Volume 1
Capítulo 29: Invasão
Em outro ponto da sede da associação, cerca de trinta guerreiros ostentavam máscaras cinzas, adornadas com faces obscuras, que destoavam umas das outras, cortadas por listras negras e irregulares. A marca dos mercenários da ordem dos Sem Face.
Assim que começaram a invasão, o grupo rapidamente passou a tomar conta do espaço à medida que avançavam unindo o elemento surpresa com sua afiada habilidade de combate.
Um dos mercenários se aproximou de um guerreiro de vestes castanhas, dono de uma máscara que cortava seus olhos com duas listras negras e verticais, que parecia liderar a empreitada.
— Não vejo a necessidade de termos chamado esses bandidos. Se tivéssemos reunido mais alguns homens, não precisaríamos de nada disso. Acredito que uns dez de nós já seriam o suficiente.
— Já expliquei os nossos motivos. Sabe que são poucos os que têm conhecimento dessa empreitada. Escolhi apenas os mais leais para dar apoio. Tudo está ocorrendo dentro dos planos e, como vê, desde que sejam bem pagos, esses mercenários não fazem perguntas. Agora retome seu posto — ordenou, empurrando o ombro do soldado. — Avancem! Não cedam, a verdadeira ameaça está mais à frente.
— Adotem a formação em grupos. Não os deixem fugir — disse o capitão dos mercenários ao apontar sua espada para a passagem adiante.
Espadas brandiam e chocavam-se umas com as outras conforme o grupo tomava a sede dos Kadiras e deixava um rastro de sangue por onde passava.
— A força principal está vindo. Preparem-se — alertou um dos intrusos.
Após o aviso, o corredor que dava acesso para o centro da associação foi tomado por várias espirais desordeiras que rasgavam o ar e caíam sobre os intrusos. Elas abriram passagem para Calisto que surgiu estampando um olhar ameaçador, que lembrava o brilho sedutor de dois rubis, vermelhos como suas criações.
Sem se intimidar, Calisto avançou entre as espirais e desceu sua espada sobre um dos agressores, o qual se mostrou dono de reflexos apurados ao amortecer o golpe com a própria lâmina. Contudo, não conseguiu esconder uma pequena careta com a intensidade da colisão de aço que percorreu o espaço.
— Desgraçada! Você quase me pegou, mas…
Uma explosão de detritos, que rompeu do piso às costas do invasor, foi acompanhada pelas longas garras pontiagudas do familiar de Calisto, agora gigantesco e envolto pelas criações de sua mestra.
Antes de alcançá-lo, o guerreiro ergueu sua espada para trás, manipulou o terreno e criou uma grande estaca de pedra que rompeu sobre a criatura, atravessando seu peito. Ela urrou e se debateu em agonia, antes de fugir e se desmaterializar. No instante seguinte, a assassina se viu obrigada a desviar de um corte colossal, da imensa e densa espada de pedra criada pelo invasor, a qual em suas mãos parecia incrivelmente leve.
— Vejo que você é cheia de truques, porém não conseguirá nos deter apenas com isso — afirmou o guerreiro, ao avançar confiante.
Calisto o afastou com dezenas de afiados espinhos vermelhos que partiram do piso e das paredes, criados a partir de pequenas gotas, que cresceram de maneira sobrenatural.
— Recue! Está em desvantagem nesse lugar — disse um segundo invasor para o colega.
Ao ouvir o pedido, o mascarado tentou afastá-la, para recuar na sequência, porém o movimento de sua longa espada de pedra foi limitado pelos obstáculos vermelhos.
Com a abertura, Calisto o empurrou para trás com um poderoso chute que foi ouvido por todos.
— Escolheu a pessoa errada para arrumar confusão. — Um estrondo vindo das costas de Calisto foi seguido por um disparo que assobiou em seus ouvidos.
Petrir, com um tiro de arma de fogo, acabava de liquidar o invasor. Uma demonstração de seu mais novo acessório adquirido no mercado negro.
— Seu idiota! O que acha que está fazendo? Você quase me acertou. — Calisto queria lhe dar uma surra ali mesmo, mas precisava manter o foco na batalha.
Naquela área ainda havia cinco inimigos. Dois partiram na direção da Demônia que em resposta golpeou o chão erguendo um denso paredão de cristais avermelhados e semitransparentes que se alastraram rasgando e destruindo o ambiente à sua volta.
— Por que a gente veio, afinal? Nem conseguimos chegar perto por causa dessas malditas criações. Quem está destruindo a associação é ela e não os invasores. — Petrir levou uma das mãos na frente dos olhos na tentativa de ver melhor o desenrolar da luta.
Mildifer tomou à frente.
— Aquela doida só pode estar tentando se matar. Vamos logo, guardas me acompanhem, os demais fiquem aqui.
Ele projetou uma trilha de cristais que abriu caminho movendo para longe a maior parte do entulho e as criações de Calisto, as quais retornavam ao seu estado original com o avanço da assassina. Cinco soldados o acompanharam.
— Pensei que você seria o primeiro a sair lutando, ainda mais depois de ver Calisto varrendo tudo com suas criações — disse Petrir ao olhar Morcail dos pés a cabeça.
— Gosto de lutar, mas também sou um colecionador de armas. Devo confessar que esse artefato na sua mão me chamou a atenção. Gostaria de negociar?
— É com isso que está preocupado? Estou rodeado por malucos. Como pode pensar isso no meio desse caos? Depois de sairmos daqui, eu prometo que converso sobre esse assunto, agora mexa-se e mate alguém.
— Onde está Latrev? — perguntou Cão. Os três eram os únicos que ficaram mais recuados.
Novos estrondos percorreram o corredor que começava a desabar, precedendo a chegada de uma baforada escaldante sobre seus rostos. Na explosão seguinte as chamas alcançaram a ala em que estavam e Calisto foi violentamente lançada aos pés do trio, assim como algumas de suas criações que rapidamente se desintegravam ao entrar em contato com a menor das lavaredas, em virtude dos poderes do oponente que corrompiam e dissipavam as produções de Calisto.
— Maldição! — disse se levantando. — Eu já sei quem está liderando esses vermes. Aquela postura e a frieza em cada movimento… Fizeram questão de conferir o serviço com os próprios olhos. — Calisto enxugava o pequeno corte em sua testa com o dorso de um dos punhos. — Vamos matar logo esses Paladinos Vermelhos.
— O que?! São eles outra vez? O que enfrentamos na galeria subterrânea era praticamente um monstro — disse Cão, vendo os inimigos que se aproximavam.
— Nunca lutei contra um Paladino Vermelho, espero que façam jus aos conhecidos boatos do temível esquadrão da morte ou melhor, os capachos dos Sete Guardiões — Morcail sacou sua espada e entrou em postura de batalha.
— Os Kadiras estão rodeados por um bando de loucos, esqueça as nossas ordens — disse o guerreiro olhando para seu companheiro ao lado. — Vamos massacrar até o último desses desajustados e concluir a missão. — O Paladino ergueu sua espada e a fincou no chão, um vapor escaldante antecedeu o espesso paredão de chamas que partiu rumo ao grupo.
O Paladino possuía o dom do fogo e a capacidade de manusear suas chamas como bem entendesse, dando um ar ainda mais ameaçador à frenética dança das lavaredas que tomavam o ambiente. Sem se importar com as consequências, ele as expandiu e atacou de maneira imprudente. Como resultado, toda a ala desmoronou envolta por uma espiral de chamas.
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A agitação causada pela batalha começava a atrair novos guerreiros, tornando aquela região o epicentro dos confrontos. Mildifer estava ciente disso enquanto com um movimento tirava de sua espada prateada o excesso de sangue do mercenário que acabava de derrotar. Ao ver que parte de seu grupo havia sido tragado por uma cratera que os levou para o subsolo, sabia que o coração da associação estava exposto e que entrava em uma situação crítica, tendo ponderado sobre esses pontos decidiu que pararia de se conter e não se importaria em mudar um pouco a paisagem.
Ele, repetindo o gesto feito por um dos inimigos poucos segundos antes, ergueu a espada e a cravou no chão, o choque da lâmina contra o solo resultou na propagação de seus cristais prateados e semitransparentes que tingiam o piso e as paredes da área ao redor.
Um dos oponentes, incomodado com o movimento, o atacou. Porém, ao chegar a poucos metros dele, o som similar a uma explosão soou pelo lugar. O invasor acabava de ser instantaneamente engolido por uma densa camada de cristais.
Com uma voz lenta e sombria Mildifer disse:
— Conheça o sabor da morte. — Quando o símbolo negro que se destacava em sua espada prateada ganhou a tonalidade vermelha, os cristais eclodiram, deixando apenas um pálido cadáver, cuja energia vital acabava de ser drenada.
— Tenham cuidado com ele! — disse um dos espadachins.
— Esse daí é realmente poderoso.
— Que espécie de técnica foi essa? — perguntou um terceiro.
— Isso foi uma arte arcana — disse um guerreiro, com uma máscara que cortava seus olhos com duas listras negras e verticais, enquanto entrava com passos calmos e triunfantes no salão tomado por belos cristais prateados, na liderança das forças inimigas. — Se quiserem sair vivos daqui, fiquem longe. Continuem a invasão, esta luta é minha.
— Não deixarei que saiam daqui. — Os cristais se moveram em distintas direções.
— Tenha mais cuidado. — O guerreiro de liderava os invasores disparou com a velocidade de um raio e somente errou o golpe devido a criação de uma parede de cristais que dificultou seu avanço. — Ou será derrotado. — No instante seguinte, uma lâmina de ar afastou o dominador veterano.
Cada encontro de espadas soava como trovões em virtude de suas capacidades físicas sobre-humanas. Demonstravam por meio de suas polidas técnicas de combate que eram hábeis espadachins. A intensa e simultânea troca de golpes em alta velocidade os fizeram percorrer um percurso considerável à medida que lutavam com movimentos ágeis e explosivos.
O invasor ameaçou atacar, mas, no último momento, apenas defendeu o golpe passando a espada por suas costas, tal movimento permitiu que girasse o corpo, trocasse a espada de mão e contra-atacasse. Em seguida, girou o corpo de novo, porém para a direção contrária e outra vez mudou a mão que portava a arma, aplicando um novo golpe.
Mildifer defendeu com maestria as investidas, contudo não pôde prever o novo movimento do oponente.
Uma estocada a esmo e um súbito brilho nas gravuras da espada que o assassino portava foram tudo o que antecedeu seu próximo movimento. Um grande turbilhão de vento ganhou forma e cresceu em uma velocidade espantosa, descendo, em seguida, sobre o experiente guerreiro, em uma onda de destruição.
— Vejo que sua posição como líder desta organização não é um mero enfeite. — Ele falava em voz alta e procurava o oponente em meio aos escombros.
Do meio da nuvem de destroços que se ergueu com o último atraque, saiu uma serpente gigante feita de cristais que por pouco não acertou o Demônio mascarado. Ele não esperava uma súbita mudança de trajetória causada pela perfeita manipulação de Mildifer, que nessa segunda tentativa o atingiu em cheio ao mesmo tempo de praticamente cortava a sede da associação em duas, estremecendo as estruturas dos arredores. Porém tamanho feito não foi o suficiente para encerrar o duelo.
Dos detritos, o guerreiro se levantou apenas com algumas leves escoriações, contudo, sua máscara sombria estava em pedaços. Antes que pudesse ter qualquer reação, percebeu que ao seu lado estava um pequeno fragmento da serpente gigante feita de cristais, nele podia ser visto o desenho de um olho vermelho sobre sua superfície opaca.
— Vejo que nossa soberana tem ficado bem ocupada. Estou certo? Vedrak, dos Sete Guardiões.
Vedrak tirou a poeira das próprias vestes. Não havia se ferido.
— Provavelmente bem menos que você, Mildifer, da casa Dorhen, ou devo dizer Ex-guardião Mildifer? O Paladino Celeste.