Volume 1
Capítulo 20: O que não me mata me fortalece!
O espírito maligno rugia, seu corpo totalmente negro parecia ser feito de carne, porém tinha a mesma textura que a gengiva humana, seus tentáculos eram como veias e artérias se movimentando, repletas de fúria.
Embora tenha visto outros espíritos e criaturas espirituais antes, a reação de Crossy foi extrema:
Merlin riu um pouco, de uma forma assustadora e explicou:
— É um espírito maligno de nível médio, desconfio que tenha sido um homem que morreu afogado… Não que isso importe, haha…
A criatura de quase três metros conseguiu cheirar a energia espiritual de Crossy, se virando e encarando-o como se ele fosse um pedaço de carne extremamente saboroso.
O garoto ficou em posição de combate, protegendo seu queixo com seus punhos, como a guarda do boxe. Em um piscar de olhos, liberou sua energia espiritual de forma desordenada e foi controlando aos poucos.
O espírito maligno fincou seus tentáculos no chão e se impulsionou em direção ao garoto, rugindo:
Os dentes monstruosos quase acertaram o ombro de Crossy por pouco, o garoto desviou no ultimo segundo pela esquerda.
Caralho! Essa coisa é rápida demais! Como isso pode ser médio!? Não posso ficar pensando nisso agora… preciso revidar!
O garoto fortaleceu seu corpo com energia e socou o espírito na lateral. Um estrondo ecoou por toda a sala, rachando o chão e quebrando alguns vidros, o monstro estava sendo pressionado contra o chão por Crossy, fortalecendo seu golpe ao máximo.
— Acho melhor você não baixar a guarda, haha — disse Merlin.
Um dos tentáculos do espírito atingiram em cheio as costelas do garoto, que cuspiu sangue na hora, o impacto o jogou para longe, rasgando o ar e fazendo o corpo do garoto parecer tão leve quanto um boneco.
Depois de voar por alguns segundos Crossy atingiu um espelho, o impacto quebrou duas de suas costelas, e alguns cacos de vidro penetraram nas suas costas, rasgando sua pele e o fazendo gemer de dor.
Argh… Minha visão tá toda embaçada, tô me sentindo muito tonto…
— Acho que não consigo continuar Merlin — disse o garoto, com muito esforço.
— Pelo amor dos Deuses, lute de forma inteligente, querido! É um espírito burro! Desvie e ataque! É simples!
Crossy se concentrou, fortalecendo seu corpo com energia espiritual cada vez mais. Com muito esforço se levantou, ainda tossindo e resistindo a dor das costelas quebradas.
Bom… pelo menos a energia alivia um pouco a dor, me sinto bem mais resistente… mas ainda dói pra cacete!
O monstro se virou para o garoto, fincando seus tentáculos no chão e se preparando para avançar novamente.
Esse ataque eu já conheço! Preciso usar a cabeça…
Crossy se armou novamente, preparando seus punhos. O garoto concentrou energia principalmente nas pernas, para se locomover mais rápido e fortalecer os movimentos, além de também manter um fluxo de energia na região das costelas, para diminuir a dor e não piorar o ferimento.
O monstro avançou novamente, utilizando seus tentáculos como uma catapulta! Sua mandíbula gigantesca se abriu e ele tentou engolir o garoto de uma vez só, porém, Crossy utilizou suas pernas fortalecidas para desviar dois metros para a esquerda, fazendo o monstro morder o solo.
Isso! Agora eu tenho uma abertura!
Pulou alto e golpeou a cabeça do espírito maligno com um chute poderoso, o peso do golpe foi suficiente para fazer a mandíbula do monstro fincar no solo da sala, rachando ainda mais o chão. Sangue preto jorrou da boca do monstro, que grunhia em desespero, seus tentáculos se ergueram e tentaram golpear o garoto.
Crossy agiu rápido e invocou dezenas de ossos afiados com seu poder de Licht! Os ossos perfuraram os tentáculos, impedindo eles de atacarem o garoto e fincando os no solo junto ao monstro.
Uma poça de sangue preto se formava no chão, o espírito maligno debatia em desespero, gritando e tentando levantar.
O garoto ergueu uma das suas mão ao céu e invocou um osso um pouco maior que os outros, com uma ponta muito mais afiada, imbuindo energia espiritual e transformando-o em uma arma.
Sem hesitar golpeou o monstro, o osso atravessou o espírito como se fosse uma faca perfurando gelatina. O crânio do ser se rachou e desmanchou, a aura de Crossy tremia e o garoto chegava em seu limite, largando a arma e caindo ao lado do espírito, totalmente ofegante.
Merlin andou em direção ao garoto, batendo palmas de forma muito elegante e oferecendo agua para o garoto.
— Precisamos finalizar agora, querido.
— Você precisa absorver o espírito.
Crossy se assustou e levantou na hora.
— N-Nem pensar! Eu não quero me unir como essa coisa nojenta!
O espírito estava tremendo, seu corpo se desfazia os poucos junto com sua carne.
— Não se preocupe! Eu estou aqui, não tem o que temer! — insistiu Merlin.
— O-Olha, não posso fazer isso! Simplesmente não dá pra mim!
A maga ficou em silêncio, sua face exibia tristeza e decepção, com um tom estranho ela disse:
— Então terei que fazer eu mesma, vou te dar uma ajudinha.
Sem hesitar, a feiticeira tocou no cadáver do espírito e o transmutou, a carne e os tentáculos do monstro se uniram como fumaça na mão da maga, que os manipulou totalmente. No fim, o monstro gigante se tornou uma pequena esfera, com uma consistência molenga e alguns pequenos olhos vermelhos.
Merlin jogava a esfera de uma mão para outra, brincando com o espírito. A maga estalou seus dedos e uma mesa enorme de jantar surgiu na sala, a qual Crossy se viu sentado mesmo sem se lembrar de ter movido um músculo.
No prato do garoto estava a esfera, gosmenta e com aparência ainda viva, enquanto no prato de Merlin estava um saboroso bife.
— C-Como você fez isso? — disse Crossy, olhando para a esfera com nojo.
— Se chama manipulação de energia espiritual! É uma habilidade que quero te ensinar, mas antes… você precisa ser grato pelo seu dom, isso é, consumir o espírito.
— Garoto… Seu controle de energia está muito melhor, algo como ele não vai te controlar! Muito menos comigo por perto! Isto é um pequeno sacrifício para ficar mais forte, querido!
Crossy engoliu seco, tremendo disse:
— Não existe uma forma melhor de fazer isso?
— Quando ficar mais forte e dominar a energia espiritual vai poder assimilar espíritos só tocando neles ou manipula-los como eu fiz, mas por enquanto… essa é a melhor forma!
Crossy pressionou seus punhos, que estavam segurando garfos — os quais ele não pegou.
Que merda! Eu não tenho escolha!
O garoto fechou os olhos, espetou a esfera negra e jogou para dentro da sua boca em um instante, mastigando-a com puro nojo. A textura era de como comer borracha derretida no micro-ondas e misturada com cola para formar uma bola, já o gosto se assemelhava à carne de porco.
Caralho! A textura é horrível, mas… o gosto nem tanto!
Depois de muitos segundos mastigando o garoto engoliu o espírito, assim que a esfera chegou no seu estômago ele arregalou os olhos. Merlin se levantou instantaneamente, pensando:
Será que algo aconteceu?
Os olhos de Crossy estavam totalmente brancos, depois de alguns segundos o desespero de Merlin cresceu até que Crossy voltou, como se nada tivesse acontecido.
— Já cuidei dele, agora eu quero meu bife — disse o garoto, com um sorriso confiante — Por sinal… o nome dele é Ryujin e você estava certa, ele realmente morreu afogado.
Merlin sorriu de forma aliviada, em um estalar de dedos um bife suculento surgiu no prato do garoto, que começou a devorar a carne sem hesitar. A maga estava um tanto quanto assustada, olhando para o garoto pensou:
Um ser com uma energia espiritual tão grande que é capaz de absorver espíritos sem ser possuído… que absurdo, as almas dele são tão soberanas que nenhum ser consegue prevalecer com facilidade.
Não da pra adivinhar o limite dele, mas seu potencial é infinito! Talvez ele consiga absorver espíritos especiais… se ele conseguir, não duvido que se torne um feiticeiro espiritual muito forte.
— Por sinal — disse Crossy, enquanto mastigava — Como você faz isso? De estalar os dedos e trocar a sala? É magia?
— Na verdade não, a sala dos espelhos é um espírito especial que eu mantenho um contrato, quando eu faço o sinal estabelecido a sala se muda conforme eu desejo.
Crossy se surpreendeu com a resposta.
— Existe um espírito que é uma casa!?
— Existem muitos tipos de espíritos! Você ficaria surpreso… Alguns surgem da morte de seres vivos, outros surgem de sentimentos humanos como medo, raiva ou amor, além daqueles que representam a natureza e elementos dela.
— Caraca… que interessante! E esse “contrato”?
— Você pode estabelecer contratos com espíritos que estiverem dispostos a isso, eles decretam regras ou sacrifícios em troca do uso de seus poderes, suspeito que você pode fazer algo parecido com os espíritos que absorve!
— Com quantos espíritos você tem contrato?
Merlin riu suavemente e disse:
— Alguns… Se eu fosse dizer, três espíritos no nível de poder do Olka, haha!
— Eu não sou pouca coisa, queridinho! Vou te treinar para ser tão forte quanto eu. Meus contratos com esses três espíritos são um pouco caros, no entanto… o poder de fogo vale a pena.
— Como conseguiu convencer eles?
Merlin fechou a cara, um pouco ofendida.
— Eles aceitaram o contrato porque eu tenho muito a oferecer! Geralmente eles pedem em troca partes do seu corpo, conhecimento, poder e esse tipo de coisa.
— E o que eles pediram no seu caso?
Um silêncio perdurou na sala.
— Acho que você não vai querer saber.
— Já está tarde, acho melhor você ir dormir.
Antes que pudesse perceber, Merlin estalou seus dedos e Crossy estava em um quarto chique, com uma cama bela e arrumada, o quarto tinha cheiro de rosas e uma aparência elegante.
O garoto andou um pouco pelo lugar até perceber um banheiro incluso, sem muito o que fazer se sentou na cama e pensou:
— Que dia estranho… Aquela maga… é muito poderosa, ela com certeza tá escondendo coisas de mim! Me pergunto se é por que é um segredo ou se é algo mais sombrio…
Assim que se deitou Crossy percebeu que estava inquieto, com um novo espírito dentro de si o garoto se encheu de dúvidas. Assim que o absorveu, entrou no espaço da sua alma, como na vez em que absorveu o Licht, porém dessa vez ele viu o espírito frente a frente e pôde conversar com ele.
— Sua alma é bem espaçosa, humano — disse a criatura.
Crossy olhou em volta e percebeu que estava em um tipo de cativeiro, repleto de sangue, o lugar cheirava a carne podre, assim como o espírito.
— E-Eu não tenho porque temer você
— Realmente, você me libertou daquela prisão de espelhos maldita, eu te devo isso, meu nome é Ryujin, vamos nos dar bem juntos, pequeno mestre.
— Aquela mulher maldita me aprisionou, minha existência não tem mais propósito, sinto que ainda estou no lago em que me afoguei em vida, mas… sinto que você pode me dar um propósito! Mesmo que não concorde, Ryougumi também pensa isso!
— Ryougumi? — questionou Crossy.
— Vocês ainda não tiveram uma conexão tão boa, ele é o Licht que você absorveu, mestre. Não nos damos tão bem ainda, mas ele está disposto a cooperar.
Antes que pudessem conversar mais, Crossy sentiu seus sentidos reais se aguçando, como quando você está sonhando, mas escuta os sons da realidade batendo na porta.
— Está na hora de nos separarmos por enquanto, mestre.
— Eu ainda tenho algumas perguntas! — insistiu Crossy.
— A assimilação está completa — finalizou Ryujin.
Enquanto estava deitado Crossy se questionou:
Como será que eu faço pra voltar para lá? Ainda preciso perguntar tantas coisas…
Ansioso, o garoto se levantou e fechou os olhos, se concentrando mais do que nunca, não sabia muito bem por onde começar, mas aumentou sua energia espiritual e começou a manipulá-la.
O garoto percebeu de onde sua energia vinha, era como se tivesse um núcleo, uma alma. Assim que pôde perceber, estava em um local totalmente diferente.
E-Eu consegui!? Espera… esse cheiro, esse lugar é diferente do que Ryujin estava.
O garoto olhou aos arredores, era um castelo com um aspecto sombrio e mortífero, tinha um cheiro de cemitério. Todo o aspecto do local, com cores escuras e cheiro de cadáveres só lembrava Crossy de uma coisa.
Esse… é o local dele.
— Então você finalmente me fez uma visita… Seja bem-vindo Crossy.
— Você é o Licht! Quero dizer… Ryougumi!
A criatura riu de forma assombrosa e disse:
— Pelo visto… temos muitas coisas a tratar.