Volume 11

Capítulo 3: Feitiço de ressurreição amaldiçoado se torna morte instantânea

Era o final da tarde, alguns dias depois.

Eu estava sozinho, parado em um beco de uma área residencial. O prédio que se erguia à minha frente, como se estivesse encarando meu olhar, era nada menos que o lugar onde Aoi Hinami morava. Em outras palavras, para ser direto: eu basicamente estava esperando Hinami de tocaia.

— Certo...

O sonho do Kikuchi, o comportamento estranho da Hinami... Eu tinha certeza de que precisava falar com ela para resolver esses dois mistérios. Mas, mesmo para mim, ficar esperando desse jeito — essa emboscada primitiva, nada legal e totalmente sem modos — parecia simplesmente errado. Afinal, se fosse com qualquer outra pessoa, eu provavelmente já teria sido preso. Ou mesmo com a Hinami, dependendo da reação dela, isso poderia facilmente ser considerado crime.

Ainda assim, escolhi fazer isso porque eu não via Hinami como "qualquer uma". Pelo menos, não completamente. Talvez você pense que eu deveria ter apenas tocado a campainha em vez de esperar desse jeito. Mas era provável que ela não atendesse. Além disso, isso seria uma tática tola — denunciaria minha presença. E o NO NAME, afinal de contas, prospera com ataques inesperados.

Tendo tomado minha decisão, fiquei parado naquela área residencial fracamente iluminada, fingindo escolher uma bebida na máquina de vendas próxima para disfarçar os olhares curiosos dos moradores, simplesmente esperando o momento certo para agir.

— Ugh.

Meu desejo de encarnar a imagem clichê de um detetive tomando café preto durante uma vigilância me levou a beber algo que eu não estava acostumado, mas meu resmungo se perdeu no ar, sem ser ouvido por ninguém.

O tempo escorria sem qualquer progresso. O último fio de luz do pôr do sol finalmente desapareceu no oeste, e a noite caiu. Eu já estava aqui há mais de uma hora? Meu corpo começava a esfriar, apesar da noite primaveril. A incerteza se Hinami estava dentro ou fora daquele prédio fazia o tempo parecer ainda mais longo do que realmente era.

Uma lata descartada, jogada com um estalo, acertou perfeitamente a sombra arredondada da lixeira e, com um som metálico agudo, caiu até o fundo. O sol havia sumido completamente. Estava escuro o bastante para que fosse difícil ver o rosto das pessoas que passavam. Eu me pegava examinando cada silhueta, e quando meus olhos se encontravam com os de um estranho, desviava o olhar em pânico, repetindo esse comportamento suspeito uma e outra vez — até que comecei a me preocupar seriamente de que estava agindo como um pervertido.

Pensando bem, eu realmente era um perseguidor não autorizado. E havia uma possibilidade real de que estivesse agindo como um pervertido. Eu sequer tinha pensado no que dizer quando encontrasse Hinami. Mas acreditava que, por sermos quem somos — nanashi e NO NAME —, haveria coisas que poderíamos conversar.

No entanto, comecei a me perguntar se seria preso naquela noite... ou se minhas pernas aguentariam o cansaço. Quando finalmente encostei o corpo numa parede próxima para descansar...

— !

O rosto familiar que eu estava procurando passou por mim. Mesmo na penumbra, a silhueta da garota de cabelos castanhos, caminhando sozinha pela rua escura, se sobrepunha à imagem de Hinami que eu tinha em mente.

— Espera, só um minuto...! — Corri instintivamente atrás dela e a chamei.

Ela me olhou com uma expressão assustada — um olhar que, embora em menor escala, tinha a mesma atmosfera da pessoa que eu estava procurando.

— H-Hinami...?

Em outras palavras, eu tinha visto alguém que parecia com a pessoa que eu procurava.

— Você é... a irmã da Aoi Hinami? Hm, oi. Eu sou o Tomozaki, amigo da Aoi.

— S-Sim! Minha irmã fala bastante sobre você...!

Enquanto falava, a irmã mais nova de Aoi Hinami fez uma reverência educada, e eu percebi—

— Ah, me desculpe por não ter me apresentado antes! Eu sou a Haruka, irmã da Aoi-oneechan! Estou no terceiro ano do ensino fundamental... e... minha comida favorita é queijo...

— Ahm... Haruka-chan, né?

Tentei guiá-la, já que ela estava nervosa e se apresentando de forma um pouco esquisita, então acrescentei o "-chan" ao nome dela com naturalidade.

Aliás, essa garota gosta das mesmas coisas que a irmã?

Mas, bom... por algum motivo, eu não tinha considerado essa possibilidade — mas é claro que, estando na frente da casa da Hinami, havia uma chance bem real de encontrar alguém da família. Na verdade, considerando o número de moradores, era até mais provável. Como gamer, fiquei envergonhado de não ter calculado uma probabilidade tão simples.

— S-Sim! Prazer em conhecê-lo...!

Enquanto observava Haruka fazer uma reverência profunda, nervosa mas cheia de energia, pensei.

Eu já tinha visto o rosto da Haruka-chan duas vezes. Uma vez, quando encontrei a família da Hinami por acaso, enquanto estava com Kikuchi num restaurante italiano em Kitayono.

E a segunda vez foi—

— Obrigado pela mensagem em vídeo.

Aquela mensagem em vídeo que provavelmente desencadeou a mudança no comportamento da Hinami... Haruka-chan estava nela.

— Não, não, obrigada você por comemorar o aniversário da minha irmã!

— Não, não, eu é que sou ajudado por ela o tempo todo...

— Não, não, de verdade...

— Não, não é nada...

Depois de trocarmos uma sequência de cumprimentos que pareciam missões obrigatórias entre "amigo da irmã mais velha" e "irmãzinha", um breve silêncio se instalou. Haruka-chan me olhou com certa cautela, um olhar bem desconfortável, e eu senti que era minha responsabilidade, como o mais velho, tomar a iniciativa.

— Ahm...

Mas, tirando uns poucos casos com colegas da escola ou com a Gumi do meu trabalho de meio período, ou no encontro offline do Atafami, eu quase nunca tinha feito amizade com alguém fora da escola. Então, eu realmente não sabia sobre o que conversar nessas horas. Fiquei sem palavras.

Vamos lá! Já superei a fase de parecer um antissocial só pela expressão!

Tentei me animar mentalmente, buscando algum assunto. Foi então que Haruka-chan me olhou com uma expressão levemente desconfiada.

— Ahm... Tomozaki-san...

— S-Sim?

— Por que você está esperando na frente da nossa casa? — respondeu ela, franzindo levemente a testa, com uma expressão que lembrava a da irmã, e falando num tom desconfiado.

— É… faz sentido.

Era natural que ela estivesse desconfiada. Afinal, se um colega de classe aleatório — especialmente do sexo oposto — estivesse rondando a casa delas, qualquer um ficaria alerta. Todo mundo sabia o quão popular Aoi Hinami era na escola.

— Hã?

De repente, percebi algo. Haruka-chan estava segurando discretamente uma alça cinza retangular presa à sua mochila escolar — parecia ser um alarme de segurança.

— Hm… então… — comecei.

— Sim?

Assim que comecei a tentar me justificar, Haruka-chan deu um passo para trás e apertou ainda mais a alça do alarme de segurança — um claro sinal de que, se ela puxasse com força, aquilo ativaria e eu estaria completamente ferrado. Isso não podia acontecer de jeito nenhum! Essa primeira linha definiria se eu seria visto como um amigo da Aoi… ou como um pervertido rondando a casa dela. Era um ponto de bifurcação crítico.

Enquanto eu hesitava sobre o que dizer em seguida, sentia o medidor imaginário de "suspeito ou não" se esvaziando rapidamente. Se eu continuasse fazendo declarações erradas como em um jogo de tribunal e perdesse todos os pontos da barra de defesa… seria declarado culpado — mas não num jogo, e sim na vida real.

Minha mente corria em busca de uma resposta. Mas, pensando bem, eu não tinha experiência suficiente para simular conversas com garotas do ensino fundamental com precisão.

No fim, resolvi ir com uma resposta simples.

— Sua irmã…

— Sim…?

— Ultimamente… ela tem agido de forma estranha?

Achei que não precisava inventar desculpas. Porque eu realmente não estava ali com más intenções. Haruka-chan, surpresa por um momento, afrouxou um pouco o aperto no alarme. Eu queria sair logo daquela situação em que minha imagem dependia da força com que ela segurava aquela cordinha.

— Sim… — ela assentiu com a cabeça, num tom mais contido.

De certo modo, fiquei aliviado com a resposta. Naquela vez em que as encontrei por acaso no restaurante italiano em Kitayono, Hinami estava mostrando à família não seu verdadeiro eu, mas sim sua persona de heroína perfeita. Essa lembrança tinha ficado gravada em mim. Se fosse esse o caso, talvez ela estivesse escondendo essa mudança até mesmo da própria família. E eu me preocupava com isso.

Se ela usava uma máscara até mesmo dentro de casa, diante da própria família… se continuava representando o papel da versão ideal de si mesma, então nem mesmo sua casa seria um lugar onde pudesse baixar a guarda.

Tentei soar o mais gentil possível, sem assustar Haruka-chan, que agora estava com o rosto abaixado, e tomando cuidado para não ativar o alarme, falei em voz baixa.

— Entendo… Eu tentei entrar em contato com ela, mas ela não respondeu. Fiquei meio preocupado… Então pensei em esperar por ela e dar uma boa bronca quando a encontrasse. Ha-ha…

Enquanto tentava manter um tom leve e até soltava uma risada forçada no estilo do Mizusawa, Haruka-chan riu comigo. Obrigado, Mizusawa. Mesmo que fosse uma mentira, se isso ajudasse a conversa a fluir e eventualmente levasse a uma troca sincera… então até a mentira fazia parte da honestidade.

Haruka-chan, agora um pouco menos tensa, esboçou um sorriso meio vulnerável.

— Eu também estou preocupada…

Ela assentiu e lançou um olhar breve em direção à casa.

— Ultimamente, minha irmã tem ficado trancada no quarto… jogando videogame o tempo todo…

— Jogando videogame o tempo todo…?

Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça, e mesmo achando meio impróprio, não consegui deixar de pensar em uma coisa.

— Será que… Atafami?

Senti que não devia perguntar isso naquela situação, mas meu instinto de gamer falou mais alto. Não consegui me segurar.

— Ah, é… me desculpa — comecei a me justificar, torcendo para que ela não pensasse "o que esse cara tá falando do nada?" e puxasse o alarme. Mas então, Haruka soltou uma risadinha e assentiu.

— É, isso mesmo.

— Eu sabia! — Fiquei tão aliviado que minha voz saiu até mais alta do que devia.

Haruka-chan deu um leve salto de susto. Eu precisava controlar meus gestos.

— Você até sabe que minha irmã gosta de Atafami? — perguntou ela, em um tom mais descontraído.

Eu me senti confiante. Sou o especialista em Atafami aqui.

— Claro. Sou o rival dela, sabia?

— Sério!? Quem é o mais forte!?

Haruka-chan parecia bem mais empolgada agora. Será que ela jogava Atafami com a Hinami em casa? O fato de conseguirmos nos conectar por causa de um jogo, mesmo como estranhos, só mostrava como Atafami era realmente incrível.

— Ah, com certeza eu sou o mais forte.

— Não pode ser!? Existe mesmo alguém assim!?

Ela ficou genuinamente chocada, como se eu tivesse acabado de dar a notícia do ano. Mas pensando bem, fazia sentido. A Hinami não pegava leve nem quando jogava Atafami, então mesmo jogando com a irmã mais nova, devia jogar a sério.

Nesse caso, era natural que Haruka pensasse "não tem como alguém ser mais forte que minha irmã." Afinal, ela era a segunda colocada do ranking nacional online. Eu era o primeiro, no entanto.

— A gente até vai junto nos encontros offline. E, bom, lá também… eu sou ridiculamente forte.

— A-Ah… é mesmo!?

Haruka-chan pareceu um pouco desconcertada com meu jeito de me gabar. Droga, minha tendência otaku de falar demais sobre meus interesses estava começando a aparecer. Olhei discretamente para a mão direita dela, mas não parecia que estava apertando mais forte o alarme — ou seja, minha suspeita não estava aumentando. Isso era bom.

Haruka-chan me olhou curiosa e disse, um pouco envergonhada.

— Desculpa… para ser sincera, eu achei você bem suspeito no começo… até ouvir sua história.

— Sério!? — ri, meio sem jeito.

— Mas agora parece mesmo que você é amigo dela! — disse, finalmente soltando o alarme.

— Que alívio.

E era mesmo. Principalmente porque eu não queria ser preso por agir de forma suspeita por um simples deslize. Atafami realmente conecta as pessoas.

— O que será que tem de errado com a minha irmã? — murmurou ela. — Ela não me conta nada.

Senti que ela estava, pouco a pouco, abaixando a guarda.

— Entendo… — murmurei, saboreando as palavras com cuidado. Hinami não estava escondendo seu comportamento estranho da família. Mas, mesmo quando perguntavam, ela não dava nenhuma explicação para a irmã. Isso devia ser doloroso para Haruka, que admirava tanto a irmã. E eu entendia esse sentimento, pois também me preocupava com Hinami.

Mas Haruka era da família dela. Nascida na mesma casa. E ainda era só uma estudante do fundamental. Será que a dor de ser afastada tão diretamente por alguém que se ama caberia dentro da capacidade emocional de uma garota daquela idade?

— Eu também estou preocupada, mas ela não me conta nada… na verdade, ela nem me dá a chance de falar com ela…

— Entendo…

O olhar de Haruka se voltou para a janela da casa. Se eu lembrava bem, aquele era o quarto da Hinami. Ela estava tão perturbada a ponto de faltar à escola… e ainda assim, não contava o motivo pra ninguém. Nem mesmo para irmã. A Hinami, assim como eu… ainda estava sozinha, no fim das contas.

O passado que eu ouvi sobre Hinami… A irmã falecida. E o fato de que a causa da morte ainda era desconhecida. Eu não podia perguntar diretamente sobre isso, mas me perguntei se conseguiria encontrar ao menos uma pequena peça desse quebra-cabeça. E, se fosse possível… o que eu deveria perguntar à Haruka-chan para chegar até lá?

— Ahm, Tomozaki-san!

Eu estava perdido em pensamentos quando uma voz cheia de determinação chegou aos meus ouvidos.

— Hm? — Ela me olhou com uma expressão séria.

— Como minha irmã é na escola? — A pergunta me fez perceber algo. — Eu só conheço minha irmã em casa... Quero saber como ela é na escola!

Era algo óbvio, mas em que eu não havia pensado.

— É… você tem razão...

Ela se importava com Hinami, por isso queria conhecê-la melhor. Queria ajudá-la de alguma forma. Eu tinha certeza de que não era o único a pensar assim.

*

 

Haruka-chan e eu estávamos em um parque próximo.

— E então, ela disse para o professor: "O ar-condicionado da sala dos professores é bom demais, sabia?", e começou a discutir com ele.

— O quê!? Minha irmã é bem rebelde, hein!?

— Rebelde... ou talvez só inteligente demais. Mas de qualquer forma, foi hilário, e ela acabou virando presidente do conselho estudantil.

Contei a ela sobre a vida escolar de Hinami, começando pela eleição para o grêmio estudantil, como uma introdução, e Haruka-chan ficou extremamente surpresa. Bem, foi uma história intensa mesmo.

— Isso é tão inesperado...!

Aparentemente, a Hinami de casa era parecida com a heroína perfeita que mostrava na escola em termos de habilidades sociais, mas não revelava aquele tipo de ousadia que demonstrou durante a eleição.

— E então, no final, ela disse: "Oni tada…"

— O quê? A fala do Buin, na frente de todo mundo!? — Haruka-chan exclamou, cobrindo a boca com as duas mãos.

— Foi tão surpreendente assim?

— Não... é só que... isso me deixa feliz! Minha imagem da minha irmã mudou completamente!

— É tão diferente da impressão que você tem dela em casa…?

Haruka-chan assentiu naturalmente.

— Parece que estou ouvindo a história de outra pessoa.

Ela enxugou uma lágrima com um sorriso. Era um sorriso puro e inocente. Muito parecido com aquele sorriso infantil que Hinami só mostrava quando falava sobre jogos. Mas vê-la se divertindo assim me deixava feliz também, como se minhas habilidades de contar histórias fossem incríveis. Hinami também ria bastante quando ouvia histórias no modo heroína perfeita, e a comunicação não era só sobre falar, mas também saber ouvir.

— Então, posso te perguntar uma coisa agora? Me fale sobre sua irmã, do seu ponto de vista.

Quando encontrei seu olhar, Haruka-chan riu meio nervosa, como se estivesse tentando afastar o constrangimento.

— Claro!

Mas depois, ela parou para pensar um pouco. Era natural. Era uma pergunta vaga demais: "Fale sobre sua irmã", para alguém com quem conviveu por mais de uma década.

— Hm… você tem algo mais específico que queira saber?

— Hmm...

Vários problemas que precisavam ser resolvidos imediatamente passaram pela minha mente. A mensagem em vídeo, a outra irmã, a relação com os pais… Havia tantas coisas que eu não sabia sobre ela. Então eu deveria perguntar sobre alguma dessas. Mas, por quê?

— Haruka-chan… — comecei com essa pergunta — o que você gosta na sua irmã?

Parecia uma pergunta meio fora de lugar naquele momento. Achei que havia outras coisas que eu poderia perguntar se quisesse resolver o problema de Hinami o mais rápido possível. Mas senti que as palavras que saíram foram honestas com meus sentimentos. O rosto de Haruka-chan se iluminou de repente.

— Bom! — Ela abriu um sorriso direto, e sua voz estava cheia de empolgação, como se dissesse: "Vai, me escuta!" Depois de ouvir sua resposta, pensei... talvez isso fosse o que eu realmente queria ouvir.

— Eu quero ser como a minha irmã!

Ela tinha um sorriso brilhante, como se lembrasse de uma memória calorosa, a felicidade transbordando em sua mente. Sua voz era cheia de cor, como se estivesse feliz por poder falar sobre sua admiração por Aoi Hinami, do fundo do coração, sem nenhuma hesitação. Era um brilho ofuscante.

— Como a sua irmã?

— Sim! — Haruka-chan assentiu com firmeza.

— Eu sou a mais burrinha das irmãs, minha única qualidade é que sou animada, sabe? — Ela riu timidamente. — Então pensei: "Vou usar minha alegria pra fazer todo mundo sorrir, esse é o meu papel!" Mas… — Seu rosto ficou um pouco mais sombrio. — É só que... muitas coisas aconteceram. Tive um período em que não sabia o que fazer, como agir...

Quando ela disse "muitas coisas", me veio à mente o incidente que Hinami me contou.

— Minha única força era ser alegre, mas ir à escola, conversar com as pessoas... até coisas triviais começaram a me dar medo...

A morte da outra irmã. Não dava pra ter certeza de que era disso que ela estava falando, mas pelo seu jeito de se expressar, parecia quase certo.

— Mesmo assim, quando falei com a mamãe, ela disse: "Haruka-chan, você está bem assim como é, não precisa mudar". Isso me fez me sentir um pouco melhor, mas...

— Sim?

— Mesmo me sentindo um pouco melhor, o vazio mais profundo continuava lá, nada mudava. Era sufocante, e a ansiedade só aumentava.

Acho que entendi. Sentir-se deixado para trás pelo mundo, é desconfortável em qualquer lugar que se esteja. Em momentos assim, eu tinha um lugar chamado Atafami… mas e se esse lugar não existisse? Suportar as dificuldades da vida sozinho é realmente difícil para qualquer ser humano. Eventualmente, a voz de Haruka-chan amoleceu.

— Então eu conversei com a Aoi-oneechan sobre isso. Fiquei pensando: "Será que estou bem do jeito que sou? Será que tá tudo certo eu não mudar?"

— Você perguntou para Hinami...?

— É… E ela disse...

Haruka-chan sorriu, com um ar mais maduro, lembrando-se de uma memória preciosa. Ainda era aquela expressão de gamer familiar que eu conhecia. A imagem de uma heroína perfeita com um sorriso acolhedor que abraçava sua irmãzinha me veio à mente.

"Até a Haruka-chan está perdida, hein..." — Haruka-chan olhou devagar para o céu enquanto falava. — Ela disse: "Então me observe."

Lá no céu, havia uma lua cheia, bonita, mas que nunca brilha por si só.

— Ela disse que seria um exemplo perfeito pra mim!

As palavras ressoaram profundamente dentro de mim, e senti um aperto no peito.

Eu não sabia dizer o quanto do que Hinami dizia era genuíno. Mas a perfeição que ela buscava em nome da sua irmã confusa, aquele brilho, deve ter sido um verdadeiro farol de esperança, um resgate dramático para uma menina perdida.

— Por isso quero ser como a minha irmã. Se eu tiver ela como modelo, posso ser legal como ela também!

— Entendo…

— E então, todo dia começou a parecer mais brilhante!

— Eu entendo. De verdade.

Senti isso profundamente. Seu modo de viver, seu jeito de lutar, o caminho que ela trilhou. Era tudo muito real, muito cru, e às vezes era difícil encarar. E mesmo que quisesse imitar, nem sempre conseguiria carregar aquele peso. Mas seu brilho intenso e a percepção vívida de que você podia mudar a si mesmo, que era possível, brilhavam como um farol para aqueles que estavam perdidos, sem saber como seguir em frente.

— Por isso... eu amo tanto a minha irmã...

As palavras "eu amo tanto a minha irmã" foram ditas sem nenhum fingimento. Não havia nem um traço de mentira. Ela dizia que era vazia, uma personagem fraca. Mas o brilho frio de Aoi Hinami, a garota perfeita, estava salvando uma menina perdida.

— Hm… — De repente, Haruka-chan murmurou, parecendo lutar para encontrar as palavras.

— Sim?

— Você também gosta da Oneechan, Tomozaki-san?

Fiquei chocado com a pergunta, mas sabia que não era hora de brincar, dizendo algo como "O quê? Você tá maluca!?". Eu sabia a resposta dentro de mim. Era algo certo, natural.

— Gosto, sim.

Como ser humano, é claro. Mas eu não precisava acrescentar isso como desculpa. Eu era grato, a respeitava, e queria conhecê-la melhor. Não conseguia imaginar dizer que não gostava de alguém tão importante para mim, nem mesmo se meus lábios estivessem partidos.

— Sério!?

O rosto de Haruka-chan se iluminou, e ela colocou as mãos em frente à boca enquanto continuava.

— Então, o que você gosta na minha irmã!?

— O quê...? Eu...

Fiquei sem palavras diante da pergunta detalhada. Eu nunca tinha realmente parado pra pensar no que eu gostava em Hinami.

— Bem...

Mas depois de um tempo, percebi que a resposta não estava tão longe assim. Então, fui formando as palavras devagar e abri a boca.

— Acho que é a mesma coisa que a Haruka-chan sente.

— A mesma coisa?

— É... a mesma coisa.

Porque era. Provavelmente era o mesmo sentimento de gratidão que Haruka-chan sentia por ter seus dias iluminados. Eu gostava daquele brilho falso dela — era isso que tornava meus dias mais coloridos e vivos. É claro que eu não podia dizer "falso" na frente de alguém que acreditava naquele brilho.

— É o jeito como ela brilha intensamente... o jeito como faz o mundo parecer mais colorido, eu acho.

*

 

Acompanhei Haruka-chan até sua casa, depois que saímos do parque. Provavelmente não ficamos lá nem por uma hora, mas eu não podia deixar uma aluna do fundamental sozinha até tão tarde.

O perfil de Haruka-chan me lembrava muito o de Hinami. A apreensão que ela tinha demonstrado antes havia desaparecido completamente. Me perguntei se era porque ela tinha baixado a guarda comigo, ou se era porque se lembrou das memórias com a irmã e sentiu calor no coração. Havia um sentimento de familiaridade entre nós.

— Hm... na verdade, isso ainda é segredo da minha irmã...

— É mesmo?

Haruka-chan falou timidamente.

— Eu venho tentando ser como ela. Venho me esforçando bastante… — Ela me olhou com um olhar forte e cheio de brilho. — Este ano... eu me tornei presidente do conselho estudantil da minha escola!

— Uau! — fiquei surpreso. Haruka-chan me olhou, curiosa.

— Isso é bom, né? Quer dizer, minha irmã não está indo à escola, então o grêmio estudantil...

— Ah...

Lembrei do que Izumi tinha nos contado e fiquei pensando se deveria esconder aquilo. Mas não consegui mentir.

— Tinha eventos que ela devia estar liderando, mas como a Hinami saiu, parece que não estão indo para frente.

— Hã...

— Ah, mas isso só mostra o quanto ela é incrível!

Tentei completar com algo positivo, embora não tivesse certeza se funcionaria. Ela nem conseguiu passar adiante as tarefas que tinha assumido, e os membros restantes ficaram numa posição complicada. Essa realidade provavelmente não era a imagem que Haruka tinha da irmã. Aquele brilho falso estava começando a se tornar verdadeiramente falso. Esse pensamento fez meu peito apertar.

— Sinto que hoje aprendi tantas coisas sobre a minha irmã que nem ela mesma sabe... — disse Haruka-chan com um sorriso triste, mas que aquecia algo precioso.

— Eu também.

Eu sabia coisas sobre Hinami que Haruka não sabia, e Haruka sabia coisas sobre Hinami que eu não sabia. Mas tenho certeza de que nenhum de nós conhece a verdadeira Aoi Hinami.

— Escuta, Haruka-chan.

Antes de me despedir, toquei num assunto.

— O quê?

— Posso vir te perguntar mais coisas, outro dia?

Ainda não tinha recebido resposta de nenhuma das muitas mensagens que enviei pra Hinami no LINE. Era bom saber que ela pelo menos tinha lido, mas ao mesmo tempo parecia uma forma indireta de rejeição. Eu não sabia aonde essa relação com Haruka-chan poderia levar. Talvez fosse só uma maneira de compartilhar a dor e se acostumar com ela. Mas eu queria ouvir mais, mesmo que fosse através das pessoas ao redor dela.

Haruka-chan pareceu surpresa por um instante, depois sorriu com alívio e assentiu.

— Sim! Eu também quero saber mais sobre a minha irmã!

Suspirei aliviado ao ouvir isso.

— Hm, então... acho que precisamos de uma forma de manter contato, né? LINE, ou algo assim...

Quando falei isso, o rosto de Haruka-chan mostrou uma relutância bem clara.

— D-Desculpa... Eu uso o LINE só para coisas pessoais...

— Hã?

Espera... mesmo que ela estivesse relutante, ela não deveria me passar o contato mesmo assim? Fiquei confuso, até que ela disse.

— Mas, pode ser pelo Instagram.

— Eh—Ah, tá, entendi. É assim então?

Eu não fazia ideia do que esse tipo de distinção significava, mas aparentemente, era assim que funcionava no mundo da Haruka. Era como se eu tivesse acabado de aprender todas as regras de etiqueta do LINE e, do nada, novas regras surgissem conforme as gerações mudavam. Era um jogo constante de correr atrás.

De qualquer forma, ainda bem que aprendi a usar o Instagram.

— Vou contar para minha irmã.

— Ah, mas...

Haruka-chan inclinou a cabeça, parecendo confusa.

— Por quê? O que foi?

Ela perguntou com inocência. Hmm... como eu poderia explicar isso?

— Hm, bem... se ela soubesse que eu realmente estou preocupado com ela... seria meio embaraçoso, sabe?

— Embaraçoso...?

— Digo, é meio estranho, sabe? Vim até a casa dela para ver como ela estava, e se ela soubesse disso...

Eu gaguejei. Haruka-chan refletiu por um momento.

— Aha!

De repente, ela pareceu entender. Seus olhos se arregalaram.

— Então é isso!

— Hã? Como assim? — Haruka-chan me lançou um olhar provocador, muito parecido com o da irmã.

— Você tá atrás da minha irmã, né!?

— Não tô, não! Olha, eu... quer dizer...

Minha mente começou a protestar: Eu tenho a Kikuchi-san, sabia...? Mas a expressão convencida de Haruka não vacilou.

— Então você até ficou esperando por ela... Já entendi!

— Não, não é isso!

— Tá tudo bem! Eu não sou do tipo que sai espalhando segredos! Então, até mais!

— Ei, fala sério! Eu...

Me vi completamente sem palavras diante dessa garota mais nova. Acho que vou deixar passar dessa vez.

*

 

Alguns dias depois, num sábado à noite, encontrei Kikuchi-san numa cafeteria em Omiya, depois que nós dois terminamos nossos trabalhos de meio período.

— O quê? Com uma editora!?

— Sim. Fui até Jimbocho para encontrá-la…

— Uau...

Só de mencionar o local específico já dava a sensação de que eu estava saindo para o mundo. Kikuchi-san estava avançando firme em direção ao seu sonho.

— E como foi?

— Ela leu tudo que postei online até agora, e disse que podia usar o primeiro capítulo como está. Então pediu que eu escrevesse o restante, pensando numa publicação…

— Pensando numa publicação!?

— Ela até disse que, se eu conseguisse manter o ritmo, poderíamos tentar lançar em setembro.

— Espera, espera, as coisas estão indo rápido demais!

Não consegui evitar de me inclinar à frente, ouvindo com atenção.

— Bom, claro que depende da qualidade da história, mas ela disse que precisamos definir um prazo pra seguir em frente…

— Entendi... Essa história pode mesmo ser publicada...

Kikuchi-san me olhou, com os olhos baixos, e um traço de hesitação no rosto.

— Então... eu... falei com a editora sobre isso.

— Hã? Sobre o quê?

— Sobre querer mudar completamente o design da personagem Alucia.

— O quê?

Um pires tilintou na mesa — um som mecânico e seco. Era claramente por consideração à Hinami. Eu entendi a preocupação dela.

— Mas... se você fizer isso...

Inevitavelmente, a história perderia o brilho. Desde o festival escolar até a entrevista, eu tinha sido confrontado com a personagem Alucia várias vezes. Ela deveria conter a visão de mundo da Kikuchi-san, a essência da sua criatividade.

— Se eu deixar como está... acho que não consigo escrever o resto da história. A Alucia que tenho em mente agora... ela é inseparável da Hinami-san. E eu ainda não conheço o verdadeiro eu dela.

Conhecer a editora, ter uma data de lançamento em vista — para alguém que sonha em ser romancista, isso era algo animador e cheio de esperança. Mas mesmo com todas essas notícias boas, o rosto de Kikuchi-san parecia coberto por uma sombra, como se algo ruim tivesse acontecido.

— Se eu escrever sem conhecer esse lado mais profundo, acho que vou acabar com uma história inacabada... como se o chão tivesse sumido sob meus pés.

Era o comprometimento verdadeiro de uma escritora com sua obra. Ela deve ter tomado uma decisão séria quando resolveu seguir esse caminho profissionalmente — quando surgiu a oportunidade de publicação. Ela seria fiel à sua história.

— Mas...

Será que ela ia mesmo abrir mão tão facilmente do que já tinha escrito até agora?

— Você ainda não quer escrever, Kikuchi-san? Escrever sobre a Alucia... sobre o mundo interior da Alucia como ela é?

Kikuchi-san apertou os lábios por um instante, depois falou.

— Sinceramente, quero sim. Mas pensei... talvez não precise ser agora.

— Não agora?

Kikuchi-san assentiu.

— Se esse livro for publicado com sucesso, talvez deixem eu lançar outro, né?

— Bom... é possível, sim.

— Mais importante, se eu quiser mesmo viver como romancista, se quiser ser como o Michael Andi... acho que preciso me tornar alguém que consiga continuar escrevendo por muito tempo.

Kikuchi-san falou sem hesitação, explicando seus motivos com mais fluidez do que o normal.

— Acho que é isso que eu preciso fazer.

As razões de Kikuchi-san, tão longas e articuladas, eram motivos que ela nem precisava explicar. Enquanto ouvia suas palavras, pensei: Talvez esteja tudo bem em não colocar tudo o que você quer escrever logo no seu primeiro livro. Só estávamos juntos há meio ano, mas eu entendia — ela vinha tentando encarar tudo de frente.

— Se houver uma próxima vez... se você já estiver acostumada a escrever romances, não seria melhor despejar todos esses sentimentos nessa próxima história?

Kikuchi-san não estava apenas dizendo aquelas palavras — ela já tinha pensado e repetido aquilo várias vezes na própria cabeça.

— Ainda tenho bastante tempo pela frente. Talvez seja melhor fazer o que consigo, dentro dos meus limites, por agora.

Ela deve ter repetido isso muitas vezes para si mesma — para convencer a parte dela que queria mesmo escrever.

— Então tá tudo bem. Isso é só o começo... ainda é cedo demais.

O sorriso que ela forçou — um sorriso perfeitamente construído — estava tão impecavelmente montado que eu, que tentava entender de verdade o coração da Kikuchi-san, percebi que era falso.

— Entendi. Se é o que você quer, Kikuchi-san.

Não tinha palavras para refutar as desculpas bem preparadas dela.

*

 

Depois de acompanhar Kikuchi-san até em casa, andei sozinho pelas ruas de Kita-Kasukabe, com o ar frio vindo do rio soprando ao redor. A primavera estava aos poucos se transformando em verão, mas a noite ainda guardava vestígios do inverno. Kikuchi-san estava seguindo em direção ao seu sonho. Mas havia o problema da Hinami — algo inseparável disso, e ao mesmo tempo contraditório.

Se envolver podia ser uma faísca criativa, mas se feito de forma descuidada, podia sair pela culatra, ainda mais com Hinami já abalada. Pensando bem, eu vinha procurando uma resposta desde que comecei essa estratégia de vida. Desde que comecei a lidar com o desejo de fazer o que quero e os valores que entravam em conflito com isso.

A resposta nunca era simples, como escolher um lado ou outro. Era um lampejo de luz que surgia quando eu lutava com todas as forças para ter os dois, quando me esforçava para manter o equilíbrio e não ser jogado pro lado. Escolher um lado era fácil — um ato covarde disfarçado de coragem. Encontrar a verdadeira resposta — essa, sim, era difícil.

Kikuchi-san agora estava dividida entre seu sonho e sua moral.

De um lado, havia a garota sonhadora — a romancista, um ser único. Ela queria priorizar a criação de uma bela ficção, acima dos sentimentos e direitos dos outros, mesmo que isso significasse invadir um território proibido. Do outro lado, estava a garota comum — uma pessoa sensível e gentil. Ela queria respeitar os direitos da Hinami mais do que os próprios, e não queria ultrapassar mais nenhum limite.

No fim, Kikuchi-san escolheu ceder à sociedade, em vez de fazer o que queria. Mas... será que foi mesmo a decisão certa?

Foi aí que percebi a conexão entre um encontro passado e a situação atual. Do jeito que está, eu estava tentando conhecer Hinami de forma indireta, sem interagir diretamente com ela. Era um caminho pelos fundos, digamos assim — típico de nanashi. Se Kikuchi-san era minha namorada, talvez andar por esse beco com ela fosse uma maneira possível de seguir em frente.

OI, KIKUCHI-SAN.

Em vez de uma mensagem no LINE agradecendo pelo dia, foi essa frase repentina. Será que Kikuchi-san se surpreendeu? Ela leu imediatamente e respondeu.

O QUE FOI?

Escrevi na caixa de mensagem o que veio à mente. Era uma escolha que talvez abrisse um novo caminho...

TEM ALGUÉM QUE EU QUERO QUE VOCÊ CONHEÇA.

...Eu sabia que isso também podia se tornar uma escolha tão poderosa quanto um veneno.

*

 

No dia seguinte, no Karaoke Sevens, meu trabalho de meio período. Cheguei cedo e sentei na sala de descanso, encarando meu celular. Estava pensando na DM do Instagram que iria enviar para Haruka. Na noite anterior, contei à Kikuchi-san sobre a pessoa que queria que ela conhecesse. Era, claro, a Haruka. Sendo assim, eu deveria falar com Haruka antes que perdesse a coragem.

— Hmmm...

Era uma situação confusa, diferente de tudo que eu já tinha vivido. Um aluno do último ano do ensino médio chamando uma aluna do fundamental parecia uma baita gafe. E além disso, eu nem fazia ideia de onde levar uma garota do fundamental.

O motivo? Eu não tinha amigos da minha idade e nunca saí pra me divertir quando estava nessa fase.

— Certo, por enquanto…

Montei uma mensagem curta, agradecendo pela conversa, dizendo que queria falar mais com ela e perguntando se tudo bem levar outras amigas da Hinami também. Depois, revisei para ver se não tinha ficado esquisita.

— Uou!?

Uma bolha de digitação apareceu. Com o LINE eu já sofria com o dilema de abrir ou não uma mensagem... agora tem um novo nível de tensão?

A vida realmente não facilita.

OUTRAS PESSOAS TAMBÉM!? ENTENDI!

HMM, ONDE A GENTE VAI? NO PARQUE DE NOVO...?

As mensagens vieram em duas partes. Eu sabia que o parque não era o lugar certo, mas também parecia errado demorar para responder depois de uma mensagem tão rápida. Então, mandei algo breve.

HMM... VOU PENSAR!

E fiquei encarando o celular, perdido em pensamentos. E agora? Comecei invadindo o espaço da Hinami, teve a crise da campainha, depois comecei a interagir com Haruka. Ainda não fazia ideia de onde tudo isso ia dar.

Mas sentia que era uma conexão importante, uma chave para entender algo sobre Hinami.

— O que tá fazendo?

— Uou!? — Uma voz suave e suspeita surgiu de algum lugar fora da vista — só podia ser o Mizusawa.

— Tava tentando dar em cima de alguém no Instagram, é isso?

— Não, eu... é que...

Pensei em inventar uma desculpa plausível, mas qualquer coisa que dissesse ele veria através. E além disso… De certo modo, eu queria pedir um conselho pro Mizusawa.

— Na verdade...

E assim, resolvi contar tudo para ele.

*

 

— Uau, você é um verdadeiro viciado em trabalho!

Estávamos lado a lado na pia, lavando louça, enquanto eu explicava tudo que tinha acontecido.

— Você quer apresentar a Fuka-chan para irmã da Aoi, né…

— Normalmente isso nem seria algo para pensar tanto. É só apresentar alguém para irmã de uma amiga. Mas, dadas as circunstâncias... a pessoa para quem estou apresentando é, bem...

— É... realmente é uma decisão arriscada, considerando que ela é a autora daquela peça, né?

— Bom... isso é verdade.

— Eu acho bom. A gente não conseguiu entrar em contato com ela, e a abordagem surpresa fracassou, então temos que tentar tudo que pudermos, nem que seja na força bruta.

— É.

Tem tanta coisa que a gente não sabe. Mas, se queremos nos envolver com a Hinami, temos que tentar de tudo.

— Bom, me avisa se rolar alguma coisa. Eu ajudo no que puder.

— Obrigado.

Ele deu um sorriso despreocupado e acenou com a mão.

— Vou fazer de tudo pra ajudar a Aoi também.

O olhar dele era sincero, sem nenhuma falsidade. Já vi o Mizusawa assim várias vezes, mas agora, de repente, me perguntei.

— Mizusawa, sabe…

— Hm?

— Por que você... gosta tanto da Hinami?

Os olhos do Mizusawa se arregalaram por um instante.

— Que pergunta repentina. Por que gosto da Aoi...?

Ele apoiou o queixo na mão e, depois de um momento, abriu a boca, como se tivesse acabado de perceber algo.

— Hmm, quando você coloca assim... é difícil responder.

Então, com a voz baixa, quase como uma confissão, ele disse.

— Acho que... provavelmente, eu sou solitário.

— Solitário? — Perguntei, surpreso pelas palavras inesperadas. Mizusawa rapidamente fechou a torneira, como se tivesse percebido de repente que a água estava aberta. O fluxo parou, deixando só a pia vazia. O brilho prateado e úmido não refletia claramente nossas imagens.

— Eu não consigo contar meus sentimentos verdadeiros pra ninguém. Sempre tento agradar todo mundo. Bom, agora consigo expor minhas fraquezas assim, dizendo que estou sozinho, mesmo que não seja depois do acontecido... mas ainda assim.

— Depois do acontecido, é?

Não consegui deixar de comentar.

— E provavelmente, no começo... eu achei que ela entenderia.

— Entenderia? — Perguntei de novo, e os lábios do Mizusawa se curvaram num sorriso suave.

— Aoi... eu achei que ela entenderia, mesmo sem eu dizer nada, mesmo sem mostrar minhas fraquezas. Que ela entenderia que Takahiro Mizusawa é uma pessoa solitária, sabe?

Mizusawa falou como quem confessa um pecado.

— É fácil, né? Porque, mesmo sem revelar nada sobre você, você é compreendido, no fundo. Talvez eu estivesse me apegando a esse tipo de ideal injusto e infantil.

(N/SLAG: É nessa hora que você percebe que conversas resolvem tudo. Além disso, ficar criando expectativas nos outros não é bom! Eu acho que Aoi percebeu…)

De certa forma, eu entendia.

É assustador encarar a vida, encarar outra pessoa. E se não der certo? E se você não for aceito? Você começa a se sentir inútil, como se não fosse necessário, e vai afundando cada vez mais no pântano. Por isso as pessoas evitam sair da gaiola dos próprios valores. Por isso têm medo de se mostrar. Exatamente como eu, que vivia dizendo que a vida era um jogo de merda.

(N/SLAG: Bem dito.)

— Então até você tem medo disso, né?

— Haha. Bom, eu não consigo me tornar o número um do Japão como você.

— Entendi...

Minha resposta saiu hesitante, porque eu compreendia o que ele queria dizer. Talvez eu consiga me afirmar apenas sendo eu mesmo, mesmo que os outros não me entendam. Mas, pra quem não é assim, se expor é como colocar a própria cabeça na guilhotina — é um julgamento sobre se a pessoa merece existir ou não.

Pensando bem, quem continua tentando se conectar com os outros é realmente admirável.

(N/SLAG: Concordo. Ou talvez não. É mesmo necessário?)

— Então, basicamente, eu só estava sendo covarde. É fácil quando tem alguém que entende você sem que você precise se abrir.

Mizusawa falou como se refletisse sobre o próprio passado. Mas não havia autodepreciação em suas palavras.

— Então... você achava que a Hinami te entenderia? — Resumi meus pensamentos, e Mizusawa levantou uma sobrancelha, levemente.

— Não, na verdade... — ele soltou um suspiro quase inaudível. — Agora, acho que é o contrário.

— O contrário? — Mizusawa sorriu com uma expressão confiante, quase infantil.

— Acho que eu consigo entendê-la.

— O quê?

— Consigo entendê-la, mesmo que ela não diga nada. Consigo entender a solidão dela.

Era realmente a lógica inversa.

— Se ela tem medo de se abrir, mas se sente sozinha... eu consigo entender isso. Foi isso que me fez sentir que eu tinha algum significado.

Agora eu entendia de verdade o que ele queria dizer. Mais do que isso — eu pensava da mesma forma. Que eu era o único que podia entender a solidão da Hinami. E que, por isso, eu precisava falar com ela.

Era baseado no nosso vínculo — nanashi e NO NAME —, na nossa forma de encarar a vida como jogadores.  Mas talvez não seja bem assim.

— É por isso que eu gosto da Aoi, acho.

Mizusawa — o cara que disse que é ruim em revelar seus verdadeiros sentimentos. Mas as palavras que ele acabou de dizer... são provavelmente verdadeiras, sem dúvida. Então, Mizusawa riu. Uma risada infantil, mas cheia de força.

— Mas talvez isso seja só outro complexo de herói infantil?

Fico tocado pelos sentimentos sinceros dele. Dizer isso parece um pouco superficial... mas é verdade.

— Ei, Mizusawa.

O homem à minha frente é, sem dúvida, diferente do NO NAME que eu conheço. Mas ele realmente entende uma das solidões que assombra a vida de Aoi Hinami. Provavelmente é algo que eu não consigo enxergar... o verdadeiro eu da Hinami.

Então—

— Você poderia ir comigo da próxima vez que eu for encontrar a Haruka?

Não sou só eu, nem só a Kikuchi-san. Todos nós estamos tentando encontrar o verdadeiro eu da Hinami, e vamos fazer isso juntos. Sinto que é isso que preciso fazer. E... tem mais uma coisa.

— Eu não sei onde levar uma aluna do fundamental...

Minha experiência de sempre não funciona aqui. Basicamente, estou levantando a bandeira branca. E Mizusawa ri de mim — divertido, leve.

*

 

— O-O-O-Oi!!

Domingo seguinte. Haruka, que já estava lá, cumprimentava os outros dois: Kikuchi-san e Mizusawa. Estamos no Cocoon City, em Saitama Shin-Toshin.

— Obrigada por cuidarem da minha irmã! Eu sou Haruka Hinami!

— Olá! Eu sou Takahiro Mizusawa. Pode me chamar de Mizusawa-onii-chan, sem formalidade.

— O-Onii-chan!? — Haruka se surpreende com a saudação casual repentina. Mizusawa está indo pelo caminho de sempre, entendi.

— Ahm, eu sou Fuka Kikuchi. Eu… Estou namorando o Tomozaki-kun.

— O quê—!? O Tomozaki-san tem namorada!?

Haruka fica completamente desnorteada com a enxurrada de informações, olhando de um lado para o outro entre nós três, piscando repetidamente.

— É t-tão surpreendente assim...?

— Mas você gosta da minha irmã!

— Hã...? Gosta dela!? Fumiya-kun!?

O comentário desnecessário da Haruka deixa Kikuchi-san em pânico. O que tá acontecendo aqui? Mal se passaram alguns segundos desde que nos encontramos, e já se formou um caos.

— Não, não é bem assim.

— O que tá acontecendo, Fumiya-kun?!

— Ha-ha. Boa sorte, Fumiya.

— Eu-eu tô num triângulo amoroso!?

— Não, não é isso!

É, eu sabia que juntar essas duas era uma aposta... mas não achei que ia ser nessa intensidade.

*

 

Alguns minutos depois.

— Devia ter me contado antes…

— Ei, nem tive oportunidade pra isso!

Estamos sentados num banco perto das escadas rolantes. Estou explicando com cuidado tudo que falei com Haruka no outro dia. Kikuchi-san parece ter entendido agora, e o mal-entendido foi resolvido. Mas ela ainda está um pouco emburrada, corada, me dando uma bronca. É meio fofo ver esse lado mais humano dela — bom, ela é humana. Faz tempo que não tenho esse tipo de briguinha de casal com a Kikuchi-san. Será que eu deveria agradecer à Haruka-chan...? Não, acho que não.

— O que você acha...?

— Oh! Está uma graça, combina com você. Eu gostei muito.

— O quê...!?

Ali do outro lado, na loja de roupas, Haruka sai do provador completamente vermelha, e Mizusawa acerta ela com uma cantada casual. Ensinar esse tipo de coisa para uma aluna do fundamental vai acabar criando um monstro que só vai se interessar por homens mais velhos e experientes no futuro, né?

— Tá tudo bem...?

— É preocupante... de tantas formas.

Mas parece que ela está se divertindo, então tudo bem. Kikuchi-san está rindo enquanto observa a cena, e o clima está bem agradável.

— Na verdade, é a primeira vez que venho ao Cocoon City.

— Ah, pra mim também.

Cocoon City é um grande complexo comercial em Saitama Shin-Toshin. Eu costumava ouvir meus colegas de escola falarem que iam pra lá nos fins de semana, quando eu estava no fundamental. Em outras palavras: eu nunca tinha vindo. Dá para entender bem por que esse é um lugar tão popular entre os estudantes.

Tem lojas de roupa, boutiques, restaurantes, supermercados e até cinema. É realmente um centro comercial completo — se quiser ver tudo, leva o dia inteiro. É o tipo de lugar ideal para sair com os amigos no dia de folga.

— Tomozaki-san, Fuka-oneechan, comprei uma coisa!

Pelo jeito ela gostou mesmo das roupas novas, porque já saiu vestida com elas. Haruka-chan veio correndo até nós.

— Fufu, ficou ótimo em você.

— Né!? — Ela disse, confiante, girando na frente da Kikuchi-san, fazendo a barra do vestido marrom-avermelhado balançar. Não sei se é porque a Kikuchi-san também é mulher, ou por causa da aura acolhedora dela, mas Haruka parece ter se aproximado muito rápido.

— Uau... Ela se aproximou de você bem rápido, hein?

— Você acha?

— É... Parece que vocês já estão bem à vontade uma com a outra...

Kikuchi-san não parece perceber isso, mas leva a mão aos lábios, pensa um pouco, e então seus olhos se arregalam.

— Talvez seja porque eu tenho um irmão mais novo.

— Ah, é mesmo.

É, eu tinha esquecido. Aquele lado "onee-san" escondido dela está aparecendo. Ver essa cena torna tudo ainda mais especial. Aliás, eu também deveria ser um irmão mais velho... mas basicamente nunca fiz nada como tal. Na verdade, sou completamente dominado pela minha irmã, então não tenho nenhum atributo fraternal para mostrar.

— Ei, Fuka-oneechan!

— Sim!?

Suspiro, meio desanimado, sentindo que Haruka tá "roubando" a Kikuchi-san de mim. Mas fico feliz que ela esteja mais animada.

— Fuka-oneechan, sua pele é tão bonita! Você é tipo inverno cool!?

— É mesmo...?

Estamos na área das lojas de cosméticos. Haruka pergunta, com olhos brilhando, usando uns termos estranhos. Deve ser algo tipo: "inverno é quando colhem mirtilos" ou coisa do tipo.

— Que tipo de skincare você usa?

Não consigo evitar escutar. Agora que vejo a Kikuchi-san como uma garota, sempre achei que ela era tipo uma fada — então nunca imaginei ela usando maquiagem ou cuidando da pele.

— Eu... ah, vendem ali, ó.

Kikuchi-san caminha devagar até uma prateleira e pega uma caixinha verde com o nome innisfree.

— Ah! Innisfree! Minha amiga falou sobre isso!

— Esse aqui vem com tônico, loção e creme, então é fácil de usar.

— Ooh!

A conversa delas parecia bem típica de garotas, e foi revigorante ouvir Kikuchi-san mencionar marcas e termos tão estilosos.

— E maquiagem?

— Maquiagem?

Kikuchi-san hesita um pouco antes de responder.

— Eu não uso primer nem base. Só um protetor solar com efeito tone-up.

— E já fica tão linda só com isso!?

Hmm... então a Kikuchi-san não usa primer nem base, só esse protetor especial... meio que entendo, mas também não entendo nada.

— E balm pros lábios?

— Normalmente eu uso Nivea com cor, mas…

— Hm-hm?

— Mas ultimamente, tenho usado um da Paul & Joe.

— Paul &...?

— Sabe, aquele com formato de gatinho?

— Ah! Eu sei qual é!

Elas estão se divertindo muito falando de cosméticos. Fico feliz em conhecer mais sobre a Kikuchi-san só ouvindo, mas tirando o Nivea, eu não conheço mais nada disso.

— Ah, ei, não vá muito pra lá…

— Tá tudo bem, de verdade!

Kikuchi-san segura a mão da Haruka, e ela parece um pouco envergonhada com isso. Não sei explicar, mas fico aliviado. Mas de repente, começo a perceber algo.

— Hmm...

Mizusawa, que tem feito a Haruka corar com a mesma facilidade que respira, enquanto vê roupas. Kikuchi-san, que liberou completamente o modo irmã mais velha e já conquistou Haruka.

— Ah, que fofo, Fuka-chan! Também quero segurar a mão da Haruka-chan.

— Q-Q-Quê...!?

— Mizusawa-san, a Haruka-chan tá desconfortável!

— Isso mesmo...!

Penso comigo enquanto observo os três interagindo. Hmm... Não tem dúvidas. Fui eu quem apresentou todo mundo, mas acabei ficando de fora.

*

 

Quase cinco da tarde. Estamos na praça de alimentação do Cocoon City. Cada um foi na barraca de comida que queria. Eu estou na dos dan dan noodles.

Peguei meu pedido — um bowl de lámen com gergelim — e fui em direção à mesa onde todos estavam. Vi na internet que existe esse clichê de caras que passam vergonha carregando bandejas e procurando lugar em praça de alimentação. Então, memorizei o caminho até a mesa e fui pelo trajeto mais curto para evitar isso.

Estamos em uma mesa para quatro: Mizusawa ao meu lado, Kikuchi-san à minha frente, e Haruka ao lado dela. Todos começaram a comer.

Aliás, Kikuchi-san e Haruka-chan estão dividindo um prato de costela bovina com queijo, enquanto Mizusawa pediu um donburi de costeleta de carne tamanho gigante.

Aquele cara realmente come muito, como sempre.

— Ah, essa roupa…

— O que você vai fazer depois...?

A maior parte da conversa é só papo leve e descontraído. Eu apenas concordava com a cabeça, pensando: Já que viemos juntos, não é hora de ir direto ao ponto? Foi aí que percebi as expressões de todos — só de olhar. Mizusawa foi o primeiro a falar...

— Ah, aliás...?

Mizusawa apontou para o prato de costela com queijo que Haruka-chan estava comendo.

— Haruka-chan, você também gosta de queijo?

Ele falou no tom despreocupado de sempre, mas eu entendi imediatamente o que estava por trás daquilo. A outra pessoa implícita nesse "também" era óbvia, não era?

— Ahaha... Gosto, sim. Minha irmã e eu comíamos bastante cheesecake juntas.

— Haha, faz sentido.

Obrigado por ter vindo, Mizusawa, você salvou a pátria, pensei comigo mesmo, e entrei na conversa para manter o ritmo.

— Já que estamos aqui, por que você não nos conta mais sobre sua irmã?

— Claro! Tem alguma pergunta?

Para ser sincero, eu tinha um monte de perguntas, mas quando me pedem só uma, fico sem saber o que dizer.

Pensei em vários aspectos que compõem a Hinami — seu passado, a outra irmã, seus esforços... e queijo. Lembrei do vídeo que parecia o primeiro sinal de que havia algo errado com Hinami. O queijo provavelmente não tinha relação, mas decidi perguntar algo mais direto.

— E sua irmã... como era a relação dela com seus pais?

Relacionamentos entre pais e filhos. Já vi muitas análises psicológicas na internet dizendo que não ser amado pelos pais na infância afeta a autoestima da pessoa.

Eu sou um pouco cético com a ideia de que o valor próprio de alguém se define só por esse tipo de relação, mas parecia a pergunta mais próxima de uma resposta que eu podia fazer agora. Afinal, naquele vídeo estranho, só apareciam Hinami e a mãe.

— Hm... Meu pai saiu de casa quando eu era pequena...

— Ah... Entendi.

Será que pisei num campo minado? Senti um leve arrependimento, mas, por algum motivo, Haruka-chan parecia tranquila. Ela apenas sorriu amplamente, como se estivesse feliz por responder.

— Mas a mamãe! — disse, com os olhos brilhando — A gente era super próxima!

Talvez seja exagero dizer que fiquei surpreso, mas a forma firme e alegre com que ela respondeu me pegou de surpresa.

Não achei que ela fosse dizer que tinham uma relação ruim, mas pensei que havia alguma coisa incomum na dinâmica familiar. Só que, vendo o quanto Haruka-chan admira a irmã e como se dava bem com a mãe, parece que não havia espaço para conflitos ali.

Troquei um olhar com Mizusawa e fiz outra pergunta.

— Isso... sempre foi assim?

Se ela realmente tinha uma relação boa com a mãe e havia algum problema familiar, provavelmente era com o pai ausente.

Ou talvez...

— Sim!

— Haha. Você fala com tanta certeza.

Mizusawa assentiu, erguendo uma sobrancelha com leveza, como quem compartilha da surpresa.

O sorriso radiante de Haruka-chan parecia completamente genuíno, reafirmando sua relação com a mãe com entusiasmo, como se aquilo fosse o maior orgulho da família. Mizusawa também parecia um pouco impressionado.

— E como era em casa?

— Mamãe elogiava muito eu e a Aoi-oneechan. Desde pequena, ela sempre dizia... bom, não todo dia, mas sempre dizia coisas boas.

— Coisas boas...? — perguntou Kikuchi-san.

Mas, por alguma razão, percebi que sua expressão estava mudando — de um sorriso gentil e fraternal para algo mais sério. Antes, ela ouvia Haruka como se fosse sua irmãzinha, mas agora parecia estar analisando algo mais fundo.

Haruka-chan corou levemente antes de continuar:

— Tipo "Você é incrível", "Você é maravilhosa". E também "Obrigada por ter nascido".

— Entendo...

Era outro tipo de relato extremo. Kikuchi-san manteve o olhar fixo em Haruka.

Diante desse depoimento — o oposto total da crença comum de que falta de afeto familiar destrói a autoestima — fiquei sem saber o que pensar.

Ser tão elogiada assim devia ser algo bom, mas ouvir repetidamente "obrigada por ter nascido" também podia soar... incomum. Poderia ser um tipo de afirmação extrema, e até pensei que isso pudesse ser a origem de um vazio interior. Mas, se eu começasse a puxar uma lógica enviesada, conseguiria ligar qualquer relato ao resultado que eu quisesse. Pensar com base no que quero concluir, e não no que realmente foi dito, seria desonesto.

(N/SLAG: Isso pode afetar até o senso da pessoa, se for de forma extrema. Você acaba criando um muro em volta dela.)

Tentei então deixar os preconceitos de lado e repensar.

— Entendi... Parece que você teve mesmo uma relação muito boa.

— Sim! Ah, e...

Haruka assentiu animadamente com meu comentário e continuou sua história. Sua expressão e voz pareciam sinceras. A verdade que eu tentava agarrar com especulação escapava por entre meus dedos.

Foi então que...

— Isso quer dizer que...

Uma voz pequena e baixa, quase um sussurro, chegou aos meus ouvidos. Era tão sutil que Haruka, ainda toda alegre contando sua história, provavelmente nem ouviu.

Sentindo um desconforto no ar, olhei na direção da voz.

— Uma boa relação com os pais... e cheia de afirmação... isso quer dizer...

Kikuchi-san estava ali, com os olhos baixos e uma rara ruga de preocupação na testa, murmurando para si mesma. Parecia absorver o que Haruka-chan dizia, processando cada detalhe, como um trem seguindo seus trilhos.

— Isso quer dizer que sua irmã...

— Motivos para se esforçar... afirmação...

Das palavras de Haruka, Kikuchi-san estava extraindo elementos ligados à dinâmica familiar e ao impacto da validação emocional.

Olhei para Mizusawa ao meu lado, que também pareceu notar a estranheza no ar.

Trocamos olhares, observando Haruka-chan e Kikuchi-san.

— O que foi isso?

— Bom, é que...

Hesitei, mas já tinha praticamente entendido o que estava acontecendo. Ou melhor, talvez eu já esperasse por isso no fundo.

— Acho que a Alucia está despertando dentro da Kikuchi-san...

— Hã?

Era a expressão de Kikuchi-san como romancista. Seus olhos, antes apagados, agora ardiam com uma luz diferente. O olhar estava perdido no vazio, arregalado, como se tivesse tido uma revelação.

— Então... não importava o que ela fizesse, ela sempre podia acreditar que não estava errada…

(N/SLAG: Exato!)

A relação com os pais, os dias felizes... Eram fragmentos da história de Haruka-chan que Kikuchi-san agora dissecava e remontava em silêncio.

— Nesse caso... a perda deve ter vindo depois... e no começo, era...

Eu me perguntava onde tudo aquilo iria dar.

— E é isso o que eu queria compartilhar! — disse Haruka-chan, encerrando a história com um sorriso, que contrastava bruscamente com a expressão gelada de Kikuchi-san ao seu lado.

— Agora quero saber mais sobre a minha irmã mais velha que eu não conheço!

Com um sorriso brilhante, ela virou o olhar para Kikuchi-san.

— Fuka-oneechan, o que você acha da Aoi-oneechan?

— Eu?

Apesar da pergunta repentina, a resposta veio calma. No fundo daqueles olhos de cor estranha, refletia-se outro mundo.

— Do meu ponto de vista, a Hinami-san...

Então, como se organizasse os pensamentos, mas ainda em transe, Kikuchi-san começou a falar suavemente. Era como uma caçadora se aproximando em silêncio, prestes a cravar a lâmina.

— Provavelmente... é diferente de tudo o que pensei até agora...

Ela murmurava, como se estivesse revirando algo que havia afundado no fundo do pensamento, observando aquilo de perto. A presença de Kikuchi-san parecia distante, quase etérea.

No silêncio do momento, ela respirou fundo. As palavras que saíram de sua boca, provavelmente estavam longe do que Haruka-chan — e eu — esperávamos ouvir:

— Eu acho... que ela é uma garota que perdeu seu deus.

Palavras dispararam como flechas, cortando o ar. Eu não entendi exatamente o que significavam. Mas fui esmagado pelo peso silencioso que carregavam.

Haruka parecia paralisada diante da força daquelas palavras — ou talvez tivesse compreendido algo, pois seus olhos se arregalaram, como se estivesse atordoada. Era como se tivesse sido cravada no chão pelas palavras de Kikuchi-san.

— Um lar acolhedor... amor incondicional. É incrível que isso tenha existido...

Kikuchi-san permanecia sem expressão. Mas com cuidado, como se estivesse verificando cada palavra, ela continuou:

— Eu até considerei a possibilidade de uma imposição distorcida... ou de um ambiente parecido com negligência, mas talvez não seja o caso...? O que significa que Hinami-san provavelmente... acreditava em alguém. Ou em algo por trás de alguém?

Ela falava em um tom baixo e denso, como se estivesse dando à luz palavras pesadas.

— Se o coração dela estivesse cheio com apenas uma coisa no começo... ela não teria medo de encarar o mundo. Só com essa única coisa, tudo estaria bem. Eu entendo isso...

Nem eu, nem Mizusawa, nem Haruka conseguimos interromper.

— Acho que essa pessoa era como um sol para Hinami-san.

Ela não estava exatamente explicando para alguém — era mais como se estivesse encarando uma névoa dentro de uma membrana fina, observando com atenção, mergulhando nas profundezas do pensamento e dando forma ao que via.

— Um padrão imposto por alguém, um mundo entregue por alguém... a felicidade ensinada por alguém. Tenho certeza de que, naquela época, aquele lar era mais iluminado e acolhedor do que qualquer outro.

Seu olhar obsessivo se movia incansavelmente, como se não quisesse perder nenhum detalhe. Seu discurso, cada vez mais afiado e urgente, estava claramente diferente da Kikuchi-san de sempre.

— Por isso Hinami-san era perfeita. Enquanto ela continuasse a encarar o sol como um girassol, isso por si só bastava para que ela fosse ela mesma. Ela podia se banhar na luz, respirar... e ser a heroína do mundo só por existir.

O olhar penetrante de Kikuchi-san se fixou diretamente em Haruka, como se quisesse prendê-la no lugar.

— Mas...

Ela disse como se estivesse esmagando uma peça de vidro delicadamente esculpida contra o asfalto frio e duro.

— Em algum momento, tudo isso… — ela falou com uma voz que mais parecia um feitiço estrangeiro, uma espécie de encantamento — ...se despedaçou por completo.

O ar ficou pesado, e os sons ao redor desapareceram. Ouviu-se um ruído estranho, como se alguém tivesse falhado ao engolir a saliva. E lá estava Haruka-chan, encarando Kikuchi-san com uma expressão de total choque — talvez até de medo.

— G-Guh... heh... heh...

— Você está bem?

Mizusawa perguntou gentilmente, preocupado, mas Haruka sorriu e disse que sim. Mesmo assim, continuou a enxugar as lágrimas — como se elas não devessem ser vistas. Eu vi as duas ali... ou talvez, mesmo sem vê-las, só de ouvir o conteúdo da conversa, eu teria entendido: As palavras de Kikuchi-san estão provavelmente tocando um lugar onde ela não deveria pisar.

— Kikuchi-san, já chega...

Tentei interrompê-la, mas...

— Espera... por favor.

Haruka me deteve. Ninguém além dela.

Mas, dali em diante, ela não disse mais nada. Ou melhor, era mais exato dizer que ela não sabia o que dizer. Ela levou a mão à garganta, tentando conter a tosse, e levantou os olhos para Kikuchi-san, como se se agarrasse a ela para não cair.

— Haruka-chan?

Chamei por ela, mas seu olhar não se desviava de Kikuchi-san. Então, timidamente, mas com uma certa expectativa, ela perguntou.

— Como... você sabia?

Um arrepio percorreu minha pele. O significado daquelas palavras... não era difícil de entender.

Elas a alcançaram. Como na peça, onde as falas de Kikuchi-san conseguiram atravessar a máscara de Hinami. A imaginação de Kikuchi-san havia alcançado a imagem de Aoi Hinami que Haruka-chan guardava em seu coração.

— Sabe... a Fuka-oneechan está certa...

A voz de Haruka, que começou devagar e com medo, tremia visivelmente. E então, como se estivesse confessando um pecado, ela sussurrou.

— Nossa família... é um pouco... estranha.

Nesse momento...

— Haruka-chan...!?

Mizusawa percebeu a mudança primeiro. Eu logo depois. E então, um instante mais tarde, ela mesma notou.

— Espera, o quê?

Dos olhos de Haruka, uma única lágrima escorreu.

— Eh... Ah... M-Me desculpa...!

Os olhos de Kikuchi-san mudaram de repente, como se tivesse voltado a si. Ela falou com a voz apressada, quase em pânico, mas as lágrimas de Haruka não paravam.

Ela começou a chorar incontrolavelmente — caindo em lágrimas ali mesmo, naquele instante.

— Haruka-chan, você tá bem?

— S-Sim...

Mizusawa falou com suavidade, demonstrando preocupação, mas Haruka sorriu e disse que estava bem. Mesmo assim, continuava enxugando as lágrimas, como se quisesse esconder que estava chorando.

— Não tem como isso não ser nada — disse Mizusawa, puxando de algum lugar um pacotinho de lenços. Ele claramente tinha experiência com situações assim, mas mesmo assim estava com uma expressão confusa. Para quem não soubesse o contexto, era realmente difícil entender o motivo daquilo tudo.

Mas eu... Acho que só eu entendi o motivo das lágrimas dela.

Um lar caloroso. Algo em que ela acreditava. E então, aquelas palavras — como uma maldição — despedaçaram tudo.

Era natural que suas emoções tivessem sido abaladas. As palavras da Kikuchi-san provavelmente despertaram algo dentro dela. A lembrança da irmã falecida...

É claro que ninguém mais poderia saber disso. E provavelmente a própria Haruka nem percebeu que eu sabia.

— Eu tô bem... eu tô mesmo bem...!

Incapaz de explicar qualquer coisa, Haruka apenas segurava sozinha sua solidão e frustração, deixando as lágrimas escorrerem por mais um tempo.

*

 

— Obrigada por hoje! E desculpa por ter começado a chorar do nada!

Estávamos na Estação Omiya. Descemos ali para trocar de trem e, como cada um ia para um lado diferente, era hora da despedida.

— Imagina. Fico feliz que conseguimos conversar bastante. Não se preocupe com isso — eu disse, tentando acalmá-la depois do que minha namorada tinha feito.

Mizusawa percebeu minha intenção e acrescentou suas próprias palavras de apoio.

— Somos todos amigos que querem ajudar sua irmã. Vamos continuar em contato, tá?

— Sim! Muito obrigada!

As palavras do Mizusawa, ditas com aquele senso de camaradagem, tinham um peso real e ajudaram a suavizar os acontecimentos do dia.

Mas...

— Desculpa.

A pessoa que tinha causado tudo isso só conseguiu sussurrar um pedido de desculpas, mal audível para Haruka. Mizusawa deu um leve empurrão no meu ombro enquanto eu observava Haruka se afastando.

— Fumiya.

— Hã? — Respondi num tom contido à voz baixa do Mizusawa.

— Por agora, vamos nos separar aqui — disse ele, olhando na direção da Kikuchi-san.

— Dá um jeito de acompanhar ela, tá?

*

 

Kikuchi-san e eu caminhávamos pelas ruas de Kita-Asaka.

— Sinto muito pelo que aconteceu hoje.

— Não, tudo bem. Na verdade, fui eu que te convidei, então também é minha responsabilidade. Eu meio que esperava que isso pudesse acontecer.

Assenti com a cabeça, mas por dentro eu estava confuso. Eu não sabia como interpretar tudo o que havia acontecido naquele dia: As palavras da Kikuchi-san, as lágrimas da Haruka...

— Eu só... me deixei levar e não consegui parar... — disse Kikuchi-san, com remorso. — Eu sou horrível.

O que eu deveria dizer? Deveria dizer que ela passou dos limites com o que fez? Ou deveria agradecer?

Não... talvez...

— Acho que... isso era meio inevitável, sabe?

— Hã...?

Kikuchi-san arregalou os olhos, surpresa, e eu a encarei diretamente.

— Provavelmente... isso é o seu carma, Kikuchi-san.

Se for isso mesmo, então temos que encarar. Assim como eu carrego o carma de viver com a solidão em troca da liberdade, assumindo total responsabilidade por mim mesmo...

Acho que existem pessoas que têm um tipo de carma insubstituível.

Se o carma da Kikuchi-san for entrar nos mundos dos outros sem hesitar, transformar isso em histórias e aprofundar o próprio universo, então eu não deveria negar isso. Porque seria como negar que eu sou um gamer.

— Seu compromisso, sua dedicação em escrever histórias... provavelmente é isso que define quem você é.

Não sei se isso pode ser considerado certo, ou se é algo que deva continuar perseguindo. Mas parecia ser, honestamente, a verdadeira natureza dela.

Então, no mínimo, acho que o que eu não devo fazer é negar quem ela é. O que eu deveria pensar... é em como fazer essas duas coisas coexistirem.

— Eu espero que sim — disse Kikuchi-san, sem conseguir sorrir. Forcei um sorriso, um pouco constrangido.

— Vai dar certo, sim.

— Fumiya-kun.

— Hm?

— Aquela vez... eu disse que tinha uma coisa que eu não entendia, lembra?

Kikuchi-san disse isso, olhando para o chão.

— Eu voltei a escrever o romance Híbrida de Sangue Puro e Sorvete, e comecei a encarar os personagens de novo. Mas mesmo assim... ainda tem uma coisa que eu não entendo.

Lembrei da conversa que tivemos outro dia.

— Era a motivação da Hinami, né?

— Sim — Kikuchi-san assentiu. Seu rosto ficou tenso, como se estivesse se preparando para algo. Então ela parou de andar completamente.

— Eu também achava isso naquela época...

Sua voz tremia, como uma sombra frágil. Parei alguns passos à frente e me virei para encará-la. Kikuchi-san estava parada, com as costas curvadas, olhando para baixo, parecendo pequena, diminuída.

— Eu estava errada.

Ela mordeu o lábio, com uma expressão de arrependimento.

— O que eu realmente precisava entender não era a motivação dela. Foi o que percebi hoje.

— Não era...? — Repeti suas palavras, e ela assentiu devagar, como um animalzinho frágil.

— Não era a Hinami-san.

A voz dela era calma e bonita — mas carregava um desespero profundo. Kikuchi-san olhava para a própria palma da mão, como se estivesse tentando recolher com delicadeza uma poça de água estagnada.

Como se pintasse a própria alma com aquela lama agitada, ela disse friamente.

— Era a minha motivação.

Aquelas palavras me gelaram até os ossos.

— Eu provavelmente estava só fingindo refletir sobre como feri alguém... mas, na verdade, eu estava só virando o rosto pra outra direção.

Ela levantou o canto da boca com um sorriso amargo, quase de auto-desprezo. Apertava a barra da blusa com força, como se segurasse o arrependimento.

— Palavras não servem só pra colorir o mundo. Elas também podem machucar — percebi isso.

Falou com convicção, como se gravasse uma verdade amarga em seu coração.

— A mensagem que eu coloquei na história. As palavras que pus na boca dos personagens. Elas já machucaram alguém profundamente... Não, machucaram várias pessoas. Eu percebo isso agora.

Talvez aquilo expressasse seu carma. Ou talvez... sua desonestidade.

— Não se trata só da Hinami-san. Mesmo hoje, eu machuquei uma garota mais nova que eu, mexendo nas dores dela... tudo por causa da minha escrita.

Ela mordeu o lábio de novo, tomada pelo arrependimento.

— Eu machuquei ela. Muito.

Foi, sem dúvida, uma cena chocante.

As palavras da Kikuchi-san conduziram as emoções de uma garota para um lugar que não era, necessariamente, bom. Ela tocou com a lâmina do carma, movendo a engrenagem de sua imaginação como uma lagarta que avança sem parar. Com o poder cruel das palavras, que podem esmagar qualquer coisa, ela despedaçou o coração da Haruka.

Foi ela, sim, quem arrancou memórias tristes que provavelmente estavam escondidas lá no fundo da menina.

Talvez também tenha havido um certo efeito de purificação, de sublimação, naquelas lágrimas. Mas foi, sem dúvida, algo brutal — como cauterizar uma ferida com nitrogênio líquido.

— Eu gostava das obras do Andi... foi por isso que quis escrever romances...

Ela dizia isso desde a primeira vez que nos conhecemos.

Disse que gostava das obras do Andi porque mostravam paisagens coloridas. Disse que queria escrever romances que pudessem mostrar as mesmas paisagens.

— Mas isso não passa de um sonho infantil, né?

Kikuchi-san balançou a cabeça.

— O que eu tô tentando fazer agora... provavelmente já passou da fase da infância...

— Isso...

Eu não consegui continuar negando. Porque a paixão da Kikuchi-san por romances, as palavras que ela constrói a partir disso... já estão afetando pessoas de um jeito que vai além do que alguém sozinho pode carregar.

— Fumiya-kun, você pode me dizer? — Kikuchi-san mordeu o lábio inferior e implorou.

Ela se apoiou em mim, desamparada, como um balanço com uma corrente quebrada.

— As coisas que eu quero fazer... — ela forçou um sorriso partido. — Escrever romances... isso realmente deveria vir antes dos sentimentos das pessoas? — Sua pergunta, dita num gemido, ecoou como num abismo mergulhado na escuridão.

— Eu não sei. Só sinto que gosto disso. Não tem outro motivo além desse.

E então, ela transformou uma paisagem cinza em palavras. Ela despejou o nó embolado do seu conflito, espesso e pesado.

— Por que eu escrevo romances?

Essa pergunta carregava uma urgência profunda, como se tocasse a própria raiz da existência dela.

— Talvez eu não consiga seguir em frente sem descobrir isso...

E ao mesmo tempo, senti que aquilo era parecido com o que eu mesmo estava buscando agora — só que por outra pessoa.

*

 

Aquela noite.

Depois de me despedir da Kikuchi-san, acabei me sentando em um balanço no Parque Kitayono — algo que raramente fazia.

Não estava fazendo nada. Mas minha cabeça estava cheia de pensamentos, e eu não conseguia simplesmente voltar à vida normal. Só queria um tempo sozinho, para deixar minha mente vagar.

As pessoas provavelmente precisam de um motivo pra seguir em frente.

Se o desejo de fazer algo é o motor, e a capacidade de agir são as rodas no chão, então o motivo é como a engrenagem que conecta os dois.

Mesmo que você tenha tanto o desejo quanto a habilidade — como a Kikuchi-san —, não consegue avançar se perdeu o motivo.

Por outro lado, enquanto você ainda tiver um motivo, pode continuar avançando aos poucos, mesmo que as rodas estejam caindo aos pedaços. Se conseguir continuar, talvez um dia consiga alcançar algo grande.

No fim das contas, as pessoas conseguem seguir em frente enquanto tiverem um motivo inabalável. Se perderem isso... ficam vazias, não importa o que mais tenham. Aoi Hinami provavelmente é assim também.

"Nossa família... é meio... estranha."

Essas palavras ficaram ecoando na minha cabeça.

— Estranha... hein?

Se o motivo é a engrenagem... então Hinami e Haruka devem ter tirado seu motivo daquela casa um pouco fora do comum.

Quando ouvi o que Haruka disse, lembrei de algo que a Kikuchi comentou.

Hinami... acreditava em alguém, ou talvez em algo por trás dessa pessoa. Havia uma única coisa que fazia tudo ficar bem.

Aquilo era, provavelmente, como um sol para Hinami.

Se havia algo parecido com um sol — que era o motivo da Hinami... Assim como o sol da Haruka agora é o brilho da Hinami...

Hinami, em algum momento, também deve ter seguido em direção a esse brilho.

— Mas... o que significa quando algo se quebra em pedaços?

Quando ouvi essas palavras, pensei instintivamente que o que havia se despedaçado era sua irmã falecida. Mas se assumirmos que o que se quebrou foi o "sol" em que Hinami acreditava, essa conclusão não se sustenta tão bem.

Não é impossível, mas também não é muito natural idolatrar a irmã mais nova como um sol.

Então... a que aquilo se referia? O que Hinami perdeu?

Mandei uma DM pra Haruka logo depois, expressando minha preocupação, mas ela ainda não respondeu.

Eu claramente toquei num ponto sensível do coração dela. Sabia que poderia ser tanto veneno quanto remédio... mas talvez, sem querer, tenha dado uma dose forte demais de veneno.

— Ah, isso é difícil.

Tinha coisa demais pra pensar. Talvez, se eu contasse tudo isso pra Kikuchi-san, conseguiria uma resposta num estalo — graças ao poder de imaginação e percepção dela.

Mas a Kikuchi-san tá lidando com seus próprios demônios agora. Ela não teria energia para isso, e eu também não queria depender dela.

— Então eu... vou fazer isso sozinho.

Sozinho. Solidão. Responsabilidade própria.

Afinal... a vida é sempre assim, não é?

— E——ah!

Naquele momento. Minha visão balançou junto com um impacto vindo por trás.

Se fosse um ataque violento à noite, num parque, você com certeza pensaria que era algo perigoso. Mas reconheci a voz familiar, a forma do impacto, e lembrei que estava em Kitayono — então me virei com convicção.

— O que você tá fazendo... Mimimi?

E lá estava Mimimi, com um visual esportivo, usando um corta-vento e tênis de corrida.

— Uau, que coincidência!

— Coincidência...? O que você tá fazendo aqui?

Mimimi me olhou com uma expressão confusa.

— Ué, isso que eu queria te perguntar!

— Hã?

Mimimi agarrou com força a corrente do balanço em que eu estava sentado e começou a balançá-lo para frente e pra trás. Meu corpo oscilou junto, desengonçado, enquanto eu soltava uns sons patéticos de "oh, oh, oh".

— Brain, você tá aqui há mais de trinta minutos, né?

Ela disse isso, e eu conferi meu celular.

— Hã? Como você sabe disso?

Na verdade, acho que já fazia mais de uma hora. Sou do tipo que se perde nos próprios pensamentos.

— Sabia…

Mimimi suspirou e sentou-se no balanço ao lado.

— Eu tava correndo por aqui, mas na hora que fui embora, notei que tinha alguém sentado no balanço, que com certeza não era uma criança. Achei super suspeito.

— Ugh...

Totalmente suspeito. Sou só eu, ou tenho sido falsamente acusado de ser um esquisito com mais frequência ultimamente?

— Aí eu dei mais uma volta inteira, e você ainda tava aí sentado… Aí pensei que talvez fosse uma daquelas situações em que a gente tem que chamar a polícia.

— Eu quase fui denunciado de novo?!

— De novo?

Mimimi inclinou a cabeça enquanto eu me levantava do balanço e gritava em negação sem pensar. Acho que estou fadado a ser suspeito ultimamente. Não quero esse tipo de destino.

— Bem, quando olhei de perto, vi que era você, Brain.

— Bom, fico feliz que a suspeita tenha sido esclarecida.

Voltei a me sentar. A corrente fez um som metálico suave, e eu soltei um suspiro de alívio.

— Sabe, na verdade eu te vejo bastante, Brain!

— Sério?

Pensei que ela poderia simplesmente ter falado antes.

— Mas, sabe como é… tipo quando você tá com sua irmã ou, bem, desde que você começou a namorar a Fuka-chan, eu fiquei meio hesitante em falar alguma coisa, sabe?

— Ah…

Foi naquela época em que eu estava preocupando a Kikuchi-san e deixando ela se sentindo sozinha. Até quando voltava pra casa de Kitayono, a Mimimi evitava andar comigo.

— Então agora, quando te vejo sozinho, parece até meio que estou quebrando alguma regra se eu falar com você.

— Você não precisa se preocupar tanto com isso...

Eu comecei a dizer, mas percebi que isso não era só uma decisão minha.

— O que você acha...?

Enquanto eu começava a pensar seriamente nisso, Mimimi ficou ainda mais atrapalhada e falou.

— Ah! E outro dia! Eu dei um Boom em você na frente da Fuka-chan!!

— Ah... é, aconteceu mesmo.

— Isso foi ok?! Eu, eu só me empolguei! Foi um toque físico excessivo!

Ela até descreveu o gesto com detalhes, e parecia genuinamente arrependida.

— Provavelmente... acho que tá tudo bem. A Kikuchi-san também riu.

— S-Sério?! Mas as garotas sorriem quando estão sofrendo...!

— Você tá falando por experiência própria, e aí complica pra eu responder...

Como um colega otaku, também meio desajeitado com garotas, eu conseguia perceber que a Mimimi era desse tipo. Conheço ela há tempo suficiente para notar isso facilmente.

— Bom, se a Fuka-chan não parece ter se incomodado, então tô aliviada!

Enquanto conversávamos, fiquei impressionado. Ela não estava só tentando me animar — estava mesmo se esforçando para mudar o próprio comportamento conforme as relações ao redor mudavam.

— Obrigado.

Quando murmurei isso, Mimimi sorriu e deu um tapinha no próprio peito.

— De nada!

— Mas... então por que você veio falar comigo agora?

Voltei ao assunto principal. Também queria mudar um pouco o rumo da conversa.

— Ah-ha-ha, você não sabe?

Franzi a testa, porque realmente não fazia ideia, e Mimimi riu, provocando.

— Mesmo de longe, dava pra ver que você tava emanando uma aura muito óbvia! Tava difícil de ignorar.

— Ugh...

Fiquei envergonhado. Sempre achei meio estranho quando alguém faz cena para chamar atenção — bater em coisas, agir com raiva —, e agora pensar que eu parecia estar assim… é humilhante. Sentar num balanço por uma hora é praticamente dizer "não vou embora até alguém me notar". Provavelmente eu parecia bem desesperado.

— Adulto sentado sozinho num balanço normalmente significa que foi largado ou perdeu o emprego. Foi isso que pareceu pra mim!

— Ugh... bom, não é nenhum dos dois.

— Ah-ha-ha! Não seria o seu caso mesmo, Brain! — Mimimi riu com leveza.

Depois, com um olhar natural, ela olhou pra frente e esperou que eu dissesse algo.

— Na verdade...

Então eu decidi contar pra ela.

Contei sobre ter esperado a Hinami na frente da casa dela e ter encontrado a Haruka-chan, irmã da Hinami. Contei sobre o encontro com a Kikuchi-san e o Mizusawa. Sobre o que a Kikuchi disse pra Haruka, o mal-estar que isso causou, e a pergunta difícil sobre o motivo pelo qual ela escreve romances.

Mimimi ouviu tudo em silêncio, sentada no balanço, balançando levemente.

— Hmm, entendi.

Ela inclinou a cabeça e pensou por um instante.

— Sinceramente, eu não sei o que aconteceu no passado da Aoi, nem o que a Fuka-chan deveria priorizar. Essas coisas são difíceis de entender. Você é o especialista em usar a cabeça, Brain!

Mimimi virou a palma da mão pra si mesma e olhou para as unhas.

— Mas talvez… existam coisas que só eu posso entender.

— Coisas que só você pode entender?

Ela assentiu, relaxou a mão e a deixou cair sobre o corta-vento. O barulho seco do tecido ecoou no ar limpo do parque.

— Os sentimentos da Haruka-chan!

Mimimi se levantou no balanço, e a corrente balançou e tilintou com força.

— Eu… eu venho pensando a mesma coisa.

— Pensando a mesma coisa?

Mimimi olhou para o céu, para as estrelas e a lua — um pouco mais perto delas do que o normal.

— Eu queria ser como a Aoi.

A luz esbranquiçada das estrelas caía suavemente sobre a pele de porcelana da Mimimi.

— A Aoi é esse tipo de pessoa, sabe? Ela parece brilhar intensamente, mas é inalcançável. E aí, do nada, ela diz algo que faz você se sentir capaz de seguir em frente de verdade. Eu amo ela por isso.

Eu entendia o que ela queria dizer. E isso doía.

— Então eu entendo. Provavelmente, a Haruka não tá só preocupada… ela tá com medo.

— Com medo?

— É… — Hup!

Ela pulou do balanço, e a corrente tilintou com um galanga-lan barulhento.

O som dos tênis batendo na brita encheu o parque vazio.

— Ela não quer acreditar que a Aoi, a pessoa que ela admira, pode estar errada.

— É, faz sentido.

Eu assenti em concordância.

— Brain, você realmente entende?

— Hã?

O rosto dela chegou bem perto do meu. Fui pego de surpresa pela proximidade repentina e instintivamente desviei o olhar.

— Sabe, é a mesma coisa quando a pessoa que você admira fica infeliz, como quando você mesmo fica infeliz.

— Hã… tipo, quando a felicidade do seu ídolo vira a sua felicidade, né?

— Hmm… Meio certo, mas também totalmente errado.

— Ugh...

Levei uma bronca. Os testes da Mimimi são difíceis mesmo.

— Porque essa pessoa é seu modelo. Você quer ser como ela.

— Isso mesmo.

— Se — a pessoa que você admira e em quem se espelha — está infeliz, o que você acha que vai acontecer com o seu futuro.

— Ah...

Foi aí que eu entendi. Porque, bem, eu não tenho o que se chama de ídolo, mas se estamos falando de modelos para seguir... havia um muito claro para mim.

— Se seu modelo está errado, então não importa o quanto você tente ser como ele, você não vai ser feliz, certo?

— Exatamente!

Mimimi se virou e sentou na grade do balanço.

— O importante é que você começa a perder a fé nisso.

— Perder a fé...?

— Se o padrão que você usava para pensar "isso está certo!" se tornar algo em que você não consegue mais acreditar, então não importa o que você faça, vai sentir que está errado, certo?

Isso parecia intuitivo, mas também muito lógico. As pessoas provavelmente se projetam em seus ídolos e veem neles seu eu ideal. Quando esse ídolo está infeliz, será que você ainda consegue acreditar na sua própria felicidade? Lembro que a Hinami apontou para a própria cabeça e se gabou de que tinha um guia de estratégias ali dentro. Eu via as conquistas da Hinami e sua confiança transbordante como a resposta certa, e me esforçava para usá-la como modelo. Posso dizer com segurança que isso era porque eu acreditava em Aoi Hinami, em NO NAME.

Se eu tivesse visto a Hinami perder sua popularidade naquela época, com certeza não teria conseguido continuar usando o método dela para viver.

— Então, a Haruka-chan também. Ela provavelmente não quer acreditar que a história da irmã perfeita dela seja uma mentira.

— Entendi...

Senti que isso fazia parte do que Kikuchi quis dizer com o sol se quebrando.

— A Hinami deve estar ciente de como a Haruka se sente em relação a ela, certo?

— Tenho certeza disso.

Haruka a admira, mas não consegue se recuperar do seu eu quebrado, então fica presa em casa, obcecada pela Atafami. Aoi Hinami, que antes buscava a perfeição, jamais gostaria disso.

— Ei, brain — a voz da Mimimi tinha um tom gentil e determinado, e senti que ela estava pensando a mesma coisa que eu.

— Amigos devem ajudar uns aos outros, né?

A expressão da Mimimi estava cheia de esperança, mesmo naquela situação. Então, parei de me apoiar no balanço. Balancei a corrente com um impulso forte e olhei nos olhos dela.

— Eu sempre conto com a ajuda da Aoi, mas nunca faço nada para ajudá-la de volta.

A expressão dela era direta, sem cálculo ou segundas intenções, só focada na outra pessoa.

— Por isso eu quero ajudar a Aoi.

Então, seus olhos se estreitaram de forma brincalhona, mas a expressão era decidida e ao mesmo tempo gentil.

— Quero ser amiga de verdade da Aoi.

— Entendi. Isso mesmo.

Mimimi disse de forma brincalhona.

— Ei, Tomozaki, você lembra como a gente virou amigo?

— Hã? Você quer dizer quando conversamos na sala de economia doméstica?

— Não, não foi isso! Foi algo que nos deixou ainda mais próximos!

Mimimi recordava com um sorriso, olhando para trás com carinho.

— O conselho estudantil, né?!

— Ah.

Enquanto Mimimi falava do passado, seu olhar seguia para frente.

— Ei, Tomozaki. Não, Brain! — E então, animada. — Que tal a gente tentar de novo, só nós dois? O conselho estudantil!

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