Volume 3
Capítulo 3: Formação do Grupo Shiroi Gamen ③
O final de semana chegou com o tempo seco, quase sem nuvens. Como terei muita coisa para fazer naqueles dois dias livres da escola, combinei com os outros de nos encontrarmos na biblioteca pública de Chiba.
A biblioteca local fica distante da escola, então foi uma medida perfeita de evitar encontros desagradáveis. Levantei cedo e peguei a linha Keiyo na Estação Kemigawahama, percorrendo três paragens até chegar na Estação Soga por uma rota quase retilínea. Apesar de ser sábado, ainda houve algum movimento agitado por entre as estações no momento de baldeação, saí da área porto-industrial e adentrei à zona urbana central de Chiba até sua Estação principal por uma rota direta. Quase todos os passageiros saíram na Estação Hon-Chiba, então o restante da viagem seguiu tranquilo.
Cheguei ao local às 9hrs, após descer da estação e caminhar durante alguns minutos. Meia hora depois, Chinatsu, Himegi e Kuroi apareceram. Teru apareceu um pouco depois, arfando de cansaço.
— Eu... dormi demais! Desculpe pelo atraso!
Com isso, nós entramos. O local é realmente imenso. Janelas vidrosas condecoram todo o seu exterior, refletindo a paisagem do céu acima de nós como uma camuflagem dos predadores — sim, sociais... estou falando de vocês! —. Ali dentro, um ambiente espaçoso e silencioso nos abraçou. Devido à biblioteca ficar próxima do parque central da cidade, se localiza em um sopé de morro e proporcionava uma atmosfera sem barulho e imersiva, dada a calmaria e até pela decoração: pisos de madeira e bancos situados por todos os lados exalavam uma sensação nostálgica de estar dentro da própria casa.
Himegi, Chinatsu e Teru tiveram que fazer o cadastro para ter o cartão da biblioteca caso quisessem pegar algum livro emprestado. Se dirigiram rapidamente ao saguão dali.
— Vocês já tinham o cartão da biblioteca? — perguntou Himegi, prenchendo seu formulário.
— Ah, sim. Eu costumava vir muito aqui quando era criança. Ficava aqui o dia inteiro... — expliquei. — Apenas tive que renovar o cadastro, fazia algum tempo que não voltava para cá.
Estar ali novamente me trouxe recordações tranquilas, costumava ficar o dia todo lendo ali. Claro, esse fato não apenas trouxe coisas boas, no entanto, as más recordações falarei em outro momento.
— Na verdade, não estou surpreso que você também viesse pra cá, Kuroi... — Me dirigi para a garota ao meu lado, esperando os outros.
— Ora, é claro! Aqui há ótimos livros de suspense e terror, afinal! — respondeu, colocando os braços na cintura e rindo alto.
Isso foi algum motivo de orgulho para fazer uma pose desse jeito?
Quando os três completaram o cadastro e receberam seus cartões, pudemos entrar todos juntos. Ficamos durante algum tempo apenas contemplando o lugar, completamente maravilhado:
— Faz tempo mesmo desde a última vez que estive aqui...
— Ora, mas todas as bibliotecas não são iguais? — brincou Himegi.
— É aí que você se engana! — proferi. — Toda biblioteca é um lugar único que nos remete sensações diferentes! Nunca julgue um local parecido apenas por abordar as mesmas coisas!
— Sei, sei... — Ela deu de ombros. — Aliás, vai dar certo virmos estudar junto com Chinatsu Chitose?
— Vai, sim — respondi, prontamente. — Vocês estão no mesmo barco, e ela também foi vítima de Kumiko. No fim das contas, toda essa situação aconteceu por minha causa, então quero poder compensar isso para ela também...
— Você é mesmo um bobo... — Himegi sorriu. — Ela realmente parece ser uma boa pessoa, mesmo...
Após algum tempo, pegamos uma mesa e aprontamos nossos pertences.
— Queria que a Yonagin estivesse aqui, também... — expressou Himegi, cabisbaixa.
— Talvez depois que esse período de provas passar, ela queira se juntar a nós... — disse Teru. — Ela é um gênio, isso aqui não passa de um passatempo pra alguém do seu calibre.
Eu concordei com ele. Por mais que Yonagi não estivesse sabendo da nossa reunião, não precisava passar por aquilo que iríamos fazer. Além disso, não saberia como reagir com ela presente ali dado o que tínhamos conversado na biblioteca... deixei aquilo de lado, por enquanto.
Sim, foi exatamente aquilo que parecia: um grupo de estudos.
Nem mesmo eu acreditei que decidi participar de algo tão casual assim. Por mais que fosse algo que não precisasse pessoalmente, as circunstâncias me fizeram chegar naquele ponto. Não tive escolha.
Além disso, não posso relaxar. Seguindo o planejado, preciso estar entre os 20 melhores e ser melhor que Hiyatetsu. Para isto, revisar algumas coisas aos outros me ajudará.
— Muito bem... — pigarreei ao chamar a atenção de todos. — Eu trouxe algumas cópias de um simulado que tirei da internet. Vou passar para todos e avaliar os pontos fortes e fracos de cada um.
Como fui aquele que tirou a nota de avaliação mais alta, tive que conduzir o rumo do grupo. Entreguei as folhas para todos, que iniciaram o teste de imediato.
Quase trinta minutos depois, conferi seus resultados.
— Vejamos... — murmurei. Himegi teve um alto conhecimento em história, Chinatsu dispôs um ponto forte em atualidades, Teru soube muito de geografia e Kuroi foi excelente em japonês. Notei que todos podiam se ajudar com uso de suas qualidades, o que aliviará um pouco minha carga. O único problema ali foi que...
— ...ninguém aqui é bom em matemática... — suspirei. Todos me olhavam apreensivos e nervosos. — Por mais que tivesse em mente que isso era óbvio, isso ainda é complicado...
— Mas eu não gosto de matemática, fazer o quê! — exclamaram todos ao mesmo tempo.
— Isso não é desculpa! — esbravejei de volta.
Depois disso, tentei fazer mais alguns simulados de matemática com todos, mas...
— Não dá... vocês não têm salvação...
— Não diga isso!
— Por mais que nossas mentes sejam imprestáveis, nosso espírito sempre será puro!
— Sinto um futuro sombrio pela frente...
— Porque as letras e números têm que se misturar deste jeito?!
Ao menos, se todos colaborarem em si, podem já melhorar o rendimento exponencialmente. Mas só restavam as provas de exatas. Pediram ajuda para Yonagi, mas seu ensino teve o efeito contrário. Não soube o que poderia fazer para ajudá-los a entenderem as questões mais simples...
— Acho que você está pensando demais, Shiroyan... — Uma voz conhecida surgiu atrás de mim. Ao me virar, me deparei com Shiina, mais sonolenta que o comum.
— Shiina! Venha me salvar! — exclamou Chinatsu, estendendo os seus braços.
— Ah, eu... — murmurei, confuso por vê-la ali.
— Não precisa falar nada, Shiroyan. Foi a Chitose que me chamou aqui, mas sou muito ruim em acordar cedo, sabe... — bocejou a garota. — Mas estou aqui para ajudar. Sou boa em matemática.
A solução apareceu subitamente a mim. Com Shiina, terei mais facilidade de ensinar a todos. Foi perfeito!
— A propósito, podemos te ajudar nos estudos se quiser. Qual os seus pontos fracos?
Como ela iria nos ajudar, era mais que natural que devo ajudá-la com suas dificuldades.
— Hum... — Shiina pensou vagarosamente, com o rosto ainda sonolento. — Sou péssima em humanas.
— Você é exatamente o oposto de todo mundo! Isso facilita muito!
— SHIIIIIIIUUUU!!!!
Todos gritaram comigo, inclusive a bibliotecária...
***
Com Shiina conosco, em apenas alguns minutos organizou o rumo dos estudos e visualizei uma melhora. Ajudei ela a entender um pouco mais sobre história, japonês e literatura.
Logo, chegou a hora do almoço. Fomos comer em uma cafeteria que reside por perto, era aquilo ou um restaurante italiano... o nome do local era Doutor Coffee, estranhamente me fez pensar que fosse uma instituição secreta utilizada pelo Doutor Estranho...
Costumava ir ali quando mais novo algumas vezes. Chiba tem muitas facilidades como essa, em todo canto possuía alguma atração. Enquanto esperávamos nossos pedidos, Chinatsu apareceu com uma ideia:
— Acho que deveríamos ter um grupo virtual no LINE.
— Ah, verdade! — Himegi ficou animada. — Assim, será mais fácil para gente combinar as próximas sessões de estudo!
— Além disso, há muitos livros para pegar na biblioteca... — comentou Kuroi. — Vai ser bom para todos compartilharmos o conteúdo pelo grupo.
Não costumo usar muito o LINE, apenas o Instagram para postar alguns desenhos meus ou o Twitter pra reclamar da vida... ah, reconheço que isso é bem desanimador quando não se tem muitos amigos.
Todos entraram em acordo com em criar o grupo na rede. Chinatsu rapidamente adicionou o número de todos. Não sabia como reagir em grupos assim, mas houve um ponto positivo: poderia ocorrer situações em que não poderíamos nos encontrar e desta forma não precisávamos nos comunicar pessoalmente sempre.
— Ah, precisamos de um nome! — exclamou Chinatsu.
— Nome?
— Sim! Um nome para o nosso grupo! Assim ele fará mais sentido!
Não era como se enxergasse aquele grupo como um Goukou, mas não cogitei um nome para aquele grupo. Era a mesma coisa que nomear uma mascote, será?
— Que tal Mentes Vazias? — comentei, desinteressado.
— A única coisa vazia aqui é seu carisma... — retrucou Himegi. — Negado. Poderia ser algo como Futuros Formandos!
— Mas nem todos aqui vão se formar ano que vem... — murmurou Teru.
— Que tal Jovens Brilhantes? — sugeriu Chinatsu.
— Não somos tão brilhantes assim, já que estamos fazendo isso para ninguém ficar em recuperação...
Por acaso, ela esperava receber alguma benção de Jesus ou Buda com aquele nome?
Todos ficaram pensando... até que...
— Somos apenas “branco” ... — expressou Shiina.
— Branco?
— Sim. Somos como uma paleta de cores... — disse Shiina. — Eu gosto de enxergar a todos como cores diferentes. Na verdade, o único que acho uma cor branca aqui é o próprio Shiroyan.
— Sim, até mesmo nisso ele é neutro... — resmungou Himegi.
Bufei com aquela resposta, mas não tive como negar...
— Por exemplo, Chinatsu é radiante como um amarelo intenso.
Shiina citou a garota, fazendo-a sorrir intensamente.
— Kuroi é o preto do terror, totalmente... — comentei, indiferente.
— Sem objeções! — exclamou a garota.
— Teru é um ciano pensativo, imagino... — refletiu Shiina.
— Himegi é um forte vermelho determinado, então! — Chinatsu a completou. — E Shiina é um belo violeta!
— E... quanto a Yonagin? — expressou Himegi, pensativa.
Houve um período de silêncio entre nós, até que...
— Uma cor sistemática, com toda certeza... — ressaltou Teru.
— Sim, você tem razão... — concordou Kuroi.
— Parando pra pensar... sinto como se a Yonagi fosse como um cinza discreto e denso... — comentou Shiina. — Não que eu ache que ela seja alguém triste, mas tenho a impressão de que está sempre distante de todos.
— Foi... o mesmo comigo, também... — comentou Chinatsu.
— Quando se está em um local longe de todos, muitos podem não enxergar o brilho de um corpo celeste... — divaguei, em voz alta. — Onde se encontra algo cinzento, também há uma presença prateada tão luminosa quanto os grandes astros.
De certo modo, isso tornou Yonagi uma pessoa mais próxima a mim no quesito de neutralidade, o que achei irônico.
O resultado dessa conversa sobre cores deixou todos satisfeitos, mas onde queriam chegar naquele tópico?
— Vamos nomear o grupo de “Paleta de Cores”, então? — indaguei.
— Não, “Tela Branca” — concluiu Shiina.
— Tela Branca?
— Sim. Afinal, não importa qual seja a cor que uma pessoa for pintar, a tela em que usará sempre será branca... — explicou a garota, gerando uma salva de palmas dos outros.
— Por isso, Tela Branca. Shiroi Gamen. Adorei! — Chinatsu digitou o nome do grupo no celular.
Enfim, o nome do grupo foi decidido e todos ressoaram satisfeitos. Voltamos para a biblioteca e ficamos até ela fechar. Andamos até um ponto de ônibus perto dali e nos despedimos de Chinatsu e Shiina, que foram embora juntas.
O restante de nós seguiu para outro lugar. Sim, este lugar seria...
— ...o cinema! — exclamou Himegi, animada.
Todos murmuravam entre si e pesquisando na internet qual filme deveriam ver, quis analisar a tela do grupo no LINE.
— ...isso tudo só pode ser puro acaso, não é possível... — murmurei, surpreso. Muitas coisas se passaram em minha cabeça, mas poderei pensar em tudo com mais calma depois.
No fim, decidimos ir ao cinema Chibagekijo, que fica no centro, praticamente ao lado do museu de arte. Para isso, tivemos que retroceder até a Estação de Chiba e pegar a linha Keisei-Chiba até a Estação Chibachuo, da qual passamos por Shinjuku e Fujimi até chegar no local, já no começo da noite.
— Filmes são sempre bons de se ver num sábado à noite, não importa quais sejam as circunstâncias! — comentou Kuroi, animada. — E os de terror principalmente nessas ocasiões!
— Você quer incluir “terror” em toda frase que fala. Eu acho incrível que não tenha enjoado desta palavra ainda... — retruquei.
— Isso é algo impossível! Precisamos de emoções em nossas vidas patéticas! O sobrenatural sempre abre nossas mentes!
— O que abriu foi o meu estômago de tanta fome por causa dessa fila gigante!
Havíamos decidido comer algo antes de ir para a sessão, só que todas as lanchonetes por perto estão cheias! Quase sugeri de irmos ao FamilyMart comprar um macarrão instantâneo ou procurar um Saize e pegar a promoção do dia!
— Não tem jeito, já que é sábado de noite...
Teru tentou nos acalmar, enquanto Himegi não tirou o rosto do celular. Parece estar falando com alguém. Em dado momento, ela disse que iria fazer algo e que logo voltaria. Com a agitação da rua, fiquei preocupado de que poderia se perder da gente, mas a fila ficou tão estagnada que não haveria problema de ela sair.
— Apenas não fique andando por aí de olho no celular pra não se perder... — A alertei, que acenou com a cabeça.
Depois que ela saiu, recebi uma mensagem. Ao ver quem era, quase me engasguei: era Chinatsu.
[Shiroyama, está muito ocupado?]
[Não. Não estou fazendo nada.]
[Podemos nos encontrar amanhã para discutimos sobre o favor que terá que me conceder?]
Engoli em seco. Para que ela concordasse com meus termos e pagar pelo meu favor, fiquei com aquela dívida. Mas não tive escolha. Na verdade, será a melhor opção saber de todos os critérios antes da semana recomeçar.
[Podemos. Depois combinamos o ponto de encontro.]
Encerrei a conversa com ela e minutos depois conseguimos fazer o nosso pedido. Esperamos mais algum tempo e pegamos nossos lanches. Himegi me respondeu que retornaria em breve. Para que não houvesse desencontros, esperamos no mesmo lugar até que chegasse.
— Eu estou aqui!
— Ande logo, ou o lanche vai esfriar! — exclamou Kuroi.
Parando pra pensar, Himegi deixou a instrução de comprar cinco lanches, mas estávamos em quatro pessoas...
Só que depois entendi que ela resolveu chamar mais alguém.
E esta pessoa chegou ali com ela.
Ao vê-la, engoli em seco.
Uma garota de cabelos escuros presos em um curto rabo de cavalo, usando roupas monocromáticas, um casaco leve e uma bolsa em um dos braços. É Yonagi, que se aproximou com um rosto ansioso.
Quando nossos olhos se encontraram, me virei rapidamente. Aquilo foi tão automático que tornei a olhá-la de novo. Desde que conversamos a sós com ela na biblioteca, algo ficou diferente.
Depois que discutimos na excursão, Yonagi me cravou amargurada várias vezes, mas após nossa última conversa, não consegui mais decifrar suas emoções. Por que me senti tão vulnerável de repente?
Teru e Kuroi ficaram surpresos e animados com sua aparição, o que apenas a deixou ainda mais sem jeito.
— Bem... foi a Himegi que me chamou até aqui de repente... não tive tempo de me preparar...
— Do que está falando? Você está ótima! — exclamou Kuroi.
— Não é disso que estou falando...
Nesse momento, meus pensamentos se esvaíram. Compreendi o sentido de Yonagi e, sinceramente, apenas aceitei meu estado de calma e confusão mútua. No entanto, ignorar tudo o que disse antes foi o certo a ser feito?
Estávamos todos juntos fora da escola. Não era uma classe ou na biblioteca realizando atividades escolares.
— Diga alguma coisa, Shiroyama! — Kuroi deu um tapa no meu ombro. — Pra alguém que se arrumou de última hora, ela arrasou! Não é?
— Eu? — Ela me empurrou e fiquei ainda mais próximo de Yonagi. Senti meu rosto arder. Olhei subitamente para suas roupas e disse: — Você... está muito bem... e acho que entendo o que quer dizer. Multidões assim não são o meu forte, também.
Ela ficou surpresa pelo meu comentário e apenas acenou a cabeça em resposta.
— Sim... isso mesmo. Multidões...
Himegi pegou o pacote de lanches e seguiu na frente.
— Vamos logo! O filme vai começar daqui a pouco!
Segui caminhando atrás de todos, conforme processava tanta informação...
Aquela foi a primeira vez que conversei com Yonagi fora da escola. Foi a primeira vez que elogiei alguém.
Novamente, minha mente relembrou tudo o que disse e o imenso peso do arrependimento assombrou meu espírito.
***