Padre em Outro Mundo Brasileira

Autor(a): Raphael


Volume 1

Capítulo 23: Lança Longinus

O reino espiritual era tomado por uma escuridão gigantesca, a imensa pressão exercida pelo espírito fazia com que o lago negro tremesse intensamente, como uma pequena piscina em um terremoto. 

Crossy lutava para se manter em pé, o espírito maligno gargalhava, arregalando os olhos e se movendo em direção ao garoto em extrema velocidade. O monstro parecia um trem se movimentando pelo lago negro, que ia até a canela de Crossy. 

— Lá vem ele!  

Crossy e Yuri se prepararam, o garoto sem muitos planos elevou sua energia espiritual, fortalecendo seu corpo como um todo, enquanto Yuri parecia preparar alguns feitiços que Crossy desconhecia. 

A criatura estava a ponto de se chocar com o jovem quando ele concentrou todo o seu poder nas panturrilhas, pulando para o alto com uma força explosiva e desviando da investida do monstro. 

Enquanto Crossy permanecia em queda livre, Zephyrian mudou seu alvo para o espírito de Yuri, que o olhava com determinação. 

— Está na hora de morrer, mero espírito maligno. 

Uma lança feita completamente de energia dourada atravessou o corpo de Zephyrian pela boca, o empalando completamente. 

— Lança de Longinus — encantou o espírito de Yuri. 

Um sangue roxo, fedorento e repugnante começou a jorrar da garganta do monstro. A energia dourada do espírito parecia desintegrar os ossos do monstro aos poucos, Zephyrian rugia em agonia, porém continua avançando com uma face de pura loucura. 

— TE PEGUEI! 

O monstro conseguiu alcançar o espírito de Yuri, abrindo sua boca gigantesca para devora-lo completamente, absorvendo sua energia espiritual para no final, matar Crossy. 

— YURI! — gritou Crossy, em desespero. 

— Deixo isso com você, garoto... viva uma vida melhor do que a minha, a nossa assimilação... está completa! 

CRUCH! 

A boca da criatura se fechou, um barulho horripilante chocou Crossy, porém, não sentiu medo. Os olhos do garoto se iluminaram, sentiu uma força incrível nas suas mãos, uma coragem incrível o abalou, como se alguém estivesse o incentivando desde o início. 

Em suas mãos estava Longinus, a lança do destino, aquele era o presente final do espírito de Yuri, a arma que representava o sacrifício de Jesus, assim como o seu próprio sacrifício. Crossy agarrou a lança com toda a força e liberou toda a sua energia espiritual, abalando todo o reino. 

— ESTÁ NA HORA DE ACABAR COM ISSO! 

O garoto cravou a lança divina no meio da criatura, o impacto fez Zephyrian se curvar totalmente, levantando suas extremidades para o alto. Sem hesitar, Crossy começou a estripar o monstro, correndo e levando sua lança ainda cravada no espírito, rasgando totalmente o inimigo. 

— AAAAAAARGH! — gritou Zephyrian, em pura agonia. 

Conforme a mente do garoto se clareava, o cenário mudava. O lago negro dominado por Zephyrian sumiu aos poucos, sendo substituído por uma cidade ensolarada, nostálgica e com um povo gentil. 

O espírito ferido se encheu de ódio e se contorceu, conseguindo se livrar das garras de Crossy e recuando. 

— Q-QUE LUGAR É ESSE!? 

— Ah! Você percebeu... Seja bem-vindo ao Brasil Zephyrian! Embora você não mereça nossa hospitalidade... Esse lugar é bem nostálgico para Yuri, então eu pensei que seria interessante exorcizar você aqui! 

— AAAAAAARGH! NÃO ZOMBE DE MIM! MERO MACACO! 

Veias apareceram por todo o corpo de Zephyrian, que se comprimiu como se estivesse sendo amassado e remodelado, quando se tornou uma esfera semelhante a um ovo, eclodiu, com uma forma completamente diferente. 

Dessa vez, o espírito parecia mais com um inseto, tinha asas verdes e um corpo humanoide musculoso, revestido por um exoesqueleto azul, no lugar da cabeça tinha um crânio verde com antenas e larvas que percorriam por todo o rosto. 

— Preparado para morrer? Essa é a minha forma final, com minha alta capacidade de adaptabilidade eu superei os danos da sua lança divina! Seu único brinquedinho agora foi superado, o que fará agora? Criança inútil? 

A criatura olhou de forma horripilante para o garoto, esperando espantá-lo, porém Crossy estava sorrindo de forma arrogante. 

— Finalmente uma transformação mais semelhante ao que você realmente é... um mero inseto. 

Zephyrian flexionou todos os seus músculos, explodindo em direção ao garoto, preparando um soco com o punho direito. O ataque foi desferido com uma velocidade absurda, tanto que o monstro pareceu se teleportar, porém Crossy defendeu utilizando sua lança, que absorveu boa parte do impacto, fazendo com que uma onda de choque destruísse a calçada. 

A criatura parecia indignada, seu exoesqueleto se fortaleceu conforme seu corpo se movimentava em direção a outro ataque. 

— DEFENDE ISSO AQUI! — desafiou o espírito maligno, chutando em direção a cabeça do garoto. 

O ataque foi rápido como uma bala, criando uma onda de vento capaz de rasgar tudo em sua direção. Um golpe tão poderoso desse não foi defendido, mas sim contra-atacado, Crossy segurou sua lança e desferiu um corte em direção a perna do espírito, em uma velocidade tão alta quanto. 

— O-O QUÊ!?  

A perna de Zephyrian foi cortada ao meio, um sangue roxo e pegajoso escorria da ferida, também corrosivo, queimando a calçada e exalando um cheiro de carniça. 

Merda... eu acertei, mas o ataque não queimou ele como da última vez! Ele realmente tem uma capacidade de adaptação absurda... de novo é uma guerra contra o tempo! Não posso deixar ele se recuperar! 

Dessa vez Crossy que avançou, desferindo cortes em direção ao corpo de Zephyrian, que parece ter concentrado mais massa muscular na parte inferior do corpo, parando o sangramento da perna e recuando para trás com um passo poderoso. 

Merda! Foi superficial! Preciso matá-lo logo! 

Uma fuga começou, Zephyrian corria desesperado pelas ruas de Salvador, planejando um contra-ataque e ganhando tempo. Crossy, porém, não ficava atrás. 

— PARA DE FUGIR! SEU INSETO! 

O garoto segurou sua lança e jogou seu ombro para trás, preparando um ataque. 

— Te peguei. 

Crossy jogou sua lança em direção ao torso de Zephyrian, que foi acertado enquanto corria desesperadamente por uma curva. A arma divina perfurou o coração do espírito maligno completamente, fazendo-o parar em um instante. 

O garoto correu em direção ao espírito, elevando sua energia espiritual ao máximo e a concentrando nos seus punhos. 

Vou acabar com isso com um golpe!  

O corpo de Zephyrian tremeu como nunca, o espírito maligno sentiu medo, medo profundo. Em reação ao seu profundo desespero ele abriu suas asas, se impulsionando para o alto e retirando a lança Longinus. 

Sentimentos mistos passavam por todo o ser do espírito, coisas como ódio e desespero que eram totalmente novos. Tudo isso desencadeou mudanças, Zephyrian acelerou sua regeneração, o efeito da lança Longinus tinha sido superado, portanto sua perna voltou em um instante, como se suas células tivessem proliferado em uma explosão. 

Cada segundo que se passava o espírito se parecia mais um monstro, uma mistura de barata, humano, esqueleto e monstro. 

Merda! Ele se regenerou! Longinus agora é a minha única chance de causar dano, mas... se perfurar o coração dele não funcionou... como caralhos eu mato isso!? 

Espera! Eu... tive uma ideia! 

— Hahaha... HAHAHA! 

— DO QUE ESTÁ RINDO, HUMANO? VOCÊ VAI PAGAR POR TER ME FEITO SENTIR ESTES... SENTIMENTOS REPUGNANTES! 

O monstro avançou em direção ao garoto em um bater de asas, um estrondo ecoou pela cidade, como um trovão. O exoesqueleto do monstro se tornou mais afiado, como uma carapaça repleta de espinhos, mirando o pescoço do jovem. 

— MORRA! 

Crossy tinha um sorriso arrogante na face, olhou no fundo dos olhos do monstro e entrelaçou seus dedos. 

— Hora do culto! 

Zephyrian se chocou, causando uma destruição imensa. O monstro tinha certeza de ter atingido algo, embora a textura não fosse de carne, era frágil, quebradiço, como... vidro? 

— Q-QUE PORRA É ESSA? 

— É um belo vitral não acha? — questionou Crossy, com um visual diferente. 

O garoto estava sentado em um banco de madeira, vestindo uma batina preta, observando Zephyrian em sua forma totalmente monstruosa. 

O espírito recuou e avançou novamente no garoto, criando garras e desferindo um golpe vertical. 

— VOU ARRANCAR SUA CABEÇA! 

O monstro pode sentir seu corte acertando, porém quando abriu seus olhos novamente percebeu que tinha cortado uma mera cadeira. 

Dessa vez ele pôde sentir a presença de Crossy atrás dele, em pé no centro da capela. 

— Menos barulho na casa de Deus, espírito idiota.  

A alma de Zephyrian tremeu por completo, se sentia completamente indefeso, imóvel. 

— Para ser sincero, esse lugar costumava representar algo tedioso, regras, história, coisas sem sentido... mas agora ele me parece calmo. 

— O QUE SIGNIFICA ISSO!? 

— Eu percebi que depois da minha assimilação com Yuri, nossas almas separadas se juntaram em uma só, ou seja, a brecha que você utilizava para me controlar não existe mais! Esse reino espiritual é nosso e o controle dele também. 

O espírito maligno não conseguia parar de se tremer, como se na sua frente estivesse a maior das divindades. 

— Vê o seu erro? Isso é uma luta que você não tem como vencer. 

Crossy estalou os dedos e uma lança de Longinus perfurou o peito de Zephyrian. O espírito tentou fugir, porém seu corpo permanecia imóvel. 

— Mas mesmo assim eu agradeço... você nos ensinou que somos um! 

Novamente outro estalar de dedos, uma segunda lança perfurou o monstro, dessa vez na barriga. 

— AAAAAAARGH — agonizava o espírito. 

— Na nossa vida passada, vivemos regrados pelo que os outros diziam, dessa vez... vamos viver sobre nossas regras! Sem ligar para a vida e para a morte... então... esse será meu último trabalho como padre! 

Crossy se aproximou de Zephyrian, que gritava e implorava para ser liberto. O garoto colocou a palma de suas mãos na cabeça da criatura, não com ódio, não com nojo, mas sim com compaixão. 

— Esse será o meu primeiro e último exorcismo nessa igreja! 

A aura divina de Yuri queimou como fogo pelo corpo do espírito maligno, toda a monstruosidade foi coberta por chamas douradas que transpiravam calma e compaixão. 

Assim que foi atingido, Zephyrian sabia que não iria sobreviver, porém seu desespero foi embora, totalmente engolido pela calma das chamas e em seu leito de morte ele pôde dizer: 

— Obrigado. 

O corpo do espírito maligno se desintegrou, só sua energia espiritual sobrou, aquela que era originalmente de Crossy. Toda a energia se distribuiu pelo reino espiritual, o garoto se sentiu revigorado, como se tivesse largado um peso muito grande das costas. 

Todo o reino espiritual parecia em paz, Crossy não se sentia mais assombrado, somente confortável. O garoto abriu seus olhos, acordando na mansão de Merlin. 

— G-Garoto!? Você finalmente voltou! Podia jurar que ia ser possuído! 

Crossy sorriu gentilmente, se levantando da cadeira e demonstrando para a sua professora o resultado da batalha. 

— Sem um parasita controlando parte da minha energia espiritual, consigo sentir o poder fluindo muito mais! — disse o garoto, emitindo uma quantidade absurda de aura. 

Merlin estava de queixo caído com a quantidade de energia emitida. A partir desse ponto as lições foram mais teóricas, Crossy teve como foco aprender sobre a energia espiritual e dominá-la.  

Uma semana após o exorcismo, Merlin focou em explicar a Crossy mais sobre o mundo de magos espirituais. 

— Veja bem, garoto. Todas as pessoas têm energia espiritual, é a manifestação da alma, logo é impossível um ser vivo sem energia espiritual. Você nasceu com duas almas, logo sua quantidade de energia espiritual é gigantesca, a maioria das pessoas não conseguem dominar essa energia como você, além do fato de que o povo não tem conhecimento sobre isso. 

— Como assim?  

— A energia espiritual é como um “tabu”, poucas pessoas têm conhecimento sobre essa energia, mesmo que seja algo tão natural. 

Crossy prestava atenção na aula, se inclinando cada vez mais em direção a mestra. 

— Isso significa que as pessoas comuns não podem ver espíritos? Tipo, a grande maioria? 

— Sim, o fato de pessoas comuns não exercerem seus poderes espirituais faz com que sua energia não evolua, ou seja, é mais comum que espíritos malignos surjam e ataquem pessoas com grande quantidade de energia. Chamamos aqueles que dominam a energia da alma de “Invocadores” 

— Tá me dizendo que os “Invocadores” são responsáveis por todos os espíritos malignos? Então, nosso fardo é de eliminar o que nós mesmos criamos? 

— Não necessariamente — respondeu Merlin — Invocadores podem ressurgir como yokais poderosos, porém humanos comuns, com seus pensamentos e desejos sombrios geram energia amaldiçoada, a matriz dos espíritos malignos. 

— Acho que não entendi! — disse Crossy. 

— Okay... imagine que quanto mais ódio e sentimentos negativos uma pessoa tiver, maior será a chance de ela ser tornar um espírito maligno, isso junto com a quantidade de energia espiritual determina a força e o objetivo de um yokai. 

As expressões de Merlin eram sérias, Crossy permanecia preocupado, embora muito interessado no assunto. 

— Então... eu vou me tornar um yokai poderoso quando morrer? E se eu matar inocentes!? 

— Calma! Para você chegar no nível de se tornar um espírito maligno precisa realmente estar no fundo do poço... e eu, como sua incrível professora, nunca irei permitir isso! 

Um sorriso gentil e despreocupado surgiu nos dois. 

— Professora... as vezes eu me pergunto, fazemos a coisa certa? 

— Como assim? 

— Quero dizer, exorcizando os espíritos. 

Merlin ficou em silêncio algum tempo, tomando um certo cuidado com suas palavras disse: 

— Os mortos não devem interferir no mundo dos vivos, é nosso dever impedir isso. Por mais que os espíritos sejam atraídos por pessoas com mais energia amaldiçoada isso não significa que pessoas comuns não se tornam alvos, na verdade, aqueles próximos aos invocadores são quem mais sofrem. 

Crossy engoliu seco, suando frio e imaginando um futuro horrível. 

— Você precisa ser forte para defendê-los, garoto. E para garantir isso, vou te ensinar uma técnica... 



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