta. Também senti que Hinami e eu talvez nunca pudéssemos nos entender nesse ponto. Mas minha única opção era dizer a ela.
— Acho estranho pensar nisso em termos de missões e objetivos... Fazer amigos ou dizer a alguém que gosta delas... ou qualquer tipo de conexão humana, na verdade.
Um anúncio de trem ecoou fracamente na plataforma quase deserta. Hinami não se abalou. Apenas desviou seus olhos impassíveis de mim e disse:
— Entendi.
— O que isso significa?
Perguntei a ela.
Mas ela apenas continuou olhando silenciosamente à frente. Um silêncio pairou sobre nós por um momento. Finalmente, um anúncio para um trem com destino a Omiya tocou nos alto-falantes, e Hinami respondeu silenciosamente.
— Trabalhar em direção a objetivos era a abordagem que ambos sempre tivemos. Mas se você vai abandonar seus objetivos na vida, então está abandonando sua melhoria pessoal.
Senti como se ela estivesse traçando uma linha na areia.
— Não é isso. É...
Tentei argumentar de volta, mas não conseguia pensar em nada para dizer.
— ...É o quê?
A maneira como ela me encarava enquanto falava era de alguma forma diferente dela. Parecia que ela estava silenciosamente me instigando a encontrar as palavras certas para respondê-la. Mas eu não conseguia encontrá-las, e um longo silêncio se estendeu.
— ...Você também é diferente, não é?
— Huh?
Por um breve segundo, ela mordeu o lábio como se estivesse tentando controlar a tristeza que surgia em seus olhos. Mas no instante seguinte, a emoção desapareceu como se nunca tivesse existido, como se ela tivesse resolvido seguir outro caminho. Ela tirou o alfinete de fogos de artifício de sua bolsa e o colocou no meu joelho.
— Estou devolvendo isso, então quero que me devolva a bolsa que te dei. Você pode devolvê-la da próxima vez que me ver, já que provavelmente tem coisas dentro. Você não precisa mais dela, né?
Eu não precisava.
Eu entendia o que aquelas palavras significavam, e era por isso que não sabia como responder. Mas se eu não dissesse nada agora, tudo chegaria ao fim.
— ...Mas eu
— Uma vez que você larga o controle, acabou. Isso é óbvio, não é?
Hinami me interrompeu e se levantou. Ela estava se recusando a me olhar. Tudo o que ela dizia era sempre correto, então o que ela estava dizendo agora provavelmente também era. Eu sabia disso, mas ainda sentia que precisava discordar, foi por isso que eu disse meus pensamentos.
Eu acreditava que, se realmente me envolvesse com ela, poderíamos superar essa diferença crítica, essa lacuna entre nós — que tínhamos que superar.
Mas eu não tinha as palavras, a resposta certa, para contradizer Hinami com uma lógica diferente, mas igualmente sólida.
E assim, simplesmente fiquei lá em silêncio, olhando para baixo, assistindo impotente enquanto a lacuna se tornava intransponível. Algo me ocorreu naquele momento. Isso estava acontecendo porque eu era um personagem de baixo nível. Se ao menos eu pudesse comunicar meus pensamentos melhor, as coisas não teriam chegado a esse ponto. Se ao menos eu pudesse dar razão às minhas ideias, eu teria conseguido convencê-la.
Pela primeira vez, senti verdadeiramente nojo de mim mesmo por minhas estatísticas. Se eu não fosse tão inútil, não teria tido esse tipo de desacordo e teria perdido tão facilmente os relacionamentos que pensei ter estabelecido. Por que eu estava no nível mais baixo? Por que eu era tão fraco?
Era incrivelmente lastimável e frustrante ser um personagem tão desprezível neste jogo. Mas eu sabia que era totalmente minha culpa, porque por todos esses anos eu não tinha realmente me envolvido na vida. Eu nem conseguia olhar para Hinami enquanto ela se afastava de mim e entrava no trem. Tudo o que eu podia fazer era ficar ali em silêncio, olhando para baixo e cerrando os punhos.
— Bem, nos vemos na escola.
Ainda era início de agosto. As férias de verão mal tinham começado. O adeus de Hinami se enrolou em mim com um peso e complexidade muito maiores do que as palavras justificavam.