Volume 1

Capítulo 3: Matrícula

Na minha viagem, passei por uma pequena ilha flutuante, não havia nada de especial nela, alguns morrinhos aqui e ali, com uma pequena floresta cortada por um rio no meio de uma enorme planície. Isso era tudo que existia quando a descobri, no entanto foi o local que decidi transformar no meu território independente.

Um dos motivos foi o tamanho, não importa o quanto cresça, esse local podia apenas atingir as proporções de uma casa de baronetes, e já que era uma ilha sem dona, pude torna-la minha propriedade.

Acho que a partir de agora, não terei mais nenhuma preocupação pelo resto da minha vida, não é? Iria me formar na academia, me tornar um senhor feudal e depois ficaria coçando o saco dentro de casa com a desculpa de que estaria desenvolvendo o território.

Também não teria que me preocupar com os problemas da minha família, tinha dinheiro o suficiente para contratar servos para fazer isso por mim.

Na parte inferior da ilha criamos uma doca para esconder o corpo principal do Luxion. Lá robôs especializados em construção estavam usando a nave como molde para a construção de uma réplica.

— Precisamos mesmo fazer uma nova nave? — perguntei.

Havia uma bola metálica com cerca de 30 centímetros flutuando ao meu lado, com um olho no centro dela que liberava uma luz avermelhada. Essa coisa respondeu: — É sempre bom tomar cuidada. Além do mais, a chance daquela mulher chamada Zola tentar fazer alguma coisa e grande.

Era o Luxion. Ele tinha dito que iria se autodestruir depois da nossa luta, contudo, quando percebeu que eu consegui falar japonês, mudou de ideia e começou a me seguir. Um cara bem mais simples do que parecia.

— Deixando isso de lado, como está o desenvolvimento da ilha?

— Há um mineral que armazena bastante calor aqui. É possível utiliza-lo para esquentar água e construir uma fonte termal. Se fizermos isso, será possível transformar o local em uma atração turística para conseguirmos uma fonte de renda no futuro.

— Não tenho interesse em fazer uma atração turística, mas construir uma fonte termal seria ótimo.

Meus pais ficaram surpresos quando disse que iria viver sozinho em uma ilha deserta. Desenvolver um território era algo bem simples, porém dava muito trabalho. Tentaram me convencer a mudar de ideia várias vezes, no entanto eu não cedi. Depois de um tempo eles finalmente desistiram, mas disseram que estariam sempre dispostos a ajudar se algum problema aparecesse, contudo... Luxion estava aqui, então não tive nenhum trabalho.

Essa coisa era muito útil, dentro daquele jogo de merda era um item para “tirar a necessidade de reabastecimento”. Entretanto, nesse mundo, ele podia criar qualquer recurso, não era possível fazer algo surgir do nada, entretanto transformar pedras em ouro era algo. Não conseguia entender como a antiga civilização perdeu para os novos humanos mesmo tendo essa habilidade apelona.

No entanto, depois de ouvir a sua história, descobri que Luxion foi inicializado quando aquela base já estava quase destruída. Por isso que ele nunca saiu daquele lugar. Contudo isso não significa que ficou parado, sempre tentava conseguir mais informações sobre o mundo nas raras ocasiões em que os descendentes dos novos humanos apareciam na ilha. Foi assim que aprendeu a nossa linguagem.

Mas isso não importava mais. Com uma máquina tão apelona ao meu lado, além de não ter que me preocupar em ser vendido para velhas pervertidas, minha vida se tornaria muito mais fácil. Então não tinha porque dar bola para aquilo.

— Já começamos a construção da casa principal e estamos melhorando a doca. Os projetos que planejamos para a superfície devem ficar prontos em menos de um ano — disse o robô.

O território ainda precisava de algumas reformas. O terreno era irregular e estava coberto pela vegetação, ainda não era possível viver de forma confortável nele.

Sem o Luxion, seria impossível deixar esse lugar habitável em apenas um ano. Nunca imaginei que um item que custou apenas 1000 ienes na minha antiga vida poderia ser tão util. Me arrependi por não ter comprado mais coisas no jogo, mas já estava muito satisfeito com o que tinha.

— Deixo o resto com você. Nunca mais quero me esforçar como naquela aventura. Sou só um figurante, perdi a conta de quantas experiência de quase morte eu tive enquanto procurava a nave, aquilo deve ter valido por uma vida inteira de trabalho duro.

— Irei respeitar a decisão do mestre que obteve o direito de me usar e mesmo assim decidiu não fazer nada. Sem ambições e egoísta. Um ser humano admirável.

— Isso foi sarcasmo?

— Ironia.

Dei um peteleco no Luxion. O exterior podia parecer duro, mas havia uma camada feita com um material meio macio, então não doeu muito. Ele rapidamente flutuou de volta para a sua posição anterior.

— Deixando isso de lado, está preparado para a sua entrada na academia?

— Tudo pronto. Vários comerciantes vieram me parabenizar pela entrada, foram eles que fizeram tudo. Meu pai ficou bem surpreso quando os viu agir de forma tão amigável — respondi enquanto encolhia os ombros.

— É porque economia do território melhorou muito por sua causa. Parece que a mentalidade dos comerciantes é a mesma, não importa a espécie, só são honestos com o dinheiro...

Investi o a maior parte do que consegui com aqueles tesouros na manutenção do porto e no desenvolvimento do território dos meus pais. Comecei pagando todas as dívidas que tínhamos, graças a isso a economia voltou a crescer. Já que estavam conseguindo mais lucros, os comerciantes se reuniram e entregaram alguns presentes para nossa casa como agradecimento.

Passaram-se apenas alguns meses, mas a ilha já havia se tornado bem prospera.

— Pensando bem, será que existe algum motivo oculto para irmos a academia?

— O objetivo oficial é melhorar a qualidade dos jovens nobres através da educação. Muitos deles nunca saíram de seus territórios desde a infância como você, mestre. Então a maioria não entende muito bem como o mundo e a aristocracia funciona. A ideia é reunir essas pessoas em um só lugar e educá-las. Além disso, acredito que queiram mostrar a grandiosidade dos nobres da capital real, diminuindo assim as chances de uma rebelião. Mas quem vive no interior também tem algumas vantagens em enviar seus filhos para lá: já que ficarão em um ambiente novo, haverá menos distrações para seus estudos e também é uma oportunidade única para conhecer novos amigos e conseguir mais influência. Existem vantagens e desvantagens, porém acredito que haja um motivo oculto. — Dessa vez foi o Luxion que respondeu minha pergunta.

— Que explicação longa...

— Acredito que a academia existe para criar nos jovens um sentimento de pertencer ao mesmo país. Assim ficará mais fácil uni-los em casos de emergência. De acordo com o que o mestre falou, devem haver outros países nesse mundo, o reino pode ser atacado a qualquer momento.

Será que pensaram em todas essas coisas antes de construir a academia? Pensei que ela só existia por causa daquele otomege. Mas o que o Luxion tinha acabado de falar fazia sentido.

— Também ouvi falar que é o local onde as pessoas buscam por um bom parceiro para casar. Um lugar para jovens nobres se socializarem. Por favor tome cuidado, mestre. Se continuar agindo sem pensar, irá acabar passando vergonha.

Essa coisa acha que sou louco?

— Ninguém irá prestar atenção nas ações de um figurante. Mesmo que faça algum barulho ainda serei tratado apenas como parte do cenário. Mas isso não importa, não tem como a vida de alguém como eu melhorar na academia.

— Figurante? Entendi o que você quer dizer, contudo pensar dessa forma é...

— Bem, agora tudo que preciso fazer é dar o meu melhor para encontrar uma boa noiva. Evitarei ao máximo as filhas de nobres de ranque alto, me casar com a filha de uma casa de cavaleiros que irá se tornar independente no futuro seria ótimo — falei, interrompendo o Luxion.

Queria ter uma vida sem dor de cabeça. Não seria idiota e procuraria uma parceira com o status elevado, era só olhar para Zola que dava para entender que aquelas mulheres agiam.

Minha vida não iria melhorar a partir daquele momento... mas, mesmo assim, esperava ter bons momentos enquanto vivesse lá.

***

Hein?

Meu pai falou para eu ir no escritório, no entanto o que me esperava lá era algo que nunca iria imaginar.

— Bem, porque está tão surpreso? Você conquistou uma dungeons que nunca foi explorada, encontrou um item perdido e descobriu uma ilha flutuante nova.

O palácio real enviou uma carta endereçada para mim. Nela estava escrito que devido as minhas conquistas como aventureiro, foi decidido que eu iria receber o título de barão. Então no futuro não seria apenas um cavaleiro independente, mas sim um nobre com um status considerável

— P-porquê!?

— Acabei de explicar isso. E tem mais, quando  se formar, você irá se tornar o governante de um baronato, então não estará mais sob a proteção da nossa casa.

Minha família possuía o título de barões. Apenas baronetes e cavaleiros podiam servi-los, então, de acordo com as regras do Reino de Holfort, agora que tínhamos o mesmo ranque, eu não podia ser um subordinado deles.

— Meu território não tem o tamanho de um baronato!

— Acha que não sei disso?!

Pelo visto, Balcus também estava surpreso. Pensei que a vida iria ficar mais fácil, minha independência seria reconhecida e conseguiria o título de cavaleiro ou até o de baronete se tivesse sorte.

— Isso quer dizer que na academia...

— Você provavelmente terá que entrar na turma dos nobres.

A maioria dos aristocratas que entravam lá eram de casas de cavaleiros, pessoas o ranque de baronetes ou menor. Aqueles com o título maior que esse eram considerados nobres.

Na academia existiam duas classes, uma era para aqueles que ganhariam um título de nobreza no futuro, a turma avançada, e a outra para os cavaleiros, a normal.

Meu irmão estava na segunda. Isso era normal já que apenas o primeiro filho herdaria a casa enquanto os outros se tornariam cavaleiros. Apenas as famílias com uma renda ou ranque muito alto podiam mandar mais filhos para a avançada, mas, na maioria das vezes, quem viva no interior, como nós, nunca conseguiria fazer isso.

Contudo, a situação era diferente para as mulheres. Se fossem filhas de um nobre elas iriam para a turma avançada, não importava se suas casas eram influentes ou não...

Estava planejando me tornar um cavaleiro independente, pensei que seria mandado para a turma normal, no entanto, já que tinha ganhado uma promoção... meus planos foram arruinados.

— Mas eu queria ir para a turma normal.

— Impossível. Você se tornará o líder de um baronato, precisa de educação adequada. Então, mesmo que não goste, terá que ir para a avançada.

— E com que tipo de mulher vou ter que casar?!

— Bem... você vai ter que encontrar uma noiva que tenha uma origem nobre.

Perdi a força das minhas pernas quando ouvi aquilo.

— Nãoooo!

— Idiota, para de chorar! Poucas mulheres são como a Zola. Além do mais, vai haver uma mulher que irá te tratar bem na academia... eu acho.

Meu pai acabou falando “acho” no final. Pelo visto, nem ele conseguia acreditar naquelas palavras.

— Não são filhas daqueles que tem título de barão até conde as maiores furadas? Não quero isso. Não quero isso na minha vida!

Balcus se assustou quando ouviu isso.

— Para com isso! Não fale assim das filhas de nobres! Se alguém escutar vai virar um problema enorme. E pare para pensar, suas irmãs filhas de um barão. Você vê elas como esse tipo de pessoa?

— Claro que sim! Elas são as piores! Se você realmente acha que elas são boas mulheres, então é melhor dar uma passada no asilo!

— Meu filho pensa isso das próprias irmãs...

Não queria nada demais, a filha de uma casa de cavaleiros era tudo que precisava.

— Me recuso a fazer isso! Prefiro mulheres boas e gentis. Aquelas que vem de casas com o ranque de barões ou maior nunca serão assim.

Meu pai cobriu o rosto com as duas mãos. No fundo ele concordava comigo. Sendo sincero, mesmo que também fossem nobres do interior, eu não sabia como minhas irmãs ficaram daquele jeito. Comecei a evitar contato quando ouvi uma falar: — Homens são bem uteis, não é? Queria encontrar um com o rosto bonito. Um escravo seria ótimo! Ei, papa~i, também quero um amante Elf... quero dizer, um servo exclusivo. Eu quero um escravo. — Sem sentir nenhum remorso. 

Parece que minha irmã mais velha, a segunda filha, usou meu dinheiro para comprar um e começou a se vangloriar por conta disso para a caçula. Luce não conseguia olhar para sua filha fazendo aquilo, mas eu, Balcus e Nicks irmão, que tinha acabado de voltar, apenas observamos aquela cena com frieza. Mesmo que fossem da família, aquelas duas eram pessoas horríveis.

— Isso não importa, você vai ter que ir para a turma avançada de qualquer jeito.

Senti como se todos os meus planos para um futuro feliz tivessem sido roubados, sentei no chão, abracei os joelhos e fiquei lá sem me mexer. Balcus olhava para mim preocupado enquanto tentava me animar.

— N-não vai ser tão ruim. Quando entrar na academia vai conseguir conhecer vários herdeiros de grandes nobres, até sua alteza o príncipe herdeiro vai estar lá. Se conseguir fazer vários contatos sua vida será muito mais pacifica.

— Impossível, eles nunca falariam com pessoas como nós.

O príncipe daquele jogo otome gostava de pessoas com a aparência simples e ficava incomodado quando nobres iam para cima dele. Além disso eu odiava a personalidade de todos os personagens namoráveis.

— Entendo isso... mas não posso fazer nada. Foi graças a você que o nosso território começou a melhorar. Apenas mais dois anos e nossa casa terá condições para te ajudar...

Enquanto meu pai se desculpava com um tom triste, me sentia depressivo pensando no futuro que me aguardava.

***

A capital do Reino de Holfort estava no centro do continente. O local continha uma dungeons desde seus primórdios, o que ocasionava alguns ataques de monstros. Porém, ao mesmo tempo, era uma mina de ouro graças aos cristais mágicos que eles dropavam1. Essa era uma fonte de renda e materiais para o país e o principal fator que fez a nação ficar tão poderosa.

O continente era bem grande e não havia uma fonte de água potável próxima, no entanto haviam vários canais para irrigação, fazendo o solo ser fértil. O motivo disso era que as ilhas flutuantes retiram a água do mar e espalhavam pelo continente. Não tinha ideia de como faziam o processo de dessalinização, mas devia ser por causa do cenário mal feito, então era perda de tempo pensar naquilo.

O continente era conhecido pela sua beleza e harmonia com a natureza. A capital real era enorme, sua população devia passar de um milhão de habitantes. Uma cidade moderna com rede de esgoto e eletricidade, aquele era o local onde nobres iriam viver enquanto estudassem na academia.

Uma pequena ilha flutuante que ficava um pouco longe do centro da cidade, foi transformada em um porto, as pessoas que iriam para a capital deveriam ancorar suas naves lá.

Eu estava na aeronave que minha família comprou, era do tipo que tinha 50 metros de comprimento. A aparência lembrava um submarino. Era um modelo mais moderno, tinha um convés2 na parte de cima, os mais antigos eram completamente cobertos pela armadura.

— É muito bom fazer uma viajem direta de casa. A gente tinha que mudar de naves quando usávamos o serviço público — disse Nicks, enquanto descia e carregando suas bagagens.

Duas pessoas estavam comigo, eles estavam felizes por não ter que fazer mais paradas durante o percurso. Uma era meu irmão mais velho, o segundo filho Nicks, aluno do terceiro ano na academia.

A outra era minha irmã mais velha, a segunda filha Jenna, do segundo ano. Uma mulher que foi influenciada pela da cidade grande, decidiu pintar o cabelo de marrom para seguir a moda e comprou um escravo assim que percebeu que nossa casa tinha dinheiro. Era um demi-humano bonito e musculoso com orelhas de gato, o terno que ele estava usado era muito mais caro que qualquer roupa minha.

— Queria um navio mais extravagante. Odeio ver minhas amigas com suas naves de luxo enquanto nós só temos essa coisa barata.

Tive muita vontade de falar que a nave não era dela e que não precisava andar nela se não quisesse. Meu irmão virou os olhos e a ignorou, devia estar pensando a mesma coisa que eu.

— A mãe é uma mulher tão boa, mas não podemos falar o mesmo das filhas dela.

Nicks e eu carregávamos nossas bagagens em direção ao terminal de desembarque, minha irmã vinha atrás com seu escravo carregando as coisas dela.

— Esperem aí, vocês escutaram o que falei? Leon, se você ainda tem dinheiro, de um pouco para mim. Sua irmã precisa de muito dinheiro para se divertir.

— Aniki, está insatisfeito com o fato de eu ser o único a ir para a turma avançada? Se você quiser, que tal nós falarmos que todas as minhas conquistas foram na verdade suas? — Ignorei aquele animal barulhento chamado Jenna enquanto conversava com meu irmão.

— Nunca que eu iria me rebaixar ao ponto de roubar os créditos de suas conquistas, irmãozinho. E também não quero ir para a turma avançada. Você sabe muito bem que só tem aquele tipo de mulher lá.

Nós dois olhamos para trás e vimos que nossa irmã ainda estava reclamando.

— Ela teve a cara de pau de comprar um escravo caro usando meu dinheiro... mas que merda — murmurei com raiva.

O demi-humano olhou para minha direção. Pelo visto aquelas orelhas de gato ouviram o que falei.

— Você teve o azar de ser colocado na turma avançada. Meus pêsames. — disse Nicks, colocando a mão no meu ombro.

Na turma avançada, ter escravos era uma forma de demonstrar o status. Então as casas ricas mostravam seu poder econômico enviando vários demi-humanos caros para servir suas filhas.

Por outro lado, se um garoto anda com uma escrava ao seu lado, ele iria ser excluído na hora... Aquele era um mundo cruel.

— Bem, graças a você, posso estudar sem ter que trabalhar. Agora posso me focar em encontrar uma esposa, muito obrigado mesmo. — Nicks ficou um pouco constrangido quando falou isso.

— Então me ajude a...

— Não faça pedidos impossíveis. Opa, é fácil se perder no terminal, então tente memorizar tudo.

Guiado pelo meu irmão, cheguei ao ponto de embarque, encontrei vários estudantes que estavam indo para a academia. A maioria era de casas de cavaleiros até viscondes. Pelo que me disseram aqueles com ranque de conde ou maior tinham terminais privados na cidade e era por lá que desembarcavam.

Se fossemos comparar ao meu antigo mundo, aquilo parecia mais uma rodoviária do que um aeroporto. As pessoas tinham que sentar e esperar a linha de voo chegar como em uma parada de ônibus.

De repente minha irmã parou de reclamar e ficou assustada. Meu irmão colou uma mão na cabeça.

— O que foi?

— Aqueles são os seguidores da casa de um duque — disse Nicks, apontando para a multidão.

Quando olhei para aquela direção, um certo grupo chamou minha atenção. Eram algumas meninas acompanhadas por belos escravos e com vários garotos seguindo atrás delas.

— Parece que vários nobres prestigiosos irão se matricular esse ano, e seus seguidores estão fazendo um tumulto por conta disso — falou Jenna, parecendo incomodada com a situação.

Essas pessoas eram de casas que serviam ao ducado, elas estavam lá para proteger e ajudar o herdeiro ou as filhas do duque. No futuro esses seguidores seriam o suporte político desses grandes nobres.

Na teoria todos os estudantes seriam tratados iguais na academia... mas não tinha como barrar a influência deles.

— Entendo... então eles são os capangas que ficam se achando porque o chefão chegou na cidade?

Meus irmãos entraram em pânico quando ouviram minhas palavras.

— S-seu idiota!

— Você é idiota! Ei, será que você é mesmo um idiota?

Os dois acharam que os seguidores conseguiram ouvir aquilo. Mas perceberam que nenhum deles tinha prestado atenção e soltaram um suspiro de alivio.

— Alguns daqueles demi-humanos tem boas orelhas, talvez tenham ouvido tudo. Tem que tomar mais cuidado. A situação teria ficado séria se um seguidor tivesse escutado aquilo — explicou Nicks.

— Vou tomar mais cuidado daqui para frente. — Me desculpei por tê-lo preocupado.

— Você tem que tomar mais cuidado. Não irei te perdoar se alguma coisa acontecer comigo — reclamou Jenna.

Será que esse animal só conseguia pensar em si mesma? Depois de um tempo a nave que parecia um pequeno ônibus chegou e parou na nossa doca.

***

A academia ficava na capital real. Ela tinha um grande lote de terra no centro da cidade, o prédio da escola e os dormitórios eram enormes.

Meu irmão estava indo em direção aos quartos da turma normal, mas eu tive que ir para os da avançada... Porque isso tinha que acontecer logo comigo.

Os dormitórios eram estranhamente extravagantes, a entrada parecia mais a recepção de um hotel luxo, as pessoas que trabalhavam lá reforçavam essa imagem. Todos usavam belos uniformes e dava para perceber que eram bem treinados.

— Nossa, é igualzinho ao jogo.

Que lugar lindo. Foi isso o que pensei ao ver aquilo num primeiro momento. No jogo o interior do dormitório só aparecia como plano de fundo.

A maioria dos alunos deviam estar ansiosos para viver ali, porém, para mim, aquilo seria como uma prisão nos próximos anos. Não estava nem um pouco feliz por viver ali.

Fui em direção a recepção para descobrir qual era o meu quarto.

— O senhor deve ser o Leon Fou Bartfort. Seu quarto fica aqui — disse o funcionário, apontou para um local no mapa e me deu uma chave. — Lembre-se de dar uma olhada nas regras do dormitório. Se tiver alguma dúvida, vai perguntar para os monitores. — Ele falou com muita má vontade, podia ter ao menos fingido que estava feliz.

De repente fui empurrado para o lado por outro aluno que tinha acabado de chegar. O cara me ignorou e começou a falar.

— Ei, mostre onde fica o meu quarto.

Cercado o estudante estavam alguns garotos que pareciam tão arrogantes quanto ele. Pelo visto aquele era o herdeiro de uma família de viscondes bem rica. A atitude do funcionário mudou completamente assim que ouviu o nome dele.

— Bem-vindo! Vou te guiar até o seu quarto. Não se preocupe, eu carrego a sua bagagem.

A atitude dele foi bem diferente dessa vez. A situação era ainda pior do que imaginei. Talvez fosse por aquele ser um mundo de um otomege ou por ser uma sociedade nobiliárquica... mas podiam ao menos tentar esconder o tratamento preferencial.

A popularidade da pessoa tinha também afetava a situação, contudo a influência que as suas casas possuíam era o fator mais importante. Mesmo que a academia adorasse dizer que todos eram iguais lá dentro, havia uma diferença muito clara no tratamento dos estudantes.

— Já quero voltar para casa.

Comecei a andar pelo dormitório enquanto reclamava. Depois de um tempo finalmente cheguei no local onde viveria por 3 anos. Abri a porta e entrei, não era muito grande, entretanto eu seria o único a usá-lo nesse período. A limpeza já havia sido feita, parte da bagagem, que enviei de antemão, já estava lá.

Havia uma caixa no meio do quarto, quando a abri percebi que era alguns cadernos e o material didático para as aulas, coloquei tudo na escrivaninha. E sentei na cadeira.

— Então essa será minha casa nos próximos anos...

Dei uma olhada nos livros, os que falavam de mágica eram muito difíceis, não conseguiria entender nada sem ajuda. Mesmo que fosse o mundo de um jogo, esses detalhes eram muito realistas. Por que não renasci em um lugar mais fácil?

— Agora que estamos sozinhos, gostaria que você me soltasse o mais rápido possível.

Uma voz saiu da bolsa que trouxe. Quando a abri um objeto que estava dentro saiu flutuando, Luxion apareceu e começou a inspecionar o quarto.

— Opa, foi mal, tinha esquecido.

— Como esperado do mestre. Sua habilidade de lembrar das coisas é incrível.

Continuei desempacotando meus pertences enquanto ouvia o sarcasmo dessa coisa.

— Então, como foi sua viajem?

— O corpo da minha unidade principal está em excelentes condições. Não tenho nenhum comentário a fazer sobre a viajem. Entretanto devo dizer que estou um pouco surpreso pela tecnologia magica, ela ainda está em um nível que é possível recriar usando a ciência... irei continuar investigando-a no futuro.

Em outras palavras, ele encontrou algo interessante no meio do caminho.

— Então você é uma IA que não consegue ser honesto. Será que é um tsundere3?

? Está tentando encontrar características femininas em mim? Infelizmente o conceito de gênero não se aplica a mim. Não posso corresponder aos seus sentimentos, mestre.

Não devo ficar bravo com essa coisa. Queria dar um socão nele, no entanto me segurei e voltei a arrumar minhas coisas. Foi então que ouvi alguém bater na porta.

***

Depois de sair do dormitório... ou melhor, depois de ser arrastado para fora por um veterano, chegamos a um bar onde estavam fazendo uma festinha para receber os alunos do primeiro ano.

— Bem, estou muito feliz em receber os novatos desse ano.

Quem estava fazendo as apresentações era o herdeiro de uma casa de barões. Os veteranos que não tinham muita influência convidaram os novos alunos que estavam em uma situação parecida, assim como eu, para uma festa de boas-vindas.

Eu estava conversando com outro novato, Daniel Fou Durland. Era um menino com aparência saudável, pele bronzeada, cabelos curtos, alto e com alguns músculos.

— Ei, porque estão fazendo essa festa? — perguntei.

— Não ouviu nada sobre isso? Pessoas na nossa situação se reúnem para conversar sobre os problemas que temos e trocar informação. Você sabe, casamento é algo muito importante para nós.

A ideia de formar um grupo de pessoas com problemas similares parecia boa, contudo acreditava que quando uma parceira boa aparecer, esses caras iriam sair na porrada.

Um garoto usando óculos que estava sentado do meu lado, Raymond Fou Arkin, virou a cabeça para minha direção e começou a explicar enquanto levantava os óculos. — Mesmo que isso vire uma competição por conta de uma mulher, não faremos nada absurdo por sermos companheiros na mesma situação, sempre tentaremos resolver tudo na conversa. Bem, momentos em que a gente irá brigar provavelmente serão muito raros.

Diferente de Daniel, esse cara passava um ar mais rebelde mesmo que usasse óculos.

Quando as apresentações dos veteranos acabaram, a festa começou. Pelo visto foram eles que pagaram por tudo. No próximo ano seria a nossa vez de abrir a carteira. Um dos veteranos começou a andar em minha direção.

— Olha só, estava ansioso para conhecer o aventureiro de renome que entrou este ano. Ah, quase esqueci de me apresentar, meu nome é Lucle. Prazer em conhece-lo, novato promissor.

Lucle era um estudante do 3 ano. Já tinha encontrado uma noiva, dava para ver que estava bem feliz por conta disso, ele podia voltar para a casa depois de se formar sem preocupação agora.

— Novato promissor?

Quando perguntei isso, o Raymond estalou a língua.

— Por favor não finja ignorância. Você é o terceiro filho de um barão e se tornou um aventureiro de sucesso antes de entrar na escola, não é? As pessoas falaram sobre isso por todo o reino, os boatos chegaram até nas ilhas flutuantes.

— Então você é aquele dos rumores? — Daniel ficou surpreso.

Coloquei as mãos na cabeça e olhei para baixo. — Não tive escolha. Se não conseguisse dinheiro, seria forçado a me casar com uma velha pervertida de 50 anos.

Talvez eles tenham entendido pelo que passei, ninguém fez mais nenhuma pergunta sobre o assunto. Era muito bom conversar naquele lugar já que todos tinham problemas similares.

Lucle continuou falando sobre a academia com um sorriso no rosto. Ele também ouviu as perguntas de Daniel e o Raymond, mas a maioria delas eram sobre casamento, mal tocaram no assunto estudo.

— Parando para pensar, meu irmão mais velho é aquele que irá herdar o título... ele estava nesse grupo? O nome dele é Rutart.

Ali estavam alguns veteranos que estavam no terceiro ano, achei que tiveram a oportunidade de conhecer ele, no entanto...

— Você está falando do veterano Rutart que se formou ano passado? Ele não conversava com a gente. Disse que não queria se envolver com aqueles que estão no nível mais baixo.

Rutart... você também fazia parte desse “nível mais baixo”. Lucle explicou o que aconteceu com ele durante seus anos na academia.

— Ele se misturou com os seguidores de um visconde rico. Acho que é melhor dizer que forçou sua entrada naquele grupo, mas não fizemos nada já que aquilo era o que ele queria. Vocês eram próximos.

Quando neguei balancando minha cabeça para os lados, Lucle exclamou:  — Eu sabia. — Depois levou a caneca para a boca e voltou a falar conosco. — Já que faltam alguns dias para a cerimônia de entrada, irei mostrar a cidade para vocês. Mas lembrem-se de não exagerar na bebida.

Nós 3 concordamos com a cabeça. De repente o rosto sorridente de Lucle ficou sério por algum motivo.

— Acabei de lembrar que vai ter uma estudante bolsista entrando esse ano. Escutei que irão deixa-la entrar mesmo não sendo uma nobre, deve ser uma aluna bem talentosa.

Raymond parecia não ter gostado da informação. Daniel não mostrou nenhum interesse. Achei que fosse normal para jovens nobres agirem daquela forma.

— Uma estudante bolsista? Vai entrar na turma normal, não é? — perguntou Raymond.

Lucle balançou a cabeça para os lados e disse: — Ela vai para a turma avançada mesmo. Isso é um problema, especialmente agora que sua alteza o príncipe herdeiro se matriculou, não acham? E ouvi dizer que a garota é só uma plebeia normal sem nenhuma conexão com a nobreza, mas... não sei até que ponto isso é verdade. Se souberem de alguma coisa, se importariam em compartilhar?

Essa plebeia que estavam falando... era a protagonista, a menina que seria o centro de atenções da academia no futuro. Não me surpreendi com a informação, já conhecia tudo sobre a estudante bolsista, mas os outros dois estavam pasmos. Qualquer um ficaria chocado quando descobrisse as origens da menina. Eles devem ter achado que era a filha de um comerciante rico ou coisa parecia.

Fingi estar surpreso para não levantar suspeitas. Mas já sabia que ela se tornaria uma santa no futuro, que na verdade vinha de uma linhagem muito importante e que, com o passar do tempo, todos os nobres a aceitariam.

Entretanto, mesmo que dissesse alguma coisa, ninguém acreditaria em mim, além disso não queria ter gente atrapalhando a história. Iria simplesmente deixa-la aproveitar a adolescência com o príncipe e os outros personagens namoráveis. Afinal, isso seria o melhor para o futuro de todos.

***

Era o dia da cerimônia de entrada. Esse auditório é bem grande, não é? De qualquer forma, o evento estava acontecendo em um lugar que parecia um teatro gigante. Haviam um grande número de estudantes nobres lá, alguns ainda estavam bocejando.

Os cheiros perfumes das mulheres se misturaram formando um odor terrível. Porém não tinha escolha a não ser me acostumar com aquilo.

Naquele local estava o príncipe herdeiro com seu curto cabelo azul, Julius Rapha Holfort, fazendo um discurso como o representante do primeiro ano. Sua alteza era o primeiro na linha de sucessão do trono, contudo, no jogo, era o único príncipe que aparecia. Então não era errado dizer que ele seria o rei no futuro.

Bonito, alto, esguio e com um corpo bem equilibrado. Seus olhos azul-marinho pareciam brilhar pelo contraste com sua pele clara. Era compreensível que as meninas do auditório ficassem tão animadas. Nós nem podíamos nos comparar a ele.

Daniel e Raymond estavam sentados ao meu lado, porém, como o esperado, não parecia se importar com a situação. Continuei a escutar o discurso em silencio, quando, de repente, escutei atrás de mim...

— Finalmente estou aqui. Já fiz o príncipe esperar por quase 10 anos.

Virei a cabeça em direção a fonte da voz, no entanto não consegui encontra quem falou. Havia várias garotas no local que ficavam cochichando sobre a como sua alteza era bonito, então estava difícil encontrar quem fez aquele comentário. Não foi uma voz alta, mas ela estranhamente chegou aos meus ouvidos...

Foi então que minha linha de visão parou em uma certa menina. Um cabelo loiro, longo e suave, a estatura dela era bem baixa e seus olhos azuis estavam fixados no Julius. Seria melhor defini-la como uma garota fofa do que uma mulher linda.

Entretanto que me chamou a atenção foi o olhar dela. Não eram os olhos de uma donzela apaixonada como aqueles ao seu redor, pareciam mais os de um animal observando sua presa.

O corpo dela parecia meio infantil em algumas áreas, aparentava ser mais nova que sua idade real, no entanto os olhos dela não pareciam os de uma criança... Aquela menina me dava uma sensação estranha.

Daniel olhou para mim e disse: — O que foi, já encontrou uma parceira? Olha só, ela é bem fofa. Curte esse tipo de garota?

Balancei a cabeça em negação a pergunta dele, sabia que era só brincadeira.

— Não curto muito, se fosse dar minha opinião... eu diria que não gosto daquela menina.

Voltei meu olhar para o príncipe e arrumei a postura, contudo aquela sensação estranha continuava lá.

— E-então é assim. Mas ainda acho ela bem fofa.

A primeira coisa que senti quando vi aquela garota foi raiva. Não sabia o porquê, mas ficava irritado só de imaginar o rosto dela. Não era ódio e sim algo mais complexo... Bem, de qualquer forma, eu simplesmente não a via como um membro do sexo oposto.


Notas:

1 –  Largar, deixar cair. Neologismo proveniente do inglês drop, muito utilizado em jogos de computador ou console. Inimigos dropam (deixam cair) itens nos jogos.

2 – É a parte da cobertura superior de um navio.

3 – Tsundere é um termo japonês para uma personalidade que é inicialmente agressiva, mas alterna com uma outra mais amável. Tsundere é uma combinação de duas palavras, tsuntsun e deredere. Tsuntsun é a onomatopeia para "frio, brusco", e deredere significa "tornar-se amável/amoroso".



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