Volume 1

Capítulo 7: Tudo começa com um caldeirão!

— Tente não falar de boca cheia — disse Crossy, tentando corrigir o leopardo.

— Ué? Por que você diz isso humano?

— Porque é falta de educação!

— Hmm...

A fera parou de degustar o pedaço de carne e ficou pensativo, totalmente focado.

—Hmmmm...

— Hm o quê?

— Por acaso eu fiz você usar seus nervos? Achei que isso não era possível!

— Finalmente decidi! — gritou o meio fera.

Ele por acaso tava se perguntando alguma coisa? Agora eu sei que ele consegue considerar pelo menos duas coisas, é mais inteligente do que eu pensava.

— Você será o meu cozinheiro! Se sinta orgulhoso humano! Permitirei que prepare o meu banquete!

Esquece, ele é burro mesmo.

Os dois garotos se conheceram mais um pouco até Icarus chegar. Embora fosse difícil lidar com a fera, Crossy estava começando a gostar do seu novo companheiro, o mesmo para a criatura, que foi conquistada pela barriga e não pela atitude do humano.

— Acho que eu já te apresentei tudo... Ah! Este é meu quarto!

A fera olhou para o garoto, olhou para o quarto, olhou para a cama, para os cobertores e disse:

Nosso.

— Como?

Nosso quarto.

Crossy fechou a cara depois de um sorriso debochado, ele fixou seus olhos na fera, um tanto quanto confuso.

Pera... Ele tá falando sério?

— A partir de agora este quarto será nosso! Os alfas que dominam a floresta! Os reis da montanha!!! HAHAHAHAHA!

— Para com isso seu doente!

O garoto empurrou o meio fera com um tom brincalhão, porém, ele claramente não interpretou dessa forma.

— Eita! Foi mal cara, você tá bem? — perguntou Crossy gentilmente.

— Se eu tô bem? VOCÊ OUSA DUVIDAR DOS PODERES MÍSTICOS DO REI DA MONTANHA!? EU VOU TE MATAR HUMANO DESGRAÇADO...

Antes que o chilique continuasse, Icarus abriu a porta, ele tinha alguns arranhões na face, suas mãos repletas de tinta roxa carregavam uma cauda de leopardo.

— Cheguei, pivetes. Pelo visto estão se dando bem!

— EU!? ME DAR BEM COM UM HUMANO? QUE NOJO SEU VELHO...

Quando a fera começou a silabar a palavra proibida, Icarus deu-lhe um cascudo tão potente que a fez desmaiar.

— Era só o que me faltava! Dois moleques mal educados vivendo embaixo do meu teto!

Mas se eu sou mal educado a culpa não é tecnicamente dele? Esquece, se eu falar isso vou apanhar.

Crossy se apressou e colocou o amigo no sofá, depois se virou para Icarus e perguntou:

A

— Pode ser, mas já te aviso moleque, se você explodir alguma coisa...

— Relaxa, o pai sabe muito.

Icarus e Crossy se juntaram na cozinha, todos os recipientes estavam limpos e preparados. O homem idoso se conteve a apenas observar o pequeno garoto, estava o subestimando em sua mente.

Se esse moleque conseguir fazer água suja já vai ser bem impressionante. Se bem que esse interesse pela alquimia meio que me lembra o Paul, antes de tudo é claro...

Que se dane! O passado não interessa! E-Eu... Vou confiar na nova geração!

O homem exibiu um pequeno sorriso, o que confundiu Crossy, porém o deixou confiante.

— Então, pivete, qual é o primeiro passo? Se é que você sabe...

— É bem simples! — afirmou Crossy, em uma paixão ardente — Primeiro amassamos os besouros roxos, depois aquecemos seja lá o que sobrar disso e começamos a esquentar o caldeirão.

— Tu fez o dever de casa em moleque! — disse Icarus orgulhoso.

Crossy começou a trabalhar em sua poção. Ele visualizou o grande caldeirão metálico e colocou todos os besouros roxos vivos dentro dele. Em seguida, começou a amassa-los com as próprias mãos.

Cacete... Que nojo, tem cheiro de fruta azeda.

A textura era desconfortável, os insetos abriam suas asas tentando fugir, porém Crossy os amassava com toda sua força. O garoto pensou em parar, porém sua determinação o fez continuar.

Icarus percebeu o desconforto do garoto e começou a gargalhar.

— Não tem graça!

— Foi mal... Agora, qual é o próximo passo?

— Agora precisamos colocar o caldeirão no fogo e cozinhar as caudas de leopardo.

O caldeirão fedia entupido com uma mistura roxa reluzente. Icarus acendeu o fogo com um aceno de mão e transportou o caldeirão.

— Sinceramente... Ainda bem que ele desmaiou, não acho que pegaria bem ele ver isso — disse Icarus, enquanto prepara as caudas de leopardo.

— Verdade... Bom, o próximo passo é jogar isso dentro do caldeirão, quando uma névoa azul subir deve estar pronto.

As caudas foram adicionadas na mistura, um barulho de algumas bolhas estourando foi o indício de que estava fermentando. Crossy leu a receita diversas vezes enquanto a poção cozinhava para garantir que não ia errar.

Alguns brilhos escarlates escapuliram pela tampa, o que preocupou o garoto, porém Icarus garantiu com certa seriedade que não era nada perigoso. Depois de algumas horas o garoto estava cochilando em frente ao caldeirão, quando percebeu um cheiro peculiar que o acordou.

Um cheiro extremamente forte e honroso de frutos do mar empesteou seu nariz, Crossy se desesperou ao ver uma fumaça azul marinho e perceber que a poção passou do ponto. Ele abriu a tampa desesperado enquanto o velho vinha ver o que tinha acontecido, junto da pequena fera curiosa.

— Ferrou... A poção secou...

O caldeirão se encontrava quase vazio, o que restou da mistura foi uma gosma azul, super concentrada.

— Bom... Deve dá pra tomar isso, não é? — perguntou o meio fera.

— Você tá maluco!? Uma poção mal feita a torna imprevisível, se tomar isso a língua pode derreter ou passa a falar com peixes pro resto da vida — disse Icarus.

— Então... Foi tudo pra nada?

— Não seja tolo moleque! Tudo tem uma solução.

O velho andou até a cozinha e pegou um frasco repleto de um líquido transparente, ele parecia mágico e cheirava como flores da montanha. O senhor despejou todo o frasco no caldeirão, até que uma fumaça vermelha saiu rapidamente, ele olhou e disse:

— Resolvido.

Quando o garoto olhou para o caldeirão a mistura concentrada tinha se tornado líquido, ele colocou em um frasco ansioso para testa-la, porém ele perguntou curioso:

— O que você colocou no caldeirão?

— Uhh... Você não vai querer saber, agora que tal falar com algumas plantas?

Crossy segurou a poção ansioso, ela tinha ficado extremamente bela, um frasco simples com um líquido azul escuro. O garoto não hesitou e bebeu a poção, ela tinha um gosto que era uma mistura entre pasta de dente e óleo velho, definitivamente era horrível, porém ele se forçou a não cuspir.

A cara do garoto começou a ficar vermelha, seu estômago tremeu e quase revirou. Icarus riu, deu alguns tapas nas costas do garoto e o confortou:

— Relaxa, com o tempo você se acostuma com o gosto horrível de cada poção.

— Sério? Cara...Isso foi a pior coisa que eu já provei na vida.

— Não se apresse, garoto, ainda vai provar muitas poções piores que essas!

Cara... Esse gosto horrível não sai da minha língua... Parece até que empesteou ela toda.

Quando será que o efeito começa? Minha boca tá formigando, já sei! Vou perguntar pra Icarus, ele deve saber.

— Ei Icarus...

O que!?

As palavras que saíram da boca de Crossy estavam incompreensíveis até mesmo para o garoto. Icarus e o garoto fera o olharam com confusão e preocupação.

Para comparação, era como se você falasse em português e as palavras saíssem em russo. O garoto pediu ajuda desesperado, porém nenhum dos dois conseguiram entender alguma coisa.

— Pera... Isso é o efeito da poção? — supôs Icarus — Não achei que ela funcionasse assim.

— Tente falar com ratos ou algo assim! — sugeriu o meio fera.

Crossy pensou em xingar o leopardo, mas ele não entenderia de toda forma. O garoto decidiu fazer um teste, ele saiu do chalé e andou alguns metros até uma árvore.

— E-Ei! Se... Se tiver algum inseto aí... poderia vir pra baixo por favor?

Dezenas de pequenas vozes ecoaram das folhas, algumas pareciam reclamar, outras curiosas. Não demorou muito até o garoto se assustar com a quantidade de seres em seus pés.

Os insetos se reuniram ao redor dele, diversas espécies diferentes estavam ali, algumas que Crossy conhecia como lagartas secas, larvas de borboleta solar, gafanhotos azuis e besouros azuis — O que é o mínimo irônico.

— Uh... Vocês conseguem me ouvir?

— Sim, o que você quer moleque desgraçado? — insultou um gafanhoto azul, extremamente incomodado.

— Ei! Não chame ele disso Fred! — censurou uma borboleta.

— Não Nilce! O Fred tá certo! Por que respeitaríamos um macaco? — argumentou uma largata pequena.

— OW! ISSO É RACISMO! SUA LARGATA FUDIDA! — gritou Crossy.

— O que é racismo? — perguntaram todos os insetos ao mesmo tempo.

O garoto pensou um pouco e decidiu que não faria sentido tentar explicar, ao invés disso ele tentou tirar algo bom dessa situação.

— Olha, vocês com toda a certeza conhecem a floresta galho por galho certo?

— Obviamente — concordaram os insetos.

Não acredito... Se isso funcionar vai ser incrível!

— Eu proponho um acordo insetos! Preciso de algumas ervas medicinais e plantas raras, devem saber onde encontrar algumas, vamos ajudar um ao outro! Vocês me dizem aonde ficam as plantas que eu preciso, eu as coleto e nós dividimos os lucros no final!

Os insetos de alguma forma pareciam pensativos, eles se viravam e cochichavam entre si.

— Temos mais uma condição humano — disse Fred, o gafanhoto azul.

— E qual seria?

— Recentemente algumas plantas carnívoras apareceram na floresta, ainda não aprendemos a diferenciar elas das que comemos... ENTÃO QUEREMOS QUE VOCÊ QUEIME TODAS!

— E se eu desse alguma utilidade para elas?

— Faça o que quiser, desde que elas não nos ataquem — afirmou Nilce — Portanto, aceitamos sua proposta.

— Beleza! Trato feito!

O garoto estendeu a mão para a borboleta, que estranhou, porém, pousou em seu dedo como símbolo de afeto. O acordo funcionou rapidamente, as borboletas como Nilce mostravam o lugar onde certas plantas costumavam crescer e os outros insetos mostravam as plantas carnívoras.

Em uma tarde o trabalho em equipe rendeu sacos e mais sacos de plantas — as quais xingaram Crossy o quanto puderam.

— Pronto! Agora vamos dividir! Quais plantas vocês geralmente comem? — perguntou o garoto na mesma árvore.

Todos os insetos discutiram entre si, cada um tinha uma preferência.

— Certo... Que tal cada um pegar o que quer?

— S-Sério!? — gritaram todos os seres ao mesmo tempo.

— Claro... Somos parceiros, não é?

A cena se parecia com um buffet, diversos insetos juntos em apenas um lugar se alimentando, isso atraiu predadores claro, que Crossy afugentou, criando ainda mais admiração pelos seres.

Quando a comilança acabou o garoto ainda tinha sacos e mais sacos de plantas, que ele com muita dificuldade levou até o chalé.

— Caralho! O que é tudo isso? — perguntou o leopardo.

O garoto não conseguia se comunicar com ele, a poção concentrada ainda tinha efeito, então ele escreveu em um papel:

— Preciso de algumas coisas para jardinagem.

O meio fera deu uma risada desacreditada e chamou Icarus, que entregou sem pestanejar, apenas um pouco surpreso.

— Certo! Hora da minha redenção!

O garoto passou o resto da tarde plantando no quintal do chalé. Seu trato lhe rendeu muitas sementes além de só plantas, que ele usou para criar uma pequena horta de ervas para poções.

Crossy teve uma ideia genial para criar a plantação perfeita, ele se aproveitou do efeito de sua poção para checar as plantas de forma completa.

— Oi brotinho! Você precisa de mais água?

— Não — dizia o pequeno broto, com uma voz infantil.

— Alguma plantinha com sede?

O que?

Sua última frase saiu correta e ele percebeu que o efeito da poção acabou. Conveniente, no exato momento em que o meio fera foi checa-lo, a criatura riu até perder o ar.

— Não sabia que você era pai de plantas!

— Cala boca gato.

— Ah! Vamos lá! Me apresente seus filhos!

Crossy suspirou, porém viu uma oportunidade de se organizar e disse:

— Na primeira fileira eu coloquei as plantas carnívoras, elas são um pouco problemáticas pra ser sincero, mas algumas podem ser usadas para poções! Embora eu vá ter que alimenta-las com ratos.

— Já na segunda eu plantei Gerhart. É uma planta medicinal usada pra tratar queimaduras e arranhões, na terceira eu plantei Gairo, serve pra criar soníferos até onde entendi.

— Olha, eu acho que...

— Eu ainda não terminei! Ainda consegui plantar Kelpsy! Uma planta raríssima que armazena água o ano todo! Se cortar ela no período certo conseguirá uma água super purificada! Que claramente serve pra criar poções mais avançadas.

— Então qual é próximo passo!? Domar a floresta inteira? — questionou a fera.

— Bom... Por que não!? — respondeu Crossy, com uma cara animada.



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