Volume 2
Capítulo 2: Saber para Prever a Fim de Poder ②
Consegui terminar meu levantamento biográfico e naquele dia no clube, tornamos a discutir sobre o assunto. Como Teru já tinha apresentado a sua ideia, a reunião seguiria a partir do ponto interrompido.
— Himegi, será sua vez — proferiu Yonagi.
— Tudo bem! No meu caso, resolvi não escolher um cientista e sim um romancista.
— Oh... interessante.
Como esperado daquela garota aspirante a jornalista...
— Falarei sobre Machado de Assis, um autor brasileiro renomado!
Todos realçaram surpresa e não emitiram ruído algum.
— Ele foi um escritor que atuou no desde o século 19 até o século 20 e foi o responsável por criar a Academia de Letras, marco importante literário para o país.
— Incrível...
— E ele iniciou sua carreira literária como nós, na época trabalhando em livrarias, migrando para o jornal. Seus primeiros contos foram livros de poesias e poemas, depois estreou no romantismo com o livro Ressureição!
— Eu mesma já ouvi falar de algumas obras dele... — disse Yonagi. — Mas, a mais popular dele sem dúvidas era...
— ...Memórias Póstumas de Brás Cubas — complementou Himegi. — Isso mesmo. Esta obra em si gerou a fase do realismo para o autor, falecendo um pouco mais de vinte anos depois deste lançamento.
— A obra retratar sobre um defunto me faz lembrar de certa pessoa... — O comentário travesso de Yonagi arrancou risadas de todos ao se virarem para mim.
Ah, certo... pelo menos não quiseram comentar nada a respeito de Dom Casmurro...
— Encerro por aqui minha dissertação sobre Machado de Assis, um autor incrível que marcou a literatura brasileira pelos seus feitos e contos!
Todos a aplaudiram. De fato, foi uma pesquisa interessante. Você foi incrível, Machado de Assis!
— Muito bem, quem será o próximo?
— Minha vez, presidente. Quero logo participar — disse Kuroi, levantando sua mão.
Senti apreensão pelo o que aquela garota tinha pesquisado...
— Falarei sobre Karl Emil Maximilian Weber, mais conhecido como Max Weber — começou Kuroi. — Foi um importante sociólogo alemão que analisou a formação do capitalismo, sendo oposto aos ideais de Karl Marx.
— Oh... sociólogo, hein?
— Ele iniciou sua carreira como professor de universidade, mas após a morte do pai sofreu de depressão por vários anos. Sua aposentadoria veio cedo por causa disso, mas manteve o ofício até a Primeira Guerra Mundial acontecer. Atuou como conselheiro na guerra e depois do confronto, faleceu dois anos após o ocorrido devido a uma pneumonia.
Era impressionante que a humanidade vivia em tempos complicados com o nascimento os ideais atuais... métodos e vacinas que foram gerados a partir de seus conhecimentos e testes!
— Concluindo... Weber publicou apenas três livros enquanto ainda atuava como professor — continuou a garota. —, um deles intitulado como A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo ficou como um de seus trabalhos mais conhecidos, de forma que tentou formar uma teoria que conciliava capitalismo com a religião protestante. É isso.
Uma nova salva de palmas foi gerada.
— Impressionante, Kuroi. Muito bem! — elogiou Yonagi. — Vejamos... o próximo será...
— Damas primeiro... — grunhi.
— Certo... — Ela me encarou, aborrecida. — Já que o senhor defunto cedeu sua vez, vou prosseguir.
Ei, o que aconteceu com o “zumbi escritor”? Até tinha acostumado com o apelido... “senhor defunto” não era muito cruel de se dizer, não?
— Bem, a pessoa que escolhi para falar a respeito foi Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. — começou Yonagi. — Para encurtar, Auguste Comte.
— Esse tem cara de ser alguém pomposo...
— Comte ficou conhecido como aquele que incitou o ideal de sociedade, liderando manifestações e atuando na área da filosofia, redigindo um curso do assunto durante doze anos. Antes desses documentos, a sociedade era chamada de física social.
Todos a encaravam surpresos. Era algo incrível o nível da mentalidade dos antepassados filosóficos. Parece que tudo era derivado da física, até mesmo os ideais mais primordiais.
— Por esses feitos é chamado de pai da sociologia. Apoiou a Revolução Francesa, mesmo sendo monárquico. Durante toda sua vida, acreditou que a ciência deveria ser compreendida como um desenvolvimento de toda humanidade.
— Yonagin é mesmo incrível! — expressou Himegi, aplaudindo.
— Ela consegue arrancar a atenção de todos, facilmente... — disse Kuroi, impressionada.
— Não tive nem chance... — lamuriou Teru.
O que era aquilo? Desde quando a reunião virou uma competição?! Yonagi, não faça essa cara triunfante! Estávamos competindo um Torneio das Casas, por acaso?!
— Devo dizer, estou orgulhosa do trabalho de todos. Vocês fizeram ótimas pesquisas — Ela foi crítica quanto as opiniões de todos e percebi que durante uma discussão de ideias, prevalecia sem pudor. Mesmo quando elogiava, seu semblante era majestoso. — Agora, senhor de... Shiroyama. É a sua vez.
— Ei, você ia me chamar de defunto de novo, né?
— Foi impressão sua, continue.
— Não foi impressão! Eu ouvi! Foi de propósito!
— Enrolei a língua.
— Não foi de propósito?!
Dada tal entonação, sua atenção focalizava contra mim. Ignorando aquele monólogo inútil, proferi:
— A pessoa que escolhi falar... se chama Émile Durkheim.
— Durkheim, hein?
— O que tem ele? — indagou Himegi.
— Foi um dos sociólogos clássicos, junto com Karl Marx e Max Weber. Dentre os três, Durkheim delimitou um conjunto de regras para o método de trabalho sociológico.
— Não entendi muito bem... — falou Teru.
— ... — Yonagi continuava a me encarar.
— Sua história não foi muito diferente dos outros sociólogos, mas sua maior característica foram as características apresentadas pelos chamados Fatos Sociais.
— Fatos... sociais? — indagou Himegi.
— Para ele, os fatores sociais estão na percepção de cada um. A realidade moldada é limitada baseado na vivência local. Para isso, devem ser atendidos três características: generalidade, exterior e coerção.
Generalidade é o termo aplicado para todo o coletivo, uma causa transmitida atinge todas as massas. Como um time de futebol usar o mesmo uniforme, por exemplo.
Exterior seria o termo aplicado para as definições feitas antes do indivíduo nascer. Regras estabelecidas deveriam ser seguidas.
E coerção era o termo aplicado para tanto uma determinada sociedade cumprir seus padrões culturais quanto sua influência para os próprios integrantes.
Todos esses termos unidos muniam a sociedade como conhecida, desde os princípios mais pífios quanto as leis mais severas. Pela minha opinião, definia em poucas palavras o — padrão da sociedade —.
Quando terminei de explicar, Yonagi não respondeu nada. Apenas acenou com a cabeça. Os calouros, no entanto, ficaram impressionados. No geral, todos atingiram o objetivo da tarefa imposta.
Acabamos decidindo que o próximo tema de discussão seria falar sobre ficção científica. Fiquei um pouco perturbado por aquela atmosfera rotineira, mas como não sabia propriamente o que estava sentindo, acabei mascarando aquelas sensações e apenas me contive com o tédio.
Yonagi reorganizou as papeladas, enquanto exibia o sorriso mais sincero que já tinha visto antes, reforçando para todos:
— Caprichem! Vamos ter uma boa discussão semana que vem!
Nem parecia ser a mesma pessoa. Acho que isso mostrava o quanto gostava de ficção científica e não admitia. Ao transmitir tamanho desejo de querer compartilhar experiências, não tivemos outra escolha senão nos dedicarmos. Quem sabe ela fará outra cara fofa semana que vem?
Certo, isso era um bom motivo para se esforçar. Tchau, tédio!
— Mas sabe, estava pensando em uma coisa aqui... — comentou Kuroi. — Faremos essa dinâmica dos gêneros, mas apenas lendo e falando o que cada um sabe não será tão efetivo assim.
— O que quer dizer? — indagou Himegi, curiosa.
— Estou dizendo que devemos usar mídias! Eu estou preocupada quando for a vez de falar de obras de terror! Eu ainda sou horrível em me expressar corretamente, será mais fácil que todos vejam os filmes das quais vou falar!
Ah, era isso que ela estava falando... como esperado alguém da geração Boomer...
Minha expressão de desânimo deve ter ficado muito aparente, pois Kuroi me fitou com olhos serrados.
— Não me diga que você tem medo de filmes de terror, Shiroyama?
— Hein? Ah, não... não sei. Pra falar a verdade, não vi muitos filmes de terror para saber...
Faz muito tempo que não via algo relacionado a terror. A última vez foi durante o último ano do ensino fundamental, ou seja, há dois anos. E fiquei tão assustado que fiquei sem dormir direito por uma semana inteira.
Seria que o motivo de parecer um zumbi seria pelo último filme visto ter sido de um? Droga!
Acho que o resto estava se sentindo desta mesma forma, mas Yonagi interveio: — Essa é realmente uma boa ideia. Não somos um clube de cinema, mas nada nos impede de fazer isso.
A última pessoa que esperava que iria concordar com isso foi a primeira a aceitar a sugestão! Como reagir a isso?!
— Como acho que aqui na biblioteca não é permitido e deve ser complicado pedir uma sala emprestado, poderíamos fazer isso fora da escola! — continuou Kuroi, animada.
— Espere... como? Como assim? — expressou Yonagi, confusa. Pela primeira vez na vida a vi gaguejar assim e não era um problema relacionado com questões acadêmicas ou ações éticas.
— Isso é perfeito, Kuroi! Podemos fazer isso! Vamos nos juntar na casa de alguém e ver filmes! — exclamou Himegi, dando pulinhos.
— Mas..., mas acho que isso estaria fugindo do ambiente que temos aqui...
Certamente, ver esse lado fofo de Yonagi havia deixado meu dia mais feliz, mas não podia deixar que continuasse confusa daquele jeito.
— Não vejo problema nisso. Na verdade, isso te daria menos dor de cabeça, já que não precisaria se preocupar em alugar salas.
— Nunca fiz isso antes, não sei por onde devo começar a organizar as coisas...
Yonagi não sabia como liderar aquela situação. Estava claro como água que sua inexperiência social a deixou em apuros.
— Mas, Yonagin... se você não sabe, nós podemos ajudar! — expressou Himegi.
— Sim, sim! Himegi sabe o que diz! Só precisamos saber qual de nós possui uma TV enorme! Temos que expor o máximo de experiência possível!
Ela apenas queria ver filmes de terror em uma tela maior e uma qualidade que faria qualquer um chorar como um bebê (vulgo eu), mas a ideia pareceu convincente.
— Bom... minha TV é bem grande... acho que deve servir... — disse Yonagi, aturdida.
Kuroi e Himegi berraram ao mesmo tempo.
— Você tem um cinema dentro de casa?!
Confesso que nem mesmo eu esperava isso de Yonagi. A imagem da presidente fria e calculista havia se desmoronado em um único instante, mas talvez isso reduzisse a pressão de suas atividades do clube. Bom trabalho, Kuroi e Himegi!
Então haviam decidido que a noite de filmes de terror estava marcada para daqui a três semanas, ou seja, na primeira semana de junho. Enquanto as duas calouras comemoravam, estava seriamente pensando em inventar uma boa desculpa para faltar naquele encontro.
Quando nós estávamos saindo da biblioteca, acabei me lembrando sobre o clube de artes. Aquela podia ser uma ótima oportunidade para poder dar uma olhada por lá, ainda era cedo. Eu me despedi de todos e segui para o mural para saber onde era a sala daquele clube.
Descobri o local e voltei para o prédio especial, subindo mais alguns lances de escada. Porém, enquanto subia os degraus, me deparei com alguém carregando vários materiais de arte: cartolina, caixas, régua, cola, potes de tinta e pincéis e várias telas em branco. Era Chinatsu Chitose carregando tudo aquilo, mas como estava difícil de carregar, seu pé se desequilibrou e quase perdeu o equilíbrio. Saltei rapidamente e tirei um pouco do peso antes que algo ocorresse.
— Oh, Shiroyama! Obrigada pela ajuda! — exclamou Chinatsu, surpresa em me ver. — Por acaso veio dar uma olhada no clube?
— É... isso mesmo. Posso te ajudar se você quiser... — Me ofereci para carregar aquelas coisas e ficou profundamente agradecida. Juntos, descemos as escadas e fomos até o armazém. Ela estava sozinha guardando todos aqueles materiais, então me pergunto se havia muitos integrantes no clube.
— Ah, você vai entender quando chegarmos lá... — disse a garota.
Quando ela abriu a porta da sala do clube, fiquei surpreso. Havia vários membros, contei dez pessoas ao todo. Era algo bem impressionante. O fato dela ter se encarregado de levar tudo aquilo sozinha até o armazém era por causa de todos estarem concentrados no que estavam fazendo, alguns estavam desenhando paisagens complexas, outros estavam desenhando páginas de histórias.
Não somente por isso, mas ninguém estava conversando. Os membros estavam tão concentrados que a sala inteira estava em silêncio. Alguns usavam fones de ouvido para se isolar completamente do mundo exterior.
— Eles... são assim todo dia?
— Bem... até pouco tempo atrás aqui era um lugar bem barulhento. Mas todos ficaram motivados a se empenharem no que estão fazendo e agora todo dia praticamente ninguém mais está conversando paralelamente.
Chinatsu me respondeu com um sorriso no rosto, mas algo parecia denso em suas palavras.
— Posso estar pensando demais, mas... você está se sentindo sozinha por isso?
— Ah! Não... quer dizer, é um pouco solitário não poder conversar com todos aqui. Mas geralmente saímos depois para comer e relaxar. Isso faz parte do progresso de todos, certo?
Fazia sentido. Se todos ali queriam seguir carreira profissional, teriam que praticar bastante. Mas era algo um tanto incomum estarem daquele jeito de repente de um período para outro.
Tive uma ideia em mente, mas decidi não falar nada.
— Isso é realmente impressionante, mas se todos os membros estão empenhados assim, por que você não está junto a eles?
— Ah... diria que seria por querer prestar suporte...? Algo assim, acho.
Eu fiquei pensativo com aquela resposta, pois parecia que ela estava escondendo algo, mas decidi não me prender muito, afinal, a havia conhecido naquele mesmo dia.
Decidi me despedir de Chinatsu e segui em direção para casa. Minha mente latejava de pensamentos sobre tudo o que estava acontecendo. Era um tanto estranho que todos os membros do clube de artes agissem tão quietos e concentrados, provavelmente por um objetivo em comum, do qual tinha quase certeza de qual era.
Aquilo me deixou totalmente surpreso.
Por outro lado, as atividades do clube de literatura me deixavam cada vez mais tenso. Não sabia exatamente por qual razão, mas não era por apenas uma coisa, mas várias me incomodando. E o que mais me irritava era não saber aquilo com clareza.
Mesmo tendo falado a respeito de algo que gostava, não conseguia me acalmar naquele lugar.
Além do mais, não conseguia deixar de achar que Kumiko poderia fazer algo contra mim. O fato dela não estar sendo vista fazendo nada demais era algo preocupante.
Toda aquela situação parecia totalmente desconexa para mim. Era como se tivesse que tomar alguma atitude em relação àquilo...
E não era para outra pessoa, e sim para mim mesmo.
Quando cheguei em casa, apenas me lembro de tomar banho e de me deitar na cama. Ao acordar, já eram 6h da manhã do dia seguinte. Estava com tanta dor de cabeça que apenas desejei que não ocorresse nada de anormal como nos dias anteriores.
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