Volume 1
Capítulo 21: Somos um!
A criatura riu de forma assombrosa e disse:
— Pelo visto… temos muitas coisas a tratar.
Crossy se viu em um reino completamente vermelho, as colunas, as paredes e até mesmo o chão pareciam ser feitos de sangue sólido. Alguns esqueletos observavam o garoto imóveis, esperando a ordem do seu rei.
O garoto estava completamente arrepiado, uma sensação de perigo eminente o dava vontade de gritar e correr dali, era angustiante olhar para os olhos de Ryougumi, que sorria de forma bizarra.
— Que lugar é esse? — questionou o jovem.
— Meu reino — respondeu o Licht, sem hesitar — Desde que você me absorveu eu estive o criando... utilizando sua energia espiritual como base, moldando sua alma conforme minha vontade.
— Que porra é essa!? Essa é a minha alma!
O Licht gargalhou com a reação do garoto, sua risada ecoava, repleta de maldade. Todo o reino tremeu, como se estivesse rindo do jovem também. O cheiro de sangue ficava cada vez mais forte conforme as risadas se distorciam.
— Sabe... eu tenho que te agradecer! Espíritos tem energia espiritual limitada por diversos fatores, o que limita a quantidade de poder que eles obtém é claro... mas com a sua quantidade absurda de energia eu posso evoluir ainda mais! Sem depender de cadáveres humanos ou da angústia dos outros... somente da sua.
— Não vê, Crossy!? Isso é só o começo! Meu potencial é infinito graças a você! Os tempos em que eu era um mero Licht já se foram! Quanto mais o tempo passa mais forte eu fico... e quando eu pegar o seu corpo para mim... farei a humanidade sentir o poder do espírito amaldiçoado mais forte!
Todo o corpo do garoto tremia, era como se as palavras do espírito adicionassem pressão a atmosfera sombria da sua própria alma.
Não posso permitir isso!
O garoto recuperou o controle de seu corpo e correu em direção ao espírito.
— Não se eu te expulsar da minha alma antes!
A caveira do monstro se fechou e ele olhou nos olhos de Crossy, estalando os dedos e atacando em um piscar de olhos. Antes que pudesse perceber o garoto estava empalado por um osso tão afiado quanto uma espada, que o atravessou como uma flecha.
O impacto o jogou até uma das paredes feitas de sangue, causando uma nuvem vermelha repleta de destroços semelhantes a carne. O osso atravessou o coração do garoto em cheio, afetando seus outros orgãos e causando uma dor imensa.
O QUE ACABOU DE ACONTECER!?
Mesmo que tentasse gritar Crossy não conseguia, a dor era imensa, podia jurar que estava morto, até que o Licht estalou seus dedos. Crossy piscou os olhos e se viu em frente a ele, intacto, sem nenhum arranhão.
Por reflexo tocou no seu peito e sentiu seu coração batendo rapidamente, desesperado o garoto olhou para o monstro, que gargalhou novamente.
— Pirralho idiota... achou mesmo que poderia me desafiar?
Cerrou seus dentes e foi para cima do monstro novamente, dessa vez chutando-o na cara. O golpe estava repleto de energia espiritual, o máximo que Crossy conseguia concentrar.
O impacto foi potente, gerando uma onda de ar que abalou as paredes de sangue, que balançaram como se fossem uma gelatina de sangue. O garoto pegou impulso no rosto do monstro e recuou em um mortal.
Olhando orgulhosamente, jurando que tinha causado um dano enorme na caveira, que apareceu intacta.
— Como isso é possível...
Antes que terminasse sua frase, correntes de sangue sólido surgiram do chão e prenderam seus pulsos, causando uma pressão tão gigantesca que praticamente explodia os punhos do garoto, jorrando sangue para todo lado.
— AAAAAAARGH — gritava o garoto de dor, incessantemente, tentando se livrar.
Quanto mais ele tentava se livrar das correntes mais elas apertavam, causando uma dor e angústia tão desesperadoras que Crossy desejou morrer. O garoto gritava alto em pura agónia, praticamente rasgando suas cordas vocais.
— Submeta-se a mim, garoto insolente — exigiu o espírito.
Crossy olhou para o espírito com puro ódio, se concentrando nas correntes que o prendiam.
— Você se esqueceu que essa é a minha alma!
O garoto moldou as correntes, quebrando-as por completo, manipulando a energia espiritual de sua alma e adquirindo controle sobre o ambiente. O espírito amaldiçoado colocou seu dedo indicador no queixo, parecendo reflexivo.
— Interessante... mas eu já esperava que você pudesse moldar esse lugar, nem que fosse um pouco.
O Licht estendeu sua mão esquerda, invocando um braço gigante feito puramente de ossos com uma aparência assustadora, repletos de espinhos e rachaduras. A mão agarrou o garoto, que tentou quebra-la, sem sucesso.
— Um pirralho como você se opondo a um imperador... você merece uma punição...
Conforme a voz de Ryougumi se tornava mais séria, o braço esquelético começava a apertar Crossy, o garoto gritava desesperado de dor, sentindo cada osso do seu corpo se contorcendo. Tentou moldar sua alma de todas as formas, porém Licht estava no controle.
— Não posso te matar, mas farei com que você desejasse isso. Me escute bem verme maldito, matarei seus amigos um por um, começando pela qual você ama... Michiko será a primeira!
— NÃO! — gritou o garoto, abrindo os olhos.
Crossy se viu em um local diferente, estava deitando e totalmente encharcado de suor, seu coração batia rápido e parecia ter tido o pior pesadelo de sua vida, porém o garoto sabia que era real.
Se sentou rapidamente, colocando a mão na testa e se lembrando de tudo que aconteceu, da dor excruciante, do cheiro forte de sangue e principalmente das ameaças feitas por Ryougumi.
O garoto podia jurar que enquanto pensava nisso o esqueleto ria como um demônio, observando suas ações de algum lugar da sua alma.
Após levantar os olhos finalmente notou que já era dia, o sol raiava na cara do garoto, porém mesmo seu brilho parecia repleto de escuridão. O garoto saiu de seu quarto e foi lentamente até a mesa de café da manhã, instruido por um mordómo.
Seus passos eram lentos e cuidadosos, como se seu corpo ainda tivesse medo de ser ferido. A sensação de estar no domínio de Ryougumi fazia o corpo todo tremer só de lembrar.
Merlin estava sentada no lado oposto da mesa, que era feita de uma madeira branca reluzente, tão limpa que seria um desafio encontrar qualquer particula de poeira.
— Bom dia, querido! Durmiu bem?
Crossy se manteve em silêncio, lentamente se sentando em uma cadeira e observando a maga, com olhos marejados e obscuros.
— O que aconteceu com você!? — questionou Merlin — Parece que acabou de voltar da guerra!
O garoto colocou a mão esquerda em sua testa e com muita dificuldade se abriu com Merlin:
— Me conectei com o espírito do Licht ontem... Ele me levou para um lugar na minha própria alma, mas ele tinha total controle de lá! Me torturou e exigiu que eu cedesse meu corpo para ele... ameaçou meus amigos!
A cada palavra o garoto relembrava mais e mais a experiência, os efeitos do domínio voltaram mais fortes, como um trauma passado. A respiração ficou ofegante, seus olhos ainda mais arregalados e perplexos, todos os pelos do corpo estavam arrepiados e o garoto se tremia intensamente.
Merlin se levantou com uma seriedade nunca antes vista, praticamente correndo em direção ao garoto e agarrando seus ombros, dizendo:
— Me desculpe, querido! Isso já foi longe demais! — disse a maga, com empatia e remorso — Me deixe concertar isso...
Uma aura roxa poderosa e imponente invadiu a mente de Crossy, se conectando e entrelaçando com o garoto. Seus olhos ficaram completamente brancos, reluzentes como uma estrela e ele se viu em um lugar completamente diferente.
Uma ilha flutuante feita de mármore branco, repleta de árvores vermelhas gigantes, um Sol reluzente trazia uma certa calma para o ambiente. O lugar trazia uma sensação totalmente diferente ao domínio do Licht.
— Q-Que lugar é esse?
— A sua alma — respondeu Merlin, com um tom curioso e pensativo — Aparentemente é daqui que vem a sua energia espiritual imensa, mas temos um problema...
— Sua energia aqui é muito mais absurda do que eu pude prever, se isso refletir no espaço da sua alma em si... então vamos ter que procurar o domínio do espírito e lutar contra ele nele.
— NÃO! É praticamente impossível vencer ele lá! E... eu dúvido que consigo pisar lá de novo...
Merlin olhou para o garoto, colocando sua mão no cabelo dele e bagunçando um pouco.
— Eu sou mais forte do que pensa! — afirmou a maga, com um sorriso confiante.
Os dois começaram a andar pela ilha, avistando algumas escrituras e imagens que traziam uma nostalgia estranha para Crossy, como o símbolo de uma cruz estampada em uma árvore.
— Que merda... não tem como fugir dessa ilha!
— Não se preocupe Crossy, eu não estava procurando uma forma de sair dela em específico.
— Como assim?
— Geralmente as almas tem divisões, uma pessoa estressada pode ter uma área que represente isso no seu mundo espiritual, mas por algum motivo... essa ilha não se conecta com nada... é como se aqui fosse o lugar de outra pessoa, totalmente separada de você.
Crossy se arrepiou totalmente, finalmente percebeu, olhou para todos os símbolos e escrituras.
Isso não pode ser possível... será que essa é a minha antiga alma? A alma... do Yuri?
Espera! Isso não são simples escrituras... são... versículos! Como eu não percebi!?
Uma escritura brilhante estava entalhada sobre uma árvore vermelha cintilante, Crossy se atraiu até ela, caminhando quase que sem motivo em mente. As palavras que leu mudaram algo em sua mente.
Eu dei a vocês autoridade para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo; nada lhes fará dano.
— Isso é Lucas 10:19...
— O quê? — questionou a maga.
Sem explicar o garoto aproximou sua mão da escritura, quanto mais os dois se aproximavam uma força surpreendente surgia, impedindo o garoto de evitar tocar no vérsiculo. A escritura brilhou como um flash, que cegou Merlin, porém fez Crossy sorrir intensamente.
Quando sua palma tocou completamente na escritura a ilha inteira tremeu. Os céus se abriram e um raio colorido como o arco-irís atingiu o corpo inteiro do garoto.
— CROSSY!
A ilha começou a despencar, como se a energia que fizesse-a flutuar estivesse sumindo aos poucos. Crossy estava repleto por chamas brancas, seus olhos brilhavam em azul celeste, o garoto olhava fixamente seu redor, sem se preocupar com a queda da ilha.
— VAMOS CAIR, CROSSY! SE SEGURE EM MIM! EU VOU...
— Não é necessário — disse o garoto, estendendo sua mão esquerda para o alto e abrindo sua palma.
Em um instante a ilha parou de despencar e voltou a flutuar novamente, em um movimento suave e natural.
— C-Como você fez isso...
— Por muito tempo eu não sabia quem era... mas agora eu sinto que tenho certeza, Merlin, obrigado por tentar me ajudar! Mas essa é a minha alma, agora eu finalmente entendo tudo que acontece aqui! E sei mais do que ninguém que só eu posso expulsa-lo daqui!
Crossy fixou seus olhos na maga, que estava totalmente confusa.
— C-Como assim? O que você quer dizer com isso!?
O garoto estendeu sua palma esquerda em direção a cabeça da feiticeira e se despediu:
— Deixa comigo, Merlin!
Antes que pudesse notar, a maga foi jogada com uma forma sobrenatural para o céu espiritual da alma de Crossy, onde foi puxada para seu corpo físico novamente, quando abriu seus olhos estava respirando desesperadamente como se estivesse mergulhado fundo demais.
— Não... QUE GAROTO IDIOTA! Você vai morrer! — disse Merlin, tocando na cabeça do garoto inconsciente.
Mesmo tentando executar o mesmo feitiço Merlin não conseguia entrar na alma de Crossy de novo. O garoto blindou seu reino espiritual inconscientemente.
Respirou fundo e olhou para o horizonte.
Nunca soube se eu era Crossy ou Yuri, mas... agora eu sei que nós somos um só, me sinto mais completo do que nunca! Esse reino espiritual é meu! Não vou permitir que Ryougumi continue se alimentando da minha energia!
Dentro da minha alma... sou eu que mando!
Crossy se concentrou, sentindo a presença maligna do espírito amaldiçoado e abrindo os olhos.
— Finalmente te achei!
O garoto se teleportou, transferindo sua imagem, que era feita de pura energia para o domínio do espirito.
O Licht estava em pé dessa vez, com uma face séria, seus olhos estavam cintilantes e vermelhos como nunca.
— Tá na hora de eu te exorcizar, Ryougumi! — afirmou Crossy, esbanjando energia espiritual.
Ryougumi gargalhou, fazendo o seu domínio tremer, o sangue nas paredes se moldava em faces que pareciam máscaras de teatro, rindo e chorando.
— Submeta-se a mim, pirralho!