Paladinos da Noite Brasileira

Autor(a): Seren Vale


Volume 1

Capítulo 16: O bruxo e o Paladino.

     Yuri caminhava exausto pela encharcada estrada de terra, transformada em lama pelas fortes chuvas. Um rastro de pequenas gotas de sangue escorreu de seu pulso, ferido. O som da chuva ecoou ao lado do ronco de sua barriga vazia. Na mão, ele segurava uma maçã que havia roubado anteriormente, enquanto um estranho sorriso surgiu em seu rosto. Yuri atravessou a densa floresta até chegar a uma modesta cabana de madeira. Ao entrar, ele se dirigiu a um cômodo vazio, onde, exausto, sentou-se no chão e devorou a maçã com avidez, deixando escapar algumas palavras entre mordidas.

— Hoje é meu aniversário, tu se lembra? Não se lembra nem de mim! — Murmurou ele.

     Da fresta do piso de madeira era possível escutar, rosnados e grunhidos.

— Está com fome? — Yuri levou o pulso à boca e mordeu até sangrar, deixou o sangue fresco e vermelho escorrer pelas frestas do piso. — Olha isso! — O garoto ergueu a cruz dourada — Roubei de um homem no mercado, tri legal né.

       O sorriso do Yuri se desfez, o coração começou a bater mais rápido, o medo era real e evidente. Ele desviou o olhar para o lado e avistou uma adaga apontada para seu pescoço.

— Te segui até aqui, você fede a Lich! — O homem disse ao pegar a cruz dourada sem mover a adaga. — Abre o alçapão!

— Minha mãe, o papai disse que ela está doente. — Yuri disse desesperado.

— E onde está seu pai?

— Ele se foi, e...el...la o devorou. — Yuri quase hesitou ao falar.

— Como se chama?

— Yuri!

      O homem abaixou a adaga e falou: “Me chamo, Bruno!”

— Então, Yuri — Bruno retirou a mochila que usava, de onde saiu um livro — Sabe ler?

      O garoto negou com a cabeça.

— Tudo bem, eu te conto.

       Nas últimas horas, Bruno explicou para Yuri o que era um Paladino e o que fazem e deixou o garoto imerso nesse mundo novo.

— E por que tu saiu de lá?

— Os Paladinos correm atrás do próprio rabo caçando essas criaturas. Eles não sabem nem da metade do que descobri. Vamos, quero que conheça alguém. Talvez um deles saiba como trazer sua mãe de volta.

Bruno se ergueu do chão e foi em direção á saída, seguido por Yuri.

***

— Desde Salem, Paladinos não podem mais mexer com bruxas, só limpar as cagadas que elas fazem. Devem-se destruir seu grimório, só assim elas param.

     Bruno bateu com força na porta do palacete, uma majestosa construção que parecia deslocada no cenário moderno. O ruído ecoou pelas paredes centenárias. A porta se abriu e revelou um homem alto e misterioso, trajando com um impecável terno preto e um chapéu enigmático. Seus olhos penetrantes escondem segredos profundos. Com uma taça de vinho na mão, ele bebia o conteúdo em um só gole antes de dirigir a palavra aos visitantes, mantendo assim um ar de mistério ao seu redor.

— Bruno! O que devo o desprazer.

— All, é bom te ver, amigo.

— E esse projeto de gente aí? — All fez menção para que ambos adentrassem a casa. — O que você quer, dessa vez?

— Quero que me mostre.

— De novo? — All disse e sentou-se à frente de uma mesa redonda. — Sente-se. — All retirou o pano vermelho que cobria um espelho retorcido

— O que o espelho mostra é o destino que já está gravado.

— Quando o portal for aberto, os humanos irão morrer, irão conhecer a vingança de um monstro que odeia o homem, e os Paladinos, o que poderão fazer?

      Yuri se aproximou da mesa e olhou no espelho, onde havia seu reflexo, o espelho então rachou.

— O caos está próximo! — All disse e puxou Yuri, olhou nos olhos do garoto. — O caos pode pará-lo!

     All começou a rir e assustou Yuri.

— Então é isso! Foi por isso que o destino nos uniu, Bruno, nós somos ferramentas para algo maior. O bruxo e o Paladino.

— O que você viu, no espelho? — Bruno perguntou curioso.

— Ele está voltando e só há uma chance de o parar, mas à maia noite o garoto tem que sair vivo.

     All  estalou os dedos, onde surgiu um espelho que mostrava toda a casa.

— Ela está aqui, quer a maleta do destino.

— Nós vamos morrer? — Bruno perguntou, com medo da resposta.

— Vamos! Como quer passar os seus últimos momentos? — All pegou uma taça de vinho e entregou para Bruno. — Foi ótimo te conhecer.

— Espera, o que vai ser do garoto?

— Vai seguir o destino dele. — All deu de ombros, ele retirou de baixo da mesa uma maleta preta e a jogou sobre a mesa de madeira. — Olha ela aí! Foi criada para acessar outra dimensão.

— Como a lua vermelha?

      All abriu a maleta e mostrou um círculo vermelho desenhando nela.

— Ela é basicamente o mesmo que a lua vermelha. — All encheu a taça do Bruno novamente e a ergueu para um brinde. — Ao Bruxo e o Paladino.

No espelho que flutuava, All e Bruno avistaram uma linda mulher com longos cabelos pretos e uma maquiagem da mesma cor. Ela estava vestida com um elegante vestido verde, e de suas mãos emanava uma energia da mesma tonalidade, fluindo com graça.

— Ela chegou!

     Os vários espelhos da sala se quebraram, o que fez voar diversos pedaços por todo local.

— Ela quer o portal! — All pegou a maleta e a entregou para Bruno — Vou atrasá-la, fujam!

        Bruno olhou para All, com medo do que iria acontecer. Ele soube que essa seria a última vez que iria ver seu companheiro. Os olhos de Bruno se encheram de lágrimas. Ele olhou para Morgana que adentrava a casa. Bruno soube que tinha que tentar salvar All. Não podia fugir como um covarde. Ele então entregou a maleta para Yuri.

— Vai embora, garoto. Te vejo mais tarde!

Yuri confirmou com a cabeça e correu em direção á saída.

Morgana olhou para Bruno, que se aproximou. O olhar superior da mulher fez com que o Paladino estremecesse.

— Me devolva a maleta, filho! — Morgana disse a All.

— Mamãe! — All sorriu e abriu os braços — Eu esperei tanto para senhora me encontrar.

— Sua curiosidade sobre o mundo nos afastou. — Ela olhou para Bruno.

— Você sabia que eu tinha que ser mais do que mero capacho do clã dos vampiros.

— Você e sua irmã tinham um grande potencial. — Ela caminhou até um dos espelhos quebrados e o virou para All. — Ela morreu. Um Paladino matou ela, a mesma raça que você defende.

— Isso é mentira. Os paladinos não podem mais matar bruxas. Você está tentando me manipular, Morgana, e suas manipulações!

— Minha própria cria. — Morgana lançou vários raios verdes em direção a All. — A conversa acabou.

      All se defendeu ao invocar um espelho, que se quebrou ao ser atingido pelo raio.
      Bruno aproveitou que Morgana estava atacando All para lançar um ataque. Ele abriu o grande sobretudo cinza que usava, onde havia várias facas, e então lançou todas contra Morgana. As facas pararam no ar, nem ao menos encostou em Morgana. A trajetória das facas mudaram e foram em direção a Bruno.

— Não! — All correu e protegeu Bruno das facas com um espelho. O espelho rachou e atingiu All com vários cacos.

      Morgana olhou para o corpo ensanguentado de All caído sobre os braços de Bruno. A tristeza da mulher  logo deu lugar à raiva. Ela olhou para as costas de Bruno, onde havia vários cacos de espelhos.

— All! — Bruno retirou um dos cacos que havia no corpo de seu amigo — Fala comigo!

     Morgana levou a mão a uma mecha castanha do filho, e retirou do rosto do mesmo.

— Não era isso que eu queria! — Os olhos da mulher pareceram sangrar de tanta raiva. — Foi você!

      Morgana estalou os dedos, desencadeou assim uma dança de estilhaços de espelho que encontraram Bruno. Um fio vermelho de sangue deslizou do canto dos lábios dele. Antes de sua respiração derradeira, Bruno sussurrou: "Éramos dois rebeldes contra as regras do mundo. Sou grato por nosso encontro." Ele tentou, em vão, tocar o rosto de All com a mão trêmula, mas a vida o abandonou antes que o gesto se completasse.
Morgana dentre olhou para o lado e percebeu a presença do ser vestido de branco, com a máscara de lebre.

— E a maleta? — Ele perguntou enquanto olhava o corpo dos dois garotos.

— Meu filho. — Morgana ignorou a pergunta de Lebre Branca. — Minha filha...

— Seus filhos se foram, mas o caos ainda habita esta terra. — Lebre Branca disse e virou as costas. — Encontre-o, ou sofra as consequências.



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