Volume 1

Capítulo 5: Aulas Particulares

Três semanas se passaram desde o meu aniversário. Algumas coisas mudaram desde então.

Aquele quarto que serviu de refúgio para as crianças e também local onde a menina morreu foi limpo na medida do possível. Tudo aquilo que não pôde foi jogado fora. Coisas como lençóis de cama, travesseiros e papel de parede. O quarto ficou bem vazio e sem vida após a limpeza e no chão, que é de madeira, ainda é possível encontrar resíduos de sangue coagulado enraizado em cada fresta, ficando bem difícil a remoção total do sangue.

Jennifer, que já tinha se curado totalmente de seus ferimentos, passou dias e dias tentando limpar aquele chão sem sucesso. O quarto que vivia sempre aberto agora está trancado desde então.

No mínimo, acho que é compreensível. Ninguém quer ficar entrando ou olhando para um lugar onde uma criança morreu de forma horrível. Agora todo dia vamos dormir sabendo que alguém morreu aqui dentro. Eu entendo que seja difícil para a minha irmã conseguir entender essa situação por ser muito nova, mas a verdade é que isso afetou todos aqui dentro de casa. Até meu pai e minha mãe, que pude comprovar em primeira mão que possuem habilidades incríveis e que são veteranos com larga experiência no campo de batalha, não conseguiram disfarçar o clima gélido que ficou pairando em casa após o ocorrido. Com Maria chorando e tendo constantes pesadelos, ficou difícil voltar ao clima ameno e alegre que tínhamos antigamente. Mas não acho que ficaremos para sempre nessa situação. Comparado ao primeiro dia, agora o clima está bem melhor. Nada que o tempo não possa melhorar.

Daqui uns meses tudo voltará ao normal. Pelo menos é o que eu acho.

O barulho da porta se fechando naquele dia era o tal nobre que meu pai esperava para conversar a respeito do trabalho da Maria como escrivã. No meio do caminho as Aranhas apareceram e começaram a persegui-lo. Como já estava próximo da nossa casa, buscou refúgio aqui dentro. Meu pai e Godam foram rápidos em salva-lo, então conseguir o tal esperado emprego para Maria foi apenas uma consequência natural de eventos.

Apesar do êxito em conseguir o emprego, Maria ainda não foi trabalhar porque está muito chocada para sair de casa, mas eu tenho feito meu melhor para ajudá-la a superar tal trauma.

Após esse incidente, refleti muito sobre a minha existência, o que eu deveria fazer e sobre o que aquela mulher misteriosa quer de mim. Eu estou vivendo minha vida mais uma vez, mas diferente da minha vida original, desta vez minha vida pode ser completamente diferente. Na verdade, muito provavelmente ela já seja diferente em inúmeros pontos. Duvido que na minha última vida eu tenha aprendido a ler e escrever tão rápido quanto nessa existência, ou que as minhas escolhas e decisões foram as mesmas. Isso por si só já deve ter quebrado o ciclo em que eu morria no final.  Desde que eu vi a morte daquela menina, a dor que carregava dentro de mim ficou muito mais forte. Essa sensação amarga de um arrependimento que não entendo, mas que está constantemente me atacando tem me afetado negativamente.

Aquela menina, que embora eu não soubesse quem era, a sua morte e a forma que morreu mexeram comigo. Afetou diretamente esse meu fardo e arrependimento.

O que me leva a crer que muito provavelmente meu arrependimento tem a ver com mortes de entes queridos e pessoas importantes para mim. Mas esse tipo de pensamento não chegará em conclusão alguma. Não há o que possa ser feito nessa situação, a não ser trabalhar duro para não cometer os mesmos erros novamente. Posso ter cometido inúmeros erros na minha adolescência e que agora com minha percepção e lógica, não os cometerei novamente. E isso me motiva, pois, apesar dos pesares, estou ficando mais velho e não preciso fingir tanto. De pouco em pouco, estou podendo falar abertamente minhas opiniões na medida do possível sem aparentar ser uma pessoa estranha ou com um intelecto fora do normal.

Desde que nasci, determinei que não contaria a ninguém sobre minha "nova vida" e acho que foi a escolha certa e não vejo necessidade para mudar. Não sei de nenhuma informação pertinente que eu possa usar para provar a verdade e por mais que eles possam perceber que tenho conhecimentos fora do normal para uma criança da minha idade, toda essa estranheza pode gerar um efeito contrário e um distanciamento da minha família.

Não sabemos o dia de amanhã. Se eu me sentir confortável em contar, não veria problemas com isso, mas o medo de ser traído é constante. Minha família pode me vender para alguém poderoso, ou tirar aproveito de meu conhecimento como reencarnado e querer ganhar dinheiro.

É... talvez estou divagando novamente.

Mas há possibilidade nunca é zero. Por menor que seja, ela existe e isso pode ocorrer. De qualquer forma, hoje estou me arrumando porque irei visitar a casa de Alexandrina. É a primeira vez que sairei de fato de casa.

Não posso mentir e dizer que não estou ansioso.

Todos esses anos em casa trancado me fizeram ter um pouco de receio pelo o mundo externo. Fora a experiência que tive com aquela Aranha monstruosa. Se isso é a normalidade desse mundo, realmente é um lugar perigoso e preciso ficar forte.

Uma carroça virá me buscar daqui a pouco e tenho que me preparar mentalmente para sair de casa e absorver todo o conhecimento que puder em magia. Meu pai logo no dia seguinte ao ocorrido veio falar que conversaria comigo no dia que eu fosse para casa da Alexandrina. Me pergunto o que poderia ser para poder falar somente no dia. E devo admitir que também estou curioso quanto ao conteúdo dessa conversa.

Termino de me arrumar e dirijo-me ao escritório do meu pai, onde o mesmo está lendo documentos e trabalhando como de praxe. Ele olha pra mim e brevemente para minhas vestimentas e então volta a olhar a papelada.

— Entre, filho.

Obedeço e me dirijo ao sofá que fica ao lado da estante de livros. O sol que entra pela a janela cria uma ótima atmosfera para esse escritório. É um ambiente agradável para estudar e ler.

Meu pai coloca a papelada na mesa, se levanta e senta ao meu lado, com toda a calma do mundo. É a primeira vez que tenho essa aproximação com ele. Em partes acho que posso entender. Eu estou indo para a casa de uma pessoa importante. No mínimo, ele deve querer reforçar o meu comprometimento em agir de forma educada seguindo toda a etiqueta dos nobres. Felizmente, aprender isso com minha mãe, maria e Jennifer tem sido um trabalho constante de anos, então creio que não teremos problemas.

— Bom...Você está indo para a casa da Alexandrina para aprender magias, eu não queria que você aprendesse, mas é perceptível que você tem o interesse e as qualidades de sobra para aprender, mas preciso te pedir uma coisa que pode ser difícil de entender.

Isso foi inesperado. O Hector está me elogiando?

Não... Não é isso.

Ele está dando um aviso. Ou seja, há um perigo latente no ato de eu aprender magia. Como ele sabe que tenho aptidão para magia?

— Como assim? preciso entender mais a minha situação.

— Bom, você é muito novo para aprender todas as questões pertinentes a isso, mas o ponto principal é que talvez você tenha uma capacidade mágica muito forte. Por isso tome cuidado para não chamar atenção demais.

— Há um problema em aprender magia?

—  Magia é algo que os humanos usam há algum tempo, mas são poucos os humanos que conseguem usar. Por isso, a ideia de uma criança humana usar magia é algo que foge da normalidade. A Alexandrina saber usar magia é algo que transcende os seres humanos. Ela tem uma aptidão natural para conjurar magias porque ela é uma Meia-Elfa. E os Elfos são seres mágicos por si só. Todos eles conseguem usar magias inerentemente.diz meu pai com um semblante cansado enquanto olhava pra mim e depois vagamente para o nada enquanto me explicava.

Não preciso que ele me explique para eu possa compreende-lo. Meu pai é um ser humano e um mago. Ele deve ter vivenciado muito dessas limitações que os humanos possuem. Para alguém que deve ter se dedicado ao caminho da magia por tantos anos, conviver com esses limitadores crônicos deve ter o irritado absurdamente.

Então eles esperam que eu não consiga fazer nada?

Em partes, por você ser meu filho...  é esperado que consiga usar magia em algum grau, mas saber fazer magia por si só é muito valioso. Lhe garante vários tipos de empregos que pagam muito bem. Então preste a atenção, Lucy. Se você tiver capacidade mágica, eu permitirei que aprenda o básico com ela, mas somente o básico da magia.

Apesar de achar exagerado, eu consigo entender a razão do Hector querer me proteger, mas como ele pode ter tanta certeza que terei aptidão mágica? Ele citou a questão de ser meu pai como possível motivo, então é válido dizer que a capacidade mágica é hereditária?

Preciso saber mais.

E a mãe? Ela consegue usar magias?

— Sim, ela também consegue usar magias. Ela está bem abaixo de mim em sua capacidade mágica e só focou em aprender magias de aprimoramento e cura.

— Aprimoramento?

Magia de cura eu pude presenciar, mas essas magias de aprimoramento eu não faço a ideia.

Bom, são magias que aprimoram os sentidos e dão mais vitalidade, força, determinação, que aumentam sua defesa contra ataques físicos ou mágicos entre outras coisas.

Agora faz sentido.

Mas, espera. Parando para pensar, será que aquelas palavras que minha mãe falou quando os monstros chegaram em casa era uma magia de aprimoramento?

Pai, quando você foi lá pra baixo naquele dia, minha mãe gritou "Lion's Heart" e eu me senti mais confiante, isso foi uma magia de aprimoramento?

Exatamente, existem centenas de tipos diferentes de magia de aprimoramento. No caso, essa magia ajuda a aumentar a coragem das pessoas e a elevar a moral delas no campo de batalha. É uma magia para fazer com que as pessoas lutem melhor e por mais tempo. Foi muito usada em guerras campais, cercos e etc. Muitas batalhas foram definidas após usarem esse aprimoramento no momento certo. Os antigos chamavam essas magias apenas de "Buffs"."

Tudo está se encaixando agora. Por mais que isso seja um breve resumo, já consigo ter uma vaga ideia de como funciona as coisas.

Buffs. Essa palavra não é me totalmente estranha, mas definitivamente não pertence ao meu idioma nativo do plano espiritual. Provavelmente eu li em algum livro ou ouvi alguém falar tal termo, como meu pai acabara de fazer.

Que termo engraçado, pai.

Sim, mas não usamos mais essas terminologias antigas. Enfim, era só isso que gostaria de falar com você. Seu pai precisa voltar a trabalhar, espero que se divirta na casa dos Boruta.", concluiu meu pai que já estava indo sentar em sua cadeira antes de terminar o que falava.

Obrigado, pai!

Me levantei e fui para o portão esperar pela a carroça.

 


 

Após alguns minutos esperando a tal escolta chega em casa para me buscar. Há 3 pessoas nela. Uma pessoa guiando os cavalos e as outras duas dentro da carroça. Ambos equipados com espadas e uma armadura de couro leve por de baixo de roupas casuais. Não diria que estavam extremamente bem equipados, – comparado a um soldado medieval convencional que tenho em mente – mas é perceptível que estavam usando um uniforme de uso diário.

Usar armaduras completas não seria prático para esse tipo de trabalho, imagino.

Eu estou sentado na escadaria de frente para a porta principal e ao lado do batente há uma janela que me fornece visão para o lado de fora. Minha mãe aparentemente ouviu a chegada da carroça e desceu para me acompanhar. Meu pai provavelmente não desceria para se despedir de mim de novo, minha irmã está isolada em seu quarto e Jennifer eu não sei onde ela está. Nem preciso pensar no Godam, pois eu nunca sei onde ele está.

Então cabe a minha mãe atende-los.

Ela abre antes mesmo deles baterem na porta. A reação deles indicou que foram pegos desprevenidos e levaram um pequeno susto, mas logo voltaram a sua postura normal. Ambos são bem disciplinados à primeira vista, mas provavelmente o susto foi por não terem sentido a presença dela.

A sua experiência em batalha a precede, mãe.

Um dos rapazes, um jovem loiro de olhos verdes que tinha uma pequena cicatriz em seu lábio reverenciou minha mãe e foi quem falou primeiro:

Olá, Sra.Sapphirus. Me chamo Agnus Wolfgang e meu amigo se chama Helfu Ad-fe. Viemos buscar o jovem mestre para leva-lo a casa do Barão Boruta.

Minha mãe que estava aparentemente ocupada com seus afazeres não quis estender a conversa:

Olá, estávamos à sua espera. Esse aqui é o jovem Lucy, aquele que vocês escoltarão. Peço que perdoem minha falta de educação, mas estou atualmente ocupada com algumas coisas então já me despedirei aqui. Em outras ocasiões, os convidaria para entrar para tomar um suco e minha Maid os atenderiam prontamente.

Os dois rapazes olham para mim e percebo que, por alguns segundos, ambos me analisaram por completo para poder identificar algum tipo de intenção maliciosa. Não importa se sou apenas uma criança de 7 anos, estou indo visitar o lorde dessas terras. Ou talvez eu esteja apenas exagerando. Provavelmente seja meramente uma questão de hábito já que eles não transmitiram nenhum tipo de intenção assassina. Podem ser apenas costumes do ofício.

Não precisa se preocupar, Sra. Não há problemas. Levaremos o jovem Mestre imediatamente em segurança.

Antes de minha mãe se virar e ir embora, ela se aproxima de mim e dá um beijo na minha testa. — Tome cuidado e se comporte, ouviu? — diz minha mãe com um olhar tranquilo em seu rosto.

Você é muito inteligente e educado, Lucy. Tenho certeza que não causará problemas. Seu pai já conversou com você, né?

Entendo, provavelmente ela já sabia de antemão as questões que envolvem eu saber magia, pelo o visto.

— Sim, mamãe. Meu pai me explicou tudo e pode confiar em mim. — ao ouvir minhas palavras, ela ganhou um semblante mais sereno. Parece que tirou um problema de suas costas que pesava toneladas. Talvez ela tivesse medo de que eu não fosse entender as intenções do meu pai. Digo, eu sou muito jovem. Crianças costumam ser mimadas nessa época e não aceitam um “não” facilmente. Agora sente que não precisa mais se preocupar com isso.

Ela se vira mais uma vez aos dois rapazes, assente em tom de permissão para me levarem, se vira e volta de onde veio.

Lucy, certo? Vamos lá?— o som das palavras vindas do rapaz rompe minha concentração ao observar minha mãe indo embora e sobre as intenções por trás do aviso do meu pai. Me viro para ele e com um rosto de um garoto de 7 anos, digo:

Claro, Sr. Wolfgang. Vamos.

Preciso entrar no personagem de forma séria dessa vez. Eu estive relaxando um pouco devido à rotina diária dentro de casa, mas agora estamos falando de pessoas estranhas que desconheço suas intenções. Não quero demonstrar nenhum tipo de característica esquisita.

Pelo menos não agora. Quando eu conseguir tomar conta de mim e ter certeza de que posso mostrar minhas habilidades sem nenhum risco, assim o farei.

Enquanto nos dirigimos a carroça posso observar de perto o nível das pessoas que são soldados aqui. É perceptível até mesmo para leigos que essa escolta é constituída de pessoas que aparentam ser fortes.

O loiro que falou com minha mãe se vira enquanto caminhamos em direção à carroça e diz de forma descontraída: — É... Não precisa me chamar de “Sr”. Apenas Agnus está bom.

Sinto um tom casual em suas palavras.

Não há muita necessidade em manter um tipo de cordialidade comigo visto que não sou nobre nem nada parecido. Eles são soldados escoltando uma criança para brincar de magia com a filha do Lorde que eles servem. Não é como possuíssem algum tipo de respeito inato por mim.

Chegando à carroça, pude perceber ao me aproximar dela o quão grande ela é. Para alguém que passou praticamente a vida inteira dentro de casa, ver de perto um cavalo e uma carroça me deixou um pouco intimidado. Como só os via a distância através de uma janela, ver tais coisas tão de perto muda a forma como interpretamos o objeto. Fora o fato de ter apenas 7 anos, eu devo medir um pouco menos de 1,30m de altura. Tudo parece enorme para mim.

O outro guarda, Helfu Ad-fe, que está nos acompanhando, abre a porta e o primeiro a entrar é o Agnus, depois eu e por último o próprio Helfu.

Sem dúvidas isso é algum tipo de procedimento padrão quando se escolta alguém. Eu pude perceber que eles fizeram essas pequenas ações com muito empenho e sincronismo. Parece que praticaram o ato de entrar numa carroça exaustivamente. A forma como o primeiro abriu a porta e a distância Agnus atrás de mim, fica nítido que a ordem de entrada a carroça estava programada desde o início. Ninguém precisou falar nada, eles se entediam perfeitamente e isso é fruto de trabalho em equipe.

Me pergunto quantos anos eles lutaram e treinaram juntos para chegar a esse nível de sincronia.

Uma vez dentro, me sentei sozinho na parte de trás em direção à frente da carroça, e os dois guardas no outro lado de frente para mim. Agnus se sentou de forma ordeira, como se tivesse recebido lições sobre como se comportar de forma cavalheiresca enquanto o outro dobrava a perna não se importando com a etiqueta.

Agnus golpeia levemente o teto da carroça duas vezes e a mesma começa a se locomover. Ambos permanecem calados, mas como não temos muito sobre o que conversar, procuro dedicar essa oportunidade em observar o que há lá fora no mundo. Apesar da visão estar um pouco limitado devido a janela possuir apenas pequenas frestas, pude ver em primeira mão outras ruas que eu nunca tinha visto.

Devo admitir que algo tão trivial como isso acabou me emocionando um pouco.

É a primeira vez saindo?

 Olho em direção a voz e vejo que é o tal Guarda loiro, Agnus, me perguntando sobre o porquê estar tão animado em sair de casa. Acho que transpareci demais minha excitação.

Sim, meus pais são muito protetores. Eu fico em casa maior parte do tempo.

Entendo, mas aqui em Arklum isso é mais normal do que se imagina. Muitos pais não deixam seus filhos saírem até uma certa idade por causa dos monstros, como você já sabe, presumo. Aqui é mais perigoso que outros lugares, então viver nessa região é um perigo constante.

Acho que entendo. Ao menos consigo levar essa situação de forma em que não me desespere ou me entedie. Eu gosto de dedicar meu dia em ler e estudar, então acabo descobrindo muito a respeito de outros lugares.

Ei, espere. Você já sabe ler? Isso é incrível. É como falaram, você deve ser realmente um Génio. Até meu amigo aqui do lado não acreditou quando ficamos sabendo da sua história.

— tsc...—  Desdenha Helfu, não se importando com nossa conversa, de olhos fechados, como se estivesse tentando cochilar. Mas sua reação mostra que está com os sentidos aguçados. De qualquer forma, ele esbanja uma áurea bem sinistra. Parece estar claramente incomodado.

Não se preocupe com o Helfu. Ele é assim mesmo. Na verdade, ele está um pouco mais irritado do que o normal porque ele tem quase 30 anos e não sabe ler nem escrever.”

— Desgraçado.

— Viu, te falei.

Isso não é verdade, eu apenas não me importo em aprender.... Aliás, como pode ter certeza que ele pode escrever? Crianças mentem o tempo inteiro.— Após de terminar de literalmente me chamar de mentiroso, Helfu olha pra mim para observar minha reação ao que acabara de dizer. Se eu fosse um mentiroso, provavelmente teria deixado alguma reação espontânea vazar devido a verdade estar sendo exposta, mas esse não é o caso.

Bom, só me dê algo para ler.

Após minhas palavras, ambos os guardas trocam olhares entre si por algum tempo e dão uma leve risada uníssono. Agnus começa a checar alguns de seus bolsos enquanto o Helfu observa ainda em sua posição relaxada sem se mexer.

Ah, achei! Aqui, leia para mim! Agnus estende sua mão em minha direção com o que aparenta ser uma carta.

Você também não sabe ler, Agnus? pergunto enquanto pego o papel de sua mão.

— Bom, apesar de aparentar ser mais civilizado que meu amigo aqui, eu não tive a oportunidade de aprender a ler. Preciso ir sempre a um escrivão para ler minhas cartas.

Num mundo em que as pessoas não sabem ler, a normalidade atenta contra meus preceitos pessoais. Devo-me considerar um sortudo por ter tido a oportunidade de aprender ler tão cedo. O máximo que posso fazer é ser complacente quanto a sua situação.

— Entendo, espero que consiga aprender um dia. Vamos ver o que tem nesse documento.

Vejamos, aparentemente não é um documento... Espera, isso é uma carta de amor.

— Você sabe o conteúdo dessa carta?

— Ainda não, eu recebi faz alguns dias e iria levar para o escrivão ainda hoje. Se você ler pra mim posso te pagar pelo o serviço prestado.

— Digamos, bom... o conteúdo dessa carta é um tanto íntimo. Tem certeza?

— Bom, acho que não será um problema.

Aparentemente até Helfu se interessou pelo o conteúdo da carta. Bom, se ele disse que não há problemas, então não há o que eu possa fazer a respeito.

“Meu amor, sinto a falta do seu calor perto de mim, todo esse tempo distante me fez realizar que....”

Pare!Enquanto lia, a mão de Agnus arrancou a carta das minhas mãos tão rapidamente que mal consegui ver seu movimento.

Olho para ele e seu estado é de total constrangimento. Seu rosto corado é a prova de que ele realmente não esperava que eu soubesse ler. O outro guarda que até então não tinha saído de sua posição, agora se controla pra não rir alto em pleno horário de trabalho.

HAHAHAHA!. Olha no que você fica perdendo seu tempo. Você ainda está falando com aquela garota de Estízia? Não acredito que ainda está se relacionando com ela. Que os deuses te acudam, cara. Ela já deve estar com outro.

— Pare! Eu já falei para você que minha estadia aqui é temporária! Quando juntar o suficiente voltarei para Estízia e pagarei o dote para me casar com ela.

É assim como as coisas funcionam por aqui. Bom, minha intuição diz que o que ele está fazendo pode ser meio idiotice, mas não é como pudesse opinar sobre nada. É um cara legal.

— Bom, pelo o que consegui ler o conteúdo da carta é positivo. Então pode ficar tranquilo.

— Obrigado, mas sinto que lhe devo desculpas. Você, sendo um convidado do próprio Barão, eu deveria ter lhe tratado com mais respeito. Não esperava que um jovem tão pequeno soubesse realmente ler. — diz Agnus encostado no banco dobrando a carta e guardando novamente no bolso.

Olho para o Helfu que já parou de rir e o mesmo me retribui assentindo levemente com sua cabeça com se estivesse pedindo desculpas também.

— Não se preocupem, eu não sou nobre nem nada. Espero que dê certo entre você e sua amada.

— Obrigado.”

Após alguns minutos chegamos à residência de Alexandrina.

 


 

Quando penso na residência de um barão, o que me vem mente é um enorme palácio com inúmeros quartos e todo o luxo que se pode imaginar. Entretanto, essa não é a realidade daqui e o que vejo é uma casa de madeira um pouco maior que a minha.

Vendo-a pela a primeira vez, me fez perceber que seria estranho se não fosse assim. Pelo o que eu sei até agora, aqui é praticamente uma colônia de povoamento com pouquíssimas pessoas. A ideia de existir um palácio aqui é absurda. E não é como se essa casa não tivesse seu próprio luxo. Comparada com as outras ou até mesmo com a minha, sem dúvidas essa é a mais bonita de todas.

Helfu ficou no lado de fora e Agnus me acompanhou para dentro da casa. O mesmo procedimento da escolta ocorreu, só que desta vez de forma inversa. Chegando na porta, uma Maid da residência nos atendeu e agora estou aguardando a Alexandrina descer.

— Tente se comportar, ok? Não faça nada que não possa se arrepender depois.— diz Agnus enquanto ajeitava seu cabelo no reflexo de um espelho que estava próximo de nós.

— Não precisa se preocupar com isso. Eu realmente só quero aprender magia.

Até mesmo ele não pode deixar de pensar na possibilidade de que quero ganhar afeição de Alexandrina para tentar me casar com ela. Já ouvi falar através da minha mãe conversando com Jennifer que há famílias que preparam seus filhos com o único propósito de procurar parceiros que melhorem suas economias e status. Então, ver um jovem adulto simplesmente chegar aqui é no mínimo suspeito.

Parando para analisar melhor, desde que cheguei aqui já passaram umas 4 Maids por perto de mim e pude sentir um olhar analítico e de julgamento por parte delas.

— Você já reparou, né? — pergunta Agnus ao perceber meu entendimento.

— Reparei agora. É realmente algo tão complexo assim ser apenas amigos?

— Política envolve coisas muito mais importantes que um mero amor juvenil. Aliás, garoto gostaria de lhe pergun... — Agnus que estava formulando sua pergunta, instantaneamente se cala e se prosta em reverência.

— Wolfgang a seu dispor, Senhorita Boruta, Futura Baronesa de Arklum, Alexadrina.

Lucy! — diz uma voz conhecida atrás de mim.

Viro-me para trás e vejo Alexandrina com seu característico cabelo branco longo, só que desta vez totalmente solto, não preso como estava em meu aniversário. Suas vestimentas estão mais casuais do que eu esperava, como se fossem apenas roupas descartáveis caso se manche ou rasguem durante o treinamento, eu acho. Posso dizer que ela se preparou para esse dia.

— Olá, Alexandrina! — após minha resposta espontânea vejo um olhar de julgamento vindo do próprio Agnus desta vez.

Como poderia me esquecer...

Droga, esqueci completamente de me dirigir a ela como um devido súdito. Ela ter chego de forma tão desprevenida foi totalmente inesperado. Não me resta a não ser tentar consertar essa gafe. Me inclino em direção a Alexandrina e digo:

— Perdoe minha falta de cordialidade Senhorita Boruta, Futura Baronesa de Arklum, Alexandrina.

Aguardo a permissão da Alexandrina para levantar minha cabeça. Foi me ensinado que só podemos levantar a cabeça com a ordem do nobre superior. Embora eu já tenha feito isso algumas vezes, estando numa situação especial de estar visitando alguém o processo é um pouco diferente e é minha primeira vez.

Um silêncio toma conta do local. Ouço um pequeno som abafado. Como se fosse alguém tentando esconder uma risada. Olho para o lado e vejo Agnus rindo de mim.

— Agnus Wolfgang, seu bobo. Não o assuste assim.

— Desculpe, Futura Baronesa, ele me fez passar mais vergonha ainda agora pouco.Agnus se dá de ombros como se não pudesse fazer nada a respeito.

— Espere, então não era preciso de tal formalidade? pergunto sem saber como agir.

— Claro que não, isso só é feito em cerimônias ou quando é alguém desconhecido. Mas como eu lhe convidei e você já é conhecido da família, não é tão necessário. Me incomodaria se você precisasse falar cordialmente o tempo inteiro, não acha?

— Esse é o caso então....— digo em voz baixa enquanto aplico meus olhos julgadores em cima Agnus que já tinha se virado e ido embora.

— Tenha uma boa aula, Lucy. — se despede o homem apaixonado enquanto saí pela a porta em direção a carroça.

— O que você fez para ele passar vergonha? — pergunta Alexandrina, curiosa no assunto em questão.

— Ele pediu para ler a carta de amor que recebeu como prova de que eu sabia ler.

— Aquela menina de Estízia? — diz Alexandrina num tom mais investigativo enquanto dá uma leve risada.

— Sim, essa menina mesmo. A conhece?

Se ela não tivesse rindo, diria que Alexandrina está com ciúmes. Será que ela gosta de Agnus?

— Nada demais, essa menina é minha prima. Ela me fala dele o tempo inteiro nas cartas que trocamos.

— Ah, não fazia ideia. No caso, sua prima não é uma nobre, certo? Digo, não quero parecer intrometido sobre os assuntos de sua família.

— Não se preocupe. Pode perguntar o que quiser. E Sim, não éramos nobres até pouco tempo atrás. Como meu pai conseguiu a Título de Nobreza através seus feitos como aventureiro, só a família interna é abençoada com a nobreza. Meus tios e primos não possuem tais privilégios.

Isso é importante. Saber sobre leis e como funciona o sistema aqui é uma forma inteligente de evitar problemas.

— Aliás, Lucy, gostaria de lhe presentear com uma coisa. É o mínimo que posso fazer depois que salvou minha vida.

— Que? Um presente? Isso não é necessário. Não fiz nada além de te empurrar para a fora do quarto.

— Você fez o que poucos fariam. Você foi o único que voltou por mim, então aceite meus agradecimentos, por favor. — Alexandrina estende seus dois braços para frente.

Ambas as mãos estão segurando o que parece ser um livro, mas envolto sobre um pano branco.

Não me resta senão, aceitar tal presente.

— Realmente não precisava, mas obrigado, Alexandrina.— agradeço enquanto o pego de suas mãos.

Enquanto removo o pano branco, consigo ver de relance o olhar ansioso da Alexandrina na expectativa de ver minha reação.

— E então? o que você achou?

Como eu imaginava. É um livro.

Enquanto Alexandrina espera minha resposta, olho a primeira página.

BESTIÁRIO DA PANGEIA CONTINENAL.

SUMÁRIO COM TODOS OS MONSTROS CONHECIDOS ATÉ A DATA DE 342 DdL”

Meu deus, isso é perfeito. O livro aparentemente tem mais de 1000 páginas. Enquanto folheio eu vejo as inúmeras informações acerca de cada monstro existente. Há até ilustrações sobre cada monstro. Não poderia ser melhor.

— Alexandrina... Não sei nem como agradece-la. Isso é muito bom, eu já tinha tentado procurar ler alguma coisa a respeito sobre os monstros, mas isso é mais do que eu poderia imaginar conseguir!

— Eu imaginei que você ficaria curioso. Então decidi dar o meu livro.

— Pera, esse livro é seu? Não causará problemas?

— Não se preocupe. Esse livro é relativamente antigo, há novas versões que saem e já fiz questão de pedir uma nova. Quando chegar, a gente faz um comparativo das novas informações.

— Perfeito, então. Já que é assim, também não vejo problemas. Farei questão de lê-lo quando chegar em casa.

— Interprete isso como meu presente de aniversário atrasado para você.— diz Alexandrina com seu tom simpático e risonho de sempre.

— Assim o farei. Muito obrigado novamente.

Após isso, Alexandrina me levou até um campo nos fundos de sua casa. É um local imenso, todo murado nas delimitações do terreno. Há grama verde em todo o lugar. Não há um ponto sequer onde exista alguma falha no gramado. Observar esse espaço é no mínimo agradável comparado com o resto da região que já vi. Há um belo jardim, belas árvores com folhagem branca, com um balanço em uma delas. É um cenário invejável.

Venha, Lucy. Vou lhe ensinar o que sei sobre magia.— diz Alexandrina enquanto se dirige para uma dessas árvores enormes com folhas brancas.

Finalmente! O que eu estava realmente esperando vai começar. Preciso dedicar-me totalmente na arte da magia. Alexandrina se senta encostada na árvore e eu a acompanho me sentando a sua frente como um discípulo que aguarda as ordens do seu mestre.

— Bom, Lucy. Vamos começar. Você sabe alguma coisa sobre magia?

— Só sei que existem magias de aperfeiçoamento.

— Certo, isso é praticamente saber nada. — diz minha nova professora enquanto dá uma leve risada ao contextar minha total ignorância no assunto. — Então é bom trabalhar desde do início, com as bases da magia.— finaliza Alexandrina enquanto coçava a cabeça pensando por onde deveria começar.

E assim, estudamos a tarde inteira.



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