Volume 1

Capítulo 4: Recuperação

Eu não sentia um músculo sequer do meu corpo.

O que aconte… oh, me lembrei. Aquela vadia.

Ela conseguia acompanhar meu ritmo durante a luta, se adaptando a luta.

Pelo que me lembro, agarramos um ao outro e trocamos socos, até eu ou ela desmaiarmos.

Merda, acho que perdi essa.

— Não…

O que?

— Preci…

“Preci…”?

Espera, isso são vozes?

Onde eu estou? O que está acontecendo? Eles estão fazendo algo comigo ou conversando entre si?

As vozes pararam, o silêncio preencheu minha mente novamente.

Até eu ver um pequeno ponto de luz no meio da escuridão. Eu focalizei nele, ele aumentava, até cobrir minha visão inteira.

Eu sentia meu corpo novamente. Meus dedos; coração batendo, meu pulmão trabalhando.

Quando abro os olhos, tudo que eu via era uma forte luz branca batendo no meu rosto. Espremo meus olhos; com expressão de desconforto.

Coloco a mão sob meus olhos e viro-me para o lado.

Meu corpo rolava sob um material confortável, leve. Eu sentia um tecido fino mas macio tocando minha pele.

Tirei a mão dos meus olhos e pisquei algumas vezes, enxergando apenas borrões.

Cerro meus olhos, focalizo minha visão no maior borrão.

Como um jogo que está sendo renderizado, lentamente minha visão voltava ao normal.

Era o Vergher.

Ele mexia sua boca enquanto gesticulava, parecia estar conversando com alguém em uma cama. Não dava para ver, a cortina tampava.

— Não, você agiu por instinto próprio, achando que estava fazendo o “certo” — disse Vergher.

— Isso é tudo. — Ele se vira, caminhando em direção a uma porta roxa.

Subitamente, ele para e me encara.

— Alger, quando estiver melhor, quero sua presença na minha sala. — Ele volta a andar, e saí do local.

Eu não havia entendido o motivo disso.

Bocejei, olhando à minha volta; eu estava deitado em uma cama de hospital.

Espera. Camas com cortinas, eu estou em uma cama, porta roxa…

Não pode ser.

Me levantei rápido da cama, péssima ideia. Caí no chão com a visão turva em seguida.

Não sei dizer quanto tempo se passou, mas quando acordei, estava olhando para uma mesa de recepção com um monitor, e uma cadeira vazia.

Matei minha dúvida. Eu estou na enfermaria.

Tch.

Me levanto; escuto o som de uma porta abrir, acompanhado de passos.

Olho na direção. Um homem alto; cabelo; olhos e barba preta tinha saído da sala. Ele estava trajado com um jaleco branco.

— Oh, você acor… espera, o que está fazendo aí no chão?! — Ele corre até mim.

Ele coloca meu braço por cima de seu pescoço; sua mão no meu torso; ele me ajuda a levantar.

Ei, eu sei que você acabou de acordar, mas precisamos ir à sala de raio-x verificar se você não fraturou nada — disse o doutor.

Tch. Tá bom.

Ele me levou para uma sala com uma cama metálica e uma máquina pendurada no teto, próxima à maca. A máquina foi de cima para baixo, me escaneando.

Eu saí da sala.

Foda se se eu tenho que ficar ou não, quero voltar pra cama.

Enquanto passo pelo corredor, andando escorado na parede, vejo uma muleta canadense.

Sem pensar duas vezes, a pego, coloco meu antebraço na braçadeira e volto a andar, sem o apoio na parede.

Bem melhor.

Empurro a porta, caminho até a minha cama, mas pelo canto do olho pude ver outra pessoa.

Cabelos longos e prateados; uniforme impecável; olhos vermelhos.

Eu paro de andar e olho de frente para a pessoa. Era a Yukari Kunigami.

Ela estava deitada na cama, lendo uma História em Quadrinhos.

Olho mais atentamente pela sua “zona” criada pela cortina; o celular dela estava sob um criado-mudo, carregando.

Seu olhar calmo muda para um olhar afiado e sério, suas sobrancelhas ficam franzidas; seu rosto relaxado fecha.

— O que você quer? — perguntou Yukari.

Bosta.

Já não basta eu estar nessas condições, e ainda preciso aturar essa vagabunda.

— Não sei como consegue ser chamada de Queen, se não consegue lidar com um mero olhar casual — disse.

— Não sei como consegue ser chamado de Brutal Guy, se precisa de uma muleta para andar — disse Yukari.

Ela havia me refutado.

— Isso aqui é até minha tontura passar — falei.

— Oh, é mesmo? — Ela perguntou.

— Você é surda? Já falei que sim…

Ela corta minha fala: Foda se.

Tch. Vai ficar fazendo cu doce agora?

Hm? O que quer dizer com isso? — Ela volta a ler sua HQ.

— Bem, nós lutamos, nos machucamos pra valer, desmaiamos e estamos aqui agora — respondi.

Hmm, que legal — disse Yukari.

Ela parecia não estar me escutando.

Com a muleta, bati na HQ; joguei ela pro alto.

Yukari toma a muleta de mim e joga contra mim, me abaixo; desviei com sucesso.

Grrh!

Avançamos um contra o outro, nos agarramos pela gola e erguemos os punhos.

— Vadia! — gritei.

— Vagabundo! — gritou Yukari.

Quando estávamos prestes a nos matar, o doutor abriu a porta.

— Calem a boca! — gritou o doutor, sua voz ecoa pelo local.

Eu e Yukari olhamos para ele.

Seu semblante sério; sobrancelhas franzidas, olhar fechado.

Nos soltamos. Vou até minha muleta, a pego, volto andando com ela até a cama.

O doutor suspira.

— Muito bem. Alger Reder Pealiceder, Yukari Kunigami. Devido a luta de vocês, vocês saíram com as mesmas sequelas. Não são tão graves, mas seria melhor ficarem de repouso — falou o doutor.

— Tá, e quais são as sequelas? — perguntei.

— Uma costela fraturada; pulso, ombro e uma costela deslocados — respondeu o doutor.

Deitado na minha cama, soco com força o criado-mudo ao meu lado; sinto meu osso voltando para trás.

Olhei para meu ombro,  movimentei-o duas vezes.

Deslizei meus dedos sob minha caixa toráxica, até achar uma costela com posição irregular.

A toco e movo-a para frente.

Hnmh! — Isso dói um pouco, não vou mentir.

Dei duas batidas fracas na costela, ela não se mexeu.

Isso é o suficiente para colocar o uméro e minha costela no lugar.

Esquisito. Se bem que fiz o mesmo — pensou Yukari.

— Bem, de resto é só — disse o doutor, que voltou para sua mesa de recepção.

Suspirei; coloquei a mão no rosto.

Agora tenho que ficar aqui em repouso, e ainda preciso conversar com aquele bosta do Vergher.

Mas o que ele quis dizer com “você agiu por instinto próprio, achando que estava fazendo o certo.”? Será que essa “farpada” era pra Yukari?

Talvez sim.

Tirei a mão do rosto, tinha uma linha torta em vermelho na minha palma. Esfreguei meu dedo abaixo do meu nariz e coloquei o dedo na minha frente.

Ei, doutor. Por que tem um pouco de sangue escorrendo do meu nariz?

— Até tentei limpar, mas você não parava de se remexer na cama — disse ele.

? Como assim?

— Você ficava chutando a mão do doutor enquanto estava inconsciente — respondeu Yukari.

Ah. — Eu tinha feito isso?

Eu olho para a cama de Yukari, coberta pela cortina.

Ei, Queen, quero conversar com você depois.

Oh, que honra, Brutal Guy. Mas eu recuso — disse Yukari.

Hmm, tá bom.

Ele desistiu tão fácil?! pensou Yukari.

Me espreguiço; me levanto da cama, com a muleta, ando até a porta.

Ei! Aonde pensa que está indo?! — gritou o doutor.

— Cala a boca porra! — gritei — Eu tô indo ver o Vergher.

Mal consigo andar, minha cabeça gira, e ainda tem esse vagabundo pra berrar no meu ouvido.

— Me manda calar a boca de novo que eu mesmo te quebro — ameaçou, o doutor.

— Pode tentar a sorte. — Saí da enfermaria.

Andei pelos corredores do segundo andar; subi as escadas, subir escadas de muleta é realmente difícil.

Até finalmente, parar na frente da sala do diretor.

Abri a porta, entrei, fechei a porta.

— Bem vindo, Al… — Ele olha para minha muleta — Disse para vir quando estivesse recuperado.

— Isso aqui — Ergui a muleta — É só a tontura passar.

Abaixei a muleta. Vergher me encarou com seu olhar frio.

Ele suspira.

— Quer se sentar?

— Não — respondi.

— Muito bem. Uhum. Você e a Yukari lutaram, mas por qual motivo?

— Ela veio pra cima e eu só devolvi — respondi.

Hm. E como estão seus cortes? — perguntou Vergher.

Olhei para minha barriga, levantei a camisa com cortes.

Duas linhas vermelhas, elas estavam cobertas por um tecido interno abaixo da minha pele.

— O que você acha?

Hmm, tudo bem. Bom, os três garotos tiveram suas facas apreendidas e estão suspensos, respondendo questões judiciais. Como se sente sobre isso?

— Bem. Aqueles filhos das putas vieram pra cima de mim e eu devolvi — respondi.

— Tenho ciência disso. As câmeras gravaram a cena do início ao fim.

— Isso foi bom. Tem mais alguma coisa a me dizer? — falei.

— Por enquanto, não. Caso as coisas escalem para outro nível, te chamo de novo — disse Vergher.

Me virei, saí da sala.

— Olha só quem está de muletinha! — disse uma voz.

Olhei na direção da voz, aquele grupinho de quatro caras novamente.

— O que aconteceu? A Queen te deu problemas, foi? — falou um deles.

— Você venceu cinco armários ambulantes, mas perdeu para uma única garota? — falou outro.
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Nada melhor do que sair daquela maldita cama e não ter que olhar pra cara daquele arrombado do Alger.


Brutal Guy é o caralho.

Saí do banheiro; passando por um corredor, vi quatro caras barrando o Alger.

— E aí, como se sente ao ser derrotado pela Queen? — falou um deles.

Ainda me chamam disso então, que chato.

Mas tenho que aturar.

Me escondi em um corredor próximo, botei a cabeça pra fora. Olhei pro Alger.

Semblante sério, pálpebras caídas, olhar de desinteresse e superioridade; sobrancelhas imóveis.

— Ficar fazendo cara de durão não vai adiantar de nada — disse um dos quatro.

Alger respirou fundo, e deu uma cabeçada em um dos quatro. A vítima caiu no chão, tinha sangue na testa do Alger.

— Escutem bem aqui, só porque estou de muleta não significa que vocês possam me derrotar — disse Alger.

— E a “Queen” que vocês tanto chamam, é mais forte do que vocês. Quatro merdas que não sabem nem bater.

Ele me chamando de forte? Isso é novo.

Um o lançou um soco; Alger o encarou com sobrancelhas franzidas, olhar penetrante e feição séria. Ele parou seu punho.

Ele deu um passo, e isso foi o suficiente pros quatro abrirem o caminho.

A situação havia sido dominada pelo Alger em questão de segundos?!
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Tch
. Espero que aqueles merdas não me perturbem de novo.

Entrei na enfermaria, senti uma leve batida no ombro. Yukari passava por mim.

Ei, não sabe desviar o caminho?

— Desviei o caminho você — disse ela.

Yukari abre a cortina em volta da sua cama e se senta nela.

— Vai ficar fazendo pose até quando? — perguntei.

— De novo com essa historinha? — disse Yukari.

— E onde você estava?

Ela me encarou com um olhar afiado.

— Não te interessa — respondeu Yukari.

— Você não cansa de fazer pose, hein? — disse.

— E você não me cansa de encher meu saco, não é?

Andei até minha cama.

— Você que está fazendo cu doce aqui — disse.

Não entendo o problema dela. Ela não consegue aceitar que nossa luta resultou em um empate e agora fica assim?

Ou ela é aquele tipo de garota que gosta de fazer pose, escondendo sua fragilidade interna?

Seja lá o motivo, o dia se passou.

Pude matar aula na enfermaria com causa justa dessa vez.

Peguei meu celular, a película havia o salvado; ele tinha uma linha enorme na tela, mas invisível.

O liguei; 17:40.

Me espreguicei, não estava mais com tontura. Bem, tchau-tchau muleta.

Levantei da cama, olhei embaixo da cama: Bingo. Minha bolsa estava lá.

Peguei a bolsa e a coloquei sua alça no ombro. Yukari passava por mim e saía da enfermaria.

Então ela também havia ficado aqui de repouso.

Esperei alguns segundos, afinal, não quero passar a impressão de estar a seguindo. Coloquei as mãos nos bolsos, saí da enfermaria e em seguida da escola.

Tinham poucas pessoas saindo da escola também, a maioria já tinha saído.

Vários cabelos pretos, castanhos. Yukari era quem mais se destacava. Era impossível não notar seu cabelo longo prateado.

Enquanto andava, parei em um ponto. O pôr do sol lentamente era engolido pela escuridão da noite.

O ônibus veio ao longe, e parou no ponto. Entrei no ônibus, me sentei no banco do fundo, o motorista acelerou.

Desci em outro ponto. Após outra caminhada, finalmente estava onde queria: Em casa.

Bocejei, entrei e fui direto para o banho.

Nada melhor do que um bom banho após um dia estressante.

Após sair do banho, fui para o quarto, me deitei na cama.

Peguei meu celular, havia uma notificação.

Abri a notificação, e nela dizia:

“Querido Alger, os três alunos que fizeram uma tentativa de assassinato a você foram expulsos da escola, e os pais deles estão respondendo juridicamente agora. Espero que fique bem.”

Estranhamente, o número era da secretaria.

Acho incrível que, eles tentaram me matar, não conseguiram e agora estão tendo que responder por isso. Enquanto eu quase esmigalhei a caixa toráxica de um aluno e fiquei bem.

Se bem que eu tive motivos, e eles não.



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