Our Satellites Brasileira

Autor(a): Augusto Nunes


Volume 1

Capítulo 4: Afinal, Takahashi Kuroshima fala bem ②

Voltei para a biblioteca quando as aulas terminaram já que seria muita coisa para procurar. Porém, assim como no intervalo não consegui achar os livros mais importantes e achei muito estranho. Decidi olhar na internet para ver se encontrava as referências, mas a procura se mostrou ser mais difícil do que sequer imaginava. Chiba era um dos distritos mais influentes do Japão, mas registros históricos municipais eram artigos que não eram muito divulgados.

Como havia encontrado alguns livros que poderiam ajudar, resolvi usá-los. Depois de passar algum tempo ali na biblioteca tinha cumprido o que tinha que fazer. Peguei a minha mochila e me dirigi para o corredor até que uma voz conhecida me fez recuar para uma prateleira próxima rapidamente.

A porta da biblioteca se abriu de imediato e duas garotas entraram: Himegi Kyouko e Kumiko Horie. Meu senso de sobrevivência estava ecoando um — se você for encontrado, será morto! —, isso porque Kumiko estava com uma expressão assustadora e Himegi estava atrás dela aflita.

— Kumiko, por favor! Deixa isso pra lá! Isso já não foi o bastante?! — exclamou a garota alarmada.

— Não! Não até que eu tire aquele orgulho da cara dela! Até mesmo da professora Harashima serei a número um! Se ao menos pudesse conseguir o gabarito...

Oh? Ela estava mesmo frustrada...

— Aqui na biblioteca deve haver mais exemplares para usarmos. Se eu mostrar ao professor o quanto de conhecimento tenho talvez até me deixe fazer algumas questões! Então, vou obter todo o apoio dos estudantes!

— Você não me disse antes que era ruim em História? Como você espera decorar todo esse conteúdo em apenas alguns dias?!

— Eu tenho que conseguir! Tenho certeza de que sou a mais capacitada para fazer isso. Eu sou melhor que a Yonagi!

— Já peguei todos os livros importantes daqui para memorizar... ah, é que é muita coisa! Mas eu vou conseguir! E você não vai me impedir!

— Esqueça isso! Logo a Yonagi vai voltar e vai terminar a parte dela! Como você espera que as pessoas vão te ouvir em vez dela?

— Já esqueceu que tenho uma carta na manga? — debochou Kumiko rindo com desdém. — Eu vou usá-la a partir de hoje. Saia da frente, Himegi! Já me cansei de você! De que lado você está, afinal?!

— Eu... bem...

Vendo aquela expressão de angústia em seu rosto pude entender muito bem o que queria responder: — estou no lado do que é justo —, ou algo assim. Kumiko havia criado uma situação delicada entre alunos e professores, se alguém se destacasse no meio dessa confusão com certeza isso chamaria muita atenção.

Esse era o objetivo daquela estudante egoísta chamada Kumiko Horie.

Ela pegou alguns livros que encontrou nas estantes e saiu da biblioteca, deixando Himegi só. A garota magoada se virou para ir embora, mas sua linha de visão me encontrou escondido na prateleira.

— Ah...

— Você... então você ouviu tudo...

— Bem... sim. Desculpe — coçando a cabeça envergonhado, murmurei. — Não foi a minha intenção, lógico. Estava aqui procurando informações para ajudar a Yonagi... quer dizer, o clube de literatura e... acabou dando nisso.

— Entendi... isso é muito bom — expressou Himegi com um sorriso triste. — Não importa o que eu faça não consigo convencer ninguém. Todos estão sendo levados pela conversa da Kumiko e não sei o que fazer.

Minha única preocupação naquele momento era com o que Kumiko estava pensando em fazer em relação à Yonagi. Aquele desconforto era algo que estava impregnado em suas ações e me deixava sem saber o que fazer.

— Bom, parece que teremos que esperar ela fazer o seu movimento primeiro... — expressei ao me dirigir para fora da biblioteca. Himegi não pareceu entender, então continuei: — Pelo que estive vendo não houve uma única pessoa que conseguiu fazê-la desistir de toda essa loucura, então o que nos resta é ver como irão reagir com o que pretende fazer seja lá o que for.

— Mas não vai ser tarde demais pra reagirmos de alguma forma?

Apenas grunhi como resposta. É claro que poderia ser tarde demais. Nós apenas tínhamos até o final de semana mesmo sabendo que era uma luta sem sentido. Kumiko Horie parecia uma fortaleza inquebrável. O que ela era, a Muralha da China?

O pior era saber o tipo de pessoa que ela era. Pessoas ambiciosas sempre podiam surpreender das maneiras mais diversas. E infelizmente nunca conseguia realizar o primeiro movimento nesses tipos de conflito. Seja xadrez ou num jogo de cartas, saber o primeiro movimento inimigo era uma tática muito usada para virar o jogo usando a estratégia do oponente antes de fazê-lo.

Sim, era o tipo de jogada que apenas uma pessoa desesperada faria. Aquela garota havia me pressionado a um nível que não poderia esperar mais nada de si. Não era à toa que ela estava querendo competir com Yonagi Kaede.

Fazer aquela jogada covarde era a única coisa que poderia fazer naquele momento.

— Não se preocupe — disse ao tentar reunir confiança em minhas palavras. — Mesmo que o tempo se esgote são dezenas de temas, podemos surpreendê-la numa próxima abordagem. Eu sempre digo o dilema de “quem ataca depois sempre possui vantagem de atacar com mais força”. Ou você arrisca como um covarde ou perde seu orgulho por nunca ter tentado.

— Essa foi a pior frase de efeito que já ouvi antes — retrucou a garota com uma expressão seca no rosto. Não faça essa cara! Sabe quantas vezes disse aquilo fazendo pose no ensino primário? Ah, não. Isso me faz lembrar de quantas vezes fui rejeitado com aquelas mesmas palavras! Não riam de mim, seus imbecis!

Apesar da resposta cruel, Himegi pareceu mais tranquila. Minhas frases imbecis a tinham encorajado e forneceram esperança, mas não sei se podia chamar aquilo de benção ou apenas ignorância. Para mim, estava conscientemente sem esperança alguma.

***

Durante a madrugada daquela sexta-feira, apesar de saber que estava dormindo minha mente não queria descansar. Visualizava o cenário da biblioteca se afundando em seu meio e tal força era tanta que meu corpo era arrastado por aquela nova imensidão que se formou inicialmente como um grão de areia e se expandiu desintegrando tudo ao seu redor...

Tudo se voltou para a escuridão e se volveu em luz quando abri meus olhos pelo som do despertador. Ofegante me distrai com a menor das ações para que não me lembrasse de tal pesadelo que se arrastava por entre minha mente.

— Tem como isso ficar pior? — ao resmungar me recordei daquelas frases de efeito ridículas que recitei no dia anterior. Meu humor ficou pior logo após: — droga...

Ironicamente pensar sobre aquela vergonha que passei era menos assustador que recordar do sonho: — Vou guardar todas elas para quando for um autor famoso de alguma trilogia de ação e aventura. Ah, espere. Posso fazer isso também para obras de fantasia ou seria melhor alongar as ideias para uma série de Light Novel longa? Isto poderia funcionar...

De repente, Takahashi se manifestou de frente para todos da classe junto à Nana:

— Para todos daqui que viram aquele bilhete do clube de jornalismo, temos um pedido para fazer!

— Não entreguem nenhuma informação para Kumiko Horie! — continuou Nana. — Vamos reunir todas as informações que pudermos para irmos bem nesta prova!

— Isso mesmo. Não iremos oferecer informações para alguém que pode não nos favorecer! Vamos nos ajudar e sair na frente das outras classes! — concluiu Takahashi, brandando o braço.

Eles estavam fazendo algum movimento estudantil por novos direitos, como na década de 1960? Se isso fosse uma revolução por independência, só restava aquele tal de Kawasabe carregar Takahashi nas costas pelos corredores...

Enquanto divagava em minhas ideias estúpidas, subitamente notei que o grupo de Takahashi me encarava atenciosamente após terem feito seu discurso acalorado e causado uma cacofonia dentro da classe...

Não era necessário dizer que todos começaram a rir quando levei o susto... sério, meu coração quase saiu pela boca... por favor, não façam isso com os outros!

— Eu não sabia que você levava sustos tão facilmente! — expressou Takahashi segurando a barriga de tanto rir. — Ah, minha barriga está doendo... alguém me ajude...

Sim, sim. Olha que pobre coitado. Não zombe de uma pessoa que se assustou naturalmente!

— Ele até pulou da cadeira! Quem é que faz isso quando se assusta? — expressou Nana, quase caindo da cadeira de tanto rir.

Olha, não ria tanto assim... desse jeito vai parecer que sou mais idiota do que tento não achar que seja...

— Eu não esperava que todos vocês estariam olhando... realmente fico concentrando pensando...

— Ora, isso é totalmente o oposto do que você aparenta ser — disse Takahashi. — Alguém que parece um zumbi geralmente evita de pensar, certo?

— E o que foi toda essa comoção? ­­— perguntei.

— Ah, isso é algo que você notaria em algum momento... — disse Nana.

— Como deve ter percebido, aqui é uma guerra inconstante de informações... — começou Takahashi. — Uma classe compete com as outras pelas melhores notas e posições. Não podemos apenas ceder espaço para companheirismo se sabemos que muitos perderão por isso.

— Oh...

Apesar de Kumiko querer abalar a estrutura docente da escola, não foram os professores que agiram e sim os próprios alunos...

— Aqueles bilhetes do clube de jornalismo já saíram de circulação — continuou ele. — Combinamos para que os representantes das classes cuidassem dos avisos já que era o mínimo que podíamos fazer.

Pessoas influentes eram poderosas, mesmo. Em pouco tempo conseguiram contornar um tumulto entre classes! O que eles eram, a Liga da Justiça?

— Incrível..., mas e o Conselho Estudantil?

— Pelo visto, esteve tão ocupado quanto nós. O Conselho Estudantil ainda não quis tomar providências por não ter ocorrido nenhum conflito alarmante, mas entraram em contato com os responsáveis. Apenas tivemos que fazer o nosso papel. Parece que você também estava ocupado lidando com esses problemas, não é?

— Ah, obrigado pela consideração. Sim, estive muito ocupado. Ocupado mesmo, a ponto de não conseguir dormir direito (mentira). Mas é claro que por isso ser um péssimo hábito meu não consiga deixar de evitar (verdade).

Todos voltaram aos seus lugares quando o professor chegou na sala. Tão logo ele escreveu na lousa os responsáveis pela limpeza na sala, o que me deixou muito desconfortável...

Responsável pela Limpeza (Sexta-feira): Shiroyama Hideo & Takahashi Kuroshima.

Que droga! Não coloque os nomes das pessoas desse jeito, ou vão pensar que somos algum tipo de empresa de advocacia ou um minimercado de bairro. Literalmente só faltava o LTDA para isso se concretizar como um eterno pesadelo. Não quero me imaginar de terno ou com roupa de repositor junto desse cara!

Quando terminou o último período nós dois ficamos sozinhos para limpar a sala. Todas as vezes que tinha que fazer a limpeza da sala acabava fazendo par com uma garota e procurava fazer as coisas rapidamente para ir logo embora ou apenas fazia tudo sozinho.

Eu realmente não queria perder nem um segundo ali.

— Ei, Shiroyama — chamou Takahashi.

— O que é?

— Você viu que a Yonagi voltou hoje? Chegou a falar com ela?

— Não... como vamos fazer a limpeza hoje não irei para a biblioteca.

— Achei que tinha ficado preocupado com a situação dela quanto ao clube de jornalismo por causa de todos esses problemas...

— Ah, sim. Bom, sendo alguém como ela não tem por que se preocupar, certo? A essa altura já deve ter terminado as redações e...

Neste momento congelei no que estava fazendo. Havia me esquecido completamente sobre o que Kumiko Horie iria fazer caso Yonagi retornasse. Uma batida nas minhas costas me fez sair daquela paralisia temporária.

Takahashi havia me dado um tapa nas costas e após isso percebi o quão tenso me encontrava.

— Parece que você esteve tão preocupado a ponto de querer se esquecer, certo?

— Não, não é isso...

— Sabe, nós não nos conhecemos tanto assim e às vezes não convém querer confiar demais nos outros, mas também pode ser ruim guardar as coisas somente para si mesmo, não?

Ao ouvir aquelas palavras senti um estalo surgir dentro de mim. Sem dúvidas, não havia imaginado que ficaria tão tenso por estar preocupado por outras pessoas. Normalmente quando os outros notam o quanto estão erradas esboçam suas vergonhas com risadas desdenhadas e sorrisos falsos.

Mas eu não era assim.

— Somente para si mesmo... certo? — repeti aquelas palavras chamando atenção de Takahashi. — Ah, entendi. Então deve ser isso o que um cara socialmente preparado deveria dizer a um lírico solitário que não consegue nem ao menos trocar palavras sem haver um gatilho cômico ou acidental.

— ...

— Não entenda as coisas mal, senhor social. Realmente agradeço por sua ajuda, mas não rebaixe minhas intenções. Ser solitário é receber algo para soltá-lo no momento certo mesmo que o destrua.

— Então essa é a sua sinceridade?

— Não... esse é o preço que paguei para ser assim — respondi orgulhoso. — Não subestime os solitários, seu maldito social.

Takahashi sorriu apesar de tê-lo insultado. Espere, aquilo podia ser considerado um insulto?

— Foi mal, da próxima vez cubro a limpeza sozinho! — exclamei, pegando as minhas coisas e saindo apressado da sala de aula. Sem esperar por uma resposta apenas corri em direção à biblioteca.

***



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