Volume 1

Capítulo 2: Meu Aniversário

Alguns anos se passaram e hoje eu completo 7 anos.

Eu preciso admitir, o tédio foi uma amiga íntima em boa parte dos meus dias. A vontade de desistir e sair do personagem de filho ideal passavam pela a minha mente constantemente. As limitações que encontrei devido estar vivenciando minha infância tem sido recorrente também.

Até hoje não consegui sair de casa, a não ser por duas meras situações em que nem pude checar direito as redondezas da cidade em que resido. Embora eu já consiga ler graças a minha mãe e Maria que estiveram me ajudando nesse processo de alfabetização, aprender sobre o mundo tem sido difícil. As informações são escassas e incertas. Aliás, me alfabetizar e aprender a língua foi uma experiência estranha. O idioma aqui falando se chama “Arcadiano Moderno” e não aconteceu como nas outras vezes quando adquiria certos tipos de conhecimento que aparentemente já sabia. As informações inundavam minha mente como se eu já possuísse algum conhecimento prévio. Desta vez, eu não tive nenhum tipo de revelação e precisei aprender a língua por conta própria.

Sobre o idioma que usei quando falei com a Mulher Misteriosa e que uso para pensar na maior parte do tempo, não ouvi ninguém falar alguma palavra parecida sequer ou que remetesse a esse idioma misterioso a não ser o nome da minha família, isso porque ela é apenas parecida com uma palavra que tenho em mente, não que seja da mesma língua exatamente.

O nome da nossa família é Sepphirus. Vem de um mineral que ainda não tive a oportunidade de ver, mas o nome não me soa estranho. Um mineral com nome de Safira vem em mente. É a primeira palavra que vagamente reconheço como parecida ao meu idioma desde que vim nascer nessa nova vida. Me explicaram que de onde meu pai vem, algumas famílias foram denominadas com nome de minerais. Não entraram em muitos detalhes, mas me soou no mínimo estranho.

Antes que eu possa indagar minha família para obter mais informações sobre a palavra, preciso envelhecer um pouco mais. Não posso simplesmente perguntar para minha família a origem etimológica de uma palavra com apenas alguns anos de idade. No mínimo levantaria suspeitas.

Isso me deixou um tanto confuso quanto as possibilidades dessa reencarnação.

1 - Seria algum tipo de língua natural do plano espiritual e aprendi instantaneamente para conseguir dialogar diretamente com aquela mulher?

2 - Ou teria sido ela a responsável ao implantar essa língua em minha mente?

Essa segunda hipótese era a teoria em que eu mais acreditava. Mas quais seriam suas reais intenções por trás disso? Implantar uma língua que até agora não vi ninguém falar além de mim? Sendo otimista, pode ser uma língua importante de alguma superpotência da região que vai me abrir portas para oportunidades futuras e implantou para facilitar meu processo. Isso no melhor das hipóteses, mas algo me diz que ela não seria tão legal assim comigo.

Como tenho uma mente de adulto e sou movido por uma racionalidade acima do normal, que é o que eu percebo comparando-me com as outras pessoas, tenho dedicado uma considerável parte do meu tempo aos estudos. O que já causou em diversos momentos, elogios vindos de visitas, família e de uma ligeira inveja da minha irmã mais velha que não gosta de estudar.

Ela não tem culpa, é apenas uma criança.

De fato, é injusto. Eu não sei quantos anos eu tenho no total contando com minha vida passada, mas tenho certeza que já tinha passado pelo menos da minha infância porque não senti vontade alguma de participar de brincadeiras infantis. Mas eu tento ser um bom irmão para a Maria e brinco sempre quando ela deseja para que se sinta bem comigo ao seu lado.

Não quero uma irmã que nutre ódio e rancor contra mim para um dia me matar pela as costas. Eu conhecer essa possibilidade por si só, já exprime uma ideia de que possuo algum conhecimento prévio sobre irmãos matando irmãos, porque nunca ouvi falar disso até agora pela a minha família.

Eles repararam meu gosto exótico por livros de caráter acadêmico como Geografia e História e Filosofia. Meu pai ficou relativamente interessado em mim após isso e minha mãe me trata como um potencial acadêmico. Infelizmente, não temos muitos livros em casa e baseado na qualidade da vida que tenho, sinto que somos de alguma forma paupérrimos, mas eu sei que não é o caso porque descobri coisas interessantíssimas sobre esse vilarejo, esta casa e a região que nos circunda.

O mundo é uma grande massa continental chamada de "Pangeia Continental". Esse grande continente abriga vários países. Vivemos num mundo de modelo governamental muito parecido com a ideia de sociedade feudal que tenho em minha mente, embora eles só chamem esse modelo de "Sociedade Heráldica-Clerical".

Temos uma casta nobre, algumas igrejas seculares e uma força militar que estratificam a sociedade no geral. Meu pai não é um nobre, o que é uma pena, pois achei que poderia usufruir de direitos da nobreza. Pude presenciar em primeira mão quando alguns nobres visitaram nossa casa e o quão bem tratados eles foram pela a minha família. Apesar do meu pai não ser nobre, tem uma posição de liderança na cidade. Algo como um tipo Prefeito Adjunto que cuida dos interesses do vilarejo e de todo o território dessa pequena província.

Esse pequeno vilarejo na qual nasci e vivo se chama Arklum. É uma pequena colônia de povoamento ao Extremo leste. Embora eu tente entrar em maiores detalhes com minha mãe e pai, eles não parecem dispostos a me contar tudo a respeito. Me pergunto o por quê disso.

Meu pai é um homem estudioso e mesmo sendo alguém de enorme intelecto, não tem acesso a muitos livros, entretanto, eu pego os poucos livros dele para ler. Aparentemente, livros são caríssimos que somente a nobreza, comerciantes e o clero possuem em excesso. A razão disso em grande parte, é devido a sua utilidade prática de quem os possuem, pois, a grande parte da população é analfabeta segundo meu pai.

Se as pessoas são iletradas, não tem para que possuírem livros.

O fato da maioria das pessoas serem analfabetas me passou uma ideia de que algo está errado, como algo contrário a natureza, mas estranhamente normal aqui. Como uma espécie de conhecimento de senso comum. Saber ler e escrever por si só já garantem vários tipos de empregos de qualidade em prédios do governo e etc. Aliás, isso tem sido alvo das constantes conversas do meu pai e de minha mãe que já cogitam em por minha irmã para trabalhar.

Ela tem apenas 11 anos.

Quando ouvi pela a primeira vez, senti um pequeno murmúrio atrás da minha cabeça de que isso não é algo normal para mim. Pelo o visto, possuo várias visões contrárias ao que seria o normal desta cidade. Isso só fortalece a ideia de que não pertencerei a esse país num futuro e provavelmente viverei em algum outro lugar nas próximas décadas para acabar adquirindo uma visão de mundo tão diferente.

Hoje, como é meu aniversário, está ocorrendo a preparação para a minha festa e como de usual nos últimos anos, recebemos sempre visitas de alguns conhecidos do meu pai.

Maioria deles não são humanos.

Isso foi outra coisa que me deixou bastante impressionado quando os conheci pela a primeira vez. Vários tipos de raças animalescas diferenciadas em que os humanos generalizaram num grande grupo racial chamado "Demi-Humanos".

Parece que até mesmo entre eles a moda pegou e usam o mesmo termo, porém eles se diferenciam por clãs, com cada clã com sua respectiva raça. Há espécies com características felinas, caninas, espécies de Homens-Lagartos e etc. Não costumam ser numerosos e pertencem à mesma raiz ancestral pelo o que pude ler a respeito. Cada Clã tem seu território e existem ao todo 18 raças Demi-humanas, mas isso não impede que alguns de seus membros se dispersem pelo o mundo numa grande diáspora.

De qualquer forma, não consegui me aprofundar em nenhum estudo. Possuo poucos livros e o conhecimento que adquiri é apenas superficial. Agora, estou sem poder estudar porque minha mãe proibiu de continuar a ler os livros para que eu dê atenção aos convidados. Isso me deixou irritado, mas perder um dia sendo alguém educado com as visitas não vai quebrar minha mão, então tentarei ser um filho ideal porque não quero que minha me mate por nutrir ódio por mim.

Ok, eu posso estar exagerando essa possibilidade, mas se eu morri na vida passada, então a chance sempre existe.

Mas a principal razão de eu estar sempre desconfiado com tudo é que o aperto e a angústia da minha pós-morte ainda residem em meu coração. Algo muito forte e ruim aconteceu comigo para até agora isso continuar me afetando. Por isso, preciso tomar todo o cuidado possível para evitar que qualquer pessoa que eu confie me traia e eu acabe sofrendo da mesma forma.

Estou vestindo as únicas roupas formais que tenho enquanto aguardo a chegada das visitas. Essas roupas eu já as utilizo faz alguns anos. Atualmente estão ficando apertadas em mim conforme cresço, então provavelmente minha mãe procurará uma nova roupa para mim. Ela compra roupas usadas de outras famílias nobres para economizar. Apesar dessa prática ser considerado miséria, não é como se fossemos nobres que vivessem na base da imagem. Então não nos sentimentos ofendidos, eu acho.

Observei meu pai conversando com minha mãe sobre as possibilidades de a Maria trabalhar no castelo como escrivã. Aparentemente, uma das visitas de hoje é alguém que trabalha nesse local e meu pai quer apresentar a Maria para tentar conseguir o emprego para ela.

É algo inteligente de se fazer. Não correr atrás, e esperar a oportunidade para abordar de forma descompromissada e vender uma ideia tentadora que facilitará o trabalho de ambos e ainda gerará uma nova renda para a família. Como Maria é jovem, provavelmente oferecerá um salário mais baixo e tentador, o que beneficiaria a contratação dela e que fosse subindo ao longo dos anos. É a atitude mais correta, sem sombra de dúvidas.


Algumas horas se passaram e todas as visitas chegaram, menos o tal nobre que meu pai mais esperava para poder falar da possibilidade do emprego da Maria. Todos nós estamos rodeados na sala principal que fica no segundo andar de nossa casa com todos os convidados saboreando o bufê e conversando.

— Está delicioso! — diz Maria encantada com o bufê. Ela não saiu de perto da mesa desde que começou a festa. Está com um vestido rosa pastel que nunca a vi usar. Acho que minha mãe comprou justamente para a ocasião.

— Maria é tão linda né? — afirma um adolescente, filho de algum dos convidados para seu colega sobre a minha irmã.

Acabo ouvindo por tabela os cochichos desses dois rapazes, que apesar de achar ela bonita também, ainda é muito nova para jovens mal-intencionados.

São no mínimo uns 6-7 anos mais velhos do que ela, o que faria deles dois jovens na faixa dos 18-20 anos. O que falou sobre minha irmã é um Feral, uma raça que se assemelha ao que minha mente chamaria de Lobisomem. Seu corpo é mais humano do que lupino, mas é nítido o excesso de pelo e a forma do rosto que lembra de um lobo, mas nitidamente jovem. Seu amigo é um humano como eu.

Essa diferença de idade era comum nos casamentos e a maioridade é algo inexistente nesse mundo.

O que determina se uma pessoa é adulta ou não são suas responsabilidades, trabalho e forma de agir publicamente. Ou seja, é a própria pessoa que determina seu amadurecimento de forma individual e natural. Aqueles que amadurem mais rápidos adquirem o status de adulto. Em um mundo onde existem as mais variadas raças, a aparência juvenil não é sinônimo de inexperiência. Você pode encontrar jovens que já são chefes de famílias com mais de uma esposa e três filhos até adultos na faixa da meia-idade que se comportam como adolescentes mimados da nobreza.

As meninas costumam ser consideradas mulheres quando sangram pela a primeira vez e suas famílias já começam a esquematizar e preparar o futuro casamento delas.

O tempo é precioso para humanos.

Não preciso dizer o quanto eu acho acelerado está esse processo, mas não é algo que possa ser evitado. Minha atual família, na qual já considero paupérrima pelo o que eu vi até agora, é considerada como uma de classe alta. Ou seja, a grande massa populacional é absurdamente mais pobre. Não precisa ir longe para enxergar que a expectativa de vida aqui é tão absurdamente baixa quanto. Então é compreensível esse desespero e ansiedade para casarem logo. Para um humano chegar aos 50 anos é coisa para poucos pelo o que eu reparei.

Não posso deixar de invejar os Elfos e outras espécies Demi-humanas quando ouvia meus pais comentando sobre o falecimento de alguém devido alguma doença mal tratada.

Descobri que o Godam tem mais de 150 anos. Considerado como um Elfo jovem ainda. E pude reparar que é relativamente normal encontrar casais onde um lado tem míseros 14 anos e o outro mais de 240 anos, seja homem ou mulher.

Elfos acabam sendo cobiçados nessa região porque toda mãe e pai quer que sua prole dure centenas de anos. Meios-sangues Elfos podem herdar essa longa expectativa de vida. Na verdade, até se você tiver parentescos distantes de Elfo você pode ser agraciado com esse Gene específico da longa expectativa de vida.

— Genes...

Mais uma nova palavra que surge na minha mente e não fazia ideia disso. De qualquer forma, eu não vou deixar minha irmã se aproximar de alguns adolescentes aleatórios bem mais velhos do que ela.

Me aproximo da Maria que vem puxar assunto ao me ver.

— Irmãozinho! Vem comer também, está ótimo!

— Obrigado, irmã, mas estou satisfeito, comi agora pouco. Me diga, você sabe quem é esse convidado que acabou não vindo que meu pai queria tanto que viesse?

— É um Baronete daqui da província. Ele é um homem muito ocupado. Eu já sei que Papai quer tentar arrumar um emprego para mim, mas acho que não será possível pelo o visto. Estava bem animada para isso. — minha irmã que atacava o bufê com uma intensa agressividade, agora continua comendo com menos ânimo.

— Não se preocupe, irmã. Se não acontecer agora, acontecerá em breve. — não há nada que pudesse fazer e falar. Ainda não conheço o mundo afora. Sou um completo refém das pessoas em minha volta.

Eu pude olhar apenas pela a janela por vários anos e tudo que sempre vi foram algumas outras casas e pequenos prédios de dois andares e algumas ruas em paralelepípedo. Ao menos gosto de imaginar como é o mundo lá fora.

Pelo o que eu vi até agora, tudo é feio e sem vida. Até mesmo a grama aqui é um verde sem cor, empobrecido. Tendo em mente tudo que eu vi, não quero criar muitas expectativas. Durante meus estudos, li alguns livros de geografia e embora não houvessem mapas ou ilustrações, os lugares eram muito bem descritos, com várias passagens sobre paisagens lindas, fenômenos maravilhosos e até mágicos. Mas imagino que a realidade não deva ser tão impressionante porque temos que considerar a liberdade poética desses livros que podem acabar exagerando o que é de fato.

Eles não são nem um pouco técnicos, são quase ficção.

Enquanto divago sobre as possibilidades desse mundo, sou interrompido por um peteleco na minha orelha. Olho imediamante para buscar o autor de tal ação e vejo que minha irmã, que está me observando o tempo todo, foi quem deu o peteleco.

— Ai! Por que você fez isso?

— Você vive no mundo da lua, irmão.

— Desculpe, eu queria tanto conhecer o mundo lá fora.

— Tem que tomar cuidado. É muito perigoso lá fora. Você ainda não sabe porque é muito novo, mas meu pai vai contar para você na hora certa.

Esse "perigo" era algo extremamente recorrente dentro de casa, mas ninguém me falava claramente o que era esse tal perigo. Todas as vezes que tentei arrancar algo de alguém daqui de casa eu só recebia um: "Você ainda é muito novo, vai ter pesadelos."

Isso foi frustrante. Não achei nada nos livros também. Penso que talvez estejamos em guerra, eu não sei.

— Vocês vivem falando desse perigo, até hoje eu não vi nada.

— Eu também não, irmãozinho, mas todos levam a sério isso e quando meu pai me explicou eu entendi perfeitamente. Já tinha escutado por alto numa conversa entre a minha mãe e a Tia Jennifer.

Enquanto eu e minha adorável irmã discutíamos sobre o assunto escutamos um grande estrondo vindo do primeiro andar. Um barulho de porta se fechando com toda a força possível. Eu nunca tinha escutado algo tão alto como isso até agora.

Todos dentro do salão pararam instantaneamente o que estavam fazendo como se já soubessem o que acontecera. Sinto uma onda de frio me atingir após alguns segundos. O estrondo fez arrepiar até o interior da minha espinha dorsal.

Espera, Espinha Dorsal? Que tipo de conhecimento anatômico é esse? Fui uma espécie de médico? De qualquer forma, alguns homens e mulheres, maioria Demi-humanos já se prontificaram emanando uma aura de agressividade que pude sentir como se estivessem querendo me matar. Mas eu não sou alvo e sim aquilo que está lá em baixo.

Várias mulheres e alguns homens que não são combatentes continuam no salão. Minha irmã, que sofreu um susto devido ao barulho e a movimentação de todos, começa a chorar com medo e me abraça forte.

A atmosfera mudou completamente em questão de míseros segundos e sinto como se estivesse com dificuldades para respirar e me concentrar. Sentir todo esse furor de luta vindo de todos está distorcendo meus sentidos.

Vejo minha mãe e Jennifer correndo no meio do salão nos procurando, olhando para todos os lados, para verificar se eu e maria estamos a salvo. Ao nos avistar, ambas vêm imediatamente ao nosso encontro e tenta de todas as formas amenizar a situação:

— Fiquem tranquilos, vai acabar tudo rápido. Temos inúmeros guerreiros aqui. — diz a minha mãe com uma voz meio trêmula como se não confiasse nas próprias palavras.

Eu pude perceber isso com minhas possíveis décadas de experiência de vida, mas a minha irmã aparentemente acreditou nas palavras frágeis da minha mãe e vai chorar entre seus braços.

Eu continuo inerte devido a intenção assassina que presenciei e como essa situação inundou minha mente de certos conhecimentos, talvez sejam apenas instintos sobre sobrevivência que acabei relembrando. Parece que ganhei uma certa malícia em como se comportar nesses momentos de batalha. É como se eu já possuísse experiência para essas ocasiões. Isso pode significar que na minha vida passada eu era algum tipo de guerreiro.

Um Guerreiro-Médico? É... estou pensando demais.

Estou com uma enorme e angustiante vontade de ver o que estava acontecendo. Mas eu não posso fazer nada a respeito. O que uma criança de 7 anos pode fazer?

Do nada, meus anseios por luta são interrompidos por gritos:

— Meus Deuses, nós vamos morrer!

— Cala boca, idiota! Não jogue esse mau agouro!

Tal grito veio daqueles adolescentes que até dois minutos atrás tentavam transbordar algum tipo de masculinidade para a minha irmã de 11 anos.

Enquanto encarava eles com um olhar meio enojado, pude reparar que minha mãe está, por um tempo, com uma feição séria fitando diretamente para mim. Nunca a vi olhar dessa forma, principalmente para mim, como se estivesse tentando entender minhas intenções.

— Você não está com medo? — pergunta minha mãe com um tom mais sério do que o habitual.

Eu ainda não tinha parado para pensar nisso.

Eu não sei. Estou?

Desde que cheguei eu acho que não senti medo nenhuma vez. Isso é estranho até para mim. Será que aquela mulher misteriosa removeu alguma emoção minha? Eu ficaria irritado se esse fosse o caso. A minha falta de empatia com as coisas a minha volta tem sido um incômodo porque sei que é errado não ser complacente com algumas coisas que vejo, mas não é como se eu não sentisse nada. Eu me importo com a minha família no geral, mas não é tão simples assim.

Essa pergunta me pegou desprevenido e não pude fazer nada a não ser gaguejar: — Ehh... acho que sim. Não sei o que está acontecendo, mãe.

Seu olhar fica mais sereno como se tudo tivesse voltado ao normal e completa: — É verdade, você não sabe ainda. Vamos todos para o quarto.

Aparentemente ela acreditou ou achou que eu não tinha medo porque não sei do que se trata. Ela deve imaginar que eu estaria morrendo de medo se soubesse da razão de toda essa movimentação, presumo.

Minha mãe me agarra pelo o meu antebraço de um jeito incômodo e me leva em direção ao quarto. Enquanto ela nos conduz, também dá algumas ordens para as pessoas que estão, até então, inertes no salão.

—『Lion's Heart』! Todos vocês, façam uma barricada na escada!

A voz da minha mãe ecoa por todo o salão e faz com que todos se movimentem e corram para jogar o maior número de cadeiras e mesas até deixar a entrada intransponível. Até eu sinto vontade de fazer o mesmo após ouvir as palavras da minha mãe. Sua voz foi um tonificante que elevou a moral de todos que estavam morrendo de medo no salão. Aquela pressão que eu estava sentido mais cedo sumiu e agora estou proativo. Ela me contou por alto que lutava com meu pai no passado, mas quando tentei me aprofundar no assunto ela não quis continuar falando.

Só pude imaginar que meu pai e minha mãe lutaram em alguma guerra, presumo.

Mas o que foi aquilo que ela disse? Essa vontade de lutar após a minha mãe ter gritado aquelas palavras. Senti que meu peito ficou mais quente e eufórico. Por alguns segundos, me senti invencível.  Parece que outros sentiram o mesmo e por isso todos estão trabalhando juntos para se defenderem, quase todos perderam o medo após ouvir as palavras de minha mãe. As pessoas aqui realmente estão levando a sério isso. Todos estão dando o máximo de si por causa de um barulho no primeiro andar?

Estamos sendo atacados por algum país estrangeiro?

— Mãe, mãe... quem está nos atacando? — pergunto na tentativa de arrancar o mínimo de informação.

Preciso estar no personagem até nesses momentos. Isso é estressante e frustrante. A forma em que ela está me segurando deixou suas unhas quase perfurarem minha pele, o que fez o caminho até o quarto ser doloroso. Se ela aplicasse mais força provavelmente conseguiria furar meu braço.

Minha mãe de primeira acabou ignorando minha pergunta, e imagino que ela não tenha feito isso propositalmente. Ela está atualmente pensando em muita coisa.

Aliás, meu pai e Godam já estão lá em baixo. Eles não teriam como subir caso desejassem devido a barricada. Apesar de vivermos na mesma casa por anos, eu e meu pai ainda não estamos tão próximos. Eu não sei se me sentiria muito mal caso ele morresse seja lá pelo o que for. Pelo o fato de eu ter reencarnado, vejo meus pais como pessoas estranhas que aprendi a conviver ao mesmo tempo que atuava como um bebê. Não é como se eu fosse conseguir criar laços parentais nessa situação constrangedora. Além do mais, precisar saborear os seios de sua mãe com uma mentalidade de adulto é no mínimo traumatizante e afeta psicologicamente ao ponto de prejudicar a forma de como você considera essa pessoa. Se conseguirei vê-la como família ou não. Provavelmente eu amei minha mãe mais do que a amo agora com essa mentalidade adulta e mais racional.

Isso é triste.

A minha irmã, dentre todos da minha família, é quem eu mais aprecio. Ela tem sido uma pessoa amável e sempre fez questão de me ter como amiga. Apesar de as vezes ser chato fingir ser uma criança, não posso mentir ao dizer que não houveram momentos em que pude aproveitar alguma felicidade quando fazia a Maria sorrir. Entretanto, os olhos dela agora são de puro pesadelo. Ela está nitidamente afetada psicologicamente. Talvez porque ela saiba exatamente quem está atacando.

Enquanto minha mãe abre a porta de um dos quartos para nos abrigarmos, comecei a ouvir alguns sons no primeiro andar que pareciam ser pessoas correndo, mas nada que eu pudesse interpretar como se estivessem batalhando lá em baixo. Não sei se são bandidos ou algum exército inimigo. A cidade na qual resido é pequena pelo o que pude checar em alguns documentos do meu pai quando eu entrava escondido em seu escritório para ler mais sobre o mundo.

Com um pouco mais de 50 famílias, seria muito se passássemos de 400 habitantes.

Eu sei que é um vilarejo pequeno porque nos livros de Geografia que eu li retratavam metrópoles com mais de cinco milhões de pessoas. E sendo um vilarejo de pequeno porte, presumo que não seja murada. Diante disso, existe a possibilidade de que um exército invasor ou até mesmo um grupo de bandidos, dependendo da quantidade, consiga ocupar facilmente este pequeno vilarejo.

Em poucos segundos, eu, minha irmã e mais alguns jovens, filhos de outros convidados fomos colocados dentro desse quarto de hóspedes.

Minha mãe não dá nenhuma ordem diretamente para nós, ela simplesmente nos empurra quarto a dentro. Eu senti talvez um pouco de falta de tato sobre como lidar com a situação, e para a minha mãe, que sempre foi muito estoica sobre as coisas do cotidiano e despreocupada com a vida, agir dessa forma é nítido que estamos falando de algo realmente importante e perigoso.

— Tome conta das crianças. — diz minha mãe para a Jennifer.

Mal consigo ouvir o que as duas cochicham, pois a porta está fechada e elas estão lá fora.

— Sim, senhora.— Jennifer responde mantendo sua calma e respeitando sua posição hierárquica sem pestanejar.

Jennifer entra no quarto e fica em frente à porta em pé, prestando atenção ao redor. Eu olho em minha volta e todas as crianças, sem exceção, estão chorando e acuadas nos cantos do quarto. Maria e eu estamos em uma das quinas, com ela me abraçando com todas as suas forças com medo de até mesmo abrir os olhos.

Os dois adolescentes também estão nervosos com a possibilidade de morrerem.

Analiso o comportamento gesticular das crianças e jovens que se encontram no quarto comigo e reparo que eu sou provavelmente o mais jovem de todos e também o único que ainda não sabe do que se trata tudo isso.

Quando menos espero, percebo que estou sendo observado e era a Jennifer, com um semblante sério, me encarando com se eu tivesse feito algo de errado. Presumo que a minha seriedade em reagir essa situação esteja chamando atenção dela, assim como chamou atenção da minha mãe a primeiro momento. Jennifer ficou no quarto conosco, provavelmente para manter a calma e a segurança de todos. Ela sempre foi simpática com todos e amigável, mas seu semblante sério atual é algo novo para mim. Ela não está dizendo nada, apenas encostada na porta com uma Estrela d'Alva em sua mão esquerda.

É a primeira vez que a vejo empunhando uma arma, inclusive. Eu já tinha visto muitas armas aos longos dos anos com meu pai e o Godam quando as usavam em suas práticas diárias ou quando meu pai as limpava na sala de estar.  Acabei me acostumando com elas ao longo do tempo, mas ver a Jennifer empunhando uma arma me deixou surpreso, embora ela tenha ficado estranhamente atraente dessa forma, eu acho.

No que eu estou pensando!? Estamos literalmente sendo atacados!

O jovem Feral que outrora estava cogitando cortejar a minha irmã, dá uma breve olhada para mim ao ponto que por alguns milésimos de segundo, nossos olhos se fitam e numa reação instintiva de que talvez devêssemos puxar assunto, ele me indaga:

— Que droga, cara. Você não está com medo!? Podemos morrer!

— Eu não sei o que está acontecendo, ninguém me disse nada.

As crianças que estavam chorando, dão uma breve olhada para mim, mas logo voltam para o seu mundo de eterno terror. Jennifer que mantinha sua posição de guarda olhando pela a fresta da porta desvia seu olhar para mim novamente por um instante e voltou a sua posição de guarda.

Ela está bem atenta em nós.

O Feral me observa por alguns instantes e completa: — Entendo. Seus pais não te contaram ainda sobre como as coisas são aqui né? — ele dá uma pausa por alguns segundos e diz em voz baixa como se não quisesse que eu ouvisse ou porque simplesmente não se importava em me explicar: — Queria ser mimado dessa forma para não saber a verdade do que ocorre lá fora.

Vejo uma angústia em sua fala e em seus olhos. Algum fardo que provavelmente ele carrega por muito tempo. Eu achava que tinha sido sua primeira vez ao presenciar esse tipo de situação, mas acho que estou enganado.

— O que tem lá fora? — decido perguntar ao jovem feral para investigar e finalmente entender o que está acontecendo.

Lamento família, se vocês não me contam, não vou esperar a boa vontade de todos para saber a verdade. A curiosidade de um jovem não pode ser cessada. Apesar de eu não ser jovem, mas isso são meros detalhes. Não há nada que possam fazer.

O Feral que está sentado encostado na parede de bruços nos joelhos vira o rosto mais uma vez para mim e pensa em como poderia falar de forma mais resumida e sucinta possível. Ele olha para a Jennifer para saber se possui algum tipo de problema em falar, mas ela aparentemente não se importou. Talvez ela até queira que eu saiba a verdade também. E por ele esperar aprovação dela, sinto como se ele respeitasse ela em algum grau.

Maria que ouviu nossa conversa, intervêm imediatamente para tentar mudar o assunto:

— Lucy, é que assim... Então, não precisa se preocu...

— Há monstros lá fora. — diz o feral alto o suficiente para interromper minha irmã.

A resposta direta e fria do Feral para mim evidenciava um certo desprezo pelo o que existia lá fora ou por mim também. Talvez só tenha falado para colocar medo em mim, talvez ele queria que eu sofresse de forma parecida por inveja da minha posição social. Embora eu nunca tenha feito nada contra ele, senti uma certa hostilidade em sua fala que me incomodou um pouco.

Monstros? — repito a palavra que me deixou uma grande interrogação em minha mente. A primeiro momento, penso que ele esteja apenas querendo pregar uma peça em mim. Contando uma história de terror para colocar medo, mas pelo o olhar de todos em minha volta, não acho que seja o caso.

Monstros. Quando penso em monstros, penso em seres mitológicos, mas não é como se existissem, então o que vem em mente são animais selvagens que atacam pessoas.

Lobos? Ursos?

Toda essa movimentação por causa de um urso? Me soa exagerado. O mesmo seria com lobos. Como lobos abririam uma porta? Tem algo de errado nessa história. Eu não faço a menor ideia do que estamos falando. Ou talvez só estivessem se referindo a algum povo primitivo que atacaram a vila.

As possibilidades são infinitas.

— Sim, monstros. Há infinitos monstros lá fora e não importa quantos você mate, eles sempre voltarão. — continua o Feral, sem entrar em muitos detalhes.

Maria que tenta acompanhar a conversa, está com medo demais para tentar me ajudar a processar as informações.

— Irmãozinho, é complicado de explicar. As coisas lá fora são difíceis. Papai explica melhor. Eu vou te proteger! — diz Maria enquanto pequenas lágrimas de medo escorrem em seu lindo rosto.

É mais fácil o contrário acontecer. Ela está nitidamente afetada. De qualquer forma, preciso de mais informações.

— Monstros tipo animais?

A minha inocência e ignorância meio que serve como um quebra-gelo da situação e algumas das crianças que só choravam, pararam para ouvir a nossa conversa.

— Existem alguns com forma de animais.— responde o outro adolescente, amigo do Feral que está encostado da mesma forma ao lado dele. Ele é um Humano um pouco mais alto que o Feral. Cabelos longos e negros. Sua roupa era bem peculiar. Ele vestia um terno de coloração Grená com uma luva amarela na mão esquerda.

De qualquer foram, o que ele quis dizer com "Alguns"? Então nem todo monstro tem forma animal? Isso não tem muita lógica.

— O que poderia ser além de animais? — pergunto continuando minha investigação.

— Monstros são coisas corrompidas que carregam a energia de Lilith, da Ressurreição Demoníaca. — uma voz no outro lado do quarto interrompe minha conversa com o feral.

Quem falou isso foi uma menina. Sua aparência diria que está na faixa dos 16 anos, loira com um pingente vermelho em sua orelha esquerda. Seu vestido branco e suas belas curvas mostram uma beleza invejável digna de uma princesa. Suas orelhas são levemente pontiagudas, o que me leva crer que ela é ao menos uma Meio-Elfa, então sua idade é incerta, mas por estar aqui junto a outras crianças, ela deve ser jovem. Após ela falar, percebo que todos na sala se silenciaram, como um sinal de respeito, eu acho. Eu deveria ter ficado na recepção dos convidados para saber seu nome e classe social.

Aliás, "corrupção" e "Ressurreição Demoníaca". A explicação dela parece ser algo puramente religiosa e minha mente tratou tal informação como não-confiável a primeiro momento, mas preciso ouvir e prestar atenção porque existem verdades por trás das entrelinhas de ensinos religiosos, e com minha racionalidade aguçada, talvez eu possa fazer um filtro do que pode ou não, ser ficção.

— Lilith? Ressurreição Demoníaca? Pera, o que isso tem a ver com o que está acontecendo?

— Nem isso te ensinaram? Seus pais não lhe ensinaram o Clero dos Heróis? Pff... que absurdo. — responde a menina que tinha agido até então de forma pacífica e complacente, mas que agora se encontra um pouco encabulada por eu não conhecer seu clero e direciona seus olhares para a Jennifer e minha irmã mais velha que tentou se esconder embaixo dos meus braços.

— Não, nunca me ensinaram.

— É... é que meu pai não liga para essas coisas e acabou que nunca falamos nada, eu acho. — Maria tenta se explicar, mas consegue apenas se complicar ainda mais.

Não pude fazer nada a não ser admitir minha ignorância.

Eu já tinha reparado a falta de religião dentro de casa, algo que já conhecia e carreguei da minha antiga vida, mas todas as vezes que indaguei sobre isso para alguém de casa, todos davam respostas vagas sobre existir religiões, mas que eles não acreditavam em nenhuma. Eu li sobre algumas religiões em alguns livros em casa e Jennifer uma vez falou um pouco sobre sua religião, mas não era esse tal "Clero dos Heróis" e sim uma religião chamada "Karkapismo" na qual ela foi praticante por muitos anos.

— Tsc... Não há o que fazer a não ser explicar de forma resumida. — diz a menina de forma desinteressada. 

De qualquer forma, isso vai ser interessante. Vai adicionar bastante conhecimento pertinente a minha vida aqui. E as crianças que nos observavam parecem estar mais calmas, o que é um alívio. Seus choros estavam me aborrecendo.

— Clero dos Herói é uma religião dedicada aos quatro grandes heróis que derrotaram a Imperadora Demoníaca na guerra contra a extinção da Humanidade. — diz a menina seguido de uma leve pausa. Ela gentilmente se ajeita, procurando uma posição mais confortável para falar e joga uma de suas franjas para trás de sua orelha e conclui: — Há 271 anos, a Imperadora Demoníaca, Lilith, invocou monstros para que exterminassem a humanidade até o último ser vivo. Mas apesar dos heróis terem vencido a guerra e matado a Lilith, a grande sumonação de monstros continuou ao longo dos anos. E da lá para cá, os monstros são invocados infinitamente. Você os mata e depois de um tempo eles voltam. Eles não atacam animais ou qualquer outra coisa, eles apenas atacam seres sapientes no geral. — conclui a linda e entediada menina que dá uma leve respirada e se encosta na parede.

Bom, eu não tenho uma opinião formada sobre isso. Claramente é um clero, devem ter suas raízes culturais sobre isso. Talvez seja baseado em algum acontecimento histórico, mas fica difícil crer em seres demoníacos e monstros infinitos. Provavelmente eles nunca viram esses tais monstros.

— E você já viu esses tais monstros? — decido indagar a jovem garota meia-elfa que acabou de me dar um sermão sobre como funciona as coisas aqui.

Antes que a menina pudesse responder, ela é interrompida por uma leve risada do Feral com tom de deboche para cima de mim. Ela olha para ele com tom crítico e o mesmo decide ficar quieto. Ela se recompõe, volta a olhar para mim e continua: — Sim, já vi. Provavelmente todos aqui já viram pelo menos uma vez também, mesmo que tenha sido daqueles pequenos e fracos.— após tais palavras todos me olham com uma expressão de  pena por eu não saber de nada.

Pera, ela viu? Digo, todos aqui já viram?

— Pera, você viu mesmo?

— Claro, existem centenas de tipos por aí. Alguns ainda nunca encontrados ou catalogados. É comum alguns conseguirem passar pela barreira quando vagam aleatoriamente. O que acontece é que as vezes monstros mais fortes e maiores também acabam entrando. E esses são perigosos, pois podem matar várias pessoas até serem finalmente destruídos.

— Entendo... — antes que eu pudesse falar qualquer coisa, várias crianças entram na conversa:

— Eu já vi também...

— Eu também, foi horrível!

— Achei que fosse morrer. Meu pai o matou na minha frente.

Todos começam contar suas histórias e informações sobre cada encontro que tiveram com essas criaturas. Nessa altura, não me resta nada a não ser ficar parado e observar a história de cada um. Apesar de todo esse medo e cuidado para se defender dos monstros, pelo o que ouvi de alguns relatos, existem monstros bem fracos que não são nenhum tipo de perigo absurdo para seres humanos.

Ainda é difícil de acreditar que tais monstros existam, mas devido a toda essa comoção e como todos disseram que já viram, não há nada que possa fazer a não ser dar um voto de confiança e entender que há monstros que apenas existem para matar todos os seres vivos.

Com o clima mais tranquilo e ameno, algumas crianças começam a se levantar e conversar com outras. Decido me levantar e ir agradecer a menina meio-elfa por ter dedicado parte do seu tempo em explicar sobre o mundo.

— Olá, obrigado por me explicar as coisas. Isso foi muito revelador para mim. Nunca vou me esquecer.

— Não se preocupe, apenas expliquei o que você já iria descobrir por conta própria.

Entendo. Aliás, posso perguntar seu nome? — em reação a minha pergunta, a meia-elfa me analisa dos pés à cabeça com um olhar analítico e julgador.

— Hunf... Meu nome é Alexandrina Kipseu Boruta.

— Boruta... esse nome não é estranho para mim.

— Naturalmente, nossos pais são amigos e trabalham juntos.

É verdade, eu vi alguns documentos sobre a família dela. Não tinha muitas informações, a não ser que de fato o pai dela trabalhava no mesmo lugar que meu pai. Mas não é algo que eu deva comentar a respeito. Ele provavelmente veio nas outras festas de aniversário, mas antes eu mal participava junto com os adultos, então eu não falava com ninguém.

— Ah, não sabia. Interessante.

— Não é nada demais... — ela olha para o lado desinteressado pela a conversa.

Bom, já fiz o que desejava que era agradecer a aula dela.

— De qualquer forma, permita-me agradecer mais uma vez por sua cordialida... — antes de eu terminar a minha frase, um estrondo duas vezes mais alto do que o barulho que ouvimos mais cedo nos atinge.

Os videos das janelas do quarto imediatamente se quebram devido ao impacto do som. Por causa dos estilhaços da janela, todas as crianças imediatamente se jogam no chão para se protegerem. Uma nova orquestra de choros e gritos começa mais uma vez.

Alexandrina que está logo abaixo de uma das janelas, será atingida pelo os cacos de vidro. Imediatamente coloco meu corpo por cima dela para servir de escudo e impedir que ela se ferisse. Por ter me jogado repentinamente, seu corpo foi para trás e ela fica me observado com olhos arregalados, entendendo o que eu tinha acabado de fazer.

Após um tempo, o estrondo passa e um silêncio ensurdecedor perdura entre todos nós, com um zunido agudo no fundo de nossos ouvidos. Com curiosidade para saber o que de fato aconteceu lá fora, todos começam a se perguntar o que tinha acabado de acontecer.

Alexandrina que agora se enconrar um tanto envergonhada por ter caído para trás, se levanta imediatamente para ver minhas costas. Jennifer e Maria fazem a mesma coisa.

— Mestre, você está bem? — pergunta a Jennifer preocupada com meu bem-estar.

Irmão, você está louco!? repreende maria, com o seu jeito desesperado de sempre.

Nada mudou, todos continuam a mesma coisa até mesmo em momentos como esse. — Sim, estou bem. Não acho que os cacos de vidro me machucaram.

— Idiota, você não precisava ter feito isso. Meu pai ia me matar se soubesse que fui a razão para você ter se machucado. — diz Alexandrina inconformada por uma criança ter se arriscado por ela.

Já imaginava que ela fosse me repreender. Seu jeito orgulhoso de ser é um escudo. Mas o instinto falou mais alto e não poderia permitir que tamanha beleza fosse destruída assim.

É... estou pensando como um pervertido novamente.

O lado bom de ter reencarnado é que posso observar melhor as emoções das pessoas. Consigo entender o que elas estão sentindo e o porquê com uma maior facilidade. Nessas horas eu vejo como benéfica essa visão racional que possuo.

— Lamento por isso, acho que foi instinto. — respondo de forma amena, tentando diminuir a tensão de todos em volta.

De fato, foi um ato de puro instinto em que me movi sem pensar duas vezes. Por sorte minha, não tive nenhum ferimento. Por um breve momento, respiramos despreocupados por saber que todos estavam bem. Mas agora eu precisava pensar em coisas mais importantes.

O que será que aconteceu lá fora?

Pensei abordar a Jennifer para perguntar se ela sabia algo a respeito, mas um grito de uma das crianças me interrompeu:

— Ahhhhhhhhhhhhhh!

Esse grito feminino e alto, chamou imediatamente a atenção de todos do quarto, incluindo eu, minha irmã, Jennifer e da Alexandrina. Todos nós nos viramos imediatamente em direção ao som, que vinha de uma menina próxima a uma das janelas no outro lado do quarto que dava vista para os fundos da mansão em que morávamos.

Ainda não sabíamos o que estava acontecendo e antes mesmo que pudéssemos fazer qualquer coisa a respeito, algo que eu jamais achei que poderia acontecer ou existir, aconteceu e realmente existia.

— Isso... não pode ser real — profiro tais palavras ao que eu acabo de presenciar diante dos meus olhos.



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