Volume 3
Capítulo 1: Mesmo assim, a Rotina de Shiroyama Hideo permanece Igual. ②
O fato de que ainda me encontraria com Chinatsu por causa do trabalho me deu calafrios. Provavelmente iríamos continuar a conversa da onde paramos... que dureza.
Como ainda resta algum tempo antes do horário, decidi ir no mercado fazer algumas compras para depois seguir para o trabalho rotineiro. Joguei as cartas ridículas de Higusa na primeira lixeira que encontrei.
Fitava em meu celular a página do fórum que Kumiko criou em prol de espalhar sugestões de ações ao Conselho Estudantil e rumores sobre Chinatsu, o que foi essencial para que conseguisse apoiadores e a força motriz que a elegeu como tesoureira do Conselho Estudantil. Desde nossa última discussão antes de assumir o cargo, a atividade do fórum reduziu exponencialmente. Não me surpreenderia de que o único propósito daquele blog foi de apenas prejudicar Chinatsu, mas Kumiko poderia ter outros usos para ele, por isso decidi ficar de olho e prestar atenção nos tópicos de maior interesse do público.
Era como se fosse um tipo de Twitter indireto! Até os tweets são iguais!
Ao pegar o metrô de volta para casa, minha mente pesada me fez sentir muito mais cansado do que costumava estar durante o início das aulas. O local não se encontrava tão cheio e os remanescentes foram se dispersando conforme as estações chegavam. Apesar de isso não acontecer com tanta frequência, apreciei aquele momento enquanto suspirava pelo meu peito estar tão angustiado.
Isso porque sentia o peso das minhas ações surtindo seu efeito colateral. Cortei minhas relações com o clube de literatura à força e até conversar com Chinatsu foi sufocante, pois no fundo sabia que o lado delas não estava errado.
Para um solitário, agir contra a sua vontade em diversas ocasiões era algo muito comum, pela incapacidade de reagir ao que quer de verdade. Naquele momento, apenas queria que tudo voltasse a ser como era antes e que aquelas conversas cessassem. Mas quando me era submetido, não via outra escolha senão participar e não saber o que falar ou como me portar nesses momentos era ainda mais doloroso.
Claro, apenas pediria para que Chinatsu me solicitasse algo comum, dentro do possível de minhas capacidades. Talvez precisasse de ajuda com mais alguma coisa no clube devido ao seu tempo corrido ou algo assim. Sim, se isso se resolvesse rapidamente, seria um peso a menos para ter de resolver.
Eu apenas devo evitar quaisquer tipos de problemas complexos para me manter sozinho. Quando toda essa agitação passasse, voltaria a almejar o topo de status da escola, e serei reconhecido como — O Gênio Solitário! —. Sou realmente incrível, não sou?!
Há! Há!... quem queria enganar, afinal?
Este reset foi algo necessário, nada aconteceu como planejei. Porém, sei que Kumiko não vai permitir que as coisas se desenrolem com tamanha tranquilidade. Afinal, ela não quis se esquecer de nada.
Só que não dançaria conforme sua música. Naquela escola, não tinha amigos próximos, quer dizer, a partir daquele ponto. Se os integrantes do clube de literatura estão magoados — vulgo, Himegi —, logo se esquecerão dessa situação e de mim. Apenas manterei uma relação amigável pra que não sintam nenhum remorso nisso.
Se as coisas ocorrerem desta forma, talvez essa angústia em meu peito se reduza ao menos um pouco em algum momento...
Sob aquele final de tarde parecendo melancólico devido àquele céu alaranjado, minha mente se tornou também. As pálpebras pareciam pestanas de chumbo de tão pesadas a ponto de querer manter fechadas pela irritação nos olhos.
Naquele instante, me imaginei sozinho naquele vagão de metrô, apenas observando em silêncio a paisagem urbana que se alterava a cada segundo pela janela, uma estranha sensação que sempre me vinha à tona desde que as aulas começaram.
Não soube por quanto tempo durou, mas a negritude atrás dos olhos me levou para longe dali. Visualizava aquele planeta que habitava tão distante em minha mente como se fosse um fantasma vagueando sem saber para onde ir.
De repente, me encontrei rodeando uma pedra flutuante. Ao me virar, me deparei com um imenso orbe vermelho se aproximando conforme a Terra se afastava de mesmo ritmo.
Aquele asteroide... devia ser Deimos, a lua mais distante de Marte. A rocha irregular espacial girava desengonçadamente e rapidamente me desvencilhei dela por não emitir gravidade.
Dizem que Marte representa a guerra. O sentimento de intriga e raiva se originam dela... como se os deuses gregos zombavam dos humanos toda vez que fitavam os planetas pelos céus. Parecia até uma piada de mal gosto. Mas... por qual razão visualizava Marte naquela ocasião, então?
Será que, além de estar em conflito com os outros... fiquei em conflito comigo mesmo, também? Refletir sobre tal questão me gerou uma leveza amargurada. Desejei que aquele momento durasse para sempre.
Porém, Deimos se tornou cada vez mais distante assim como Marte. O planeta azul regressou e se aproximou com um zoom estrondoso... meus ouvidos zumbiam, a cabeça balançou e um chacoalho mexeu com meu corpo inteiro.
Ah... compreendo. É o meu corpo tremendo... só consigo pensar em uma coisa.
— Não quero voltar.
Com o som da estação se aproximando soou, me preparei para sair do trem em um sobressalto.
Quase me atrasei em chegar ao museu.
Esqueci que precisava fazer compras por causa do sono repentino no trem e fui apressado ao mercado de última hora. Infelizmente, estava tão cheio ali que perdi muito tempo lidando com as filas. Voltei pra casa correndo e só consegui tomar um banho rápido desesperado para não perder o horário do metrô.
Ao chegar no local, Chinatsu já orientava as crianças. Nós nos cumprimentamos em silêncio e me juntei, atrapalhado.
Sempre achei louvável a capacidade dos seres humanos de se manterem conscientes sobre os ambientes em que se encontram. Chinatsu ficou totalmente exaltada na escola, mas ali ensinava e brincava com as crianças com uma tranquilidade sem igual. Talvez essa fosse a magia de estar responsável por algo ou alguém, quando se tem que lidar com o que os outros fazem, seus problemas ficam desfocados de sua mente.
E mais uma vez, não vi o tempo passar. As crianças foram embora com os seus pais e nós ficamos sozinhos arrumando os materiais de arte na sala.
— Só mais uma semana, então? — pensei alto. Aquele era o prazo restante para a competição de mangás e o limite estipulado que ficaria naquele trabalho de meio-período.
— Sim... está passando bem rápido os dias, não é? — Chinatsu me respondeu, quebrando aquele silêncio entre nós.
Deveria continuar a conversa pra não ficar um clima estranho.
— Faltam poucas páginas para terminarmos, certo?
Eu a estive ajudando na produção das páginas do mangá dela, que iria submeter a competição editorial. Além disso, ela criou um concurso de artes na escola na qual me inscrevi. Por mais que os dias estivessem passando depressa, restava muita coisa a ser feita naquele mês antes das férias de verão.
— Isso mesmo. Estamos quase terminando as páginas normais, mas ainda faltam as páginas coloridas. E quanto ao seu desenho para o concurso?
Aquela pergunta me fez suar frio. Diante de todas as situações que aconteceram, não consegui pensar em nada para desenhar até então. Ao dizer isso a ela, Chinatsu apenas riu e disse:
— Acho que isso é normal. Não é fácil ter ideias pra reproduzir nos desenhos. Por isso que os artistas são todos imprevisíveis, não é?
— Me pergunto se é por isso que muitos recorrem a produzir algo em cima dos seus prazos, deve ser muito difícil... — soltei uma risada seca, tentando conter o nervosismo.
Por mais que admitisse aquilo, tinha quase certeza de que era o que acabaria fazendo. Ah, já estou prevendo que ficarei várias noites sem dormir daqui para frente...
Nós terminamos de organizar os materiais e nos dirigimos para uma outra sala, da qual retomarmos a produção das páginas do mangá de Chinatsu.
Antes que começássemos, Chinatsu disse:
— Aliás, você chegou a falar com a Yonagi?
Aquela nova pergunta me deu um susto que quase caí da cadeira. Ela ficou mesmo preocupada com a minha situação em relação ao clube de literatura, hein...
— Não... não a vejo desde a semana passada. Os outros integrantes do clube tentaram me fazer falar com ela durante todo este tempo, mas é algo que não devo fazer agora.
— Ei, por que toda essa intriga? Shiroyama, você sempre foi tão orgulhoso assim?
— Você não está totalmente errada sobre pensar assim de mim..., mas há um motivo e estou falando sério... — comentei, cabisbaixo. — Não queria preocupar ninguém por causa disso...
— Ah, você não tem jeito mesmo! — suspirou a garota. — Porém, se eu precisar de ajuda, você vai estar por perto. Não consigo aceitar uma situação assim!
Era compreensível sua vontade de querer retribuir o favor e não achava aquilo ruim. Podia ser que em algum momento poderia contar com ela, seu carisma e grande personalidade.
— Não se preocupe... — A tranquilizei com um sorriso. — Foi o que eu disse antes, não? Um favor por um favor.
— Um favor por um favor... ah, você também, hein! — Ela coçou a nuca. — Sempre querendo fugir dos assuntos principais!
Ela cruzou os braços e inflou as bochechas, irritada. Aquilo foi bem fofo, o que não deu pra levar a sério. Ei, não é minha culpa, né. Ela é o tipo de pessoa que mesmo sem ter feito nada se sente no dever de querer ajudar...
— Certo, certo. Se você tem um favor, pode falar.
— Não até que me diga o que rola entre você e Yonagi.
— É o quê?!
A resposta que esperei não veio, em vez disso recebi uma intimação de Chinatsu, séria.
— Mas eu não... não era assim que as coisas deveriam...
— Foi você mesmo que disse, não? Um favor por um favor... este é um favor que você me pediu por te pedir um favor. Agora irei te ajudar em troca deste favor!
Hum?! Eu não fazia ideia o quanto Chinatsu podia ser perspicaz assim! Ela conseguiu me fazer entrar no próprio jogo! Se fosse isso, não poderia escapar da sua pergunta de jeito nenhum...
— Não me diga... que você se planejou para me dizer isso desde o início...
— Hum! Você ainda não sabe nada sobre as mulheres, seu tolo! Não é assim tão fácil de me dobrar, Shiroyama!
— Ah, certo... desisto. Eu desisto! Vou te contar tudo o que aconteceu...
Enquanto Chinatsu exibia uma aura confiante, curvei os ombros pelo peso da derrota. Desde quando aceitei tão facilmente aquele tipo de derrota? Parece que tinha um longo caminho a trilhar para não cair em todas as armadilhas feitas pelas mulheres...
Após explicar toda a situação do clube de literatura e da nossa disputa feita pela professora Harashima, Chinatsu ficou bastante pensativa.
— Entendo... uma competição para ver quem se comunica melhor e é mais influente até o fim do ensino médio...
— Yonagi e eu discutimos pelas nossas diferenças de ideais. Era algo inevitável desde o início.
Mesmo após dizer nossas decisões, Chinatsu não se alterou. Não importava como as coisas fossem ditas, após saber das intenções de Chinatsu, meu coração se manteve agitado e um desconforto estranho cresceu dentro de mim. Minha mente cogitou que minhas respostas foram diretas a tal ponto de acreditar no que buscava desafiando Yonagi.
Por que fiquei tão confuso naquele momento?
Aquela conversa se tornou um labirinto, gerando as mesmas frases prontas. Mesmo antes de contar sobre a disputa para Chinatsu, tudo o que saía de minha boca parecia fazer parte de um disco quebrado.
— Shiroyama, você talvez diga isso por si próprio..., mas por acaso você sabe a opinião dela sobre tudo isso?
— Hein? É claro que não. Como poderia saber de algo assim?
— Posso sentir isso. Você está inseguro com tudo o que está acontecendo, sem dúvidas.
— Inseguro?
— Sim, veja bem... será que você não esteja querendo tomar todas as dores para si mesmo e se fechar para nada mais do que além disso? Não foi a mesma coisa que fez ao impor aquela condição de empate para Kumiko no dia da audiência do Conselho Estudantil?
Eu cerrei meus punhos. Soltei uma risada desdenhosa para afastar o nervosismo.
— Deve ser sua imaginação. Eu apenas faço as coisas por mim mesmo... sair do clube também foi pelo meu bem. Não tenho razões para lutar por outra pessoa, apenas por mim... isso é claro como água.
Chinatsu engoliu em seco e ficou alguns segundos sem dizer nada, até que:
— Muito bem! Parece que teremos que rechear ainda mais esta troca de favores!
— Hein? Do que está falando?
Eu me assustei quando ela retomou sua empolgação de antes de repente. Ei, não faça isso, me assusto muito fácil!
— Estou vendo que apenas retribuir qualquer favor não será o bastante! Quero te propor um acordo!
— Um... acordo? Como uma troca equivalente ou algo assim?
Espero que ela não proponha transmutar um ser humano me usando como receita! Não quero voltar para este mundo como uma armadura vazia!
— Hum, talvez você possa ver desse jeito. Fazemos assim: me deixe falar com a Yonagi para que possam encarar esta disputa sem remorsos e, em troca, você fará favores pro clube de artes até que isto se resolva!
— O quê?! Você realmente não desiste disso, hein? Por que você ainda está tão interessada que me envolva com o clube?!
— Você verá, caro Shiroyama. Negócio fechado, então?
Ela estendeu sua mão para mim. Aquela situação me deixou totalmente desconfortável e em desvantagem. Porém, apertei sua mão, concordando com os termos.
— Ótimo! Com isso, poderemos adiantar as páginas na escola e poderemos voltar para a casa mais cedo depois do trabalho!
Seu semblante brilhante quase me cegou de tão intenso. Tudo o que ela queria era apenas me motivar e voltar pra casa mais cedo?
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