Livro 1
Capítulo 8: O Herói Contra o Comandante das Bestas
A caverna era apertada e claustrofóbica. O teto ficava a cerca de três metros do chão e as passagens tinham em torno de dois metros de largura.
Apertada para um orc, mas bastante espaçosa para um humano. Com toda a probabilidade, foi usada pelos orcs como uma posição de base da linha de frente durante a guerra.
Mesmo Bash, apesar de toda a sua experiência na guerra, não sabia disso. Deve ter sido abandonada há mais de vinte anos, pelo menos, até que os bandidos a encontraram e fizeram dela seu esconderijo.
Levou apenas um tempo surpreendentemente curto para alcançar Judith.
Após entrar nela e chegar a uma espécie de câmara aberta, Bash logo lidou com os guardas de vigia. Então Zell veio em alta velocidade, tagarelando com entusiasmo.
— Chefe! É a sua chance! Por aqui! Rápido, rápido! Neste momento, neste momento, neste segundo, sua cavaleira está à beira de ser violada e devorada! Esta é a sua sugestão para montar um resgate! Mas se você não se apressar, será tarde demais! Você deve se apressar, chefe! Pressa! Na verdade, eu recomendo atravessar aquela parede e fazer seu próprio atalho!
Houston permaneceu na caverna, dizendo que garantiria a saída e lidaria com quaisquer inimigos. Na opinião de Bash, ele tinha treinamento mais do que adequado. Mesmo que tivessem reforços, poderia lidar com alguns bandidos sozinho.
Agora, bem diante dos olhos do orc estava a mulher que ele estava atrás há dias, seminua e exposta. O pequeno guerreiro dele se animou de imediato ao vê-la. "Chefe! Agora é a hora!", parecia dizer enquanto se levantava rigidamente entre as suas pernas, porém ignorou. Se Houston estivesse ali, com certeza ficaria surpreso com a visão. Um orc confrontado com a visão de uma mulher nua e ainda restringindo a fera dentro dele. "Que herói", pensaria.
Claro, ela não era a única na sala. Havia também outro orc e vários bandidos humanos.
— O que tu quer? Ei, é um orc. É um amigo seu, chefe?
— Cê veio ajudar? Tarde demais, já lidamos com todos os soldados.
Todos os bandidos lançaram olhares interrogativos para ele, e nenhum muito alarmado com sua entrada. Em vez disso, pareciam curiosos para saber a identidade desse estranho que surgiu de repente pela parede.
Os bandidos se voltaram para seu líder com curiosidade.
— Chefe, quem é esse?
— O-o quê...? O quê...?
A pele verde de seu líder ficou com um tom azul doentio, como se tivesse virado um orc azul. Trêmulo e confuso, tudo o que parecia ser capaz de dizer era “o-o quê?” enquanto o olhava com os olhos arregalados. Lembrava daquele rosto.
— É você, Boggs?
— Eek!
Boggs. Sim, Bash sabia quem era. Um soldado orc — domador de feras — que comandou um grupo de bugbears durante a guerra. Era o único orc que havia alcançado o título de mestre das bestas. Nunca foi capaz de aceitar o tratado de paz com os humanos e se opôs abertamente ao rei orc. Como resultado, foi expulso do país.
— Boggs, é proibido que os orcs forcem mulheres. Devemos primeiro obter o seu consentimento.
— Eu... eu estava apenas... eu não estava forçando ela! Ela queria que eu fizesse isso!
— … Conta outra.
O rosto dela estava coberto de ranho e lágrimas, e tentava em desespero esconder suas partes íntimas. Se isso era o que o consentimento parecia, então ele já poderia ter descartado a sua virgindade com aquelas duas comerciantes que conheceu na floresta.
— Ei, chefe... Geral pensou que era um amigo seu, mas pelo jeito que ele tá falando contigo, ele é o inimigo, né, não? — Um dos bandidos sacou sua espada, e então com um sorriso presunçoso e condescendente, veio correndo na direção dele.
Seus olhos estavam cheios com a intenção de matar.
— Acertou.
Bash assentiu, respondendo em um tom suave.
Não havia necessidade de negação ou subterfúgio de qualquer tipo.
— Então morra!
O bandido foi rápido. Erguendo sua espada na altura do peito, empurrou o oponente, mirando no seu olho. Não era nada mais do que um bandido agora, porém esteve na guerra e sobreviveu. Confortável lutando em espaços confinados, era bastante habilidoso com a espada.
— Essa arma grande e chique não vai te fazer muito bem aqui! — Empurrou a sua lâmina para frente, esperando desferir um golpe mortal.
Assim como podia visualizar na mente a ponta de sua espada perfurando o olho do orc e enviando sangue fresco... sua própria cabeça explodiu em um jato e caiu no chão, morto.
— Humm?
Nenhum dos outros conseguiu processar o que acabara de acontecer. A cabeça de seu parceiro desapareceu, no momento em que saltou para atacar o inimigo. Isso tinham visto com seus próprios olhos, só que não fazia o menor sentido.
— O quê?
Um entre eles notou o que havia ocorrido, no entanto. A espada do orc havia deixado sua bainha e agora estava em uma mão. A espada larga foi à direita e depois à esquerda. Como poderia ter brandido ela nos confins apertados da caverna? Um segundo depois, a parede ao redor explodiu com um rugido de som. Era como se tivesse comido a própria parede para abrir caminho.
— Eh, pá!
Todos se encolheram e gritaram quando as paredes explodiram. O golpe as atravessou antes de partir a cabeça do bandido atacante em duas. Foi o que aconteceu. Os escombros agora caindo por toda a caverna era o único sinal visível do balanço dela.
Entraram em pânico demais para processar o que ocorreu, entretanto. Tudo o que sabiam era que seu parceiro morreu e que as paredes explodiram. Podiam somente se encolher de terror. congelados. Nem perceberam que estavam dentro do alcance do ataque.
Com uma expressão sombria, balançou a espada pela segunda vez.
O grupo trêmulo de bandidos foi rapidamente separado das metades inferiores de seus corpos.
Nem tiveram tempo de gritar e agora jaziam em vários pedaços diferentes em poças de seu próprio sangue. Nenhum jamais saberia o que os atingiu.
— ... Merda!
O único que restou vivo foi Boggs, que havia testemunhado Bash em ação de perto antes. Era o único que tinha entendido que espaços apertados não eram obstáculo para o outro e que a lâmina atravessaria as paredes e dizimaria os corpos desavisados dos bandidos. Como resultado, foi o único que pensou em sair do alcance do ataque.
— Por quê? Por que tu veio aqui?! — berrando alto, de repente saiu correndo até fora da sala e indo à saída da caverna.
Quando Bash deu um passo à frente para segui-lo, Zell sussurrou algo em seu ouvido, e o orc parou de repente. Então, de forma lenta, virou para Judith.
Ele estava ofegante, óbvio. No chão na frente dele estava uma mulher quase nua, as mãos amarradas juntas para que não pudesse esconder seu corpo da vista dele.
— Yeek!
Ela engoliu em seco. Restavam apenas os dois na sala agora. Uma mulher seminua e um orc de pé em total atenção. Ah, lá estava a fada também, esvoaçando perto do ombro dele, emitindo um brilho suave.
Ela não estava em conluio com os bandidos, afinal. Mas Judith sabia que a coisinha não estava do lado dela. Desde o início, fora leal apenas ao orc. A pequena se inclinou e começou a sussurrar algo no ouvido dele. Ela tinha certeza de que estava dizendo algo como: "Agora é sua chance de transar com ela, chefe!". Talvez tivesse sido o plano o tempo todo, desde o início. Os seus nervos estavam no limite, e estava pronta para acreditar que o mundo inteiro estava conspirando contra ela.
Ele lentamente se aproximou.
— Não! Cai fora! Eu... hã?
Ele não tentou tocar a pele nua dela. Em vez disso, cobriu a sua pele pálida e exposta com o sobretudo pesado que ele próprio estava vestindo.
— O quê...?
— Eu vim para ajudá-lo. Eu vou desamarrar você. Então deve usar um pouco disso nos soldados caídos na área da prisão. É pó de fada. — Desfez as amarras e entregou a uma pequena garrafa.
Ela sabia tudo sobre pó de fada, é claro. Era valioso. Uma fada só poderia fazer uma certa quantidade por dia. Deve ter vindo da fada que estava se contorcendo de vergonha em algum lugar perto da orelha de Bash.
Foi quando enfim tudo se encaixou. O orc veio salvá-la. Ela estava sendo ajudada; resgatada, em outras palavras, daquela situação aterrorizante. Não ia acabar como a sua irmã.
— Você deveria ser grata, sabe? Nosso plano... quero dizer, o plano do chefe... Se eu não tivesse ido adiante como espiã, você seria a carne em um sanduíche de bandidos agora mesmo!
— Eu... eu sou grata!
Estava envergonhada, mas não podia negar sua gratidão. Não era apenas um serviço da boca para fora. Ele não apenas salvou a sua vida, porém o seu próprio espírito. Ao mesmo tempo, ficou surpresa. Como poderia um orc olhar para uma mulher nua e não fazer nada? Talvez ele fosse impotente? Não, mesmo agora, a excitação dele era visível, a protuberância em seu quadril muito aparente. Em outras palavras, reprimiu seus próprios desejos lascivos e colocou o bem-estar dela acima de tudo.
— Mas…
— O que é? Já abri um buraco na parede da prisão. É o primeiro à sua esquerda.
— Eu... eu já entendi! É só... por que você não está me estuprando?
— Você... quer que eu te estupre?
— O quê?! N-não!
Judith puxou o casaco pesado mais apertado ao redor dela. De repente estava tremendo de novo, lembrando seu terror de antes.
— Mas eu pensei que os orcs adoravam capturar mulheres de outras raças e... engravidá-las?
— Sim, só que o próprio rei proibiu atos não consensuais de coito com mulheres de diferentes raças.
Quantas vezes ouviu essa frase nos últimos dias? Ele era como um idiota repetindo isso direto. Estava convencida de que ele era só conversa. Contudo, de repente, foi atingida por uma onda de emoção. Ela entendeu. Sim…Isso era lealdade.
Aquela demonstração de força um momento atrás... perfurando paredes, deixando uma impressão em forma. Dominando e matando seis homens adultos ao mesmo tempo. Com uma força assim, poderia ter tomado qualquer mulher que quisesse. Quando Judith o rodeou na estalagem, ele poderia ter pulverizado todos os soldados e ter feito o que quisesse com ela sem sequer suar uma gota de suor.
Não fez isso, todavia. Porque era leal ao rei orc e se conteve. Sim... tudo fazia sentido agora. Era por isso que Houston tinha o orc em tão alta consideração. Como um grande orc do país orc. Como um habilidoso guerreiro orc. Ele estava a par até mesmo com o líder dos cavaleiros da capital real. Assim que ela começou a entender tudo, ele se virou para sair.
— Aonde você está indo?
— Atrás do outro.
Bash recebeu ordens de Houston para “matar até o último”. Pretendia cumprir seu dever como ordenado. Houston não era o senhor dele, mas era o comandante desta área. E um orc sempre obedece às ordens do oficial encarregado.
— Entendo... É por isso que você...
Ela chegou a uma interpretação diferente das palavras dele.
Respeitava o seu senso de lealdade, e como resultado, agora achava que tinha uma boa ideia do que ele estava fazendo lá.
Por que veio para o país humano, por que permitiu que os humanos o detivessem e o interrogassem, por que se juntou à busca na floresta junto com os soldados, por que veio correndo para esta caverna escura para salvar uma cavaleira tola como ela, por que estava ignorando as tentações em favor de perseguir o inimigo... em favor de perseguir outro orc... tudo fazia sentido agora.
E agora que entendia, sabia que não havia como ela ficar no seu caminho.
— Hmm?
— Ah, nada... eu entendo. Que a sorte da guerra esteja a seu favor.”
— Uh-hum.
E com isso, foi embora.
Bash encontrou Houston em seu caminho de volta pelas cavernas, lutando na caverna.
O humano foi cercado por uma dúzia de bugbears, lutando por sua vida.
A área da caverna era um pouco mais larga do que as passagens, mas ainda fazia parte do sistema claustrofóbico.
Se os ambientes apertados não fossem ruins o suficiente, enfrentar uma dúzia de bugbears em um espaço tão pequeno parecia dar a Houston uma enorme quantidade de problemas.
— Vão em frente, meus bugbears! Cerque o humano! Matem ele! Matem-no agora! — Boggs também estava lá, gritando ordens, maça na mão.
Parecia meio enlouquecido, controlando as bestas, encurralando Houston em um canto.
O general estava pensando em nada além de defesa e suportando o ataque do inimigo de alguma forma.
Se Boggs quisesse fugir, teria sido melhor ignorar o humano e fugir, porém ele era ágil e estava tentando bloquear a rota de fuga do orc.
Havia apenas uma passagem que levava à saída. Apenas uma.
Bash sabia que Boggs não deveria ter nenhum problema em esmagar um soldado humano. E, no entanto, não conseguiu lidar com isso. Foi por causa das habilidades do general? Não, porque ele estava frenético e fazendo um péssimo trabalho ao dirigir seus bugbears.
— Boggs!
— B-Bash?!
Boggs se virou ao ouvir seu nome.
Parado ali estava o orc que acreditava ser o mais forte do país orc, o qual foi banido.
Empunhando sua espada grande, Bash foi andando à sua direção.
— Gah! Cerquem-me! — gritou em desespero, mesmo sentindo seu sangue gelar.
Todas bestas abandonaram Houston e foram para o lado de Boggs.
Protegido por um círculo de bugbears, encarou o herói de sua nação nos olhos.
— Por quê?! ... Por que você veio aqui?
Bash respondeu, seu tom firme e uniforme.
— Recebi ordens para te matar.
— Ah! Então é assim, não é? — Compreendeu imediatamente. Por que estava aqui, por que o Herói Orc, que deveria estar descansando sobre os louros em seu país natal, veio aqui matá-lo.
Entendeu tudo com somente algumas palavras simples.
Podia ser um orc renegado, expulso em desgraça, mas também já foi um soldado.
Como domador de feras, experimentou muitas batalhas. Era visto com muito orgulho pelos outros da raça. Sim, de fato, era tudo o que um orc deveria ser.
As ordens do rei estavam em desacordo com os valores dele. Chega de violar mulheres relutantes? Não há mais inimigos?
Que absurdo! Se você tirasse as mulheres e a guerra dos orcs, o que sobraria? Nada!
Então se manifestou em oposição e foi expulso.
Mesmo tendo se juntado a bandidos, não abandonou seu orgulho.
Não, à sua maneira, sempre procurou defender os valores da raça.
Suas ações desonestas foram consideradas desagradáveis pelos orcs, entretanto, que desejavam a paz com os humanos.
Por isso a ordem foi dada.
A ordem para o matar.
Ter qualquer um que tentasse perturbar a paz entre os orcs e os humanos mortos.
E quem poderia ter emitido tal ordem?
Havia apenas um que poderia ter dado tal comando ao maior orc de todos.
O rei orc. Aquele desgraçado, Nemesis, ordenou que sua cabeça fosse tomada. Para Boggs, essa era a única resposta possível.
— Eu sou realmente tão desprezível em seus olhos? Só por ser um orc que não segue ordens cegamente?!
Sabia que nunca poderia vencer uma luta contra o oponente.
Seus instintos estavam gritando para jogar a maça de lado, cair de joelhos, curvar a cabeça e implorar por misericórdia.
O orgulho e valores o impediam, porém
Como rastejaria diante desse homem, esse orgulho dos orcs?
Como poderia cair de joelhos e se curvar diante dele, que mesmo agora estava segurando uma espada no alto?
— Eu sou o Mestre das Bestas Boggs do outrora poderoso reino dos orcs! — falou o seu nome em voz alta.
Seu oponente, um herói.
— Hmm. Então eu sou o Herói Orc Bash, um soldado do capitão Budarth, do outrora poderoso reino dos orcs.
Falar o próprio nome em voz alta, soltar o grito de guerra padrão e depois lutar uns contra os outros até a morte... Esse era o antigo costume do duelo orc. Boggs ofereceu o desafio e o outro aceitou; um duelo entre dois grandes guerreiros, e os costumes padrão se aplicavam neste caso mais do que nunca.
— Graaaah!
As paredes da caverna tremeram com a força do grito de guerra do Mestre das Bestas. O som fez todos os bugbears pularem para frente como um só.
— Graaaah!
Bash soltou seu próprio grito de guerra em resposta.
Os bugbears avançaram como uma onda, mas ele deu um passo à frente para encontrá-los, não demonstrando nem um pingo de medo.
Um passo dele o trouxe ao alcance dos bugbears.
Assim que suas grandes patas acertaram o chão, um clarão repentino surgiu.
Os três bugbears foram dilacerados na hora.
— Gragh!!!
Ainda rugindo, Bash avançou.
A cada passo, um bugbear atrás do outro explodia em um jato de sangue e osso.
Para a espada larga, afiada e velha e confiável dele, as bestas eram pouco mais que gado pronto para o abate.
No final, restaram apenas cinco.
Esses eram lutadores experientes, aqueles que haviam sobrevivido à guerra. Mais fortes que ogros, mais rápidos que homens-lagarto, o orgulho e a alegria de Boggs.
— Graaagh!
Ele deu mais um passo à frente, seu grito de guerra sacudindo as paredes da caverna.
A lâmina brilhou em uma tempestade de aço.
Todos os guerreiros orcs acreditam ser os mais fortes.
Seria imprudente dizer isso, mas mesmo um soldado mediano acreditava que poderia derrotar mesmo o próprio rei orc se tentasse.
Contudo, mesmo o mais arrogante teve que admitir para si mesmo que nunca poderia vencer um duelo contra Bash.
Nenhum poderia escapar do poder do ataque dele.
Sua espada era simplesmente muito rápida, muito poderosa.
Os olhos de Boggs não eram afiados o suficiente para seguir os seus movimentos. Os bugbears foram abençoados com uma visão melhor do que os orcs e uma maior capacidade de ver objetos em movimento, e, portanto, capazes de ver os ataques vindo em sua direção.
Com sua força, que rivalizava com os ogros, e sua inteligência, a par dos homens-lagarto, tentaram desviar do ataque do orc.
Podia ter funcionado, mas não contra Bash.
Mesmo o Herói Humano, Ashes, o Assassino de Gigantes, que uma vez matou um ogro com as próprias mãos, não poderia aparar tais golpes. Mesmo um dragão, com uma pele de escamas grossas, não poderia manter a cabeça em seu corpo no meio de tal ataque.
Bash era um Herói Orc que apavorou e acabou com todos os inimigos, matando até o último deles.
O orgulho da raça. Não existia ninguém que pudesse sobreviver contra ele.
Os cinco restantes foram transformados em picadinho em um piscar de olhos.
— Oh! Ohhh!
Os seus olhos estavam cheios com a visão horrível de seus amados companheiros de guerra — que lutaram por ele por tantos anos no campo de batalha — agora reduzidos a pilhas de sangue.
Sua mão apertou o cabo da maça.
Por que não deu um passo à frente para lutar ao lado de seus bugbears?
Por que não escolheu morrer com eles?
Por que não deu nem um passo à frente na briga?
Dominado pela culpa e arrependimento, seu peito de repente começou a se encher de desejo de batalha, com sede de vingança.
O medo também o dominou. Medo do inimigo.
Sempre acreditou que o espírito de luta e a própria batalha eram tudo na vida. Essa crença o levou a desafiar o rei orc, para acabar preso em um duelo mortal contra um Herói Orc. Todavia, agora, depois de tudo que ele passou, estava aterrorizado demais para se mexer.
E com raiva também... com raiva de si mesmo.
— Gaahhh!!!
Fechou o punho e deu um soco na coxa com ele.
Ficou zangadíssimo como sempre, e o medo se foi, fazendo-o descobrir que finalmente podia se mover.
— Baaaash!
Bash não se moveu.
Ele só pensava em acabar com a vida do oponente à sua frente.
— Boggs!
Enquanto gritava o nome do outro orc em voz alta, flashbacks de suas memórias com ele começaram a passar pela mente.
Quando tinha acabado de entrar na guerra, quando seu braço era fraco e magro, viu o domador um dia. Ele e seus bugbears. Que visão incrível tinha sido vê-los atravessar o campo de batalha em perseguição assassina do inimigo!
E como parecia esplêndido para o jovem Bash, bem no meio da batalha, brandindo sua maça sem piedade. Que viril, de tirar o fôlego!
Ele tinha certeza de que nunca alcançaria esse nível de força. O Mestre das Feras parecia de outro mundo. Com o tempo, o alcançou e ultrapassou. Agora não sentia nem um pingo da admiração que tanto o afetara nos campos de batalha de sua juventude.
— Graaagh!
— Grooo!
Uma faísca.
A maça ressoou contra a espada.
Aço contra aço. A lâmina enviou faíscas dançando ao longo da superfície da maça enquanto ela torcia e dobrava em uma forma inútil e distorcida.
A espada de temperamento demoníaco continuou ao longo da trajetória do golpe de Bash, sem dobrar ou deformar — ou mesmo sofrer qualquer dano visível — enquanto terminava o caminho cravando no fundo da cabeça de Boggs.
— Gah...
O pescoço dele se tornou uma fonte de sangue. Agora sem cabeça, o corpo caiu de joelhos. Ajoelhou-se ali por um momento. Então, finalmente, foi derrubado de vez. Era o único orc que havia alcançado o título de Mestre das Bestas. O maior que já domou um bando de bugbears selvagens estava morto.
— Hah...
Bash soltou um suspiro e olhou ao redor.
Não havia inimigos restantes na caverna. Todos os catorze bugbears foram exterminados em segundos. Nenhum bandido sobrevivente. Mesmo que houvesse, com Boggs fora, não havia como continuarem com sua trama.
— Boggs…
Olhou para o cadáver, pensando no passado.
Todos os soldados o conheciam, e sua reputação como domador de bestas era muito grande. Vinha fazendo o que fazia há tanto tempo — muitos anos antes mesmo de Bash nascer, na verdade.
No meio do que parecia uma batalha sem esperança, falou com o Herói Orc.
— Bash, você é o orgulho dos orcs. Você é o guerreiro que todo orc deseja ser.
E Bash respondeu:
— Se não fosse por você, eu nunca teria sobrevivido por tanto tempo.
Sim, lembrava daquelas palavras e quão cruas e reais aquelas emoções tinham sido.
Boggs foi... um guerreiro verdadeiramente notável.
Tinha a impressão de que ele morreu na batalha final. Nunca sonhou que o encontraria de novo aqui, como um orc desonesto e renegado.
Alguma coisa deve ter acontecido com ele, mas não sabia o quê. Nem entendeu o significado das palavras finais dele. Boggs, desprezível aos olhos de Bash? Nem um pouco disso. Ele o tinha respeitado.
— Esse foi último?
Houston estava falando, seu rosto marcado por feridas recentes. Parecia ter sido arranhado pelas garras imundas de um bugbear. As feridas estavam vermelhas e com uma aparência meio pesada, altas chances de já estar infectado.
— Sim. Eu já matei todos os bandidos lá dentro.
— E quanto a Judith e os outros?
— Eles estão mais atrás. Ninguém morreu ainda.
— Entendo. Isso é uma boa notícia, pelo menos. Devemos levá-los de volta para a cidade.
Houston estava limpando suas feridas com saliva enquanto falava.
"Bash seria capaz de lidar com as coisas sozinho" pensou. Foi por isso que priorizou garantir a rota de fuga; o general superou as suas expectativas.
Matou catorze bugbears em rápida sucessão e até mesmo derrubou um guerreiro orc. Digno do título de Herói.
"... É incrível que consegui escapar de um orc assim tantas vezes..." Deu um suspiro de alívio.