Our Satellites Brasileira

Autor(a): Augusto Nunes


Volume 1

Capítulo 5: Shiroyama Hideo é Podre, no Fim das Contas ①

Eu costumo pensar muito em mim mesmo. Sou uma pessoa que se considera neutra a tudo e não me importo com os outros sem ser algo realmente necessário, além de sempre procurar a melhor forma de sair de um conflito para meu próprio mérito e benefício. Colocando em poucas palavras, é assim que me descreveria.

Durante minha vida vista até ali fui submetido a muitas situações em que as pessoas encontravam culpados e procuravam álibis para se livrarem de alguma culpa. Desde sempre tive problemas por conta da minha aparência, então procurava analisar tudo ao meu redor para que pudesse tomar as decisões sozinho. Como resultado fui afastado do círculo social em que estava.

Se você sabe o que é se importar com algo e perceber depois que se tratava de algo falho... era exatamente como enxergava. Com o passar do tempo fui me afastando de todos aqueles conhecidos, aumentando nossas distâncias através de méritos ou recomendações e fiquei completamente sozinho.

Apenas continuaria a seguir por este caminho que passei a trilhar para viver como bem entendesse. Não importava se seria alguém de elite ou apenas uma pessoa comum. Ainda não sabia o que poderia me tornar.

Me senti moldado pelo mundo daquela forma. Tinha uma filosofia de saber como era uma pessoa ao vê-la escrevendo por ainda querer me importar, mesmo que quisesse me manter neutro. Aquela garota me intrigou desde o início e simplesmente não queria que as coisas terminassem daquele jeito.

Por essa razão me considerava um satélite, um asteroide que está preso na gravidade daquele planeta chamado sociedade da qual por mais que tentasse escapar, nunca conseguiria sair.

Estava deitado na minha cama olhando para o teto após outra noite sem conseguir adormecer, tendo mais uma lembrança desagradável... era meu último ano do ensino fundamental e nosso professor de literatura havia pedido para que a gente escrevesse uma releitura de uma cena: uma mansão incendiada e deteriorada pelo tempo.

Me lembro vagamente do que tinha escrito, mas era algo assim:

“Havia uma família rica morando nesta mansão. Tinham vários servos e muitos hectares de terras. Deveria ser uma família de fazendeiros por terem um grande dote. Porém, os criados não eram bem tratados e não gostavam de viver ali.

O senhor daquelas terras era um homem muito rigoroso, mas a sua filha mais velha era uma mulher gentil que nunca gostou do tratamento que este senhor dava para os seus servos.

Uma noite, alguns bandidos entraram na mansão para saquear o cofre do dono daquelas terras. Os servos ouviram quando os bandidos arrombaram a porta para entrar, então foram impedi-los. Com o barulho o dono da família acordou assustado e fugiu da mansão enquanto os bandidos e os servos lutavam. Porém, os bandidos estavam armados e começaram a atirar e a atear fogo em todo lugar.

A filha mais velha estava ajudando os servos feridos a saírem da mansão em segurança, mas quando o fogo se alastrou pelo local inteiro havia ficado presa dentro. Correu para os aposentos superiores em que viu os bandidos fugindo com o dinheiro do cofre e a abandonando ali. O resto da família havia fugido e os servos feridos a fitavam horrorizados enquanto queimava sob as chamas e rezava pela segurança de todos.”

Era uma história comovente criada apenas com descrições vagas, foi algo incrível. Pensei que iria acabar surpreendendo a todos, mas o que recebi em troca foi: — Você... tem uma mente horrível.

— Como pôde distorcer um conto tão simples para uma coisa medonha? Ele quer chamar a atenção ou algo assim?

— Isso foi assustador então não me peça para ler outra coisa sua, está bem? — pediu o professor.

Eu havia me motivado a escrever histórias com mais afinco depois disso, apesar de me acharem distorcido. Também achei que tinha exagerado um pouco, mas me empolgava a ideia de escrever algo que pudesse surpreender os outros.

Obter tal reação mostra que estão vendo além do solitário que seja. Era isso o que queria arrancar dos outros.

Enquanto parava para pensar nisso, me lembrei novamente do conto que havia escrito sobre aquela mansão queimada. Era mais ou menos o que estava acontecendo na escola. Como tinha sido o narrador daquela história, não tinha certeza de qual lado ou personagem iria assumir ali.

Eu seria um dos servos que lutaria contra os bandidos? Ou era o dono que resolveu fugir com o resto da família para ficar a salvo e abandonar sua filha mais velha?

Cobri meu rosto com os braços para me distrair com a escuridão sob meus olhos para conseguir dormir. Me sentia desgastado após duas semanas ficando à espreita daquelas chamas árduas de espírito de Yonagi, Kumiko e de Himegi também.

— Como sempre... não tenho espírito nenhum.

Sem sucesso em adormecer, levantei-me e abri a janela para sentir a brisa gelada da noite. A lua estava resplandecente, o brilho das estrelas era quase imperceptível por causa do pontilhado neon que condecorava a cidade. Ansiava que naquela imensidão longínqua pudesse visualizar uma estrela cadente para realizar meus desejos.

Não, isto não iria acontecer. Estrelas cadentes não realizavam desejos. Vontades não podem ser saciadas de forma tão leviana e mesmo assim... havia conseguido uma resposta. Um caminho.

Adormeci sem perceber sob aquele quarto, em que gentilmente me congelava com aquela brisa gelada que ocupava aquele espaço monocromático e melancólico.

***

Cheguei na escola com uma expressão cansada, avistei e comprei um cappuccino na máquina de bebidas mais próxima para bebê-lo rapidamente antes de chegar na classe. Conforme caminhava, os estudantes me encaravam de relance como se fosse uma aparição nova. Não olhem para mim desse jeito como se estivessem no The Walking Dead por me verem como um zumbi!

Os encarei de volta com uma expressão frustrada.

Quando era pequeno tinha muitos problemas com isso, sempre pensava que estavam criticando a minha mísera existência, isso sem contar das conversas que falavam sobre mim.

Era segunda-feira e todos pareciam sonolentos para começar a semana letiva. Sentei na cadeira, já começando a organizar minhas coisas enquanto fitava todos ao meu redor.

Parecia que meu dia tinha se tornado pior após ter entrado na classe. Eu sabia o que era aquilo. Aquela atmosfera exibia um sentimento pútrido de orgulho e cooperação. Era como se os eventos que haviam acontecido semana passada tivessem sido resetados por um ataque do Alphamon e, por me acharem um tipo de vírus, estão reunindo energia negativa como uma Genkidama das trevas!

Não conseguia entender ao certo a verdadeira razão por estar tão frustrado, mas sentia que aquele dia iria tardar para passar. A angústia não cessava em meu peito aula após aula e se tornava cada vez mais visível para o meio externo.

        

Mesmo que me olhassem torto se assustavam ao ver minhas olheiras. Será que se usasse uma espada gigante e colocasse lentes amarelas poderia ser chamado de “Olhos de Falcão”?!

Pensei em até rosnar para todas aquelas caras patéticas. Nossa, será que conseguiria fazer isso com Yonagi também? Se fosse com Himegi certamente ficaria acuada, mas com Yonagi era capaz que me fizesse correr com o rabo entre as pernas com seus olhos gélidos e afiados.

Decidi fazer uma nota mensal de que nunca tentaria fazer isso em minha vida, proferi uma oração e agradeci aos deuses para que não fosse estúpido de esquecer.

O sinal para o intervalo tocou logo após e antes que saísse da sala Takahashi acenou para mim, que ao se aproximar disse: — Você parece estar tentando se acalmar. Não te julgo, por tudo o que aconteceu na semana passada. É normal querer uma semana tranquila, certo?

— Não seria bem isso, mas... como devo dizer? Digamos que estou procurando pela paz interior, sim.

— Bom, parece que essa sua paz interior terminou — disse Nana, apontando para o corredor.

Havia pequenas aglomerações de alunos que ficavam cochichando entre eles, mas o nome “Yonagi” era dito várias vezes em seus murmúrios. Quando me dei conta era a própria que caminhava pelo corredor naquele instante, me surpreendendo.

Ela andava calmamente como se nada tivesse acontecido. Mas todos olhavam enojados como se parecesse algum tipo de criminosa. Me esgueirei pela entrada da classe para ver melhor, mas ela rapidamente sumiu da minha linha de visão.

— Certo, todos vocês estão aqui — voltei a atenção para o grupo de Takahashi. – Acho que vocês já devem saber o que devem fazer, então.

— Isso vai mesmo dar certo? — questionou Nana. — Não seria melhor se apenas não nos envolvêssemos?

— Garanto que nenhum de vocês será atingido — assegurei, mantendo a firmeza na voz. — Apenas temos que garantir que não teremos interferência.

— Você está se arriscando demais, Shiroyama — grunhiu a garota. — Yonagi não fez nada por você durante todo esse tempo e por tentar mexer com Kumiko está recebendo essa injúria...

Os outros membros da trupe de Takahashi me encararam em silêncio. O próprio resolveu não dizer nada, certamente era sobre isso que tinha me dito antes a respeito.

— Se o risco for grande demais, serei o único atingido. Lidem com a situação do jeito que quiserem se ficar perigoso.

— Certo, vamos agilizar nos preparativos — expressou Takahashi. — Assim que estivermos prontos, nos comunicamos.

— Mas, Takahashi...

— Não se preocupe. Assim como Shiroyama está fazendo isso por ele mesmo como diz, também tenho minhas razões...

— Ótimo. Agora... — Me dirigi para os corredores. — Hora de fazer os meus preparativos.

***

Havia me dirigido para o mural da escola, em que tirei uma grossa papelada da mochila e comecei a pendurar ali.

Essa tinha sido a razão para estar tão deploravelmente sonolento. Meu histórico de sono parecia um disco quebrado que tocava sempre a mesma música dezenas de vezes antes de passar para a próxima. Apesar de ter planejado todos os meus movimentos naquele final de semana, nem tudo seria previsto.

Como estava sozinho teria que pendurar todos aqueles papéis nos murais. Mas tudo bem, era o típico trabalho que ninguém queria fazer e era justamente o tipo de coisa em que estava mais habituado a agir.

— O que está fazendo?

Uma voz gentil e doce surgiu ao meu lado me fazendo saltar de susto e quase derrubar a papelada do meu braço. Me deparei com uma Himegi Kyouko curiosa pairando ao meu lado.

— Você me assustou! Não faça mais isso, por favor!

— Você estava bem concentrado, não é? — fitou Himegi, enquanto olhava para aquela papelada. — Alguma outra atividade do clube?

— Ah, é... bem... quase isso. Mais ou menos — disse exasperado.

— Precisa de ajuda? Parece que é muita coisa.

— Ah... isso seria bom. Obrigado — disse, entregando-lhe algumas cópias. — Se puder, coloque-as no lado norte. A escola é muito grande.

— Eu sei. Você que é muito cabeça-dura para fazer algo assim e ainda querer fazer sozinho!

— Uh, que cruel dizer isso, mas você está certa...

— Certo, deixa comigo! — disse Himegi animada, estufando o peito.

Eu me virei para continuar colando os papéis até ela se aproximar um pouco mais e murmurar: — Você vai ajudá-la até o fim, não é? Muito legal da sua parte, viu.

— Ora, não confunda as coisas — murmurei, nervoso. — Não é por ela. Quero acabar com essa atmosfera e destruir o orgulho de Kumiko. Não é como se me importasse em como isso vai terminar. Acho que nesse caso, sou a pior maneira de encontrar a solução.

— Hein? Por que o pior? — questionou a garota, confusa. — O pior dos casos não está sendo agora já que a Kumiko conseguiu o que queria?

— Não, ela ainda não conseguiu. Não graças a isso — estendi a papelada a ela. — Ainda podemos resolver isso. Mas, além disso... preciso te pedir mais um favor.

— Um favor?

— Pelo fato de você ser bem informada... preciso que faça algo por mim, assim que terminar a papelada.

Eu disse a Himegi o que deveria fazer, que assentiu.

— Entendi. Bom, não quero pensar nisso como o pior caso, mas quero acreditar que vamos conseguir resolver tudo isso!

Himegi avançou com metade da papelada em seus braços pelo corredor.

Fiz o mesmo processo em todos os murais que pude chegar até o final do intervalo. Felizmente consegui colocar todas as cópias, então me dirigi para a classe. Atravessei o pátio central e me deparei com Yonagi parada na frente de uma máquina de bebidas, sem saber o que escolher para tomar. Ela estava indecisa a tal ponto que fazia beicinho.

Sério, se ela não fosse a pessoa gélida que conhecia poderia ter me apaixonado naquele momento mesmo.

— Hoje está quente, então acho que café agora não é uma boa opção.

Ela olhou para mim surpresa e se recompôs, respondendo:

— Não gosto de café, prefiro chá Oolong. Mas infelizmente parece que não tem hoje para comprar.

— Também não gosto muito de café, prefiro cappuccino — dei de ombros. — Afinal, tem um frescor doce e amargo ao mesmo tempo!

Ela me fitou em silêncio, apesar da minha animação. Soltei um pigarro envergonhado e disse: — Poderia experimentar alguma coisa doce, talvez? Parece ser uma boa ideia.

— Não costumo tomar coisas doces, mas aqui só tem suco de morango e não tenho dinheiro o bastante.

— Ah, aqui então — Eu dei alguns trocados para ela achando que poderia ser o bastante. — Não pude almoçar e o cappuccino não é caro.

— ... — Ela fez uma expressão surpresa e hesitou por um momento em pegar a última moeda em minha mão. Eu tinha certeza de que deveria ser pela minha atitude, mas ela tornou a perguntar: — Está mesmo tudo bem fazer isso?

— Por acaso fui a única pessoa que falou com você hoje? — fui direto, deixando-a mais surpresa. — Não se preocupe quanto a isso, eu sou a última pessoa que irá se importar com o que os outros vão dizer a mim.

— Bom, você está certo, devo admitir. Suas atitudes são realmente terríveis — expressou a garota com um sorriso travesso e sincero. Seu semblante se suavizou, o que me deu a acreditar a quão tensa estava naquele momento. Ela pegou a moeda da minha mão e a colocou na máquina, completando o dinheiro para pegar o suco de morango. — Bem, acho que devo dizer que compartilho da mesma opinião, Shiroyama.

— Isso é mesmo raro, visto que parece que sou o que tem a pior opinião de todas... — debochei, fazendo-a suspirar triunfante.

— Você realmente tem um ego enorme. Impressionante.

— Fico agradecido, também gosto disso. — Dito isso, me virei para voltar para o prédio e completei com o que ia dizer: — Você também tem um ego tão grande que me faz querer estourá-lo, então não caía até que eu faça isso.

Não pude ver a expressão de Yonagi, mas escutei sua resposta: — Veremos, então. Senhor Ego.

Tinha as minhas suspeitas de que ela estava sorrindo determinada.



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