Volume I – Arco I
Capítulo 10: A Máscara, ato II
— Está pensando em como evitar o duelo?
Eu quase derrubei o líquido do frasco. Ufa. Se eu o desperdiçasse, teria que refazê-lo.
Noite passada eu dormi muito mal. Quando acordei, não tinha nem amanhecido. Assim que me encontrei com a senhorita Circe, ela já veio me convidando para irmos ao laboratório, antes mesmo de eu pedir desculpas.
Desde então, ela esteve me ajudando a preparar um remédio que trataria das dores que Hector sentia após guardar as asas. Abri-las para lutar o machucaria de novo, mas ao menos teríamos uma medida paliativa.
— Misture os extratos dessas duas plantas. Elas também têm propriedades analgésicas.
— Obrigado.
— Você está sendo gentil com o comprometido bocudo — disse. — Já aviso de antemão que não se pode recusar um desafio, ou o vitorioso será julgado indigno perante a Corte dos Heróis. Poupe-se de imprudências.
— Sim, sim.
— Falando nisso, Kosmo está morrendo de ansiedade, e não sai do quarto desde a audiência.
— Hector também não. Eles são gêmeos mesmo.
— Há mais semelhanças entre eles do que dão a entender. Os dois são uns teimosos.
— Você é bem próxima do Kosmo, não é, senhorita Circe?
— Sim, eu diria.
— Na audiência, quando o assunto sobre os apedrejamentos veio à tona, você estava defendendo-o? Eu fiquei sabendo que pessoas com cabelos brancos, como ele, sofrem com--...
— Ambos os irmãos já sofreram com apedrejamentos.
Os dois...?! E quanto a Hector, que tinha cabelos negros? Teria sido por causa de suas asas, ou das cicatrizes? Não fazia sentido. Eles eram heróis, e deveriam ser no mínimo merecedores de respeito e gratidão.
— Embora seja considerado crime e heresia, as pessoas o praticam do mesmo jeito. O meu avô também foi vítima disso.
— Seu avô também tinha os cabelos grisalhos?
— Sim, mas por conta da idade, o que já não é o caso de Kosmo. É uma longa história. Eu prefiro não tocar nesse assunto.
— Entendi.
— Peço perdão pelo alvoroço de ontem. É difícil engolir esse tipo de coisa, muito menos quando diz respeito a alguém importante pra mim. Kosmo não vai se defender. Se eu não falar nada, creio que ninguém falará.
— Não precisa nem pedir desculpas.
— Não acha que passei dos limites, ou que fui excessiva?
— Se alguém passou dos limites, foram eles. Até Hector falou bobagem e ouviu por isso. Você fez o certo.
— Que bom. Para dizer a verdade, eu sei que eu estou certa.
— Hã?
— Eu só uso disso para testar o bom senso das pessoas. Parabéns, você passou.
— Ah, entendi...
Ela era uma pessoa excêntrica, mas eu não a julgava.
— Senhorita Circe, poderia me explicar mais sobre o que disse na audiência? Da alquimia não ser a causa direta do declínio.
— Onde está o sulfeto de... — Ela vasculhava o refrigerador, sem prestar atenção em mim. — Ahá! Achei! Oh, sobre isso, é melhor deixar para outra ocasião. No momento, algo me preocupa mais.
— O que seria?
— Theseus. Como deve ter percebido, ele é um rapaz sensível. Os conflitos recentes o deixaram abalado. Ele está sempre tentando fazer amigos, mas esse não é o melhor ambiente para isso.
— ... Eu não fazia ideia de que ele se sentia assim.
— Kosmo está do jeito que está, e eu tenho medo de ser fria demais. Você devia ir conversar com ele. Theseus adora você.
— Pode deixar.
Fechei o frasco, e o enrolei numa bolsinha de pano. É isso, tudo pronto.
— Obrigado, senhorita Circe. Eu aprendi bastante essa manhã.
— Você tem minha permissão para fuxicar sempre que quiser. Gosto de você. É um bom homem.
— Aahhh!! — gritava alguém que vinha de lá de fora, alarmando-nos. — Um desastre, um desastre! Corram para as montanhas!
Era Theseus, cheio de rãs penduradas em suas roupas. E não só isso, elas estavam espalhadas por toda a cidadela, como uma praga, e nunca as vi tão ariscas!
Eu lembrava de tê-las deixado dormindo. Por deus, o que estava acontecendo?!
— Falando no diabo, ele aparece.
— Terumichi, me ajude! O senhor Kaeru, digo, os senhores Kaeru estão loucos!
— Calma, eu dou um jeito nisso!
Ergui o medalhão, e elas voltaram olhares para o brilho da joia vermelha. Num instante fui praticamente coberto. Eu estava quase acostumado com as patinhas grudentas.
Bom, pelo menos meu amigo estava são e salvo. Não que elas não fossem inofensivas. A vantagem é que, agora, eu tinha uma bela de uma armadura de anuros.
— Está tudo bem aí...? — indagou Circe, observando cuidadosamente.
— Sim. Apesar de tudo.
— Me permite pegar uma delas para fins de estudo?
— Nem pensar.
— Desculpe, Terumichi — pediu Theseus. — Eu estava voltando do banho e queria brincar com o senhor Kaeru, e do nada todas começaram a me seguir! Eu acho que elas acharam que eu fosse um invasor.
— Está tudo bem. — Com um sorriso, tirei uma do meu nariz. — Vamos procurar pelas outras, e depois você pode brincar à vontade.
Um caos completo havia se instaurado na Torre dos Filósofos.
Indo até a ala dos aposentos pessoais, vimos Kosmo descabelado e de pijama, tirando rãs dos pergaminhos e livros que emprestou da biblioteca. Uma delas até colocou seu monóculo na boca.
— Me dê isso aqui, criatura abismal! Aargh!! — berrava, mais parecido com o irmão gêmeo do que nunca. — De onde vieram esses sapos?!
— Não são sapos, são rãs!
— Que seja! Deem um jeito nisso já, vocês dois! — Bateu a porta.
— K-Kosmo? Ainda tem uma nas suas costas.
Geralmente tão calmo e contido, era até estranho vê-lo com o humor assim.
Depois, seguimos a trilha que rumava ao charmoso quarto de Castor e Pollux, enfeitado com cortinas e sedas azuis claras.
A senhorita Pollux, com seus cachos molhados, sentava-se a um banco e trajava um vestido longo — um chiton. Soava como uma rainha ou deusa, rodeada por flores brancas, espelhos e... rãs, lógico.
— Ora. Parecem agitados. Precisam de alguma coisa?
— Mil perdões, senhorita Pollux! Viemos pelos anuros!
— Oh, que pena. Justo quando finalmente escolhi nomes apropriados para estas três pequenas. Foi bom conhecê-las, “Criança Apocalíptica da Estrela Anã de Barbara”, “Luz da Ressurreição de Alcenoterius” e “Escuridão Absoluta de Hades”.
Ehhhh...?! Por que isso lembrava a minha mãe?
— Então essa coisa gosmenta é sua. — Ao sairmos, escutamos uma voz vinda do fim do salão.
Era Ganymede, com a quadragésima e última rã na mão. Ele estava tão lindo em seu robe que fiquei até enrubescido.
— Sim! Obrigado, Ganymede. Fiquei com medo de elas se machucarem.
— É “senhor Ganymede” para você. E ela interrompeu o meu banho. Tome mais cuidado as deixando soltas por aí, ou vão acabar sujando a água do hammam. — A colocou em minha cabeça, junto das outras.
Eu usava do honorífico “-san” referindo-me à senhorita Circe, por uma questão de educação, e ela também não me pediu para chamá-la só de “Circe”. Mas no caso de Ganymede, o que ele pedia que eu usasse era o “-sama”.
Ganymede-sama. Seja lá como isso se traduzisse na língua arcadiana, ainda era um exagero.
— Desculpe, senhor Ganymede.
— Bem melhor. Se me dão licença, devo ir escovar os cabelos de minha senhora Pollux. Chega de animais nojentos e olhudos por hoje.
Que maldade. Eles eram olhudos, mas não nojentos. Além de limpinhos.
Se uma pessoa como Ganymede aparecesse na minha escola, com certeza haveria boatos chamando-o de afeminado e vaidoso. Mesmo na forma de se comportar, ele não era nada do que se esperava do “homem” japonês.
No entanto, utilizava de pronomes que, ao menos na minha língua, seriam considerados bastante masculinos.
— Ganymede! — chamou Theseus.
— É senhor Ganymede!
— Tá bom, tá bom. Eu só ia perguntar se você aceita almoçar comigo depois.
— Almoçar? Com todo respeito, recuso. Como fiel servo da família real de Carmenta, não me alimento na presença de outras pessoas além de meus mestres. Passar bem.
— Ah, então tá legal...
Logo me dei conta. Ele estava tentando entrosar com mais alguém, e ficou entristecido com a rejeição.
Todavia, eu sabia exatamente o que fazer. Após deixarmos as rãs no meu quarto, o levei ao cenáculo e pedi para as máquinas prepararem um almoço para nós dois. Ele ficou maravilhado.
Enquanto eu lutava contra o meu primeiro prato, Thes já devia estar no terceiro ou quarto. Se ele se alimentava tanto, como era tão baixinho? Essa comida toda virava músculo?!
Quando satisfeitos, fomos descansar de frente para a sacada, com a vista para o continente desvelado pelas nuvens. Cheio de montanhas, desertos e outros biomas misteriosos. Me dava vontade de ir lá conhecer, mas não nos era permitido descer a torre.
E, mesmo se fosse, o risco de contrair a maldição do ouro era altíssimo.
— Não foi a primeira vez que ele recusou — disse. — Ganymede é desconfiado e não se deixa aproximar. Não à toa, né...? Nós estamos aqui para lutar por um ideal maior. Mas de onde eu venho, as pessoas são bem hospitaleiras e receptivas, e é um costume comermos todos juntos. Sinto um pouco de falta disso.
— Como era lá em Salacia, Thes?
— Hmmm. Lá tem um mar, muitos barcos, e bate um vento frio igual a esse.
— Então é uma cidade litorânea.
— Aham! Dizem que, no passado, já foi o centro da pesca e das navegações, mas hoje só temos viagens para Juno, que também fica de frente pro mar. Os barcos precisaram ser completamente modificados para resistirem ao Declínio propagado na água. Senão, nenhum viajante chegaria vivo ao destino.
— Entendo.
— A vida marinha também ficou escassa, e só não tivemos tantos problemas com a fome por causa dos auxílios prestados pelo governo de Juno. Eu mesmo nunca passei fome, mesmo não sendo da realeza como Circe e outros. ... Mas eu tinha um amigo. Seu nome era Pirithous. Ele era o príncipe de Salacia.
Por sua expressão, e por não haver nenhum Pirithous no Anfiteatro, imaginei que essa pessoa já não estivesse entre nós. Devia ter sido um dos que caíram no caminho até aqui.
Theseus também vivenciou a perda de uma pessoa querida. Ele costumava agir tão alegre e afetuoso que isso sequer me passava pela cabeça. O mal das aparências, provavelmente.
Não deveria ser novidade que, como um herói, ele carregava o peso da vida de alguém nas costas.
— E em Agartha, como era?
— Era... confortável, eu acho — respondi, olhando para a Terra estampada no céu. — Muitas pessoas, prédios altos e carros.
— Carros? Tipo carruagens?
— São tipos diferentes de carros. Mais “mecanizados”, digamos. — Subitamente, me caiu a ficha. Tirei o celular do bolso para mostrá-lo algumas fotos. Ainda tinha bastante bateria, já que o deixei desligado. — Olha. Isso se chama “fotografia”. É quando capturamos um momento em especial e transformamos em uma imagem.
— Como uma pintura!
— Isso aqui é um carro, ó — apontei.
— Parece uma concha de ostra tatu! Hahaha! E essas construções são enooormes. O que é aquilo ali atrás? Uma torre?
— É a Torre de Tóquio. É uma atração turística.
— E essas coisas escritas? Você sabe falar em outra língua?!
— Como posso explicar...? Digamos que sim, mas graças ao poder do Amaranto, eu entendo o que você fala como se fosse na minha, e você entende o que eu falo como se fosse na sua.
— Isso é incrível. É tão diferente. Veja só como vocês se vestem. As árvores são tão verdes.
— Tem uma época do ano que as folhas delas ficam alaranjadas e caem. Quer ver?
— Sim, sim!
Meu dedo parou numa foto minha ao lado de Tsubasa, do dia em que visitamos o observatório da Tokyo Skytree, a maior torre de radiodifusão do mundo. Nós ríamos, com nossas bochechas muito próximas.
— Quem é esse, Terumichi?
— Um amigo. Um amigo muito, muito querido.
— Você se separou dele vindo para cá?
— Eu criei uma separação entre nós para proteger a imagem que eu mostrava para as pessoas. Não fui verdadeiro com ele, nem comigo mesmo. Caso tivesse sido, as coisas não teriam terminado daquele jeito.
Meus dias giravam em torno de Tsubasa.
Tirar boas notas e manter minha posição como o estudante de honra da Academia Kinran não era o que me fazia realizado, e sim ele. Eu era tão estúpido e egoísta. No fim, o troquei por um punhado de ouro e me arrependi.
— Então você se parece conosco — afirmou. — Nós também fazemos de tudo para manter nossas máscaras, mesmo que isso signifique que alguém vai se machucar. Nós realmente somos parecidos.
O fitei, um pouco abismado com o tom mais grave e melancólico de sua fala. Foi a primeira vez que o ouvi assim, e achei até que fosse outra pessoa.
— Hehe. Foi mal. Que jeito estranho de dizer, né? Por dentro, o Theseus é assim, ó! Esquisito! — Ele esticou as próprias bochechas, fazendo uma cara engraçada. Eu gargalhei, tirando-lhe um sorriso. Em pouco, me abraçou. — O que importa é que você está sendo verdadeiro agora. Não está?
— Sim. Eu estou.
— Obrigado, Teru. Tudo bem se eu te chamar assim?
Teru. O apelido pelo qual Tsubasa me chamava. Ele era o único a me chamar assim, de forma tão íntima.
— Tudo bem. Eu adoro esse apelido.
— Sabe de uma coisa? A audiência me fez muito mal. Eu não queria ver ninguém brigar. Mas estou feliz que encontrei você nesse labirinto.
Eu é quem estava feliz por ter sido encontrado.
Theseus foi o primeiro para quem me abri sobre esses sentimentos tão honestamente, e ele os acolheu, mesmo quando eu tentei acolher os dele.
Por mais que eu sentisse muita falta da minha família em Tóquio, eu já não conseguia imaginar o meu cotidiano sem ele, Kosmo e Circe presentes. O meu comprometido incluso, mesmo com nossos desentendimentos.
Do canto da porta de seu quarto, o vi polindo a lâmina da espada. Tratando-se de lutas, armas e equipamentos, Hector era dedicado e perfeccionista. Seus aposentos eram organizados e cheiravam ao seu perfume.
Como esperado, ele resmungou na hora que me ofereci para passar o remédio nas cicatrizes, mas não demorou muito até ceder e... resmungar de novo.
— Aai! Isso é gelado!
— Tira a mão! Que susto você me deu.
— Eu odeio coisa gelada. Tira isso.
— Já vai passar. Vamos lá, senhor herói. Tá achando que é um gato doméstico?
Com o tempo ele acalmou e ficou menos reclamão.
Aquelas marcas, tão grandes que percorriam suas costelas, seriam logo reabertas. Ele sabia disso, mas, ao longo da semana, parou de esbravejar e sair falando “não faz sentido, é inútil!”, todo carrancudo.
Aos poucos, Hector se tornava menos resistente a certos afetos. Digo, ele passou até a pedir por eles.
— Isso tem te ajudado durante os treinos?
— Sim. Muito.
— Hoje finalizamos o tratamento, então vamos ver como suas costas vão ficar pelos próximos três dias. — Eu tampei a jarra e catei meu manguito da cama. — Só tome cuidado para não lesionar.
— Você é um médico ou curandeiro?
— N-Não! Quer dizer, meus pais vivem insistindo para que eu estude medicina. É o sonho deles. Eu sei de umas coisas, mas só o básico — disse. — Deixe-me lavar as mãos. Elas ficam um pouco dormentes por causa do remédio.
— Não pare.
— Huh?
— Continue, só mais um pouco.
— ... Certo.
Eu não podia exagerar na dosagem, então apenas o massageei.
Quando Hector se endurecia como armadura, tão áspero que eu mal conseguia reconhecê-lo, era uma atuação. Uma máscara, através da qual performava um guerreiro frio e impetuoso.
Seria bom se ele pudesse abrir o coração comigo, não só durante essas curtas oportunidades de se mostrar vulnerável. Porém, o que ele estava acostumado a sentir em suas costas era o rasgar da pele, e não um afago.
Para tirá-lo esse fardo, encerrando os duelos de vez, o que eu precisava oferecer em troca?
De repente, a luz tomou a tonalidade vermelha, reduzindo-nos a silhuetas sombrias. Não mais parecíamos estar ali, ao menos não em carne e osso.
Escutei as vozes daquelas duas máscaras gregas — Tragédia e Comédia — que sempre tratavam de me preparar uma história diferente a cada dia. Tão sarcásticas, deram início a um show.
— Ooohohoho! — gargalhava Tragédia. — Finalmente, finalmente consegui! A minha mais perfeita coleção de máscaras para usar em todos os oito mil oitocentos e oitenta e oito bailes que programei para esse ano está finalmente completa!
Vestindo uma delas, pôs-se à frente de um grande e ardiloso cavalo de madeira.
— Eu posso ser Odisseu, um líder inteligente e astuto!
Vestindo outra, tirou uma espada de seu manto para decepar a cabeça do fantoche de uma medusa.
— Ou até Perseu, que nasceu de uma chuva dourada!
Muito brevemente, as muitas versões de si mesmo brindaram com uma só taça de vinho.
— Santé! Podendo ser tantas pessoas diferentes, tornar-me-ei uma existência infalível! Ninguém verá o meu “verdadeiro eu”, afinal, isso sequer tem como existir! Ooohohoho!
— Ahá! Te peguei no flagra, impostor! — apontou Comédia, derrubando uma porta.
— E-Eurídice? Você estava aí esse tempo todo?!
— Então quer dizer que você era Odisseu, Perseu, Atreu e Egeu, todos ao mesmo tempo. Você disse para mim que era Orfeu e que me amava! Por acaso toda a nossa lenda foi uma mentira?!
— Fique calma! Isso é um mal-entendido, um grande mal-entendido! — Ele guardava as máscaras atrás de si, tentando se explicar. Então, teve uma infeliz surpresa. — ... Eurídice? O que aconteceu com você? Consegue ouvir minha voz? Eurídice...!!
Orfeu, ou quem quer que fosse, não sabia que quando uma mentira é sustentada por tempo demais, pode acabar se tornando verdade. E foi assim que Eurídice acabou aprisionada no submundo pela eternidade.
— Ugh, por que esse troço não quer sair do meu rosto?
ᛜᛜᛜ
✤ Museu dos Mistérios da Natureza ✤
Musaeum Mysterium Naturae
O Coliseu está localizado ao centro do Anfiteatro, sendo a maior e a principal das estruturas em funcionamento. Também é onde reside o Imperador das Rosas. Infinidades de aparatos teatrais e esquemas de elevadores o movem, dando a impressão de serem parte de um organismo vivo.
Como já visto em um momento anterior, o Coliseu oferece treinamento contra dummies, pistas de obstáculos e provações que botam em exercício a disposição física e habilidades latentes dos heróis que optam por fazer uso. Porém, essa está longe de ser sua única função.
Ao longo de um combate na Corte dos Heróis, cenário, sonografia, holofotes, ejetores de fumaça e truques de luz constroem um espetáculo visual, tendo um caráter performático e teatral que se transforma de acordo com os conteúdos internos de cada desafiante.
“Como diabos isso funciona?”, você pergunta. Vai saber.
Mas é a partir desses tais conteúdos que, no subtérreo, é fabricado todo o trabalho cenográfico. A confecção dura alguns dias, e, apesar de o resultado soar realista, a maior parte dos materiais utilizados está longe de sê-lo, o que explica o fato de as peças serem facilmente danificadas.
É claro, ater-se aos detalhes exige esforço e dedicação extra por parte do núcleo. A praticidade e a convencionalidade são levadas em conta, mas o apelo visual é priorizado aqui. Muito em breve, veremos do que mais esse grandioso mecanismo é capaz de produzir.
... Você não me parece muito feliz com isso. Bem, é compreensível. Afinal, a semelhança com o Coliseu de Roma não é mera coincidência.
O Anfiteatro Flaviano da Roma Imperial tinha como intuito gerar entretenimento através da exibição de combates de gladiadores, naumaquias, veações e execuções públicas, desviando assim a atenção da população dos problemas enfrentados pela sociedade romana da época.
É possível que este “Anfiteatro da Eterna Sabedoria” tenha nascido do prazer de espetacularizar a tragédia e o sofrimento.
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