Os Prelúdios de Ícaro Brasileira

Autor(a): Rafael de O. Rodrigues


Volume II – Arco IV

Capítulo 45: A Restituição

Isso foi há muitos, muitos anos, quando eu e meu irmão gêmeo ainda éramos crianças e vivíamos na abadia de Vertumnus.

— ... Ah! Eu lembrei! Era Zāl! — ele exclamou, virando-se para mim com um rostinho alegre. — Esse era o nome do filho de Sām, que nasceu com os cabelos brancos! Zāl, da Épica dos Reis!
— Zāl?
— Sim! Kosmo, você é como ele. Eles nunca enxergaram além da cor dos seus cabelos, e é por isso que não te amam. Mas, um dia, você terá o conhecimento divino, algo que só o grande pássaro que vive no topo do Monte Parnassus pode conceder! Você será um rei querido, sábio e obstinado, e... e muitas coisas mais!
— O Parnassus existe mesmo? Nós nunca vimos nada além das muralhas.
— É claro que ele existe. Os nomos disseram que sim.

Logo após minhas palavras, Hector tropeçou e caiu. Ele estava coberto de ferimentos por ter me defendido durante o apedrejamento. Ainda assim, se forçava a permanecer de pé e a caminhar com um sorriso.

— Hector!
— Tá tudo bem. E-Eu consigo.
— Não consegue não!
— Só estou... um pouco tonto.

Quando olhei com atenção, vi um líquido viscoso e vermelho escorrendo pelo lado de sua cabeça. Sangue.

— Essa não. Espera por mim, eu vou chamar os nomos!

Deixei-o sob a sombra de uma árvore e corri.

Era culpa minha. Eu sempre desobedecia aos sacerdotes e escapava para passar a madrugada no observatório da cidade, brincando de desmontar e montar máquinas e aparelhos. Observando as estrelas.

Numa dessas, não vi o tempo passar. Eu e meu irmão, que me escoltava, fomos pegos e levados à multidões. Crianças forasteiras, que vieram sujar a Terra Santa com suas impurezas. Mas eu era ainda pior.

Para eles, eu era uma cria dos espíritos malignos, e precisava ser apagado.

— Você entende o peso do que fez, Kosmo? — indagou o nomo Rhabeh, à noite, após eu ter confessado. — Entende agora o porquê de termos mantido você e seu irmão dentro da abadia por todo esse tempo? ... Como pretende demonstrar restituição por isso?
— Restituição?
— Um dia, Hector será o herói de Vertumnus. Ele nasceu sob a luz do destino de Padomektah. Mas você também terá um papel importante na jornada dele, e não conseguirá cumpri-lo enquanto não for Koshmayah. Enquanto sua alma não se libertar dos amores mundanos em prol da glória vindoura, a carne do seu irmão sofrerá desnecessariamente. Não acha que é hora de darmos um basta nesse laço de infortúnio?
— S-Se for pelo meu irmão... sim — respondi, com um aperto no peito.
— Muito bem.

Havia um terceiro motivo para termos sido agredidos. Nós dois éramos Marcados pelo Pecado. As cicatrizes em nossas costas mostravam que já havíamos aberto nossas asas e desobedecido aos mandos de Hermes Trismegistus.

Mesmo que os cidadãos vivessem cobertos, foram ensinados pela igreja que os Marcados pelo Pecado eram criaturas dignas de repúdio, pois repetiram o mesmo erro que levou a humanidade à perdição e à miséria.

Mas nós não cometemos esse pecado porque quisemos.

Os dois bebês encontrados pelos nomos em uma manjedoura já tinham as asas abertas e estavam prestes a morrer. Eles foram salvos graças a um remédio milagroso e criados para um dia se tornarem o par lendário, Kush’padme.

Eu amava meu irmão do fundo do coração. Para não ser mais um peso em suas costas, aceitei minha iniciação como acólito. Aprendi o que eu era e o que haveria de ser. O que eu deveria almejar e o que deveria abandonar.

Alheia-te de tudo o que existe e condena os amores mundanos. Esse é o segundo dos oito mandamentos primordiais. O significado por trás de Padomektah, o “vazio”.

Eu, Koshmayah, era uma ferramenta. Um punhado de engrenagens que servia para dar movimento ao coração do irmão maior. Não com o intuito de preenchê-lo, mas de garantir que seu caminho não se desviasse do que é eterno.

Hector, contudo, tinha um coração solitário. Para ele, até mesmo um filhote de passarinho poderia significar o mundo inteiro. Nunca tivemos nada nem ninguém que pudéssemos amar além um do outro.

— Devolve, Hector! Ele tem que voltar pro verdadeiro lar dele! — eu gritava, com o rosto e as roupas manchados pelo sangue das costas abertas de Hector.
— Não, não, não! Eu o carreguei até aqui! Ele é meu! Só meu!
— Me dá isso, seu egoísta!

Naquele momento, eu não queria a liberdade do pequeno animal. Meu dever era tirar tudo o que meu irmão usava para se preencher e devolvê-lo ao vazio. Enquanto digladiávamos, o bichinho bateu as asas e partiu.

Enquanto ele me estrangulava, eu chorava e pedia perdão com o pouco de ar que me restava. Foi quando a ira em seus olhos se dissipou, e suas mãos afrouxaram ao redor do meu pescoço. Talvez ele tivesse percebido.

Por mais que fosse por um bem maior, o que eu fazia era o mesmo que machucá-lo. Tudo o que fazíamos era machucar um ao outro. Além disso, era chegado o tempo em que eu também deveria ser tirado dele.

Era o nosso papel. Não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Hector era o resplandecente Ícaro que um dia livraria a todos do Declínio, e eu, aquele que seria apagado para que ele se tornasse uma existência una.

ᛜᛜᛜ

A multidão reunida gritava, pedras em mãos.

"Aberração!"
"Fora, aberração! Fora, fora!"
"É uma cria de espíritos malignos!"
"Fora! Para longe da Terra Santa!"

Tantas foram as noites em que acordei desse pesadelo, após ser separado do meu irmão. A cama quedava-se cheia de plumas brancas e sangue esparramado. Minhas asas haviam saltado para fora enquanto eu dormia.

Levantei-me com dificuldade e vi meu reflexo no espelho. Uma delas, a minha asa esquerda, era bem menor que a outra. Ela era assim desde que nasci. Uma deformidade, tal qual a cor dos meus cabelos.

Eu odiava esse corpo. Essa forma. A primeira fórmula da alquimia antiga deveria ter tornado os seres humanos perfeitos. Hector era perfeito. Então... por que só eu era assim? Por quê? ... Onde foi que eu dei errado?

Se as pessoas por quem lutaríamos me vissem assim, será que fariam o mesmo que fizeram? Ou ficariam ainda mais enojadas e me matariam? Naquele dia, só não me mataram porque fui protegido.

Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.

Sons repetitivos. Zumbidos de maquinarias.

— Aqui estão os volumes dessa semana. Sete com defeito, três para descarte. Mas as peças ainda podem ser reutilizadas — disse o nomo Ralkka, deixando uma caixa sobre a minha mesa de trabalho.
— Obrigado. Eu vou dar uma olhada — respondi, ajustando a lente de um monóculo.

Ao meu redor, estantes repletas de protótipos, dispositivos de auxílio e relógios. Um lugar apertado, com um leve cheiro de poeira e coisas velhas. O ateliê da igreja, onde eu trabalhava como artesão para a cidade.

Eu só tinha uns doze ou treze sóis, mas já conseguia consertar objetos quebrados e construir coisas novas. É claro, o dinheiro ia todo para a igreja, e ninguém sabia de fato quem era o artesão, mas isso não me importava tanto.

Os nomos cuidavam de mim, davam-me o que vestir, o que comer e beber todos os dias. Na minha visão, o que eu fazia era uma forma de agradecê-los pelos sacrifícios que fizeram por alguém na condição em que eu estava.

— Você nunca se cansou disso? — perguntou uma pessoa muito especial. Não no passado, mas no futuro, em um lugar que eu ainda não conhecia.

Era uma mulher de longos cabelos negros cacheados, que tinha um rosto belo e delicado como o de uma deusa.

— Do quê?
— De trabalhar sem ganhar nada em troca.
— Eu não podia sair da abadia. Dinheiro não tinha utilidade para mim.

Como era diferente a minha voz como adulto.

— Então você fez isso por você? — ela tornou a questionar.
— Como assim?
— Foi porque você não conseguia consertar a si mesmo?

Permaneci em silêncio. Eu não sabia o que responder.

— Talvez o que eu diga não valha de nada, mas... a cor dos seus cabelos e sua asa não são nada que você precise consertar. Você não é uma coisa quebrada, Kosmo.

Não? Se eu não sou uma coisa quebrada, então... o que eu sou?

O relógio caiu, e o vidro, que já estava rachado, se partiu e se soltou. Argh, que droga. As lentes sobressalentes estavam acabando. Se eu continuasse cometendo esses deslizes, teria que esperar mais recursos.

... Aquela senhorita tinha razão. Nesse passado, eu me sentia como aquela miríade de peças espalhadas. Por ser tão defeituoso, acreditava que não teria nenhuma serventia para o mundo senão como um utensílio.

Alguém como eu, que fora apedrejado e chutado, não tinha lugar no coração das pessoas. Esse trabalho era o único laço que eu era capaz de manter com elas.

Sim, eu sabia que qualquer coisa além disso era impossível, mas aquele sentimento estranho no meu peito, o de sentir saudade de algo, permanecia ali. Fazia mais de cinco anos que eu não via meu irmão.

Desde a mais tenra infância, costumávamos dormir aninhados, abraçados um no outro. Os nomos diziam que parecíamos dois passarinhos. Fazíamos tudo juntos e, apesar das brigas, odiávamos nos separar.

Nunca tivemos pai nem mãe. Apesar de Hector considerar o nomo Rhabeh como nossa figura paterna, ele não nos via como filhos, então isso não fazia sentido. Não tínhamos como ter isso com mais ninguém.

Quanto mais eu aprendia sobre o mundo, mais os defeitos dele se tornavam aparentes aos meus olhos. E quanto mais eu buscava uma verdade, maior se tornava a distância entre mim e o tempo que compartilhei com meu irmão.

Tic-tac. Tic-tac.

Os ponteiros do relógio se moviam sem parar.

A grande tribulação se aproximava. O dia da Correnteza Eterna aconteceria em quatro anos. Recebi um chamado da abadia. Juntei minhas bolsas e tranquei as portas do ateliê. Dessa vez, para nunca mais voltar.

Minha formação como herói começou. Aprendi a lutar e a manipular a ferramenta sagrada dedicada aos sacerdotes — o mangual chamado Urano —, capacitando-me para acompanhar o campeão em sua jornada.

Após os anos que passamos distantes, Hector também mudou. Para pior.

Ele era tão arrogante e convencido que não passava por sua cabeça a possibilidade de falharmos. Seu comportamento inconsequente e autodestrutivo prejudicava sua performance, e esse era seu principal obstáculo.

Haveria heróis de cidades mais ricas e poderosas do que a nossa. Se ele não desse o melhor de si, era possível que, na peregrinação à Torre dos Filósofos, acabássemos morrendo, e todo o esforço que tivemos fosse inútil.

Então eu descobri. Não haveria uma caravana. O plano original do Ministério das Profecias sempre foi que eu e Hector seguíssemos sozinhos. Nossos companheiros não passavam de peças criadas para treiná-lo até o máximo potencial.

A razão disso estava no remédio milagroso com o qual eu e Hector fomos tratados após libertarmos nossas asas: o Chrysós Lapulia. Um produto caríssimo. Boatos diziam que o próprio abutre, mensageiro da Correnteza Eterna, o produzia.

Os heróis que viessem conosco seriam apenas sacrifícios. Teriam utilidade em caso de conflitos entre caravanas, mas, como nossa rota era segura, não havia razão para desperdiçá-los. Era menos com o que se preocupar.

Pensando por esse lado, os únicos a usarem e terem conhecimento do condimento seríamos eu e meu irmão.

Normalmente, o ingeríamos em pó, misturado à nossa alimentação. Mas, no caso de Hector, usuário do protótipo bioalquímico das Asas de Simurgh, o tratamento era ainda mais delicado.

Como último recurso, caso suas asas fossem feridas, uma semente crua era necessária. Isso acarretaria efeitos colaterais ainda mais intensos e reações autoimunes. Eu mesmo já as senti.

Meu irmão era mais sentimental e tinha pavor de ingeri-lo. Fui encarregado de usar a força em caso de resistência. Isso se repetiu várias e várias vezes, e eu era quem tinha mais facilidade em lidar com ele.

— Engole, agora!! Engole, Hector!
— Kosm-.... Pare, par--... Mffm! Mffff!!
— Tá vendo só? É isso que você ganha por abrir suas asas sem necessidade!! Se você não engolir, você vai morrer! Está me ouvindo?! Você vai morrer, e eu vou chutar a sua cova!! Você vai ser um fracasso! Um completo fracasso, Hector...!!!

Era algo que precisávamos suportar. Sem isso, não sobreviveríamos ao Declínio.

Eu era Koshmayah, uma existência mais importante do que outras. Como um utensílio, eu tinha valor e significado. Eu tinha poder. Meu objetivo era um só: levar Hector ao pódio e torná-lo o vitorioso usando quaisquer meios.

Havia outros mais habilidosos do que eu, mas eu era necessário como o motor do coração do meu irmão. Sem mim, ele era vulnerável e sujeito a fatores externos. E eu também fui o escolhido pelo grão-mestre para portar a verdade.

Quando levado ao Arcabouço das Profecias, fui agraciado com um tesouro secreto de mais de trezentos anos, que eu levaria comigo à santíssima Corte dos Heróis: a versão original do pergaminho do abutre.

Nele estava contido o conhecimento sobre o único desejo e sobre o comprometido ser eleito como o mais apto ao papel de Padomektah. Essa seria a arma para atingir nossos objetivos e eliminar a concorrência.

Eu me dispus a sujar minhas mãos de sangue. Embora relutante, aceitei o fardo como meu.

— Vossa eminência, não teme que eu faça mau uso disto? — indaguei, com a voz trêmula.
— Koshmayah, tu és o único que resistirá à tentação. O caminho que lhe foi dado o guiou até aqui. Se não for você, ninguém mais será merecedor desse direito.
— Eu... sou tão importante assim?

Ele assentiu, e disse:

— Há mais uma coisa que você deve testemunhar.

Por detrás das cortinas translúcidas e do forte incenso, o grão-mestre se levantou, desvestiu os robes e a máscara, e eu revirei o rosto.

— Vossa eminência, por favor, não é necessário que-...
— Preste bem atenção. Contemple os despojos da maldição.

Os panos caíram, e diante disso, esgazei os olhos.

Quando eu e meu irmão tínhamos sete sóis, tive um sonho. Era o dia em que Hector libertaria as asas pela primeira vez, e fui encarregado de levar as velas de cera ao Arcabouço, mas me perdi na trilha do bosque.

Fui parar no zendân, o lugar onde eram aprisionados os transgressores.

Vozes me amaldiçoavam com as injúrias de sempre — aberração, monstro, cria dos espíritos malignos —, mas não havia ninguém ali além de mim. Algemas se remexiam sozinhas, como se movidas pelos sons estridentes.

Anoiteceu, e o nomo Rhabeh me encontrou encolhido em um canto, um garotinho trêmulo e assustado, e mandou-me esquecer o que vi. "É um sonho. É tudo um sonho ruim, e logo você acordará", disse ele.

Inocente como eu era, acreditei nessas palavras enganadoras. O que vi não era alucinação, nem em partes. Por baixo das vestes dos cidadãos vertumnitas, não havia pele queimada, e sim uma forma invisível.

Corpos transparentes, desprovidos de quaisquer traços de matéria orgânica. Essa era a verdadeira consequência do uso contínuo do Chrysós Lapulia. Com o passar das gerações, a prole nasceu sem pele, carne, sangue ou ossos.

As necessidades fisiológicas deles eram diferentes das minhas e de Hector. Eu nunca vi um sacerdote nomo, tampouco outro herói, comendo ou bebendo água. Eles não precisavam tomar banhos. Era possível tocá-los, senti-los, mas não vê-los. 

Além disso, eram imunes ao Declínio. As fatalidades eram nulas, e por isso se acreditava que Vertumnus era uma Terra Santa, protegida por Deus.

A sensação de a pele arder, mesmo por baixo dos panos, quando expostos à luz direta do Sol, se tratava de uma resposta emocional, instigada pelo medo que os preceitos da nossa religião impunham. Não era uma "maldição".

A entrada no mausoléu era proibida porque não havia estátuas dos mortos. As vestes da população eram fechadas com cadeados aos quais apenas o alto escalão do sacerdócio nomo —como Rhabeh e Ralkka — tinha acesso.

Os que suspeitassem ou descobrissem a verdade, os idosos, doentes e outros que causassem inconveniências ao poder da igreja sobre a sociedade, eram encarcerados no zendân e dados como vítimas da Praga do Ouro.

— Nossos corpos belos desapareceram, mas Kush’padme nos redimirá da vergonha de termos desobedecido aos mandamentos do Três Vezes Grande — afirmou aquele corpo oco, com uma voz que parecia reverberar em minha alma. — O campeão desejará a restauração de nossa pele, carne, sangue e ossos, e quando estes nos forem devolvidos, o povo acreditará que seus pecados foram perdoados. Haverá um novo amanhecer, sem a maldição que queima como fogo.
— Vossa eminência, e quanto ao mundo? No dia da Correnteza Eterna, se algo além da salvação do mundo for pedido, Vertumnus sobreviverá, mas o resto do mundo...
— Do dia da Correnteza Eterna em diante, nossa fé absoluta governará. Os filhos de Vertumnus se espalharão pela terra inculta e a trarão de volta à vida. E eles serão pequenos ou grandes senhores. Reis austeros, ou reis piedosos. Koshmayah, o que tens em mãos é um futuro nobre, esperando para ser desvelado.
— ...
— Se desejares, tu, também, serás consagrado como rei. Teus cabelos brancos não mais serão uma maldição, e sim uma dádiva dos céus.
— Que assim seja, vossa eminência.

ᛜᛜᛜ

E após Sām ouvir suas palavras, ele se levantou e foi até a casa das mulheres. Viu um bebê lindo de rosto e membros, mas cuja cabeça era semelhante à de um homem idoso. Sām, temendo as zombarias de seus inimigos, abandonou os caminhos de sabedoria. Ele levantou a cabeça para o céu e murmurou ao Senhor do Destino, dizendo:

“Ó, tu, eternamente justo e bom. Ó, fonte de felicidade, inclina teu ouvido a mim e escuta minha voz. Se pequei; se me extraviei nos caminhos de Ahriman, vê o meu arrependimento e perdoa-me. Minha alma está envergonhada, e meu coração irado por causa dessa criança, pois os nobres dirão que esse menino pressagia o mal. Eles me envergonharão, e o que poderei respondê-los? Cabe a mim remover essa mancha, para que essa terra não seja amaldiçoada!”

E assim Sām protestou contra o destino, e ordenou a seus servos que pegassem a criança e levassem-na para longe. Quedasse ela longe dos refúgios dos homens. No Monte Alborz, cuja cabeça toca as estrelas. Nunca um pé mortal foi plantado em sua crista...! Sobre ele vivia Simurgh, o pássaro deslumbrante. Com ébano e sândalo construiu seu ninho, torcendo-o com aloés, de modo que era como a casa de um rei. As maledicências de Saturno não o alcançavam.

Então, Simurgh avistou a criança no chão, desnuda e sem nada para se alimentar, chupando os dedos de tanta fome, e disparou à terra para carregá-la em suas garras. Ela o levou para seu ninho, para que seus filhotes o devorassem. Mas, quando o trouxe, seu coração se agitou em busca de compaixão. Portanto, ordenou a seus filhos que o poupassem e o tratassem como um irmão. Ela escolheu carne tenra para alimentá-lo, e cuidou da cria abandonada.

E assim fez Simurgh, incansável, até que as Luas e os anos rolassem sobre suas cabeças, e o menino crescesse como um jovem cheio de força e beleza. E sua fama encheria a terra, pois nem o bem nem o mal podem ficar escondidos para sempre. E aconteceu de o rei Sām ter um sonho no qual via um homem cavalgando em sua direção, montado em um corcel. O homem veio para dar notícias de seu filho, em tom zombeteiro, dizendo:

"Vide, tu, que ofendeste todos os deveres. Renegaste teu filho por ter cabelos brancos, tão embora tua cabeça se assemelhe a um choupo prateado. Agora que um pássaro cuidou de tua prole, abdicarás de todo parentesco com ele para sempre?"

Shahnameh, “A Épica dos Reis”
Ferdusi, meados de 1010

EMBLEMA XXXVI
Uma pedra é lançada sobre a terra, e exaltada nas montanhas, e habita no ar, e se alimenta no rio, isto é, Mercúrio.

"Diz-se que a Pedra é um lixo vil, jogada nas estradas,
e que tanto os pobres como os ricos a possuem.
Outros pensam que está no alto das montanhas,
entre as brisas do ar, ou que se nutre nos rios.
Tudo isso é verdade, de certa forma,
mas eu os advirto a procurar um tesouro tão grande
em um local montanhoso."

ᛜᛜᛜ

Hey, aqui é o Rafa!

Este capítulo inicia o quarto e último arco de Os Prelúdios de Ícaro, "Exaltatio". Muito obrigado por ler até aqui. Considere deixar um favorito e um comentário, pois seu feedback me ajudará bastante!

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