Volume 2
Capítulo 4: A Estratégia de Kumiko Horie ④
Passei todo aquele final de semana sem sair de casa. Não consegui absorver tudo o que aconteceu naquela sexta-feira. Como não peguei nenhum número de celular daqueles próximos a mim, a possiblidade de ser investigado era nula, a menos que me vissem entrando junto com Chinatsu no museu, o que não aconteceu.
Graças a isso, pude restabelecer meu sono e organizar meus pensamentos para a convenção. Ao menos, poderei tirar algumas dúvidas. Será que quando for um profissional, darei conselhos aos mais jovens, como economizar tudo o que você recebe e revisar tudo o que planeja mais de cinco vezes? Assustador.
Naquela segunda-feira, o tempo ficou nublado e uma brisa gelada deixou minhas orelhas congelando, dando calafrios a todo segundo. Era irônico quase ser a estação de verão e a natureza emitindo sintomas de outono.
Como ninguém usava o blazer neste período do ano — exceto para aquelas pessoas sensíveis ao frio —, me senti exposto ao tempo gelado até o momento que o calor do dia aparecesse. Todo final de primavera era desse jeito, ou você andava com o guarda-chuva ou sem o blazer, que escolha difícil.
Entrei no hall, trocando os sapatos pelos mocassins, segui o aglomerado de alunos até minha classe e organizei os materiais. Quando foi que reparei no quão preso fiquei naquela órbita monótona escolar? Não sabia se aquela sensação era pior do que se sentir excluído de tudo...
Quase me esqueci que naquela semana ocorrerá os questionários em todas as disciplinas, pela preparação das provas diagnósticas. O fato de aquela ser uma escola de elite remetia ao fato de quase sempre termos avaliações a fazer, era fácil se confundir com o cronograma.
Me preparei de última hora, sendo que hoje era o questionário de matemática. Estudei o máximo que pude no dia anterior, enquanto fitava o céu a noite e lembrei de repente. Foi por pouco...
Por qual razão um questionário sobre matrizes era interessante? Todas aquelas sequências de números pareciam uma ideia tirada do Código da Vinci...
O Grupo Takahashi grunhia em altos decibéis, imaginei que seria por não terem a cola da atividade. Hum, que tolos. Colar em testes de matemática era uma dádiva para poucos, algo praticamente impossível. Será que as pessoas não se tocam que querer se dar bem na área de exatas era um ataque suicida? Afinal, lidar com questões tiradas de ficções como em Código da Vinci não é nada fácil...
Eu tinha a suposição de que, os professores de exatas são os mais tranquilos — apesar de terem ideias malucas... — que os de outras disciplinas.
Em todo meu histórico do ensino fundamental, não tirei nenhuma nota baixa necessária para ficar de recuperação. Claro, passei por sufocos como qualquer um, devido nunca ter uma boa comunicação com os colegas de classe.
Tudo bem, admito... não tive nenhuma comunicação.
Isso só me fez provar a mim mesmo que, apesar de estar solitário e passar por todas as avaliações sem depender dos outros, sempre foi um lembrete de que posso prevalecer seja quais desafios me imporem. Dei um jeito de colocar aquele cérebro amontoado de palavras cruzadas pra funcionar.
Se alguém já teve de lidar com apresentações no Power Point sem ter um grupo, deve saber do que estou falando...
Fiz a prova sem muitos problemas, calculei que tirarei algo entre 70/100 ou 75/100. Perfeito.
No terceiro período teve o questionário de geografia, me deixando mais preocupado. Sou horrível com geografia, assim como era ruim com nomes. O que é mesmo uma península? Um tipo de arquipélago com árvores marítimas que soltam bolhas? Acho que não...
Após a suposta derrota em geografia, veio o intervalo. Para esfriar a cabeça, decidi tomar meu cappuccino (?) e comprei meu sanduíche na cantina. Fui ao pátio central e me sentei no usual banco próximo ao prédio especial. Se quisesse escapar da recuperação, significa que apenas preciso tirar em torno de 40/100 ou 50/100, talvez estivesse seguro com geografia...
Ah, esquece a geografia. O que preciso mesmo é me decidir sobre o que farei em relação a Kumiko. Aquela advertência indireta que recebi me obrigará a agir mais cautelosamente daqui pra frente.
Não tinha como evitar, não quero sobrecarregar Chinatsu ainda mais..., no entanto, com o dia da convenção se aproximando vou necessitar que cubra meu turno.
Quando você precisa interagir por algum dever, tudo se torna mais pesaroso. Exasperei e me levantei, pronto para procurar Himegi e falar sobre Kumiko, já que talvez os calouros tivessem alguma pista.
Andei pelos corredores a sua procura, fui até o refeitório onde supostamente poderia estar e nada. Olhei pelos arredores e não vi ninguém. Cocei a nunca, o tempo do intervalo se esvaía. Onde ela poderia estar? Será que sequer saiu de sua classe?
Então, não tive escolhe senão ir à ala dos alunos do primeiro ano. Talvez acabasse me encontrando com Kuroi ou Teru, considerei como boa ideia.
Caminhei tranquilamente, fitando novamente as obras do clube de arte. A exposição ainda vai durar uns dias, então poderei admirar aqueles desenhos incríveis, inclusive aquele quadro que Yonagi ficou tão fascinada...
Cheguei no local que desejava, mas não lembrei qual era a classe de Himegi. E nem a dos outros. Será que os três são da mesma sala? Acho que nesses momentos, a possibilidade menos desejada era a mais sucinta de acontecer.
Andei por todos os corredores — conferindo cada classe —, mas parecia que a sorte não caminhou ao meu lado... não encontrei nenhum deles. O que todos estariam fazendo? Será que poderiam estar no banheiro, então? Espera, os três não iriam ao mesmo tempo ao banheiro, certo? Se fosse isso, Deus queria me castigar por algo que fiz sem ciência.
Frustrado, decidi ir ao banheiro masculino, esperançoso de me encontrar com Teru. Porém, nesse momento, ao passar em frente ao banheiro feminino, Himegi e Kuroi surgiram, me dando um susto tão grande que pulei no mesmo lugar.
— Como você consegue fazer isso? — indagou Kuroi.
— Não me pergunte, isso realmente me assustou... — disse, recuperando o fôlego.
— Não fique agindo como se estivesse vendo assombrações, Shiro... — represou Himegi, com uma expressão seca no rosto.
— Ah, certo. Desculpe. Eu estive procurando por vocês, inclusive.
— Teru não veio hoje, já que imagino que iria ao banheiro procurá-lo... — disse Kuroi. — Ele se assustou tanto vendo o filme que parece que não conseguiu nem dormir direito até hoje.
— Ah. Filme? Que filme?
— O filme... — Himegi começou a tremer, cabisbaixa. Até que se dirigiu a mim com a expressão mais furiosa que vi nela. — ...que era pra você ter ido ver com a gente! Você nem ao menos apareceu no clube como o combinado!
Sua voz ecoou pelo corredor, surpreendendo a todos os presentes. Resfoleguei, me esqueci completamente dessa atividade! Oh... fiquei tão preocupado de pensar em uma desculpa para não ir que simplesmente perdi o timing!
Estendi minhas mãos, mostrando rendição.
— Ah, eu... realmente não consegui ir! Me ouça, por favor! — gaguejei, tentando acalmá-la, o que claramente não funcionou. — Acabei pegando um... um trabalho de meio-período e tive que sair mais cedo na sexta-feira!
— Trabalho de meio-período? — Himegi ficou confusa durante alguns segundos, apenas para retomar sua expressão furiosa novamente. — O que deu em você?! Você não pode trabalhar enquanto estuda!
— Calma, Himegi... não diga isso em voz alta... — alertou Kuroi.
— Obrigado... — exalei, rouco.
— “Obrigado”, nada! — grunhiu a garota. — Então por que não nos contou antes? Se tivesse dito, poderíamos ter adiado o filme!
— Ah, eu... sobre isso... não queria...
A situação fugiu do meu controle. Ver Himegi furiosa daquele jeito tirou toda minha capacidade de raciocínio. Ela esbravejava de tal modo que todos ao redor olhavam para mim com cara de pesar.
Gerei a pior situação de todas para um solitário: uma discussão séria com alguém no corredor da escola. Era a oportunidade perfeita para tudo dar errado.
Eu não consegui pensar em nada para dizê-la naquele momento, então decidi não dizer nada. Ouviria a sua fúria, não tinha como escapar. O dano seria crítico... senti na pele o que era tirar um d1, de verdade.
— Eu te alertei, não foi? Você se afastou de todos! Como pôde fazer isso sem avisar?!
— Você está certa... não tenho desculpas...
— Claro que estou certa! Não quero desculpas! — Himegi franziu o cenho. — Quero saber o porquê que você fez isso!
— Himegi, se acalme. Se não...
— Como posso me acalmar?! — Ela levantou a voz para Kuroi, fazendo-a se calar. — Querer participar disso com a gente era algo tão desconfortável para você assim, Shiro?!
Ela me encarou com expressão de angústia. Era compreensível que tenha entendido as coisas daquela forma. Enganei a mim mesmo pensando que minhas ações não chamariam a atenção como queria, por mais que tentei evitar, todos notaram.
Mas Yonagi, Kuroi e Teru não se incomodaram com isso, exceto Himegi, que era quem gritava tão avidamente naquele momento.
Se tivesse dito antes um: — não quero. —, poderia ter causado uma discussão, mas não chegaria nesse nível. Dizer essa predição ficou fora de cogitação. Omissão de palavras só funciona num momento sucinto em que não haveria álibis contra você. Abaixei a minha cabeça, tomado pelo desgosto que causei em Himegi.
— Seja o que for que você queria falar com a gente, não vou te ouvir! — exclamou a garota passando por mim, com Kuroi atrás dela. — Pelo visto, não deve ser nem ao menos um pedido de desculpas!
Ela acertou. Perdi toda a consciência de discutir os planos de Kumiko. Mas, em vez disso, não posso permanecer calado, forcei meu ser e minha boca se moveu por vontade própria:
— Se quer mesmo saber... não era o tipo de filme que gostaria de ver com você! Quer dizer, nunca disse que o veria!
Himegi e Kuroi pararam de andar. Me virei para elas, me encarando incrédulas:
— Se vocês se divertiram, isso é o que importa, certo? — continuei, minha garganta rangia. — Só que por mim... sabia que não seria a mesma coisa.
— Mas isso...
— Eu sei, mas... — intervi antes de Himegi continuar. — ...vendo pela ansiedade de Yonagi, o que a interessava era que vocês fossem lá ver esse filme, certo? Se tem alguém que deve estar realmente irritada, tinha de ser ela.
— Shiro...! — Himegi agarrou meu colarinho, furiosa.
— ...você sabe que ela queria que vocês fossem mais do que eu, certo? Se estivesse no lugar dela... iria querer que você estivesse lá mais do que qualquer um.
— Eu? O que quer dizer? — A raiva de Himegi se dissipou em um instante.
— Como eu disse, não estive apenas dormindo no clube este tempo todo... — disse, com a cabeça latejando. — Yonagi quer se comunicar com todos. E você, Himegi, é quem mais a corresponde.
— Isso tudo porque você se distanciou de todos! — Himegi fez beicinho e me socou no braço. Dessa vez, doeu. Ai.
Naquele momento, tinha de escolher sabiamente o que dizer, mesmo que minha mente entrasse em colapso. Se errar o fio vermelho pelo azul... a bomba explodirá!
— O que quero dizer... é que queria que ela mudasse seus planos... já que não conseguiria arranjar tempo mesmo.
Minha resposta deixou Himegi pensativa. Não necessariamente escondi a verdade, apenas troquei a palavra arranjar de querer do meu raciocínio. De certo modo, poderiam ser interpretados da mesma forma pelo contexto.
— Como posso saber disso? — retrucou a garota, emburrada. — Se tudo o que posso pensar é que você não queria ir...
Pelo visto, foi mais previsível do que imaginava... ela só precisou de um mês de convivência para conseguir me analisar a esse nível?
— Então vou te provar isso. Vamos combinar de ir ao cinema, eu pago... — grunhi, deixando-a surpresa. Sério, minha temperatura corporal deve ter aumentado em mil vezes. Estávamos em algum tipo de câmara de gravidade, por acaso?
Aquela foi a primeira vez que convidei alguém para sair! Minhas pernas adormeceram e minhas mãos formigaram, será possível que me transformarei num Super Saiyajin?
O que me deixou mais nervoso foi que Himegi ficou em silêncio durante todo aquele momento.
— Eu... eu vou pensar... — Himegi desviou o olhar, seu rosto vermelho como um tomate. E completou: — ...se todos forem juntos.
Eu suspirei de alívio. Sem dúvidas, Himegi era a melhor pessoa que existe no planeta. Não, do universo. Com isso, aquele convite estranho se transformou num convite em grupo.
— Eu ouvi tudinho, Shiroyama! — exclamou Kuroi, animada. — Você vai pagar tudo, certo?
Ela me deu outro susto, o que me fez pular no mesmo lugar de novo. As duas começaram a rir animadas. É... acho que isso deve ter servido como uma punição para mim por não ter ido ver o filme.