Volume 11

Capítulo 2: Quando transportado para um novo continente, o grupo pode acabar em locais espalhados

DUAS SEMANAS DEPOIS.

As férias de primavera haviam acabado. Eu estava vestindo meu blazer em frente ao espelho de corpo inteiro no meu quarto. Toquei de leve as pontas do meu cabelo, que eu acabara de arrumar — um hábito ao qual já tinha me acostumado — enquanto pensava naquela noite em Osaka.

Passei a maior parte das férias de primavera à toa, mas isso não significava que eu tivesse conseguido organizar meus sentimentos.

Saí do quarto, desci as escadas e me agachei na entrada. Enfiei os pés nos mocassins, já perfeitamente moldados ao formato dos meus pés, e suspirei sem motivo.

— Tô saindo… — murmurei as palavras, sem me dirigir a ninguém em particular, e saí para o dia que começava. 

Desci sozinho o caminho plano que levava ao Colégio Sekitomo, após descer na estação Higashi-Iwatsuki da Linha Tobu Urban Park. Ao longo do último ano, muita coisa havia mudado em mim. Se alguém me comparasse caminhando por esse mesmo trajeto no primeiro dia de aula do ano passado com quem eu era agora, provavelmente teria dificuldade em me reconhecer como a mesma pessoa.

Minha postura havia melhorado, eu arrumava meu cabelo e minha expressão era confiante. Mas isso era apenas a superfície das mudanças pelas quais passei. O que realmente mudou foi meu interior — ou melhor, a forma como eu me relacionava com as pessoas.

Desde aquela época em que eu colocava os alunos populares e impopulares na mesma categoria, comecei a encarar cada pessoa individualmente.

Fui confrontado com inúmeras emoções desconhecidas, e retribuí essas emoções às pessoas. Ou, às vezes, queria retribuir, mas não conseguia. Ainda assim, enfrentei honestamente cada palavra, cada atitude, e, com isso, construí laços insubstituíveis. Os vínculos que nasceram mudaram minha forma de pensar. Essa nova forma de pensar mudou minhas atitudes. E essas atitudes mudadas, por sua vez, mudaram as circunstâncias ao meu redor, uma após a outra.

Meu mundo passou por uma transformação como se tivesse trocado de cor por completo. E, em meio a tudo isso, Hinami sempre esteve no centro desse turbilhão.

Depois de conversar com Hinami sob o céu noturno de Osaka, voltei para o quarto onde o grupo estava e me reuni com Izumi e os outros. Todos estavam confusos com os acontecimentos repentinos, mas Hinami não estava lá. Logo depois, chegou uma mensagem no grupo da viagem no LINE:

Desculpem. Não estou me sentindo bem, então vou dormir cedo. Vou ver se consigo um quarto separado para não atrapalhar ninguém.

E assim, Hinami deixou Izumi e a Kikuchi-san, que estavam no mesmo quarto que ela, e dormiu sozinha. No dia seguinte, ela usava uma máscara — que, de algum modo, já tinha preparado com antecedência — e quase não falou com ninguém desde a manhã até embarcarmos no Shinkansen. Embora fossem atitudes adequadas para alguém que não está se sentindo bem, aquilo me fez lembrar da primeira tarefa que Hinami havia me dado.

Fingir estar resfriado, usar uma máscara e conversar com três garotas... não, mais precisamente, o que me veio à mente foi o seguro que vinha com a tarefa.

Se você fingir que está com um resfriado, ninguém vai desconfiar se você não conseguir conversar direito. Era a desculpa perfeita para rejeitar conversas que não queria ter.

— Formandos, não é? — As palavras que murmurei foram levadas pela brisa da primavera. Ao olhar ao redor, vi vários estudantes do Colégio Sekitomo usando o mesmo uniforme. Eles também deviam estar sentindo mudanças diariamente, não só em termos de série escolar.

Amigos mudam, hobbies mudam, formas de pensar mudam, objetivos mudam. Eventualmente, vamos esquecendo quem éramos no passado, pouco a pouco. Mas com que justificativa eles se contentam com quem são agora? Que motivos eles usam para acreditar em sua própria existência? Não — eu sei a resposta. A maioria das pessoas simplesmente deriva pelo mundo, sem direção. Nem sequer se perguntam se estão realmente no caminho certo.

A luz do sol filtrada pelas folhas iluminava muitos rostos sonolentos. Provavelmente o meu também. Tenho certeza de que a maioria das pessoas, inclusive eu, nunca parou para pensar seriamente no porquê de estarmos indo para a escola, fazendo amizades, ou no porquê de um dia termos que arrumar um emprego. Como devemos viver? Como devemos morrer? Fazemos porque todo mundo faz. Porque é o senso comum. Porque vamos chamar atenção se não fizermos. Nem pensamos a respeito — só nos satisfazemos com o fato de ser divertido.

É mais fácil simplesmente se conformar com o mundo e se deixar levar pela maré. Nos sentimos satisfeitos sem nos preocupar, porque conseguimos viver uma vida estável. Somos constantemente monitorados por valores que nos foram enfiados sem que percebêssemos. Nossos corpos se movem como se estivéssemos ligados a um controle remoto. Eventualmente, esse rebanho de pessoas cria um grande fluxo. É assim que o mundo funciona. Mas…

Apenas aquela pessoa — Aoi Hinami — buscava um motivo para tudo.

Ela cravava um senso de necessidade no caminho que trilhava, deixando sua marca como prova de sua existência. Preenchia-se com a determinação de transformar cada resultado obtido em confirmação de que estava certa. Acreditava em si mesma, usando essa convicção como combustível.

E ainda assim, naquele dia — Aoi Hinami disse que não sabia como deveria existir.

— Eu… — Pensei naquele momento repetidas vezes, lamentando por não ter conseguido dizer nada. Abrir-se comigo sobre sua solidão não foi apenas revelar seus sentimentos verdadeiros — foi um pedido de ajuda.

Mas agora eu estava sentindo o mesmo desespero que senti no dia da nossa despedida nas férias de verão. Ainda não conseguia segurar a mão de Aoi Hinami. Se os corações não estão conectados, é o mesmo que estar sozinho. Isso foi algo importante que aprendi no meu relacionamento com a Kikuchi-san. Mas então, até que ponto os corações precisam estar conectados? Até que ponto podemos nos permitir invadir a vida um do outro?

Se empilharmos palavras sobre palavras, corações sobre corações, ou mesmo nossos corpos e lábios um sobre o outro, isso significa que estamos juntos? Pelo menos, eu sentia que ainda estava sozinho — e que ela também estava.

Ao chegar na escola, meu olhar foi atraído por uma grande folha de papel afixada no pátio. Havia uma pequena multidão por perto, com rostos familiares e outros que eu não conhecia, todos reunidos em torno de um único assunto. A folha exibia a lista das turmas do terceiro ano.

— Fumiya-kun.

Ouvi meu primeiro nome ser chamado atrás de mim, com uma voz suave como pétalas caindo. Só havia uma pessoa que me chamava pelo primeiro nome. Virei-me e vi Kikuchi-san, sorrindo docemente. Seu sorriso gentil, como uma carícia leve no rosto, era direcionado a mim. Pensei que precisava receber aquele sorriso de forma apropriada.

— Kikuchi-san, bom dia.

— Bom dia.

Retribui o cumprimento com calor, e, naturalmente, olhamos na mesma direção. Quando percebemos que estávamos olhando para a mesma coisa, trocamos olhares novamente, um pouco envergonhados.

— Estou ansiosa para estarmos juntos no terceiro ano.

— É… também estou ansioso.

Na lista da turma de Humanas, nossos nomes estavam lado a lado. O Colégio Sekitomo dividia os alunos em diferentes cursos com base em suas habilidades acadêmicas, e cada curso possuía duas ou três turmas. O curso que escolhemos foi dividido em três: turma de Humanas, turma de Exatas e turma Avançada.

Já havíamos conversado antes sobre nossa escolha pelo curso regular de Humanas, então não foi uma surpresa. Mas ver isso de fato acontecer, saber que estaríamos na mesma sala, trouxe um sentimento de alívio, mesmo sendo algo previamente combinado.

Ainda assim, o fato de termos escolhido Humanas desde o início foi o que levou a esse resultado. Se tivéssemos decidido por caminhos diferentes, eu não estaria na mesma sala que Kikuchi — pelo menos, não por escolha.

Isso não era certo ou errado; provavelmente era apenas o meu destino.

— Certo… hã! — Enquanto pensava nisso, Kikuchi-san falou de repente, como se tivesse reunido coragem. — Você tem um tempo depois da aula hoje?

 — Tenho… por quê?

— Na verdade… tem algo que eu quero te contar.

— Me contar? — Eu não fazia ideia do que se tratava, mas assenti. Kikuchi-san sorriu com naturalidade e suavidade.

— Hm… pra resumir…

— E aí, Fumiya. Bom dia, Fuka-chan.

— Oh?!

Interrompendo nossa conversa quase confidencial, surgiu Mizusawa — o cara extrovertido que sempre me cumprimentava com formalidade e falava com Kikuchi-san usando o primeiro nome sem cerimônia. Fiquei incrivelmente surpreso, pois estava imerso em pensamentos quando ele apareceu do nada. Kikuchi-san, como se já estivesse começando a se acostumar com o jeito casual de Mizusawa, não pareceu nem um pouco incomodada.

— Bom dia — ela respondeu. Eu gostaria que ela não se acostumasse com ele.

Não, a culpa é do Mizusawa por fazer com que ela se acostume com ele.

— Você também vai para Humanas, Mizusawa?

— Aham. O Shuji e o Takei foram pra Exatas.

Ele disse aquilo como se fosse algo sem importância. Todos nós que fomos na viagem a Osaka estávamos na mesma turma, mas isso não ia durar para sempre. Agora, cada um de nós estava começando a trilhar um caminho diferente, rumo ao seu próprio futuro.

Takei, será que você é realmente bom em matemática?

— Bom, cada um com seu caminho a partir de agora.

— É — eu disse, e Mizusawa assentiu. Mesmo falando sobre isso, eu tinha decidido me tornar um proplayer. Não era como se houvesse uma divisão tão rígida entre Humanas e Exatas, mas eu me inclinava mais para o lado das Exatas.

O ambiente estava mudando aos poucos. E com certeza mudaria muitas coisas sem que percebêssemos — até o ponto em que não poderíamos mais voltar a como era antes. Mesmo os integrantes da viagem a Osaka agora estariam em turmas diferentes no terceiro ano, levando uma rotina nova. Provavelmente fariam novos vínculos, novas memórias.

— E a Mimimi vai estar na mesma turma de Humanas que a gente — continuou Mizusawa.

— E a Tama e a Yuzu foram pra Exatas, né.

Então, seria eu, Kikuchi-san, Mizusawa e Mimimi na turma de Humanas. Na de Exatas, Nakamura, Izumi, Tama-chan e Takei. E então — a única cujo nome ainda não tinha sido mencionado.

— A Hinami-san ficou na turma avançada, né? — disse Kikuchi-san, em um tom calmo.

— É.

Respondi em um tom apagado, apenas reconhecendo o fato. A turma avançada era a única que fugia da regra normal de alocação de turmas, que geralmente era feita com base nas escolhas dos alunos. Era um programa rigoroso para cerca de vinte alunos com melhor desempenho acadêmico, e nem todos que queriam entrar conseguiam uma vaga. Podia-se dizer que a maioria dos grandes feitos acadêmicos da escola vinha dessa turma.

O futuro do Colégio Sekitomo estava nas mãos desses vinte e poucos estudantes de elite. Tudo era diferente — desde o cronograma até o prédio —, tornando-se quase um santuário… embora isso talvez fosse exagero. O fato de usarem um prédio separado fazia com que tivessem até um portão diferente e, consequentemente, um caminho diferente para chegar. Isso fazia a turma avançada parecer "especial", o que tornava fácil que os outros alunos sentissem antipatia por ela — era uma turma com uma posição diferenciada.

— Desde então, a gente não conseguiu mais contato com ela, né? — perguntou Kikuchi-san, de forma direta, e Mizusawa assentiu com seriedade.

— Não, nem eu. Shuji e Takei disseram o mesmo.

— Eu também. Nenhuma vez.

Era verdade.

Durante as duas semanas de férias de primavera — não tivemos nenhum contato com Hinami. Ela, que sempre fazia tudo com perfeição, claramente não estava bem. Provavelmente todos, menos eu, entendiam o quão importante isso era.

Contudo, eles provavelmente não entendiam por que tinha chegado a esse ponto, nem o que Hinami estava sentindo, ou o que a levou a tomar essa decisão. Nós mal compreendíamos os detalhes.

— A carta em vídeo foi tão ruim assim?

— Não sei. Em termos de conteúdo… não tinha nada de estranho — respondeu Kikuchi-san, inclinando a cabeça diante da pergunta de Mizusawa. Eu também pensei nisso, mas mesmo assim, não sabia a verdade.

— Talvez ela tenha odiado que mencionaram a família dela — murmurei, e tanto Mizusawa quanto Kikuchi-san me olharam em silêncio. — Sabe… tem gente que conta tudo pra família, e tem gente que não fala nada.

— Talvez tenha um motivo por trás disso — concordou Kikuchi-san. Ela provavelmente estava pensando a mesma coisa que eu. Sobre a existência da outra irmã da Hinami, que descobrimos durante a pesquisa da peça. Eu sabia mais sobre a verdade, mas mesmo sem saber, só o fato de que uma irmã que antes estava presente agora não estava mais, já seria suficiente para que a maioria entendesse o essencial.

— Motivo, né… — Busquei a verdade tateando no escuro enquanto dizia isso, e seguimos juntos em direção à sala de aula.

*


— Ah, tá todo mundo aqui! — Antes da aula começar, nós três estávamos reunidos no fundo da sala conversando sobre a Hinami. Foi então que a Mimimi apareceu.

— Yo!

— Bom dia.

— B-Bom dia! — Mimimi respondeu aos nossos cumprimentos e se juntou a nós com seu passo leve e enérgico de sempre.

— Sobre o que vocês estavam falando?

— Ah… — Hesitei, desconfortável, diante da pergunta inocente da Mimimi. Ela entendeu na hora, e sem perder tempo, abriu a boca.

— Estavam falando da Aoi, né?

A atmosfera ficou um pouco pesada, mas o tom leve da Mimimi evitou que o clima desandasse. Mizusawa assentiu com a cabeça.

— O Fumiya e a Fuka-chan também disseram que não tiveram notícias dela.

— Nem o cérebro dela tá funcionando direito, né? — comentou Mimimi com uma risada, continuando. — Também não tive contato com ela.

Era algo que já esperávamos, mas ouvir a confirmação da Mimimi fez meu coração afundar um pouco mais.

— Mas... eu não esperava que fosse tão repentino.

— Sério? — Mimimi inclinou a cabeça, confusa, franzindo as sobrancelhas com a reação do Mizusawa.

— Ué, é que ela sempre tirava as notas mais altas e fazia tudo perfeitamente. Mesmo que algo desse errado, no geral ainda era um saldo positivo, né?

Então Mimimi encarou Mizusawa e murmurou baixinho.

— Na verdade, acho que é justamente o contrário.

— O contrário?

— Acho que é porque ela sempre esteve no topo.

Nós três olhamos para Mimimi.


— O estado mental de alguém não se define por soma e subtração. É como uma gangorra, sabe?

— Gangorra? — repetiu Kikuchi-san, inclinando a cabeça, tentando entender.

— É. Quando as pessoas ficam deprimidas, geralmente estão sozinhas, né?

— Ah, acho que entendi.

Kikuchi-san disse isso como se estivesse se lembrando de algo. Sua voz tinha uma convicção suave. Fiquei pensando se ela falava por experiência própria. Talvez estivesse se referindo à época em que a preocupei tanto. Se for isso... sinto muito, de verdade. Mas é verdade, não dá pra imaginar alguém deprimido no meio de uma multidão.

— É como se a sua gangorra emocional ficasse completamente desequilibrada, sabe? Você tá animado quando tá com todo mundo, mas quando tá sozinho, a queda é enorme, e sua gangorra mental...

Então Mimimi colocou as duas mãos nos meus ombros.

Boom!!

— O quêêê!? — Com um grito alto, ela jogou todo o peso em cima de mim. Pegou-me totalmente de surpresa, e quase caí pra trás.

— Viu? Tá balançando para cima e pra baixo bem forte.

— Ei, não me use para demonstrar isso!

Mesmo reclamando, dei uma olhadinha de canto para Kikuchi-san. Como será que isso pareceu pra ela? Mas, felizmente, ela viu tudo e soltou uma risadinha.

— Ah! Foi mal! Mas, sabe...! — Mimimi percebeu que eu a olhava e rapidamente tirou as mãos dos meus ombros. Ainda bem. Teria sido meio problemático se a Kikuchi-san tivesse feito uma cara feia. A vida é cheia desses mini-eventos delicados.

— É como se, quando você sai da tristeza para algo feliz, a gangorra te joga pra cima, boom! Aí você continua indo pra cima, boom, e depois para baixo, boom, e acaba sendo balançado por qualquer coisinha, de um lado pro outro.

— É, entendi. As emoções viram uma montanha-russa.

— Oh! Boa analogia!

— Falou quem mais causou esse tipo de montanha-russa pros outros… — Mizusawa não respondeu, apenas deu aquele sorriso maroto. Que tipo de sorriso é esse, afinal?

— Mas, quando isso acontece direto, você começa a ficar ansioso pelo próximo boom antes mesmo dele acontecer, né?

— É... é isso mesmo...! É isso!!

— Você entendeu!?

Kikuchi-san assentiu com força, e eu me senti um pouco culpado pelas minhas suposições. Desculpa, desculpa mesmo.

— Não é que eu ache que não tenho confiança nas minhas habilidades. Na real, eu até me acho bonitinha, meu corpo é ok, sou boa nos estudos e nos esportes, me dou bem com as pessoas... pera, o quê? — Mimimi foi contando nos dedos de forma dramática e então arregalou os olhos, como se tivesse tido uma revelação. — Será que... eu sou invencível?

— Ei! — Interrompi rápido, e Mimimi soltou uma risada leve antes de virar pra frente.

— Mas, sabe… — De repente, Mimimi suspirou, como se fosse algo automático. — Talvez eu só esteja sendo levada pela onda dos outros. — Ela estendeu a mão em direção à luz fluorescente, como se tentasse ver através do próprio sangue fluindo. — Eu não tenho confiança em mim como pessoa.

Apesar de pessimistas, as palavras dela tinham uma sinceridade refrescante. Não sei se era porque ela aceitava suas fraquezas ou se já tinha desistido. Mas eu entendi perfeitamente o que ela quis dizer. Acho que sou relativamente estável emocionalmente, e tento viver segundo meus próprios padrões.

Mas mesmo assim, no verão passado, depois de me afastar da Hinami e por tudo que rolou com a Kikuchi-san, acabei afundando de vez. As palavras que recebi naquela época me salvaram, e a luz que me alcançou no fundo do poço brilhou com uma intensidade inesquecível.

É natural que, quando algo se repete, a gente acabe tomando aquilo como padrão para nossas ações.

— Eu como pessoa… — Kikuchi-san repetiu lentamente as palavras da Mimimi. A história da Mimimi combinava com a imagem da Hinami que eu tinha na cabeça. Ela tinha tudo, mas no fundo, nada era verdadeiramente dela. Tudo era baseado nos padrões do mundo, moldado para ser "correto".

Era uma armadura vazia, um monte de conquistas, só pra ser elogiada pelos outros. Essa armadura de fachada nunca poderia ser a verdadeira Hinami.

— Você tá falando de autoestima... né? — Kikuchi-san reformulou, pensativa, como se mastigasse o significado das palavras, e Mizusawa assentiu. Era um termo comum na internet, então eu entendi bem.

— Pois é, é um baita problema na vida.

— É, é enorme! Um problemão mesmo! — Depois de dizer isso com um pouco de energia, Mimimi ficou pensativa. — A Aoi provavelmente queria acreditar que os resultados pelos quais era elogiada representavam seu próprio valor. Provavelmente forçava um sorriso todos os dias, fingindo que estava tudo bem — Mimimi sorriu, como se concordasse. — Ela queria um motivo para acreditar em si mesma.

Fiquei inesperadamente abalado. Um motivo para acreditar em si mesma... Essas palavras combinavam perfeitamente com a conclusão a que eu mesmo tinha chegado — e com as palavras que a Hinami havia me dito.

Eventualmente, Mimimi estreitou os olhos, observando a sala de aula — aquele espaço dominado pela atmosfera do ambiente.

— Mas tem uma coisa que eu não entendo.

— O quê você não entende? — perguntou Mizusawa. Mimimi assentiu lentamente.

— Se eu estivesse no lugar da Aoi, acho que já teria sido "salva" há muito tempo.

— Salva...? — Kikuchi-san olhou fixamente para os lábios de Mimimi.

— Porque, sabe, ela é incrível. É a melhor em tudo, sempre tira as melhores notas, têm ótimos resultados e é elogiada por todos. Se eu fosse ela, ia achar que era o centro do mundo! Ia ser super arrogante.

— Bem, se nem isso a satisfaz, ela só ficaria satisfeita se dominasse o mundo inteiro duas vezes — brincou Mizusawa.

Era verdade que Hinami já tinha conquistado o suficiente. Se tudo o que ela queria era provar que estava certa, já tinha alcançado esse objetivo com sobra. Mas mesmo assim, Aoi Hinami foi além de si mesma como indivíduo — chegando ao ponto de me transformar em um personagem, usando-me como uma ferramenta para provar sua "correção".

Aquilo era... extremo demais.

— A Aoi... ainda está faltando alguma coisa — disse Mimimi, semicerrando os olhos, como se olhasse para longe.

Mesmo com todos os resultados extraordinários que ela havia acumulado. Mesmo com todos os sorrisos brilhantes e sentimentos genuínos que recebia das pessoas ao seu redor. Mesmo com a prova de "correção" que reconstruiu do zero, usando a mim como meio. Nem mesmo aquela quantidade gigantesca de aprovação parecia suficiente para preencher seu vazio.

— É difícil, né? — comentou Mimimi, com o rosto franzido. — Quando a pessoa não se satisfaz nem depois de conseguir tudo. Como é que se salva alguém assim?

Não consegui evitar pensar nisso.

— Esse deve ser o fardo da Aoi Hinami.

— Fumiya.

De repente, Mizusawa chamou meu nome com firmeza.

— O quê?

— Do que você conversou com a Aoi naquela vez?

O tom era casual, mas o conteúdo atingia direto o cerne da questão. Kikuchi-san se mexeu levemente ao ouvir a pergunta.

Não havia necessidade de perguntar "que vez".

— Bom… — Sob o céu noturno de Osaka… Os pensamentos mais profundos que a Hinami compartilhou comigo eram coisas que ela só contou porque era comigo. Provavelmente achava que mais ninguém ouviria aquilo. Mas...

— Ela estava se esforçando demais para acreditar.

Falei de forma direta e concisa, indo direto ao ponto.

— Ela se sentia pressionada por todos, e estava se esforçando demais pra acreditar que continuar vencendo era o certo... mas isso estava errado.

Achei que talvez pudesse contar isso pra esses três.

— Ela percebeu... que estava acreditando em uma narrativa falsa.

— Narrativa falsa...? — repetiu Kikuchi-san, como se mastigasse as palavras, e Mimimi inclinou a cabeça.

— O que é isso? O que você quer dizer?

— Também não sei exatamente.

— Acho que entendi — disse Mizusawa de repente.

— Sério? — Perguntei.

— Provavelmente porque sou do mesmo tipo de pessoa, sabe? — O tom de Mizusawa era sério, mas falava como se fosse algo óbvio. — Tipo, eu digo que quero ser cabeleireiro, mas na real... eu nunca quis de verdade, ou pelo menos nunca levei a sério, sabe?

— Sério!? — Mimimi ficou chocada de forma exagerada, mas eu já sabia disso, então apenas assenti em silêncio.

— Então você não queria mesmo...? — Perguntou Kikuchi-san, um pouco incisiva. Mizusawa respondeu com um sorriso maroto.

— Não é que eu não tinha interesse, mas... também não tinha motivo pra correr atrás de um sonho tão positivo assim, entende? Pra ser sincero, nem sei o que quero ser.

Ele não sabe o que quer ser. Isso me lembrou do que Hinami disse no dia em que nos despedimos, depois do festival de fogos no verão.

"Acho que vou estudar o suficiente, entrar em Waseda ou Keio, sei lá. Sou habilidosa, então provavelmente vou me sair bem na faculdade."

As palavras dela tinham um realismo meio entediado.

— Depois, vou arrumar um emprego decente, me casar com uma mulher bonita, me divertir moderadamente, viver um pouco mais que a média e morrer satisfeito. Acho que é isso que chamam de felicidade: viver uma vida correta assim.

— Haha. Takahiro, você realmente parece que vai acabar desse jeito.

— Talvez as pessoas digam que você viveu bem, ou que têm inveja de você. Mas… — Então Mizusawa disse algo que me soou muito familiar. — Mas é a mesma coisa que não escolher nada... né, Fumiya?

(N/SLAG: Real demais. É difícil decidir o que você quer ser depois que conhece o verdadeiro futuro que te aguarda….)

— É… — Foi uma pergunta inesperada, mas consegui assentir de imediato. Porque era a mesma acusação que Mizusawa já havia feito a mim. É a mesma coisa que não escolher nada — se tudo o que você faz é ver a areia escorrer entre os dedos.

Será que, no fundo, ele estava dizendo isso pra si mesmo?

— Então... isso não é real. Não tem nenhuma paixão, nenhum fogo verdadeiro. Eu não consigo acreditar nesse tipo de vida. E tenho ignorado o fato de que eu mesmo não acredito nela.

— Sério?

— Nossa, tô parecendo muito sério agora, haha.

— Takahiro... — Mimimi olhou para Mizusawa, que tentava esconder o embaraço.

— Então... acho que a Aoi pode ser igual.

Senti que entendi as palavras intensas dele.

— Ela tá escolhendo as coisas, mas no fundo não escolheu nada. Ela achava que acreditava, mas só tava indo com a correnteza.

Mizusawa sorriu de lado, como se estivesse confirmando o que dizia.

— Uma narrativa falsa. Não sei ao certo... mas acho que era disso que ela tava falando.

*


— Ela realmente não vai vir, né... — Naquele dia, depois da aula, Mimimi estava concordando com a história de Izumi, lá na cafeteria. Nós tínhamos nos reunido novamente com os membros que tinham ido pra turma de ciências, e estávamos trocando informações.

Nós, da turma de humanas — eu, Mizusawa, Kikuchi-san e Mimimi — estávamos sentados no sofá grande, no fundo da cafeteria.  Do outro lado estavam os membros da turma de ciências: Nakamura, Izumi, Takei e Tama-chan.

Ou seja, estavam reunidos todos os integrantes da viagem para Osaka — menos a Hinami.

— E... parece que ela nem conseguiu passar os deveres do conselho estudantil até agora.

— Isso é... estranho para Aoi — Mizusawa também franziu a testa diante das más notícias de Izumi.

— Sabe aquele evento da escola, em que convidam profissionais de várias áreas para falar sobre carreira e tal?

— Ah! Sim! Tem mesmo! Não é a Reunião de Pesquisa de Carreiras? — disse Mimimi, animada.

— Essa mesmo! — Izumi confirmou com a cabeça.

No nosso querido Colégio Sekitomo, esse evento acontece todo ano. A ideia é que a gente ouça os conselhos de adultos experientes e aprofunde nossa compreensão sobre o que é "trabalhar". Quem será que realmente se beneficia disso? É o tipo de coisa típica de escola preparatória, eu acho.

— No ano passado, se não me engano... — disse Mimimi. 

— Veio uma cantora de enka da região — completou Tama-chan. A atmosfera deu uma leve caída. Provavelmente porque todos lembraram da estranheza daquele evento no ginásio. Foi uma reunião bem puxada, com sermão sobre "profissionalismo" e, no fim, uma música com tema local.

O BPM era baixo demais pro nosso gosto adolescente, e o vibrato era... exagerado. Izumi franziu o rosto ao lembrar e continuou.

— E, sabe... disseram que o conselho estudantil é quem organiza esse evento. Mas, do nada, a Aoi não vai poder comparecer, e agora estão com um problemão.

— Isso é péssimo, não!?

A situação começava a ficar clara.

— A Aoi era a responsável principal por tudo, então não conseguem seguir adiante até alguém assumir o lugar dela...

Não era só que ela tinha faltado à escola — ela nem sequer tinha repassado suas funções. O conselho estudantil certamente tentou entrar em contato com a Hinami. O fato de que ela também não respondeu indica que ela estava ignorando as obrigações, tanto com eles quanto conosco. Se isso fosse verdade... então era uma atitude impensável para Hinami, como a conhecíamos.

— Então, talvez a gente possa fazer alguma coisa — propôs Izumi, com sinceridade, sem hesitar.

— Tô fora — respondeu Nakamura, que estava de cara amarrada desde o início da conversa.

— Fora...? Shuji? — Perguntou Izumi, em tom suplicante.

— A gente não precisa ir tão longe assim.

— Não precisa...? Por quê?

Nakamura respondeu com uma voz cansada, mas claramente hostil.

— Ela brigou com a gente e agora tá ignorando todo mundo. Não tem por que a gente ir atrás dela.

— ...Isso... — Izumi ficou sem palavras. Afinal, fomos deixados no escuro. Não sabíamos de tudo, e quando tentamos nos aproximar, fomos repelidos. É verdade que fomos nós que demos o primeiro passo — mas a reação dela foi exagerada. Dava pra entender o Nakamura, que foi o mais diretamente atingido pelas palavras afiadas. Izumi abaixou a cabeça e apertou a barra da saia com força.

— Calma, calma. Vamos pensar, Shuji — interveio Mizusawa, no seu estilo relaxado de sempre. — É raro a Aoi agir assim... É a primeira vez, né? Vai ver tá acontecendo alguma coisa com ela.

— Isso mesmo, Nakamura! Nossa amizade não vai acabar por causa disso!

— É inquebrável, né!? — Mimimi e Takei se juntaram, encarando Nakamura.

— Bom... é, acho que nada conseguiria acabar com a nossa amizade.

— Nakamura!

— Mas... — Nakamura fechou os olhos brevemente e soltou o ar com um suspiro irritado.

— Tem gente querendo destruir essa amizade por causa de um vídeo que gravaram sem permissão.

— Mas Shuji, no fim das contas, a culpa é toda minha…

Minha culpa? — Nakamura repetiu a frase com o rosto fechado, num tom ameaçador. — Por isso mesmo que eu disse que tô fora.

Então ele lançou um olhar duro para Izumi.

— Não posso ajudar vocês... porque você me faz pensar desse jeito.

Depois disso, pegou sua bandeja vazia e se levantou da cadeira.

— Quê!? Ei, espera aí, pô!? — Takei se apressou em ir atrás dele, enquanto Izumi apenas observava suas costas se afastando, o olhar perdido.

— Desculpa, gente — disse ela, como se tivesse tomado uma decisão. — Tenho que ir atrás do Shuji... A gente se vê depois!

E então saiu correndo atrás de Nakamura. O restante de nós ficou ali, com a sensação de termos sido deixados para trás. Até mesmo Mizusawa, que sempre mantinha a calma, coçou a bochecha com uma expressão desconcertada.

— Bom... não tá indo muito bem.

— Pois é...

A gente tinha se espalhado — não só entre turmas de humanas e exatas, mas também emocionalmente. Nos entreolhamos, os que sobraram ali. Mas ninguém conseguiu forçar um sorriso.

— Enfim, por hoje vamos encerrar por aqui — disse Mizusawa, e assim, a reunião chegou ao fim.

*

 

Uma hora depois. Eu estava sentado de frente para a Kikuchi-san em uma cafeteria em Omiya.

— Então... o que era mesmo que você queria me contar?

Desde que ela tinha mencionado isso naquela manhã, eu fiquei curioso sobre o que seria. Enquanto tomava meu chá de limão, senti uma mistura de nervosismo e expectativa.

Kikuchi-san parecia um pouco hesitante, mas enfiou a mão no bolso com um gesto cauteloso.

— Bom... na verdade, é isso aqui.

Ela estendeu o celular em minha direção. Na tela, havia um e-mail.

— Hã?

Soltei um pequeno som de surpresa ao ler a mensagem. O remetente era de uma editora chamada Kobunsha.

"Pedimos desculpas pelo contato repentino. Meu nome é Habamoto, da editora Kobunsha"...

Lia em voz alta, sentindo o olhar curioso da Kikuchi-san sobre mim. O e-mail explicava que eles haviam lido o Pureblood Hybrid and Ice Cream, obra que ela tinha começado a publicar recentemente num site de romances. A mensagem continuava num tom educado.

"...Diante disso, gostaríamos de publicar sua obra em nossa editora e conversar melhor a respeito."

— ...O quê!? — exclamei alto. — O domínio do e-mail é... é verdadeiro, sim.

Como alguém que conhece um pouco da internet, fiz o básico: conferi se o e-mail era de um domínio legítimo. Depois acessei o site da editora no navegador. Não era uma editora grande, mas publicava alguns livros por mês — parecia confiável. Checagem de fatos: ok.

— Uau, eles publicam livros todo mês!

— S-Sério...?

Apesar de eu ainda estar um pouco tenso por causa da situação da Hinami, aquele fato me empolgou completamente.

— Sim! — não consegui conter a empolgação. Senti como se a vitória fosse minha também. — Isso é incrível! Você pode virar profissional!

— U-Um... é que... — Kikuchi-san parecia envergonhada, e as palavras saíam trêmulas.

— Que "é que" nada! Porque, olha só...! — tentei incentivá-la com entusiasmo. — Isso tem a ver com o seu sonho virando realidade!

Ela sempre colocou "aspirante a romancista" na bio do perfil e escrevia com esse objetivo. E agora, o sonho pelo qual a Kikuchi-san vinha se esforçando... estava prestes a se realizar. Com os olhos bem abertos, ela finalmente relaxou as bochechas, sorrindo como se tivesse se dado conta de algo.

— É-É mesmo... né?

Como se, enfim, tivesse conseguido se afirmar.

— Isso é ótimo! É incrível, uma escritora ainda no ensino médio!

— N-Não, ainda não tem nada decidido...

Enquanto conversávamos, aquilo ia se tornando cada vez mais real. Não era comigo, então falar de "realidade" não fazia tanto sentido. Mas, mesmo assim... por que, será, que havia um certo traço de melancolia no rosto da Kikuchi-san?

— O que aconteceu? — Perguntei, e Kikuchi-san acenou com a cabeça, como se fosse óbvio.

— Eu fiquei feliz quando vi esse e-mail. Mas... — Kikuchi-san parecia estar lembrando de algo. — Se eles vão publicar, preciso melhorar ainda mais a qualidade do trabalho.

— É... — Respondi.

— Para isso, preciso pensar mais nos personagens.

Ela disse, com um tom que demonstrava certa preocupação.

— ...Isso... — Nesse momento, comecei a entender o que Kikuchi-san queria dizer. O romance Pureblood Hybrid and Ice Cream. Kikuchi-san já havia explicado o motivo pelo qual o escreveu; ela não conseguia escrever sobre nenhum dos personagens, exceto Chris, na peça que estava criando. Era uma forma indireta de dizer, mas o significado era claro.

A verdadeira natureza de Alucia.

Ela havia criado outra história com o mesmo personagem, Alucia, como protagonista, para retratar o outro personagem que não conseguiu abordar em On the Wings of the Unknown.

Esse foi o Pureblood Hybrid and Ice Cream. Se não fosse por essa história, talvez eu não tivesse entendido o motivo pelo qual Hinami me ajudou com a minha estratégia de vida.

Uma garota sem sangue, que não tem sangue, dá a um menino de sangue puro o conhecimento absorvido dos puros e o ajuda a navegar pela academia. Através do sucesso dele, ela prova a correção de seus próprios pensamentos. A representação psicológica de Alucia, preenchendo seu vazio através da prova, levou-me a compreender a palavra transformação de personagem, que Hinami estava obcecada, e assim cheguei à verdade sobre as estratégias de vida. Nesse sentido, Pureblood Hybrid and Ice Cream foi como um espelho mágico, refletindo os personagens deste mundo real, mais do que eu sabia.

— Se eu realmente estou recebendo a ajuda de várias pessoas para publicá-la, não posso escrever algo de qualquer jeito. Não posso deixar isso pela metade.

— Certo.

Respondi, sentindo o peso da responsabilidade da situação.

— Mas... a situação em que a Hinami-san está agora... eu não sei os detalhes, mas parece realmente instável.

Kikuchi-san disse com um tom de preocupação.

— Eu... também acho.

Concordei. Kikuchi-san não escondeu sua hesitação enquanto continuava a falar.

— Eu não posso... continuar cometendo os mesmos erros.

A peça do festival escolar. As falas que Kikuchi havia feito Alucia — não, Aoi Hinami — falar. Incontáveis falas.

— Eu pesquisei o passado da Hinami e... usei as partes que achei que mostravam o caráter forte dela e fiz a Hinami dizer essas falas... — Ela explicou, um pouco frustrada.

Era verdade que várias das falas de Alucia me atingiram quase como se fosse Aoi Hinami falando diretamente.

— Mas eu não consegui dar um final satisfatório, não consegui fazer com que parecesse que a luz tivesse penetrado.

Kikuchi falou como quem lamentava um erro do passado.

— Eu estava, sem dúvida, imatura naquela época, tanto como pessoa quanto como escritora.

Sua voz tremia com arrependimento. Era uma raridade ver Kikuchi-san demonstrando tanta insegurança.

— Eu machuquei as pessoas com a minha história. E ainda assim, não consegui encontrar uma forma de resolver a escuridão que eu havia pintado, com as ideias, os motivos... as palavras. Não consegui amarrar as pontas soltas que criei.

As palavras que ela juntava pareciam mais uma confissão sobre sua falta de habilidade do que um arrependimento moral. De certa forma, soavam como uma reflexão de uma criadora.

— Tem uma coisa que eu não consegui entender enquanto escrevia aquela história.

Kikuchi-san disse, com uma leve tensão na voz.

— Algo que você não entendeu? — Perguntei, curioso. Kikuchi-san assentiu.

— Motivação.

Ela respondeu, com um suspiro. Entendi imediatamente o que ela queria dizer. Era algo com que ela vinha lutando desde que escreveu On the Wings of the Unknown e Pureblood Hybrid and Ice Cream.

Não, era algo com que ela vinha obcecada por muito mais tempo.

— Você está falando da motivação da Hinami... — Kikuchi-san assentiu.

— Eu sempre pensei sobre a motivação dos personagens. Eu escrevi histórias com isso como único foco — ela disse, com um tom que refletia anos de reflexão acumulada. De fato, pelo que eu havia visto e lido, essa estética era predominante em tudo que Kikuchi escrevia. Desde que Hinami e Mimimi brigaram nas eleições do grêmio estudantil, ela se preocupava com as motivações de ambas e o esforço que colocavam nisso. Mesmo durante o festival esportivo, quando Erika Konno estava se motivando, Kikuchi explicou as motivações por trás das ações de Konno e outros personagens, detalhadamente, várias vezes.

Quando Tama-chan estava sendo intimidada pelos colegas e lutava para lidar com isso, Kikuchi usou a metáfora de uma classe para fazer Tama-chan, que não se importava com os outros, refletir sobre as motivações dos personagens da história. Kikuchi observava o mundo em que vivíamos como uma história, refletia cuidadosamente sobre as motivações dos personagens que nele habitavam, as colocava em palavras e refletia esses pensamentos nas suas próprias histórias.

Ela movia os personagens da sua cabeça pela trama e analisava a estrutura de tudo.

Era um ponto de vista que só poderia pertencer a uma escritora que olhava o mundo de cima. Foi por causa dessa análise meticulosa e da obsessão de transformá-la em palavras que a peça do festival escolar havia tocado tão profundamente o coração de todos, e que ela conseguiu passar de sua primeira história publicada online para um livro publicado com tanta rapidez.

Mas até alguém como Kikuchi-san tinha alguém que ainda não conseguia entender.

— Você tem pensado nisso, não tem? Especialmente na motivação da Hinami — Kikuchi-san disse, com um olhar sério. Na história que é o nosso mundo, ela era a única personagem cuja motivação permanecia obscura. Aoi Hinami, aquela que nunca se abria para ninguém, que mantinha suas portas trancadas, a caixa preta.

Para completar a história, para trazer uma conclusão satisfatória à história que estava ligada ao mundo que Kikuchi-san havia criado, ela precisaria enfrentar essa figura sombria.

— Eu ainda não entendo a Hinami. — Kikuchi-san disse, com um tom de frustração.

De certa forma, fazia sentido. Hinami sempre foi um mistério. Mesmo tendo compartilhado alguns momentos intensos com ela, nunca soubemos realmente o que se passava em seu interior. Para Kikuchi-san, cuja força como escritora vinha de compreender profundamente seus personagens, esse era o maior desafio.

— Eu entendo... — Respondi, compreendendo a dificuldade de Kikuchi-san.

Pureblood Hybrid and Ice Cream, um romance como um espelho mágico. Em uma situação em que ela não podia mais interagir com Hinami, essa qualidade mágica da história estava, de certa forma, trabalhando contra ela. Afinal, essa história era sobre Hinami.

— Você tem algum outro trabalho secreto em que está trabalhando? Sabe, talvez o editor também goste deles — Perguntei, mesmo percebendo o quão superficial a minha sugestão soava.

On the Wings of the Unknown e Pureblood Hybrid and Ice Cream eram histórias que Kikuchi-san, sempre refletindo o mundo ao seu redor em suas obras, havia colocado seu coração e alma.

Ela havia escavado e pesquisado sobre a Hinami, sobre mim, até sobre ela mesma — e as respostas que encontrou se tornaram o sangue que corria nas veias de seus personagens. Substituí-las por outra história não traria o mesmo brilho. Kikuchi pareceu tomar uma decisão e abriu a boca.

— Vou perguntar ao editor se ele pode esperar um pouco.

— O editor? — Perguntei. Kikuchi assentiu.

— Se não der certo... então eu vou escrever uma nova história — ela tentou forçar um sorriso, mas parecia frágil. 

— Mas... se você fizer isso, então essa oportunidade…

Não era comum que uma história, praticamente um romance de estreia para uma escritora de longa duração, chamasse a atenção de um editor profissional e fosse publicada tão facilmente.

Claro, o talento da Kikuchi era indiscutível, mas esse golpe de sorte só havia acontecido por causa de uma combinação de boa fortuna e timing perfeito. Pelo menos, eu sabia que a vida — esse jogo — não era doce o suficiente para que a mesma chance aparecesse tão facilmente de novo.

Kikuchi levou a xícara aos lábios, como se quisesse esconder o constrangimento. Já não havia mais chá nela.

— Nesse caso... minhas habilidades serão postas à prova!

As palavras positivas que ela reuniu vinham acompanhadas de um sorriso... que, de alguma forma, ainda parecia fraco.

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