Volume 1
Capítulo 8: Amargo lar
Lost Sun. Horário indeterminado.
— Onde diabos está Escorpião-Sorrateiro? E a cabeça do verdadeiro corpo dele? E o seu corpo?
Nunca havia presenciado o imponente Xerife-da-Noite tão exaltado.
— Parece que agora é o senhor que me faz as perguntas, não é?
— Acha sagaz fazer piadinhas neste momento?
— Que momento? Eu não sei do que você está falando!
— Não zombe de mim, senhor Ryan!
— Ora... ora... então agora eu tenho um nome?
— Pois bem... — o xerife acalmou-se um pouco e respirou fundo. — O que quer?
— Quero as malditas resposta que busco desde o dia em que cheguei aqui!
— Pois faça o diabo das perguntas! Terá o que tanto deseja!
— Por que a mudança repentina?
— Não tire-me do sério, imbecil! Se não fosse todo o caos que causaram, não me rebaixaria a esse ponto!
— Pois diga-me, o que coloca medo no xerife?
— Você sabe muito bem! Não se faça de desentendido! Onde está o Escorpião-Sorrateiro, a sua cabeça e a cabeça verdadeira dele? Esse era o nosso acordo!
— Pois diga-me antes. Aqui é uma cidade fantasma, não é? Vocês aprisionam os mortos aqui!
— De maneira simplista, sim...
— Simplista?
— “Cidade fantasma” é só um termo barato. Uma melhor definição seria Cidade do Limiar. Não estamos necessariamente mortos, nem totalmente vivos...
— Como assim não estão mortos? Trazemos as malditas cabeças pra você!
— Uma alma nunca morre! Isso pode ser ao mesmo tempo a maior das benção e a pior das maldições! Acontece que, quando uma pessoa é assassinada por outra, os sentimentos ruins desse ato como ódio, vingança, rancor, ira e tristeza fazem com que a mesma gere o que chamamos de partículas de rejeição que a aprisionam no mundo físico e impedem-na de ir para o além vida. Assim surgem as cidades fantasma! O problema é que as partículas de rejeição geram mais ódio, morte e destruição onde ficam concentradas, e assim mais pessoas morrem, e assim as cidades fantasma se fortalecem...
— E você orgulha-se disso?
— Há! Há! Há! Há! Serio que está me dando uma lição de moral?! É assim que o limiar sobrevive! Você só está aqui por conta disso!
— Pois bem, já que agora que eu estou morto, o que me impede de acabar com essa brincadeira de uma vez por todas?
— E como fará isso?
... Droga! Não sei nem blefar direito!
— Ademais, engana-se ao achar que está morto — disse outra vez o xerife. — Não prestou atenção quando eu te disse que uma alma não morre? Almas perdidas e corrompidas como as nossas sofrerão eternamente no inferno! Você desconhece a verdadeira dor e o verdadeiro sofrimento. A verdadeira dor lhe consumirá por toda eternidade!
Engoli meus argumento a seco.
Deveria arriscar?
— Lost Sun — continuou o xerife — é a nossa única forma de fugirmos desse destino terrível!
— Como assim?
— As partículas de rejeição nos dão um novo corpo! Quando solicitamos aos caçadores que nos tragam a cabeça é porque a alma fica na cabeça! Aqui nós realizamos um ritual de transferência da alma para um corpo formado pelas partículas de rejeição.
— ...Se as almas vem parar aqui depois que a cabeça é trazida, por que eu estou em Lost Sun?
— Por que este não é o único método. Existe mais um artifício que é por intermédio das nossas armas especiais! Quando alguém é atingido por uma de nossas balas feitas de partículas de rejeição o corpo físico é corrompido aos poucos e a alma é transferida lentamente para a cidade fantasma. Você foi atingido por um desses projéteis e a sua alma está sendo drenada para Lost Sun. Obviamente o método da cabeça é o mais rápido e efetivo.
Então é isso...
— Quem são os homens de branco?
O Xerife da noite hesitou.
— ... A Ordem dos Solarius. Caçadores de fantasmas!
— O que eles querem?
— Não é evidente?
— Por que eu apareci em Lost Sun ante de ser morto de fato? É algum tipo de déjà vu maluco?
—Ah... interessante, não é?! As leis do tempo e espaço são distorcidas pelas partículas de rejeição. Quando uma cidade está no processo de tornar-se fantasma, a energia negativa contida nela faz com que as pessoas sejam afetadas em todos os âmbitos. Esse poder carregado faz com que os indivíduos fiquem perturbadas e matem umas às outras acelerando o processo de destruição do local. Podemos também ter certa ideia do futuro, embora não tão exata, dependendo da quantidade de partículas de rejeição. Sendo assim, como Whitegrass já era um local num processo avançado de “fantasmagorificação”, já estávamos lá no futuro, no limiar dos dois mundos...
Reclinei a cabeça no intuito de digerir as informações.
— O que você ainda quer de mim?
O Xerife-da-Noite silenciou-se. Pegou um documento na gaveta.
— Um último contrato... Se trouxer-me a cabeça do seu verdadeiro corpo e a do Escorpião-Sorrateiro eu o liberto de Lost Sun.
— Por que eu te traria a minha própria cabeça? E outra coisa, a minha cabeça-prêmio era a Elizabeth, não o marido dela!
— O maldito contratante deve ter-se esquecido do Mark McDonald! A mulher era só uma distração!
— Contratante?
— Os contratos não são feitos por mim! Eu só os executo!
É verdade... Ele havia dito que as pessoas presas aqui trabalham para um Senhor-sei-lá-das-quantas.
— Ouça, isso é o máximo que posso fazer por você! Traga-me a sua cabeça e viva a sua vida nesse novo corpo que recebeu! É a única forma de sair daqui. Ou abdique de tudo e seja escravo em Lost Sun para sempre!
Meus sexto-sentido dizia que havia algo a mais. De repente aquele xerife desgraçado tornara-se demasiadamente solicito. Precisava esgotar as possibilidades, tirar até a última gota de informação para escolher uma abordagem.
— Só mais uma pergunta. Qual a importância da minha cabeça e a do Escorpião-Sorrateiro, e o que te deixou tão assustado de uma hora para outra?
— Raios que me partam! Você é burro por acaso? Não prestou atenção em tudo o que eu te disse? Sua cabeça e a do outro imbecil não são o problema! Os Solarius são! Se eles raptarem os corpos e descobrirem acerca das partículas de rejeição, teremos sérios problemas!
Droga! Um deles atirou no Escorpião-Sorrateiro!
Abaixei a cabeça. No breve momento de silêncio, raciocinei buscando respostas.
— Tudo bem...
— ... Assine aqui!
Li o contrato com atenção. Poderia ser o meu último.
— Qual é a dos contratos? Não podemos simplesmente sair por aí matando à revelia?
— O universo é regido por leis. Elas dão sentido e significado a tudo. Não ache que por sermos alheios à vida podemos fazer pouco caso delas, pelo contrário...
Haviam algumas cláusulas curiosas naquele acordo. Propostas demasiadamente.... Interessantes...?
— E se eu porventura não cumpri-las...? Entrego a minha alma a vocês para todo o sempre?
— Ah, não. Desta vez será bem pior... mas se não assinar, daremos por encerrada a missão, e como você falhou em trazer as cabeças, aí sim será escravo...
Assinei o contrato da minha sentença...
Fiquei feliz em reencontrar Vento-Galopante. O animal voltara sozinho para Lost Sun após nossa última aventura.
Havíamos criado um vínculo.
— Vamos lá, garoto!
— Senhor, Coiote-do-Deserto! — Virgil, o cuidador de cavalos, saudou-me com um aceno. — O senhor Xerife-da-Noite pediu-me para substituir sua montaria. Venha, vou lhe apresentar ao seu novo cavalo...
— Um momento... Vento-Galopante e eu estamos bem sintonizados... qual seria o motivo da troca?
— Eu não questiono os motivos, senhor. Apenas obedeço... acredito que deveria fazer o mesmo.
— Não vou trocar! — Fiquei ainda mais petulante após a última conversa com o xerife. Talvez ao perceber que o mesmo precisava de mim, comecei a impor-me com veemência. — Gosto do Vento-Galopante.
— Hé! Hé! Hé! Hé — Virgil esboçou o seu bom e velho sorriso. — O xerife alertou-me acerca disso. Saiba de uma coisa, você não é especial aqui...!
— Posso não ser especial, mas precisam de mim desta vez! Vocês querem a minha cabeça e a de Escorpião-Sorrateiro. Sei que vocês não podem localizá-los, pois eles não estão em uma cidade fantasma. Por mais que mandem seus poderosos caçadores, nunca o encontrarão! Mas eu sei onde ele se escondeu!
Blefei com convicção.
— Muito bem, senhor Coiote-do-Deserto... — Virgil Esboçou um outro sorriso não tão simpático. — Terá o cavalo que preferir então...
— Obrigado pela compreensão. — sorri para o cuidador de cavalos e saí do estábulo.
Parti de Lost Sun em direção a Prudence. Fora ali que deixei o cadáver de Mark McDonald antes de bater em retirada do local.
Mesmo sem esperanças de encontrar o corpo, deveria verificar todas as possibilidades para me dar por convencido.
Chagando lá, sorrateiramente, averiguei o local. Ainda que o ambiente tenha se tornado uma cidade fantasma, receava ser atacado pelos homens de branco.
Como previsto, não havia mais nenhum sinal do corpo em Prudence.
Retirei-me para Whitegrass. Desta vez pude comtemplar uma última vez a minha antiga cidade. Prestei minhas condolências e chorei o luto pelos conhecidos. Não trabalhei por muito tempo ali, mas fora suficiente para apegar-me a alguns amigos.
— Desculpem-me, amigos! Lamento o terrível destino que os assolou. Lamento tê-los tornado escravos de Lost Sun!
— Talvez haja um jeito de reverter a situação! — Um homem gritou atrás de mim.
O eco da voz do homem perpassou através do silêncio que habitava ali. Era o mesmo indivíduo que me atacara da outra vez.
Solarius!
Saquei minha arma e aponte na direção do caçador de fantasmas.
— Onde está o corpo do meu colega? — falei.
—Se deixássemos o corpo aqui ele seria comido pelos abutres.
Quanto tempo se passou? Lost Sun confunde a minha cabeça toda vez que piso lá!
— O que você fez com ele?
— Sabemos o valor das cabeças para vocês fantasmas! Guardamos em um lugar onde não podem rastrear.
Abaixei o revólver.
— Isso mesmo, — disse o Solarius — sabemos dos seus segredinhos e de como controlam as cidades fantasmas! Porém, não vim até aqui para confrontá-lo, mas para oferecer-lhe uma ajuda!
— Uma ajuda? Acha que eu nasci ontem?
— Eu falo sério! Seu amigo está vivo! Sei que vocês querem acabar com Lost Sun...
Levantei a arma novamente.
— Sem gracinhas! Posso te mandar para Lost Sun agora mesmo se fizer algo!
O homem levantou as mãos.
— Sou a única forma de recuperar seu corpo!
Droga! Meu corpo!
— Você não pensou direito antes de contar que aquele era o seu corpo, não é?
— Eu sou meio imbecil as vezes...
— Venha comigo. Não posso te contar os detalhes aqui...
Abaixei novamente o revólver e caminhei em direção ao homem.
— Esteja preparado — Falei discretamente no ouvido do sujeito. — Há um grupo de caçadores escondidos aqui...
Joguei-me no chão e puxei o Solarius pra baixo. Uma saraivada de balas começou a voar pelo céu.
Um grupo de vinte caçadores seguiram o meu encalço.
— Não levante a cabeça! Vamos rastejar até aquele cover! — O homem gritou apontando para trás de uma casa. O som das balas tornou quase impossível ouvir alguma palavra. — Aliás, bela tentativa, maldito!
— Ei! Eu não tenho nada a ver com isso! Estava pensando em trair o xerife! Por que acha que te salvei?
— Parece que o xerife é que te traiu!
— Bem, eu nunca apostei na confiança daquele bastardo!
— Vamos logo!
Rastejamos até os muros de uma casa e nos escondemos atrás dela.
— E agora? — disse. — O que faremos?
O Solarius deu um sorriso e me mostrou um detonador de dinamite que ele tinha colocado ali.
— Pelo visto pensou em tudo...
— Sabia que voltariam em busca dos corpos. Apenas me precavi... Tape os ouvidos!
Buuum!!
Uma grande explosão mandou dez por cento da cidade pelos ares.
— Não vai adiantar de nada! Ao morrerem eles voltam para Lost Sun!
— Não esteja tão certo disso! Hé! Hé! Hé!
— O que quer dizer?
— Acha que “caça-fantasmas” é só um apelido? Somos uma ordem milenar com conhecimentos especiais transmitidos de geração para geração! Temos nossas armas especiais! Além do mais, estudar o corpo feito de partículas de rejeição do seu colega nos concedeu conhecimentos incríveis!
— O-o que você fez com ele?
— Nada! Só pegamos um pedacinho emprestado... agora, vamos deixar de papo furado! Temos que ir!
Antes de sair, olhei para trás e vi os “fantasmas” agonizando de dor. Era como se os corpos estivessem derretendo por dentro.
Naquele momento eu tive muito medo. Estava dirigindo-me ao covil dos malucos que poderiam me destruir.
Chamei Vento-Galopante com um assovio. O Solarius acompanhou-me sobre seu cavalo branco de pelos brilhante e bem cuidados.
Montei-me e dei o sinal para o animal começar a correr.
— Não tenha inveja, amigo! — afaguei o meu cavalo. — Ele pode ter pelos reluzentes e bem tratados, mas você é mais rápido.
O cavalo do homem de branco passou a nossa frente como um rasante.
— Desgraçado metido!
Saímos à galope de Whitegrass.
Após enfrentarmos um deserto terrível entre os cânions, adentramos uma caverna. Apeamos dos cavalos e seguimos à pé por um caminho escuro.
Enxergava tão pouco quanto na névoa de Lost Sun. Deveria ser a práxis das ordens secretas enfiar-se em locais escuros para que os iniciados não debandassem.
Por fim, após um longo caminho de trevas, uma luz brilhou entre as frestas da caverna. Enfiamo-nos em uma larga gruta. Era um espaço amplo com uma estrutura digna de uma seita.
Saíra de uma para colocar-me em outra.
O espaço era demasiadamente enfeitado com tecidos brancos estendidos pelas paredes da caverna.
Uma bela iluminação concedia um ar de imponência ao salão dentro da gruta. Os raios de sol saíam de uma fresta superior e encontravam-se no centro de um espelho no chão do recinto que refletia e iluminava toda a caverna.
Havia também uma mesa circular com sete cadeiras e uma longa poltrona ao fundo.
Fomos recepcionados por sete membro da ordem que estavam a postos aguardando por aquele momento.
— Ah! O cheiro da morte... Seja bem-vindo, senhor Kenny Ryan! Gostaria de tomar um chá? — disse uma bela mulher loira vestida com um sobretudo branco com detalhes amarelos.
— N-não teria uma água bem gelada?