Volume 1

Capítulo 2: Uma nova família.

Yuri acordou em um berço de madeira, ele esperou alguns minutos e ninguém veio checá-lo, a fome bateu do nada, aparentemente o metabolismo dos bebês é algo muito sinistro, ele teve que recorrer ao básico mecanismo de sobrevivência da natureza.

— BUAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

Seus pais vieram correndo pelas escadas, a sua mãe o carregou no colo rapidamente, antes de o alimentar ela brigou com o marido, que sorriu com um pouco de vergonha.

— Eu disse pra você cuidar dele!

— Foi mal aí!

Ele conseguia imaginar isso vividamente graças ao seu cérebro de recém-nascido, que borbulhava de curiosidade tão cedo.

Sua mãe cuidou dele enquanto olhava irritada pro marido, que não conseguia se defender das acusações afiadas da esposa.

Mais tarde naquele dia sua mãe o banhou e o garoto pôde ver sua aparência pela primeira vez. Era bem moreno e tinha uma pinta na bochecha, olhos verdes como esmeralda e o início de um cabelo crespo.

Algumas semanas entediantes se passaram, em que Crossy revezava entre comer e dormir.

O tempo corria muito mais rápido na mente de Crossy, mesmo se fosse adulto ele ainda sentia a sensação de tudo ser novo. Com o tempo conseguiu entender algumas coisas mesmo sem compreender a língua dos seus pais. A língua soava tão diferente do português que ele não poderia diferenciar um apelido carinhoso da sua mãe dos xingamentos de seu pai nem se quisesse.

O jovem Crossy gatinhava e resmungava algumas sílabas da complicada língua, seus pais estavam exaustos da curiosidade e ousadia da criança, o pai perdera as contas de quantas vezes caçou o filho pela casa inteira, apenas para o achar debaixo do próprio berço, a criança que não se divertia com meros brinquedos ria das brincadeiras que fazia com o pai.

— Crossy! — gritou Paul — Por que se escondeu de novo garoto!? Eu passei a manhã inteira te procurando! Achei que sua mãe ia me matar moleque!

A criança deu uma bela e fofa gargalhada.

Aiai... Quem imaginaria que é tão divertido brincar assim?

Não sei se é influência desse cérebro infantil, mas, me sinto muito curioso e entediado ao mesmo tempo...

Sua mãe estava quase louca, procurava o garoto por toda a casa, não importava o quanto reclamava ele continuava rindo.

Três meses depois, a mãe de Crossy insistia em fazer ele comer uma espécie de papinha, que era uma mistura de cenoura e legumes estranhos. Para o paladar infantil dele aquilo era a pior coisa do mundo, porém, o lado racional tomou conta do lado infantil e ele devorou tudo, sorrindo para ela em seguida, que se surpreendeu e sorriu de volta.

Sua mãe também insistia em fazê-lo tentar falar algumas palavras, que Crossy fingiu não conseguir, ele estava pensando com muito cuidado quais seriam as suas primeiras palavras. Seu pai era um pouco desastrado, então se as suas primeiras palavras fossem se referindo a sua mãe, ele não poderia reclamar.

O garoto tomou coragem e repetiu a palavra estranha que a mãe o persuadiu a tentar por tantos dias, por um tempo ela ficou em silêncio e Crossy pensou ter errado a pronúncia, até que a sua mãe pulou e gritou de felicidade em um óbvio:

— ELE DISSE MAMÃE! 

O marido correu até ela e olhou um pouco decepcionado, porém feliz pelo progresso do filho, resmungando:

— Legal... Mas por que não papai?

Maia não gostou nada disso.

Dois meses se passaram e Crossy percebeu que sua fase brincalhona descontrolada estava passando, ele conseguia levar as coisas um pouco mais a sério. Agora ele também conseguia entender boa parte do que seus pais falavam, sua mente infantil aprendia insanamente rápido.

Com sua nova interpretação ele conseguia entender muito mais o que acontecia ao seu redor. O nome da sua mãe era Maia e o do seu pai é Paul, tinham se casado a 2 anos atrás (fato que ele descobriu graças a uma briga).

A casa em que morava era bastante espaçosa e feita de madeira. Uma casa medieval clássica com um banheiro muito incômodo.

Graças aos seus pequenos escapes Crossy descobriu que o mundo em que vivia não era normal. Uma vez enquanto fugia do pai ralou o joelho, o sangue era assustador para sua mente infantil, porém ele encarou seu pai, esperando que ele fosse colocar um curativo ou algo assim.

— Aguente um pouco campeão! — seu pai estendeu a palma da mão com tranquilidade ao ferimento — Siddheal.

O joelho de Crossy que estava cheio de sangue e com a carne exposta se curou em dez segundos, passou por todas as fases de cicatrização, até mesmo formou a casca do ferimento antes de se fechar.

O que restou foi apenas uma pequena cicatriz, Paul apontou para ela e disse:

— Eu poderia curar tudo. Mas é importante que você se lembre disso, cicatrizes são o orgulho de um guerreiro entende? Olhamos para elas e vemos nossas mudanças conforme a jornada passa.

Paul geralmente parecia um idiota sorridente, mas agora parecia extremamente maneiro aos olhos de Crossy, que o comparou com um guerreiro que nada teme (apenas a ira de sua esposa).

Crossy olhou sua nova cicatriz e a admirou, sua mãe também a olhou, que apenas piscou os olhos e percebeu o que Paul tinha feito, foi horrível, o honrável guerreiro Paul teve que partir em fuga para a sua base secreta (vulgo bar da vizinhança).

— C-Como ele pode!? — gritou sua mãe irada — Como ele ousa deixar uma cicatriz tão feia assim no joelho do meu bebê!?

No final do dia Crossy ficou pensando naquilo, sem dúvidas era magia. Ele consumia bastante fantasia na sua vida anterior, era a única coisa que o fazia esquecer das confissões extremamente esquisitas dos fiéis.

Ele engatinhou na maior velocidade que pode até o local onde machucou o joelho e tentou machucar o braço, que rapidamente começou a sangrar.

— Como era mesmo? — resmungou o pequeno Crossy — Siddheal!

Nesse dia Crossy aprendeu que não se deve utilizar magia sem saber sobre ela, ao invés de curar o machucado, ele se abriu. Maia gritou tão alto quanto Crossy que foi ferido. 

Pelo menos eu vou ganhar mais uma cicatriz maneira.

 Para a infelicidade do garoto, sua mãe fez questão de curar totalmente o ferimento.

Crossy sentiu a sensação de usar magia, embora ela tenha saído pela culatra o garoto se considerou um mago em treinamento.

Sete longos anos se passaram, o garoto passou boa parte desse tempo aprendendo sobre seu novo mundo. Constantemente ele tentava explorar, porém, Maia, que se revelou um pouco superprotetora sempre o impedia.

Isso foi irritando o garoto, vivia praticamente preso, com o tempo sua curiosidade foi se tornando inevitável. Um dia, antes de ir dormir ele percebeu que Paul deixou a porta de seu escritório destrancada, ansioso para ver algo mágico ou interessante ele preparou um plano e correu para lá.

A porta rangeu e o coração do garoto quase saiu pela boca, mas ele tomou coragem e entrou. Até que se deparou com uma sala com uma luz esverdeada.

A mente da criança em si quase fez Crossy ir à loucura quando viu poções por toda a bancada, pensou em tomar alguma delas, mas a lição de nunca mexer com o que não soubesse em um mundo de magia estava cravada nele.

Ele tentou se controlar, mas a curiosidade do novo corpo falou mais alto. Ele subiu em um banco e derramou uma gota de uma poção rosa no chão, esperando que algo legal acontecesse. 

O pedregulho no chão que foi tocado pela gota se transformou em uma flor verde brilhante que piscava.

— Caraca! O que será que essa aqui faz...

O garoto testou outra poção, dessa vez uma vermelha, despejou uma gota na flor verde, que simplesmente derreteu e se tornou pedra ao chão novamente.

O susto foi o suficiente para Crossy parar de usar poções. Curioso, ele começou a mexer nos livros de Paul que estavam em cima da bancada. Eram três livros, com os seguintes títulos:

A história da alquimia e motivo de usarmos poções;

Magia elementar iniciante, o básico para regar suas plantas e queimá-las com magia;

Os segredos milagrosos da herbologia e o mistério da Emoresta.

Com muito esforço a criança abriu o livro sobre magia elementar, uma nuvem de poeira se ergueu e um cheiro de algo muito antigo empesteou o nariz de Crossy. A textura das páginas era estranha, suas folhas eram grossas e amarronzadas, pareciam até mesmo pedras.

A sala pareceu mais escura do que nunca, o cheiro de mofo se realçou e Crossy sentiu uma pitada de desespero, que foi superada pela sua curiosidade. Não importava o quanto tentasse ele não conseguia ler nada, as letras tinham formato estranho e complexo o suficiente para até mesmo um adulto se perder.

— Que livro de merda! — xingou o pequeno garoto.

Crossy imediatamente se perguntou o porquê disse aquilo em voz alta, sua frustração saiu sem qualquer filtro, foi então que uma dúvida apareceu em sua mente.

Cara...Será que estou realmente voltando a ser criança?

— Bom… acho melhor eu fechar esse livro e ir dormir, tô quase desmaiando de sono.

Ao tocar no livro novamente, as palavras negras se iluminaram em um tom roxo, Crossy ficou em estado de puro terror quando algo sussurrou em seu ouvido, de forma leve e sombria:

— Λίγα χρόνια απομένουν

Um cheiro de sangue dominou a sala inteira, nuvens e mais nuvens escarlates surgiram das palavras presentes no livro, vozes alucinantes gritaram essas palavras que Crossy não entendia. A criança se sentiu em puro desespero, não sabia o porquê, mas todos os seus instintos temiam essa situação.

Toda a névoa, vozes e cheiro de sangue se condensaram em um só. Uma forma indescritível repleta de sofrimento e terror, dela surgiu um ser vermelho escarlate, cheirava a puro enxofre, tinha mais de três metros de altura, seu corpo parecia uma junção de gordura e músculos, que tremiam e vibravam em eterna mistura de agonia, a criatura tinha seis olhos amarelos e um sorriso dourado macabro.

Crossy tentou correr, mas se sentiu paralisado, suas pernas não se mexiam de puro medo, ele apenas observou a criatura se formar.

— F-Finalmente estou liberto… foram quantos anos dessa vez? 300? Aquele humano desgraçado! 

Um rugido demoníaco emergiu do estômago da criatura, que se contorceu de ansiedade.

Seus seis olhos se reviraram e avistaram Crossy ali no chão, paralisado de medo. A criatura sorriu ansiosamente.



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