Volume 1
Capítulo 7: Aproximação calorosa
O que aconteceu? Onde estou?
Olho em volta e vejo toda uma pretidão infinita circundante sem fim. Apesar de conflitante, não parece que estou num lugar escuro porque consigo ver minhas mãos de forma nítida. Parece que estou no mesmo lugar que estive antes de reencarnar e onde falei com aquela mulher. Até tinha me esquecido a experiência. Fazem tantos anos.
— O Plano Espiritual.— digo, desta vez conseguindo falar livremente desde o início.
O que aconteceu? Eu estava finalmente conjurando a magia, mas simplesmente me senti cansado e caí no chão. Quando me dei conta, estava aqui. Aliás, aparentemente a magia foi um sucesso. Não foi tão difícil quanto imaginei, espero que Alexandrina não fique brava comigo porque eu caí no chão sem mais sem menos.
Será que estou desmaiado? Ou pior, será que morri?
Não, se tivesse morrido eu não estaria me lembrando do passado, eu acho. Se for esse o caso de um desmaio, é normal isso ocorrer quando se aprende magia? Espero que sim, não quero ter que acordar causando todo um alvoroço porque simplesmente desmaiei na casa dos outros. Ainda mais fazendo a primeira magia, uma mera magia de nível doméstico que aparentemente é uma das mais fáceis.
Que desculpa devo inventar para ela quando acordar? Que estava muito tempo sem comer? Não, isso não daria certo. Eu e Alexandrina lanchamos juntos durante uma pausa.
O que devo faze...
— Você aparentemente tem se esforçado muito. — uma voz feminina doce na qual jamais me esqueceria ecoa pelos meus ouvidos.
Após anos sem ouvir essa peculiar voz feminina, quem eu imaginava nunca mais encontrar apareceu mais uma vez para mim. Quando me dou conta, lá estava ela na minha frente. Desta vez vestindo um pano branco fino um pouco translúcido.
Será que ela se vestiu assim por causa dos meus pensamentos sobre o seu corpo em todos esses anos?
— Eu ainda continuo conseguindo ler sua mente. — diz a mulher misteriosa num tom lúdico como se estivesse rindo de mim.
— Droga, isso não é justo. Invadir a privacidade de um homem assim.
— Não se preocupe, você não é tão vulgar assim.
Bom, não sei reagir a uma resposta dessas.
— Certo.... Então, depois de tantos anos que não nos vemos, não pensei que a encontraria novamente.
— Quantos anos se passaram? — indaga a mulher de cabelos vermelhos vivos com um olhar desinteressado.
Ela não sabe? Isso é interessante e ao mesmo tempo assustador. Ou ela não pôde me observar constantemente nesses últimos 7 anos, o que abre o precedente que há um tipo de limitação em seus poderes, ou eu não sou o único que ela observa. Mas ela não saber a quantidade de tempo, isso não faria sentido se ela apenas observasse para frente... droga, ela está lendo tudo que estou pensando, não posso controlar.
— Você está mais ou menos certo, mas ainda muito longe da verdade. De qualquer forma, se passou tanto tempo assim? A noção de tempo aqui é diferente. — diz a mulher após um leve momento de reflexão ou como se tentasse se recordar sobre algo.
— Se passaram alguns anos como você pode ver. Você que me fez aparecer aqui novamente?
— Não, você só desmaiou por ter usado magia. Ficou um pouco mais fácil falar com você em decorrência disso. Mas não temos muito tempo, em alguns segundos você vai acordar. — diz a misteriosa mulher com sua típica pele de porcelana e olhos brancos penetrantes.
— Há algo que queira falar para mim?
— Aprenda a arte de alguma arma corpo a corpo, vai ser útil para você. — diz a mulher misteriosa com um tom de como estivesse ordenando a eu fazer isso.
Só há uma razão para ela ter dito isso.
— Não serei bom com magias? — indago a mulher misteriosa, já esperando uma resposta decepcionante.
— Depende da forma que você analisa. É complicado. Você acabou desmaiando porque usou toda sua mana. Com o tempo e treino vai conseguir aguentar mais. Entretanto, você infelizmente é possuidor de um limitador crônico devido a uma maldição que carrega. Não conseguirá canalizar muita capacidade mágica, apesar de poder controla-la facilmente.
— Que? Maldição? Carrego alguma maldição? Ou seja, todo meu esforço foi em vão?
— Não, continue seus estudos com magia. Você conseguirá aprender magias, só não poderá utiliza-las muitas vezes, pois desmaiará novamente. Por isso, aprenda a arte da esgrima para não depender da magia.
Eu não esperava esse empecilho.
— Droga... Tudo bem, mas sobre a minha maldi...— sou interrompido por uma voz abafada que está gradativamente aumentando a intensidade.
— Lucy! Lucy! Está me ouvindo?
Este sentimento... é como se minha consciência estivesse saindo do plano espiritual. Enquanto sinto minha alma sendo levada, apenas observo de longe a Mulher Misteriosa me encarando enquanto eu desapareço daquele plano.
— Lucy! Você está acordando? Você está bem? — grita Alexandrina aos prantos, tentando me acordar.
— Ei, Jovem Mestre, você nos deu um susto. — diz Agnus, com uma voz mais controlada, mas ainda sim, um pouco preocupado.
Abro os olhos e tudo que vejo é o céu. Um céu quase noturno onde as estrelas e nuvens se misturam. Respiro lentamente e olho para minhas mãos e depois para os lados e vejo todo o chão úmido a minha volta.
— Eu desmaiei?
— Sim, você me deu um susto. O que aconteceu com você? — pergunta Alexandrina preocupada com meu bem-estar.
Me levanto lentamente e de pouco em pouco me recomponho. Agnus se oferece pra me ajudar, mas Alexandrina tomou a iniciativa e me ajuda a levantar. Ela parece nervosa para entender o que aconteceu.
Olho para Alexandrina e pergunto: — Não é normal desmaiar assim, né? — coloco minha mão na cabeça, que está doendo um pouco. Provavelmente devido ao impacto do desmaio.
— Não, não é normal. Mas Lucy, você conseguiu fazer magia no primeiro dia, isso é incrível. É um prodígio.
— Não acho que seja bem o caso...— respondo em meio a uma pequena tosse.
— O que você dizer, Lucy?
— Eu entendi, Alexandrina. Compreendi a magia no seu nível mais íntimo, mas o meu corpo foi além do limite apenas com essa magia doméstica. Acho que não tenho afinidade mágica. Desculpe desperdiçar seu tempo com alguém sem potencial.— enquanto falava vejo uma expressão estranha no rosto de Alexandrina.
— Não diga isso.— há um olhar comprometido em Alexandrina após ouvir meu relato.
— Capacidade máxima de magia aumenta com o tempo e prática. Mesmo que você tenha um limite pequeno agora, se praticar todos os dias, conseguirá alcançar um nível bom num futuro. Talvez não tão grande quanto um Elfo e outros humanos com dom natural, mas conseguirá se tornar um Mago excepcional.— finaliza Alexandrina, determinada em me animar.
Entendo. Alexandrina falou o mesmo que a mulher misteriosa. Se eu praticar, posso aumentar lentamente minha capacidade mágica. Não espero grandes diferenças, mas continuarei estudando magia.
— Isso seria muito bom, Alexandrina. — entrego um leve sorriso em agradecimento as suas palavras de encorajamento, que agora se vê um pouco desconcertada pelo o silêncio gerado e também por ela estar me segurando desde que levantei.
Ela gentilmente retribui o olhar com um belo sorriso também. E ficamos alguns segundos dessa maneira. Apenas aproveitando o momento.
— Ei... vocês... — Agnus nos observa com um olhar de como estivesse invadindo a privacidade de alguém.
Alexandria percebe a situação e arregala os olhos em contraste ao olhar sereno de segundos atrás.
— Que!? Então... Vamos chamar o médico para checar Lucy.— com seu rosto todo corado num tom rosado, ao mesmo tempo, se desaproximando de mim imediatamente de forma brusca.
Sua reação me gerou uma Epifania. Uma sobre relações humanas e o sexo feminino. Após presenciar a reação e os movimentos dela, fica claro perceber que estou recebendo um olhar diferenciado por parte dela, apesar da nossa diferença de idade. De qualquer forma, há coisas mais importantes que preciso me preocupar no momento.
— Alexandrina, você não tinha me dito que sabia magia curativa? — a indago, pois talvez ela mesmo possa me ajudar.
— Sim, mas a minha magia curativa é para ferimentos leves e físicos. Para seu caso, é preciso utilizar outra magia. Uma sobre desgaste mental devido a esgotamento da mana.
Interessante. Há toda uma diferenciação em tipos de magias até mesmo para desgaste de mana.
— Sendo assim, não se preocupe. Não há necessidade para todo esse trabalho. Eu apenas fiquei cansado, mas eu me sinto melhor agora. Realmente não é necessário.
— De qualquer forma, suas roupas estão molhadas e sujas de lama. Vamos ao menos limpar isso. — Alexandrina falou num tom de como não tivesses opções a não ser aceitar seu comando.
Logo em seguida, nos dirigimos a sua casa onde minhas roupas são secas e limpas pelas as empregadas da casa que são bem prestativas. Após estar pronto para ir embora, Alexandrina e seu pai me esperam no salão de entrada para se despedirem de mim.
Antes que pudessem falar qualquer coisa, me adianto em uma saudação de nobreza, seguindo toda a etiqueta: — Agradeço profundamente por terem me acolhido em sua residência hoje, Senhor Boruta, Barão de Arklum e Senhorita Boruta, Futura Baronesa de Arklum, Alexandrina.
— Não se preocupe com meras formalidades agora, garoto. Soube que fez algo incrível hoje. — diz Sr. Boruta vestindo roupas mais casuais, porém ainda majestosas dignos de um barão.
— Não foi nada demais, sem falar que desmaiei logo em seguida.
— Claro que foi algo demais, Lucy! Ser capaz de conjugar magia no primeiro dia é algo muito raro. Nem mesmo eu e meu pai conseguimos tal feito. — diz Alexandrina, num tom complacente a minha situação.
Ela ainda está tentando me motivar.
— Sim, Lucy. O que minha filha disse é verdade. Nem mesmo seu pai foi capaz de tal proeza. Você ainda é muito novo, se continuar treinando tenho certeza que não vai mais desmaiar. — a voz do Sr. Boruta transparece sabedoria e confiança.
Parece que não posso duvidar das boas intenções deles dois.
Me despeço de ambos e Agnus me leva de volta para casa. Desta vez, pergunto a ele se eu poderia ficar na parte de fora da carroça para poder ver melhor as ruas, mas meu pedido é negado na hora sem desvaneios e nada posso fazer a respeito.
Ao chegar em casa a lua já está no seu auge e não há mais sol. Apesar da falta de claridade, posso ver Godam fazendo seus típicos trabalhos manuais de cuidar do nosso jardim e horta com a luz do luar.
Trabalhar em tal hora me aparenta ser estranho, mas meu conhecimento é nulo nessa área. E por mais que pensasse a respeito sobre várias coisas, algumas geravam epifanias e outras não. Conhecimentos sobre cultivo é uma delas, por exemplo. Apesar de ser um conhecimento comum aqui, eu não recebi nenhum tipo de epifania ao receber instruções ou informações sobre hortas, plantações e tudo aquilo que envolvesse esse ofício.
Agnus tenta me escoltar até minha porta e falar diretamente com minha mãe como uma questão de formalidade, mas faço questão de que isso não seria necessário.
Vou em direção ao Godam, que já tinha percebido minha chegada desde o começo. Quando ele percebe que eu estou indo e sua direção, imediatamente para de trabalhar e se vira pra mim, esperando me aproximar para começarmos a falar.
Eu sei que ele não esperava que eu fosse falar com ele. Nossa relação é bem limitada e não posso chama-lo nem de amigo, por assim dizer, no máximo um colega de longo-tempo de convívio.
— Godam, boa noite. Como o senhor está?
— Olá, Mestre Lucy. Boa noite. Estou bem e o senhor? — diz Godam enquanto coloca uma enxada encostada na parede para poder conversar comigo.
Godam é um homem de estatura alta e magro. Sua altura precede os meus conhecimentos comuns sobre os elfos, que são conhecidos por sua altura avantajada. Sua pele, ao contrário da Alexandrina – que é bem clara e sem nenhuma marca –, seguia um tom mais escuro, como se cinzas estivessem cobrindo todo seu corpo. É difícil de identificar, mas a cor de seu cabelo é um branco levemente esverdeado, diferente do meu que é totalmente branco. Seu cabelo é da altura do pescoço, cobrindo uma boa parte do seu rosto, porém hoje é uma exceção. Ele prendeu o cabelo pra trás e todo seu rosto agora é visível. Provavelmente prendeu para poder trabalhar melhor.
Seu rosto possui traços finos, mas demonstra uma certa idade. Se fosse um humano, sua aparência seria de alguém na faixa dos 35 anos, mas como a idade dos Elfos é uma questão complicada, sua idade real é um mistério completo para mim. A aparência andrógena dos elfos é algo que já conhecia através das epifanias e pude confirmar novamente lendo alguns livros. Godam deve ter sido muito bonito durante sua juventude.
Seu olhar mostra uma áurea cansada, sem muitas motivações e foi sempre assim que enxerguei Godam. Alguém que apenas está existindo e fazendo seu trabalho. Eu não faço ideia das coisas que ele passou, mas aparentemente tem muito apresso e lealdade por meu pai.
— Estou bem, fui a casa dos Boruta hoje para treinar magia.
— Isso é bom.
— É, também acho. — minhas palavras são seguidas de um silêncio constrangedor.
Droga, nossa conversa está seguindo um rumo entediante.
— Enfim, Godam. Você é um Elfo, certo? Você deve saber magias poderosas.
— Não muitas, nunca fui um mago.
Eu meio que sabia de antecedência tal informação. Embora meu conhecimento sobre a existência de magia fosse algo recente, houve várias ocasiões onde as habilidades de luta do Godam foram elogiadas pela a minha família e principalmente meu pai. Isso me fez crer que ele era um guerreiro experiente no passado.
— Você focou na arte da espada, né?
— Não da espada, mas da Lança. Eu era um lanceiro.
Ah, isso é interessante.
— Bom, eu vim justamente perguntar sobre isso para o senhor.
— Como assim?
— Bom, hoje foi meu primeiro dia e consegui realizar uma magia com sucesso e...
— Que!? — sou interrompido pela as expressões faciais de Godam que até então eram inexistentes, agora formam uma expressão confusa de surpresa.
— Sim, os Borutas também tiveram a mesma reação que o senhor. Mas infelizmente tenho pouca capacidade mágica. Uma simples magia de nível doméstico foi o suficiente para me fazer desmaiar.
— Entendo... — A expressão do Godam volta ao estado inexistente de emoções novamente, como ele sempre assim o fez. Não, na verdade eu diria que no fundo houve um sentimento de alívio, mas pode ser meramente uma impressão minha.
Porque o Godam ficaria aliviado com a minha falta de afinidade eu não faço ideia.
— Por isso, gostaria de saber se você poderia, se possível, me instruir nos conhecimentos da Arte da Lança.
Godam não esboça nunhuma reação ao ouvir meu pedido, mas leva sua mão ao seu queixo e pondera por alguns segundos.
— Bom, se o mestre assim desejar, posso instruí-lo com o que eu sei na Arte da Lança, mas o Mestre Sapphirus precisa aprovar primeiro. Mas acho que ele não o impedirá. — diz Godam, aparentemente certo da resposta do meu pai.
Essa certeza me deixou um pouco curioso. Não é de hoje que reparo uma certa preocupação por parte dos meus pais e agora Godam no ato de eu aprender magias. Sinto que há uma razão trás por isso, mas essa é a menor das minhas preocupações no momento. Já recebi a devida aprovação do meu pai em aprender magias e aparentemente aprender a Arte de Lança não será um problema também.
Como a mulher misteriosa me aconselhou, dedicarei os próximos anos da minha vida em praticar constantemente magia e aprimorar minhas habilidades com a lança. Essa dica por parte dela já deixa implícito a certeza de que lutarei e que estarei em várias situações de vida ou morte. É algo que senti em meu corpo e recebi várias epifanias sobre isso no fatídico dia do meu aniversário.