Volume 1

Capítulo 6: Magias e seus derivados

Após uma tarde inteira estudando sobre os fundamentos da magia com Alexandrina, que foi inclusive uma ótima instrutora, descobri coisas interessantíssimas.

Há magia em tudo. Como o logos que rege o universo, uma energia que unifica todas as coisas vivas e não vivas. Essa energia pode ser canalizada, manipulada e utilizada de inúmeras formas diferentes. Não importa qual tipo, efeito ou duração, tudo é sobre a manipulação do Logos.

Logos é uma concepção praticamente religiosa do universo, e boa parte das religiões regentes aqui se baseiam no seu entendimento nela. Em suma, é uma visão de mundo Panteísta. Tais termos afloraram em minha mente após ser instruído pela a Alexandrina, que não usou tais palavras. Sua explicação foi mais abstrata e arcaica, mas acabei sofrendo uma epifania durante o processo e muito do entendimento sobre a concepção do universo ficou mais fácil de digerir.

Há seres que conseguem manipular tais magias e há seres que não. Não precisando ser uma criatura sapiente para saber fazê-lo. Descobri que há animais, que não são monstros, mas que são considerados feras mitológicas que conseguem utilizar magia como forma de se defender ou atacar. Elas manipulam o logos como bem entendem. De qualquer forma, entre as espécies sapientes, os humanos são a espécie com a menor pré-disposição para utilização da magia.

Após ouvir isso, entender o semblante de frustração do meu pai é compreensível. Não se sabe porque os humanos não podiam usar magia, mas isso tem mudado com o tempo. Aparentemente, desde do surgimento dos humanos, apesar de existir alguns que desde o começo conseguiam usar o Logos, tem ficado cada vez mais comum o número de humanos com capacidade mágica. Hoje em dia, utilização de magias de nível doméstico tem sido tão comum ao ponto de ocorrer toda uma adaptação da sociedade com base nessas magias. Aliás, “Magia Doméstica” é apenas uma das classificações da magia. Elas se dividem em ao menos 12 níveis de magia e o que muda de uma para a outra é a intensidade e o consumo de magia necessária para realiza-la.

Os níveis de magia são:

【Magias Domésticas】- Nível mais baixo. Essas magias não possuem caráter defensivo nem ofensivo. São magias que ajudam em coisas cotidianas. Como criar sal, água, esquentar coisas, levitar pequenos objetos, entre outros.

【Magias de 1° Aba】- Qualquer magia que tenha características defensivas ou ofensivas começa a contar a partir daqui.
【Magias de 2° Aba】
【Magias de 3° Aba】
【Magias de 4° Aba】- Limite da Humanidade. Tudo além disso está no Domínio dos Heróis. Apenas poucos humanos, das Lendas Heroicas, conseguiram romper essa barreira.
【Magias de 5° Aba】
【Magias de 6° Aba】
【Magias de 7° Aba】
【Magias de 8° Aba】-  Limite dos Elfos. Não há relatos de Elfos que tenham ultrapassado esse nível.  Normalmente, Elfos ficam presos na 6° Aba.
【Magias de 9° Aba】- Limite conhecido de seres não-sapientes. Há apenas um animal conhecido capaz de realizar uma magia dessa magnitude.
【Magias de 10° Aba】- Limite dos Demônios. Com exceção da Lilith, aquela que causou a grande sumonação dos monstros, nenhum Demônio conseguiu ultrapassar essa barreira. Por essa razão, essa escala foi criada através dos próprios demônios, que dividiram a magia em 10 níveis, onde o 10° Aba era o pináculo da magia. Apenas alguns Demônios chegaram nesse nível. Suas magias rivalizam com poderes apocalíticos que podem mudar a geografia de um local. Segundo a Lenda dos Heróis, os 4 heróis que derrotaram a Lilith, na qual eram humanos, utilizaram magias de 10° aba. Mas hoje em dia é levado apenas como superstição e mito.

Magias de Lilith- Único ser vivo que foi capaz de superar a própria escala dos demônios. Sua magia foi tão grandiosa quando ela inundou o mundo com monstros que não seria justo considera-la como uma magia de 10° aba. Por isso, há todo um nível dedicado a tal feito.

Complementando, de forma geral, a magia pode ser dividida em cinco grandes grupos de atuação.

『Magicae DomesticisMagias Domésticas- Magias domésticas que auxiliam o dia a dia das pessoas em seu cotidiano. Não possuem eficácia ofensivamente ou defensivamente.

『 Magicae ConsecraverantMagias de Aprimoramento- Magias como a 『Lion’s Heart』que minha mãe usou durante meu aniversário. São magias – como o próprio nome já diz – que fortalecem o alvo.

『 Magicae LucisMagias Claras- Qualquer magia de caráter Curativo. Existe inúmeras variedades. Magias de cura em área, alvo único, que cura doenças e assim adiante.

『 Magicae TenebrisMagias Escuras 』- Qualquer magia de Caráter Ofensivo. Independente do elemento da magia, todas estão incluídas aqui.

『 Magicae CaeruleumMagias Azuis- O oposto das magias de aprimoramento. Magias Azuis são focadas em enfraquecer o usuário de inúmeras formas, sem causar dando.

Essa divisão de magia acabou criando designações das próprias classes de magos, segundo a Alexandrina. Há magos que focam em apenas um tipo de magia e quando alcançam o pináculo dessa classe de magia – dentro de sua limitação racial – eles são chamados de "Arquimestre".

Existem Magos Azuis, que se dedicam apenas no estudo das Magias Azuis, e assim respectivamente com Magos Brancos, Negros e Aprimoradores. Embora, todos os magos saibam uma ou outra magia de cada classe, todos eles costumam escolher um norte e se dedicam nesse tipo específico de magia a vida inteira.

De todos os tipos de magos, o que sofre mais preconceito é sem sombras de dúvidas o Azul. Por se dedicar em magias que só causam malezas, existe um preconceito geral por parte das pessoas contra eles. Além disso, seu uso prático é extremamente limitado a batalhas, pois como suas magias não causam danos, sempre dependem de suporte para protege-los e infligir dano. Entretanto, a falta dessas características é suprida com o seu grande leque de magias que prejudicam o adversário, ajudando – e muito – seus aliados a conseguirem derrotar o inimigo. Infelizmente, monstros invocados pela a Lilith são imunes a magias azuis, então magos azuis não costumam ser escolhidos para enfrentar tais criaturas e sim recrutados por países para integrarem como parte do exército em guerras convencionais.

Alexandrina por ser uma mestiça de humano com Elfo foi agraciada com uma capacidade quase natural para utilização de magias. Segundo ela, já consegue realizar magias domésticas e é uma usuária de 2° Aba de Magias Claras, ou seja, magias de caráter curativas. Para sua idade, isso é um feito incrível pelo o que pude entender. Embora essa primeira parte tenha sido meramente teórica, Alexandrina me ensinou as bases necessárias para poder realizar magias de fato, ou pelo menos tentar.

Magias são conjuradas através de um esforço mental. Pessoas recitam encantamentos, pois elas ajudam na concentração durante o processo de conjuração de tal magia. Esses encantamentos podem ser modificados a vontade do usuário se assim achar mais fácil, mas isso exige um domínio superior em controle mágico. Humanos, por via de regra, quase sempre precisam recitar magias porque não conseguem controlar o Logos facilmente. A razão disso é que aparentemente 『concentração e recitação』 aumentam a probabilidade de sucesso. Essa deficiência crônica dos humanos em utilizar magia é um empecilho meramente racial. É como um comportamento biológico interno que requer que capte a magia do corpo para expeli-la como deseja, tomando elemento e forma necessária a vontade do usuário.

Ao ouvir essa explicação, minha mente automaticamente associou tais condicionantes a mitocôndrias do nosso corpo como as responsáveis pelo o controle da magia que converte em energia para fora do corpo. De alguma forma elas acessam o Logos através da influência do desejo do usuário. Se for isso, há um sentido do porque algumas espécies conseguem e outras não. É a explicação biológica mais plausível para mim. Meu entendimento sobre o corpo humano transcende ao conhecimento comum das pessoas desse lugar e isso não é a primeira vez. Meu palpite é que realmente serei algum tipo de médico no futuro.

Agora estou me preparando para um teste prático. O dia já está terminando e o céu está amarelo, com o crepúsculo nos fornecendo uma bela vista.  E após um dia inteiro de conhecimentos teóricos, é hora de tentar realizar uma magia. Alexandrina falou que é possível fazer alguns testes antes para saber se tenho pré-disposição mágica, mas que não possuía tais instrumentos com ela. De qualquer forma, não há nada que possamos fazer a respeito.

Alexandrina me forneceu alguns encantamentos para tentar realiza-los, em que alguns casos, se limita apenas ao nome da magia em si. Além disso, recebi toda a explicação teórica aprofundada por trás de cada magia específica. Não importa saber o encantamento sem conhecer o processo em si da magia para realiza-la.  Por alguma razão, a língua demoníaca é usada para nomear algumas magias, pois sua linguagem e sonoridade, ao que tudo indica, sincroniza melhor com o Logos que rege o mundo.

A primeira magia que fui instruído a fazer foi a Create WaterCriar Água. Uma magia de nível doméstico que cria água potável.

A sua explicação por trás da magia foi praticamente o que eu chamaria de Alquímica. Sobre os elementos básicos da natureza e a mobilidade característica da água, mas eu senti que a explicação foi no mínima limitada. Mesmo após ouvir o monólogo de Alexandrina afim de conseguir entender o conceito do elemento em si na sua forma mais íntima, senti que a explicação não tocava no que realmente importava para entender o elemento.

Tudo isso é um processo de introspeção com a magia afim de entender como ela funciona. Ao ouvir a explicação do elemento pela a Alexandrina, uma nova epifania me atingiu. E o que veio em mente foi a ideia de uma pequena quantidade partículas minúsculas distintas que se juntam e com isso a água é formada. Esse processo químico passou pela a minha mente, sem saber seus nomes exatos, mas como uma intuição adquirida através do estudo na minha vida passada.

Após passar pela a epifania, imaginar o que é a água ficou muito mais fácil. Mentalizar apenas a mobilidade do líquido é uma visão bem superficial do que realmente representa a água. Para cria-la, preciso imaginar as menores partes do universo se unificando e assim concebe-la. É o que eu tenho em mente e tentarei fazer. Unificar tais elementos da natureza em que o Logos rege através da magia e criar água com ela.

—  Você está pronto, Lucy? — pergunta Alexandrina após dar uma leve distância para me deixar confortável para finalmente poder tentar conjurar uma magia.

 


(Perspectiva da Alexandrina)

 

Sim, vamos tentar. —  responde Lucy enquanto o observo se concentrando antes de tentar realizar sua primeira tentativa.

Não há o que reclamar quanto aos seus esforços para aprender magia. Ele se demonstrou bem interessado e fez várias perguntas técnicas. Algumas em que até tive dificuldade para responder. Para alguém de sua idade, chega ser assustador. Mas, mesmo que ele tenha prestado atenção e talvez entendido as bases da magia, provavelmente não conseguirá realiza-las hoje, ou pelo menos não nos próximos meses.

Quem dirá, talvez até nunca.

Humanos demoram um bom tempo até conseguirem conjurar sua primeira magia. Isso supondo que ele possua afinidade mágica, porque nem sei se ele possui. Mas quem sou eu para tirar os sonhos de um garoto que quer estudar sobre algo que lhe interessou? Ainda mais alguém que me salvou. O mínimo que posso fazer é dar os meios para ele correr atrás do que ele quer aprender. Com o que eu o ensinei será mais do que o suficiente para fazê-lo estudar por meses a fio sozinho e quem sabe conseguir conjurar uma magia.

—  Senhorita, Boruta. Com licença. diz uma voz conhecida atrás de mim. Antes de me virar, checo mais uma vez Lucy que ainda está se preparando e aparentemente está tudo de acordo com o que eu ensinei. Volto minha atenção para a origem da voz e vejo Agnus aguardando minha resposta e permissão para falar.

Agnus é aquele que normalmente age como meu guarda costa pessoal e do meu pai. Não tenho o que reclamar de seus serviços e pelo o fato do meu meu pai o ter escolhido para me escoltar e buscar Lucy, demonstra que há uma confiança especial nele.

Seu pai deseja falar com a senhorita.

Tudo bem, nós já estamos acabando por hoje. Sabe do que se trata?

Bom, ele não entrou em todos os detalhes. Mas ele também deseja saber quando fazer os preparativos para levarmos Lucy de volta para casa. —  Agnus dá o comunicado enquanto divide seus olhares entre mim e Lucy.

Entendo, vamos acabar em breve, não mais do que 20 minutos e irei ao meu pai.

— Entendido, senhorita Boruta — conclui, Agnus, abaixando sua cabeça em demonstração de ter recebido uma ordem. Há um sentimento de repetição desleixada nesse gesto, como se ele não tivesse o completado corretamente.

Eu realmente não ligo para tais coisas.

São meras questões de formalidade que no dia a dia, apesar de ser parte da etiqueta e precisar ser seguido, não impede que uma leve liberdade poética seja permitida e que não haja necessidade de agir de forma meticulosa quanto aos mínimos movimentos constantemente.

Agnus levanta sua cabeça, olha para direção de Lucy mais uma vez, coloca a mão em seu queixo com uma expressão de confusão, e indaga: — Ah, o Lucy já sabia fazer magia? Achei que ele fosse aprender ainda. Ele é realmente impressionante. — O que!? — minha resposta saiu de forma instintiva, sem ter pensado a respeito antes de falar.

Olho imediatamente para trás e vejo algo que não poderia ser possível.

A imagem de um garoto de cabelos brancos com seus dois braços esticados para frente e um globo feito de água sendo formado e expandindo na frente das palmas de suas mãos. Ao mesmo tempo, uma quantidade pequena de água saía do globo em direção ao chão, molhando a grama em sua volta.

— Essa juventude está cada vez mais precoce. — diz Agnus, enquanto coçava a cabeça olhando um pouco interessado em Lucy.

Agnus não consegue compreender a magnitude desse feito.

Isso não faz sentido algum. Nunca ouvi falar sobre um ser humano conseguir conjurar magias no primeiro dia. Já vi muitos relatos de Elfos puros conseguirem tal feito, mas um humano é algo que nunca ouvi falar.

— Lucy... — tento juntar palavras, mas falho miseravelmente.  Quem sou para interrompe-lo agora. Não há nada a ser dito.

Que potencial absurdo. Como alguém tão jovem pode ser capaz de conjurar magias de forma tão rápida. Pessoas normais demorariam semanas, até eu mesmo demorei alguns dias para conseguir conjurar minha primeira magia.

Isso é simplesmente inexplicável. Chega ser belo presenciar com meus próprios olhos. Quando o vi pela a primeira vez, não tive uma imagem concreta sobre ele, e não conseguia bem entender suas intenções, mas após aquela experiência trágica, posso ver que ele é realmente alguém especial.

Um simples humano agraciado com tamanha afinidade mágica, o que ele conseguirá no futuro é inconcebível.

Enquanto reflito sobre o que eu acabara de presenciar sou interrompido por Agnus que me faz voltar para a realidade.

— Ei, ele desmaiou? — diz Agnus apontando o dedo em direção ao Lucy que agora se encontrava caído no meio da poça de água, inconsciente.

— Que!?



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