Volume 1
Capítulo 2: A Insistência de Harashima Miyagi ②
Por mais que aquela situação fosse pior do que imaginei, não quis fugir dela. Aquele pequeno número de pessoas quer intimidar qualquer um que coloque os pés em seu território. Estão protegendo algo importante, por acaso? Eles são alguma espécie nova de Dodô? Será que deixaram de serem extintos ou voltamos à era do gelo?!
— Vão ter que fazer mais do que isso para me fazer desistir! — esbravejei com toda a determinação que tinha conseguido reunir naquele momento.
Caminhei com tanta convicção de chegar logo na biblioteca para poder impressionar a Yonagi pela minha atitude que não vi quando esbarrei em uma garota ao cruzar um corredor.
— Oh, me desculpe! Não olhei para onde caminhava... — disse estendendo a minha mão para a garota.
— Ah, tudo bem! Eu também fiquei distraída! — ela aceitou a minha mão e se levantou, arrumando a saia. — Acabei me perdendo da minha sala de clube! Ainda não me acostumei com o ambiente da escola.
Comentou a garota dando uma risada envergonhada. Ei, isso foi bem fofo. Nisso, parei para notar como ela é bonita. Seus cabelos castanhos que chegavam até os ombros e seus olhos são muito brilhantes.
— Você também é uma caloura? — perguntei curioso.
— Ah, sim. Sou Himegi Kyouko, do primeiro ano. Sou péssima em me orientar com lugares grandes!
— Ah, te entendo. Por mais que seja bom ter tanto espaço, me sinto sufocado com o fato de me perder e nunca mais sair vivo.
— Isso soou muito negativo, mas tudo bem!
Após revelar minha personalidade perdida decidi ir embora logo. Me curvei precisamente e prossegui para a biblioteca.
Quando finalmente cheguei lá, Yonagi lia tranquilamente no local de costume. Me sentei no mesmo canto da mesa, fiz um breve cumprimento com a cabeça e me apressei em fazer a próxima redação.
Enquanto escrevia absorto sobre o que planejei, não prestei atenção imediata no quanto Yonagi me fitou em intervalos. Resolvi ser direto: — Está curiosa quanto à minha opinião do clube de jornalismo?
A garota ficou surpresa e apenas acenou discretamente com a cabeça. Droga, não faça essa cara envergonhada, desse jeito vou ficar atraído por ver isso.
— Bem, é como você disse. Aquilo parecia um completo inferno.
Yonagi apenas concordou com a cabeça rapidamente, orgulhosa. Ei, eu conheço essa expressão... não fique se orgulhando de ter me avisado antes só por ter concordado! Não duvidei de você, droga!
— Sinceramente, pensei que depois de ter visto aquilo teria fugido como um gato molhado. Já nem considerava que iria voltar para cá.
— Não seja ridícula. Estou acostumado com aqueles tipos de olhares por ser o tipo de atitude que mais me irrita. Por isso, quero fazer com que engulam essa fúria inútil e se envergonhem a ponto de enterrar suas cabeças no chão.
— Eles não são emas...
— Aliás, não vou deixar você levar todo o crédito. Quanto maior o ego de uma pessoa, maior sua queda! Vai ser interessante vê-los se arrependerem pelos próprios erros.
— Olha quem fala... — Yonagi cruzou os braços. — Você tem um ego pior que o deles e ainda tem coragem de dizer essas palavras?
— Em minha defesa, não vou ficar remoendo de amargura e quero que me paguem por terem me feito sentir assim.
— E como pretende fazer isso?
— Vou mostrar para eles que sendo melhor no que faço e ainda sendo imparcial com a situação, verão que estão sendo mesquinhos demais e saberão o quão errados estão. Desta forma todos poderão evoluir juntos, é uma boa oferta, não acha?
Apresentei a minha tese em tom desdenhoso, mas Yonagi apenas devolveu um sorriso indiferente.
— Mesmo vendo a personalidade deles ainda tenta vê um jeito de fazê-los verem seus próprios erros? Achei que apenas se importasse com você mesmo.
— Você interpretou errado. Eu realmente não ligo para eles. — disse com meu coração batendo rápido. Por que estou tão nervoso? — Mas, se eu agir impiedosamente eles verão a si mesmos como os tolos que são. Seria o mesmo que olhar para um abismo, ele irá olhar para você.
— Bem, isso é verdade. Parece que você entendeu mesmo a situação e está ciente dos riscos.
— Com certeza. Participar de uma guerra desta não seria realmente ruim.
— Só há uma falha neste seu plano ardiloso, senhor precavido. — disse a garota.
— Hein? E o que é?
— Caso não tenha notado, muitos daquele clube estiveram comigo e me abandonaram. Mesmo que os humilhe, não sentirão remorso algum a não ser quererem te fazer sentir pior depois.
— Bom, vou fazê-los admirarem minhas redações. — disse, ciente que aquelas palavras ditas carregam algum sentimento.
— Impossível — disse Yonagi, balançando seu cabelo. — Não há como ser melhor do que eu. Você é apenas um ajudante para que os outros não se sintam culpados que eu cuide de tudo sozinha. É tudo para o meu próprio benefício. Os meus textos é que acabarão sendo escolhidos.
— Olha... isso soou muito bacana, mas é algo muito cruel de se dizer, sabia? — comentei, desanimado. Caramba, como aquela atitude dela é irritante! — Não são momentos como esse que devíamos nos motivar a acabar com eles juntos?
— Quem disse que devo me juntar a você para conseguir acabar com eles? Já disse, posso fazer isso sozinha. Você apenas começou a fazer isso hoje e não se sabe se amanhã vai abandonar tudo. Não confio em você.
Certo, isso realmente doeu.
Não há exceções quando uma pessoa tem intenções de magoar alguém. Por mais que haja ocasiões que o motivo seja culpa de fatores externos, não foi este caso aqui. Vendo-a me intimidar daquele jeito com aquele olhar convencido me fez sorrir nervosamente.
— Certo... quem disse que estou fazendo isso por você?
— ?
— Não entenda mal. Ajudar uma pessoa na sua situação seria o normal, não? Além disso, alguém como você realmente não iria confiar em alguém como eu que não chama atenção e nem seja bonito. Isso se mostrou óbvio desde o início.
— ...não preciso da sua compaixão! — relutou Yonagi, irritada.
— ...claro que mesmo que eu participe as coisas irão acabar como esteja prevendo. Não que me importe com isso, sabe... — continuei a falar.
— Se já sabe, então por que querer insistir nisso? Apenas ajude com o que foi pedido e pronto.
— E que graça há nisso? Isso tudo não teria sentido algum se não recebesse o próprio mérito, seja por cima de qualquer um.
— O que quer dizer com isso?
— Espere e verá... — conclui a conversa e me levantei para sair.
— E se as coisas não forem como você estiver pensando? — entoou Yonagi para mim, já cruzando a entrada da biblioteca.
— Então... eu irei receber status em dobro por essa situação caótica... — comentei com um sorriso provocante. Desta vez fui eu quem a deixou sem ter o que dizer e, com esta expressão confusa em seu rosto a deixei.
***
Foi a mesma situação em que me encontrei quando consegui o prêmio de poesia no ensino fundamental. Na verdade, pode-se dizer que aquela vez foi algo mais diluído, já que meus colegas de classe me conheciam fazia muito tempo. Porém, aquelas expressões fétidas não saíram dos seus olhos.
O pior era uma pessoa se sentir acostumada com esse tipo de situação. Realmente, a sociedade não te deixa ser você mesmo sem haver uma forte discriminação. Como era um novato por ali fui jogado contra um mar de tubarões raivosos e famintos, prontos para me devorar.
Nisso os dias se passaram até o final de semana. Consegui deixar de acumular dever de casa e enfim poderia ter um tempo para descansar. Quanto às redações tive que lidar com mais temas sociocratas. Depois daquela discussão, eu e Yonagi mal falávamos de tão focados em ter as melhores ideias.
Quando veio o sábado caiu a ficha de que me equivoquei demais. Não era um problema tão grande em não ser escolhido pelo jornal e sim o conflito entre nós dois de sermos os melhores. É um péssimo hábito meu: incitar competições.
Decidi que o melhor seria relaxar já que não tinha os próximos temas para escrever antes do tempo. Mesmo assim, havia algo me incomodando.
E por esta razão não consegui dormir bem naquela noite, com a mente em turbilhão de palavras em vez de qualquer outra coisa. Na segunda-feira fiquei parecendo um morto-vivo novamente.
— Olhem, o zumbi escritor parece mais ativo do que nunca! — ecoou Takahashi.
Será que poderia parar? Ela realmente gritou bem alto.
— Não deveria ser o contrário? — comentou Nana, gerando uma nova salva de risadas.
A situação rotineira se prolongou até a hora do intervalo, em que os alunos saíram de suas salas ao refeitório. Uma comoção aconteceu nas escadarias justo quando quis descer o mais depressa possível pra comprar meu sanduíche.
— Extra! Extra! O jornal voltou! — exclamou um dos alunos carregando montes de folhas em um dos braços e balançava a outra mão rapidamente. Havia outros alunos ali fazendo a mesma coisa.
— !! — tomei um susto e por impulso peguei um dos jornais. Folheei rapidamente e encontrei uma parte que dizia: — espaço dos motivadores! Leia a ideia do dia!
Meus olhos acharam palavras conhecidas de trechos, cogitei que pudesse ter sido a minha redação escrita ali. Procurei rapidamente o meu nome em cima daquele texto.
Shiroyama Hideo, segundo ano. Classe C.
Fiquei atônito em realmente estar vendo o meu nome ali por ter sido uma aposta feita com Yonagi e aquele foi o resultado. Mesmo assim, não me senti convencido... poderia apenas ficar feliz por ter algo meu publicado em algum lugar em que todos poderiam ler, mas não foi este o caso.
Dizem que as palavras que expressam nossas profundas emoções, mas isso é uma mentira. As palavras também podem enganar as pessoas, destruir relacionamentos e criar ilusões. Um papagaio pode copiar a língua humana, mas não significa que saiba o significado do que esteja falando, muito pelo contrário.
Conforme as pessoas deixavam de se aglomerar ao pegarem seus exemplares, me afastei e joguei o meu na lixeira mais próxima. Tive uma ideia bem clara em minha mente: — as pessoas não querem a verdade, apenas querem coisas para acreditar que sejam uma verdade. Se você tem algo falso e cria uma ilusão de que ele será real, então aquilo pode ser visto como algo real.
Após o intervalo fui bajulado pelos alunos da classe por causa do feito. Porém, algo que previ ocorreu: muitas pessoas que não me conheciam se surpreenderam por alguém como eu ter escrito aquilo dizendo coisas como: — Nossa! Você... não aparenta ser esse tipo de pessoa —, ou — Apesar de você ser esquisito, você sabe escrever bem...
Mas já tinha escrito uma redação na classe e chamei até a atenção dos professores. Ao menos se lembrem do meu rosto, seus tapados!
Toda aquela atmosfera me deixou enojado, então após as aulas do último período realmente considerei voltar direto para casa. Porém, como não sabia o que poderia ser discutido após aquele resultado relutei contra mim mesmo e tornei a seguir o caminho até a biblioteca mais uma vez.
— Acho que estou tomando a decisão errada, no entanto...
Ao chegar na biblioteca me deparei com Yonagi folheando as páginas do jornal sob um rosto cético. Ora, ela realmente aparentava estar bem aborrecida.
— Olá... — cumprimentei-a e me sentei no meu lugar de costume. Ela apenas balançou a cabeça como resposta e continuou atenta ao jornal. Não fiz nenhum comentário, apenas fiquei lendo meu livro. Em dado momento ela terminou de ler e pigarreou para chamar a minha atenção.
— Bem... acho que as suas opiniões foram boas, eu acho... — relatou, desviando o olhar. Ei, não precisa comentar isso se vai parecer como se fosse obrigada a comer um legume que odeia sem olhar para ele. Espera, sou um legume odioso agora? Por acaso exalo tanto betacaroteno assim? Minha pele não é o de uma cenoura!
Notei que pela mesa várias das folhas espalhadas são de redações que Yonagi fez. Pelo que vi eram cópias da mesma escrita refeita várias vezes para chegar até o resultado entregue.
Ela relutou quando peguei uma das folhas para ler, mas se conteve. Ao ler aquele texto fiquei com um gosto ruim em minha boca. Devolvi a folha à mesa e tentei encontrar algo a dizer: — Hum... você, realmente... seu texto ficou muito bom...
Yonagi iria me dizer algo pois chegou a abrir a boca, mas neste momento a porta da biblioteca se abriu e vários alunos apareceram rodeando-a como se fosse uma celebridade.
— Yonagi, quem seria esse tal Shiroyama!? Não acho que ele tenha sido melhor que você! Olhe para isso!
— Não sei quem esse cara é, mas acho que deve ter trapaceado de algum jeito. Todos nós achávamos que era você quem seria a escolhida!
— Bem, eu... — Yonagi ficou perdida no que dizer para todas aquelas pessoas. Talvez os conhecesse e até poderiam ser da mesma classe. Bom, não que soubesse.
— Ei, você! — Um deles virou para mim: — Sabe quem é esse cara? Por ser alguém novo, pouca gente sabe a aparência desse folgado!
— Ei... chamar alguém de folgado é... — Yonagi titubeou, mas a detive.
— Não, nem faço ideia de quem seja.
Ela olhou subitamente para mim com uma expressão confusa, porém, desviei o olhar e me levantei de prontidão. Os outros alunos pararam de prestar atenção em mim como se fosse invisível, talvez fruto do treinamento de longos anos por ter me mantido isolado na classe escrevendo. As pessoas tendem a não olhar para o rosto de alguém que está quieto. É uma tática infalível dos introvertidos!
Saí da biblioteca enquanto aqueles alunos continuavam com o alvoroço à Yonagi sob a suposta trapaça, oferecendo palavras de conforto e afeto para motivá-la.
Ao me afastar dali surgiu um sentimento também fruto do meu costume de ser sempre quieto e ignorado: observar um momento de auxílio sempre alivia os próprios corações mesmo que não seja conosco.
Apesar de sentir que em algum momento poderia ser perseguido como um trapaceiro, me senti aliviado ao ver aquela cena acontecendo.
***