Volume 1

Capítulo 5: Alquimia é algo complexo...

— Maia não vai gostar disso... Talvez ela até comece a me odiar, mas, essa é a única forma de você viver uma vida sem ser caçado todos os dias.

O garoto desmaiado foi carregado pela floresta o dia todo. Paul questionou o caminho todo se estava fazendo a coisa certa, porém, a imagem assustadora de seu filho sendo caçado como um animal o fazia continuar.

Se eu tivesse chegado um pouco depois ele estaria morto! Não quero fazer isso, mas, não tenho escolha, só ele pode me ajudar.

O céu estava nublado, repleto de nuvens cinzas. A floresta estava silenciosa, todos os animais que apareciam no caminho, ratos, insetos e até mesmo pássaros fugiam desesperadamente do garoto.

Paul se encontrava cada vez mais preso na floresta, as árvores densas bloquearam a vista do céu nublado, o homem estava na sua segunda pausa para descanso quando avistou a montanha que procurava.

— Que saco... Sabe Crossy, eu sempre odiei o caminho até aqui, mas, agora ele parece um pouco... relaxante, não sei dizer ao certo — sussurrou Paul, enquanto mastigava um pedaço de pão velho.

O garoto continuava desmaiado, sem esboçar qualquer reação.

— Não sei se pode me ouvir, mas, o velhote vai cuidar de você, talvez até melhor que eu, ele sabe das coisas.

— Não tenho ideia como você sobreviveu, com toda a certeza vai ser alguém especial, muito mais do que eu jamais fui!

— Duvido que sua mãe vai querer continuar comigo, quero dizer, eu não vou mentir pra ela, não dessa vez.

— Enfim, eu poderia ter começado a subir essa ladeira a muito tempo haha! Eu só... não sei se estou fazendo a coisa certa, entende?

— Esquece, você não consegue me ouvir mesmo...

O homem subiu a montanha com algumas lágrimas em seus olhos, as três luas desse mundo já pairavam sobre o céu lindamente. Quando chegou ao topo, ele viu um velho chalé de aparência elegante e humilde.

Seu interior estava iluminado, portanto Paul soube que ele estava em casa. O pai bateu na porta gentilmente três vezes.

Toc Toc Toc

Um homem de aparência velha e rabugenta abriu a porta desconfiado, ele tinha uma grande barba grisalha e rugas por toda a face, além de ser um pouco baixo.

— Paul? Que surpresa... Não esperava te ver aqui depois de tantos anos.

— É... eu também não.

— Quer entrar? — perguntou o homem velho, segurando a porta e a estendendo para mostrar sua cozinha.

— Icarus... Preciso te pedir um favor e preciso que aceite!

O homem na porta deu uma risada estranha e sorriu gentilmente.

— Você nunca toma vergonha na cara, não é? Sabe que somos família, mesmo depois de tudo aquilo, pode pedir qualquer coisa!

Os dois se olharam melancolicamente, mesmo sem querer, Paul relembrou seu passado doloroso. O homem na sua frente tinha cometido atrocidades que ele odiava lembrar, mas, agora ele precisava mais do que tudo implorar pelos seus conhecimentos, e pela sua compaixão.

O pai tirou seu filho de suas costas e o mostrou para Icarus, com um sorriso triste no rosto.

— Este é Crossy, é o meu filho com Maia.

Icarus quase gritou em terror, ele olhou para a criança apavorado. Não com sua presença causada pelo miasma, mas, pelo estado do garoto.

Ele identificou a doença em um instante, porém, não soube explicar como ela estava viva, tudo indicava que um tempo já tinha se passado desde a infecção.

— Dei algumas poções do desmaio para ele no caminho, deve dormir por mais algumas horas. Sei que já percebeu o que ele tem, de alguma forma ele sobreviveu a doença maldita, mas alguns efeitos ainda continuam, eu... não sei o que fazer!

Os dois se olharam pensativos, Icarus parecia confuso e intrigado pelo garoto.

— Preciso que cuide dele, sei que não posso exigir nada de você! Mas... você é o único que sabe tanto sobre o Miasma!

— Você e Maia sempre foram incríveis, mas, confesso que não esperava que tivessem um filho tão especial assim. Esse garoto... pode ser um gênio, tem certeza que quer isso?

O pai recuou um pouco, todas as dúvidas agitaram sua mente, porém, ele juntou todas as suas forças e disse:

— P-Por favor... Cuide dele Icarus, isso é tudo que eu te peço!

Crossy foi entregue ao homem, que o acomodou no sofá de seu chalé. Paul não hesitou em ir o mais rápido possível, ele se virou de costas e começou a descer a montanha, convencido de que se pensasse mais sobre aquilo ele se arrependeria.

No amanhecer do dia seguinte o garoto acordou, confuso e fraco.

Cara...Minhas costas tão me matando, eu não deveria ser novo pra esse tipo de coisa?

Espera! Cadê o meu pai?

 Crossy se levantou rapidamente do sofá e deu uma boa olhada em seu redor. Estava em uma sala aconchegante, com uma lareira apagada e moveis de madeira bonitos.

A sala tinha um cheiro de café e o sol estava na cara do garoto graças a janela aberta.

Que lugar é esse?

— Pai?

O silêncio foi interrompido por passos leves em direção ao garoto. A ansiedade tomou conta dele por um momento, os passos de seu pai eram pesados e rápidos.

— Q-Quem tá aí?

— Relaxa garoto — disse uma voz rouca.

Um homem velho apareceu no cômodo, ele fumava um cachimbo de cor bege enquanto olhava para a criança com certo receio.

— Ei velho! Onde tá o meu pai?

— Velho é a sua...

— Esquece, você é muito novo pra isso.

O senhor deu uma gargalhada sincera, que deixou Crossy confuso.

— Sabe moleque, eu não sou bom com crianças, então não sei como te dizer isso, mas o seu pai quer que você passe um tempo aqui — disse o homem.

— Oh, tipo duas semanas?

(...)

A face do homem mudou, ele ficou sério e se sentou próximo do garoto.

— Até você controlar o miasma.

— E quanto tempo isso pode demorar!? — perguntou Crossy.

— No mínimo alguns anos.

— Você tá brincando né!?

O senhor soltou uma risada desconfortável, ele preparou um pouco de suco e entregou ao garoto em choque.

— Meu nome é Icarus, sou um conhecido do seu pai. Estava devendo um favor pra ele, então ele me pediu para te ensinar a lidar com sua maldição.

Crossy bebeu um gole do suco, sua mente estava repleta de dúvidas. O suco era azul e tinha um gosto de laranja bem mais doce do que o normal.

— Você... não vai me atacar ou me ignorar? — perguntou a criança, hesitante.

— Seu miasma não me afeta.

— Como?

O senhor suspirou e começou a explicar:

— O miasma afeta o instinto dos seres vivos, transforma o hospedeiro em um ser semelhante a um demônio. É como se fosse um cheiro, primeiro os seres da sua própria espécie te ignoram, como se você nem mesmo existisse, mas se você chama atenção eles ficam agressivos.

— A forma de burlar essa maldição é simples: controlando seus instintos. Ela não me afeta porquê eu consigo distinguir o medo irracional.

Crossy se sentiu aliviado, pelo menos ele não estaria sozinho o resto da vida.

— Não faço a mínima ideia de como você está vivo, mas se vai conviver com essa maldição precisa se controlar! Caso contrário, todos ao seu redor vão sofrer, e você mais ainda.

O garoto parecia pensativo, desliza seus dedos pelo copo vazio enquanto ouvia o senhor, até que ele sorriu estranhamente e disse:

— Bom... Parece que não tem jeito! Qual é o meu primeiro passo velhote!?

Icarus sorriu, orgulhoso pela determinação do garoto, antes de responder sua pergunta ele deu um cascudo em Crossy pela sua audácia.

— Sem pressa moleque, toda emoção afeta a maldição, é seu primeiro dia então comece relaxando.

— Claro! Muito...

— Isso antes de lavar a louça é claro! Estou sem nenhum tipo de sabão, boa sorte!

Velho desgraçado...

Algumas semanas se passaram no velho chalé de Icarus, onde a rotina de Crossy era simples, porém árdua: Ele acordava seis horas da manhã, ajudava Icarus a cozinhar e a arrumar todos os cômodos, depois disso, estudava coisas básicas como leitura e escrita, de noite ele meditava e treinava sua inteligência emocional.

Era de tarde quando Crossy começou a vasculhar os livros de Icarus, geralmente o homem era exigente com os estudos do garoto e o forçava a ler algumas páginas de qualquer livro todo dia.

— Hmm... Não tem nada legal aqui?

— Que tal esse aqui? — sugeriu Icarus, mostrando o primeiro volume de história da magia, um clássico acadêmico.

— Não gosto muito de história, já leu esse aqui?

O garoto mostrou um exemplar de: O básico da magia elementar.

— Você é muito novo pra praticar magia!

— Deixa disso velhote — disse Crossy, enquanto puxava mais alguns livros.

O senhor deu um cascudo rotineiro na cabeça da criança, que se queixou silenciosamente.

Caraca, que capa legal!

As mãos da criança tocaram em um livro verde claro, com desenhos e escrituras antigas, além de gravuras e detalhes em branco.

— Bonito, não é? — questionou Icarus — Seu pai também gostava desse livro.

— Sério? É sobre o que?

— Eu não te ensinei a ler não? Moleque burro!

Velho grosso do caralho... só não falo na cara dele porque tô com mais galo que a granja da vila.

O título do belo livro era: O mundo segundo a alquimia, a perfeição para iniciantes.

O garoto olhou o livro fascinado, porém, depois o guardou decepcionado, Icarus olhou confuso.

— Por que tá guardando moleque? Achei que tivesse gostado.

— Eu gostei! Só que... você disse que sou muito novo pra magia, logo não vou poder aprender alquimia, não é?

— Então é isso — resmungou o senhor.

Um silêncio um tanto quanto constrangedor ecoou no ambiente, Crossy voltou a olhar outros livros quando Icarus o parou:

— Seu pai... ele começou na alquimia muito cedo, enquanto estávamos brincando ele vivia lendo livros e fazendo poções com cheiro de bosta, a gente se divertia jogando-as em quem enchesse o saco. Quer aprender alquimia e ser como seu pai? Não vou te impedir, vá em frente.

O velhote era um homem baixo, com uma cara repleta de cicatrizes e aparência de poucos amigos, porém, enquanto relembrava o passado Crossy pode jurar que viu um sorriso gentil.

O garoto se encorajou e agarrou o livro, se levantando para ler fora do chalé. Antes de sair ele olhou para Icarus e disse:

— Obrigado velhote!

O homem sorriu de forma desajeitada.

— Não tem de que moleque! E sorte sua que meus joelhos tão doendo, se não eu te metia a porrada.

Crossy deu uma pequena risada e andou em rumo ao quintal. O chalé ficava no topo da montanha, tinha uma aparência confortável e aconchegante, o garoto se sentou no lado de fora e começou a folear o livro.

Deixa-me ver... requisitos básicos?

Para criar uma poção ou alguma mistura, seja ela benéfica ou maléfica, algumas coisas são necessárias, como um cadeirão (ou um recipiente adequado), ingredientes de qualidade e habilidade do alquimista.

O garoto passou para a próxima categoria do livro, a que listava poções simples para iniciantes.

Loção escorregadia: Quando aplicada na pele deixa área extremamente lisa e viscosa, feita com largatas stimulea amassadas e suco de droseras.

— Que nojo, como eu vou fazer algo assim?

— Talvez a próxima seja mais acessível.

Poção ludolume: Quem a ingeri brilha no escuro tanto quanto uma tocha, a duração do efeito depende da quantidade de ludosomes esmagados e misturados com polpa de largata leão.

— Claro! Brilhar no escuro é super útil!

— Não tem nada mais emocionante nesse livro não?

Poção antropomorfista: Capaz de conceder a habilidade de falar com plantas e animais para quem a ingere...

— Essa parece boa!

— Será que é difícil de ser feita?

Feita com cauda de leopardo da montanha e besouros roxos?

Eu já vi esses besouros por aqui! E bom, acho que posso encontrar um leopardo se procurar.

— Esse vai ser o primeiro passo pra me tornar um alquimista!

— Já consigo abafar o miasma um pouco, duvido que um leopardo ouse mexer comigo! As plantas e animais que me esperem! Finalmente vou poder desabafar com alguém!



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