Livro 1
Capítulo 6: Zell Armadilheira
Com sua pequena estatura e capacidade de voar em velocidades máximas, a raça das fadas deveria ter sido idealmente adequada para realizar o reconhecimento.
A verdade, no entanto, era muito diferente. Todas emitiam um brilho fraco, e na escuridão da noite ou da floresta profunda, os tornava evidentes. Ainda assim, considerando o tamanho minúsculo e a velocidade delas, não deveria ser uma desvantagem tão séria.
O problema não era o brilho, por si só. Era a tendência de esquecerem essa característica. Muitas vezes escondiam suas cabeças enquanto negligenciavam esconder suas bundas, por assim dizer.
Uma escondida na escuridão, inconsciente de seu próprio brilho... Tal era evidente que seria capturada.
Pelo lado bom, pouquíssimas eram mortas após a captura. As valorizavam por suas propriedades medicinais, é claro, mas muitas pessoas também eram supersticiosas quando se tratava delas, acreditando que qualquer um que matasse uma estaria condenado ao fogo do inferno.
De qualquer forma, Bash não esperava muito do esforço de Zell nesta ocasião. Contanto que voltasse viva, tudo bem para ele. Nem ela seria tão descuidada para ser capturada por bugbears. E se fugisse dos humanos, não havia necessidade de se preocupar com eles matando a pequena. Além disso, mesmo que fosse pega, seguiria o cheiro dela, como fazia.
Como previsto, ela não voltou.
— Parece que foi mesmo capturada.
Bash e companhia seguiram o seu cheiro, chegando a um lugar estranho.
A entrada escancarada de uma caverna apareceu das rochas à frente deles. Foi, na verdade, coberta com videiras de hera rastejantes. Houston e os outros humanos não perceberam a caverna escondida no início.
— Este é o trabalho de seres sencientes. Alguém deve estar controlando os bugbears, usando-os para seus próprios propósitos.
— Domadores de bestas, você quer dizer?
Membros da raça dos demônios eram conhecidos por capturar e treinar animais selvagens e monstros para fazer suas ordens. Durante a guerra, suas técnicas de treinamento foram utilizadas apenas pela Aliança das Sete Raças, mas ao longo de muitos anos de batalha, a prática passou a ser bem estudada e acabou sendo adotada por todas nações.
Uma anedota particularmente popular sobre domar bestas envolvia os humanos e sua manipulação bem sucedida de um grande dragão.
Após a guerra, cada país reduziu seu exército, e muitos ex-soldados se viram sem vocação na vida. Muitos ex-domadores acabaram optando por roubos e outros crimes.
— Nesse caso, precisamos nos infiltrar e emboscá-los! Podemos extrair a fada e matar todos os domadores e bugbears ao mesmo tempo! Certo, general Houston?
Judith parecia animada com a perspectiva de ação. Se a fada tivesse sido capturada, bem, então a resgatariam, simples. Esse foi o óbvio curso de ação.
— Não... Devemos esperar até o anoitecer.
Houston não compartilhava a opinião dela.
— Nós não sabemos os entra e sai desta caverna, nem sabemos quantos do inimigo esperar. Não arriscarei nossa segurança. Vamos esperar até o anoitecer.
— Mas, senhor!
Era uma caverna, talvez o esconderijo principal do inimigo. O procedimento usual neste tipo de situação seria voltar à cidade e obter reforços. Com vinte ou trinta soldados, cercariam a área e apagariam o inimigo sem nem precisarem colocar os pés lá dentro.
No geral, era o que o general faria. Contudo, agora um deles foi capturado e não tinham como saber como os criminosos poderiam estar tratando seus prisioneiros.
Depois de conduzir sua operação em tal segredo até agora, o inimigo pode pensar em matar a fada ao perceber que tinham sido encurralados. Ainda assim, provavelmente não seria morta de imediato. Era apenas uma fada e tinha vindo só. Enquanto falasse demais, não teriam razão para acreditar que foram rastreados.
Além disso, ela sobrevivera a incontáveis lutas, então não deixaria escapar informações vitais. Pode ser que já tinha sido engarrafada para uso como uma fonte de medicina portátil.
Se Houston estivesse no lugar do inimigo, não faria isso. Consideraria uma fada vagando em sua caverna como um péssimo sinal e a mataria na hora, antes de evacuar.
Os criminosos estavam indo muito bem até agora, entretanto. Não parecia provável que jogariam toda a sua operação pelo ralo só por causa de uma pequena mosca. Seguindo a lógica, estava segura.
Ainda assim, Houston não se cegou para as possíveis complicações em andamento. Se ela abriu a pequena boca e falou demais... "Meus amigos estarão aqui a qualquer minuto para me resgatar! Eles são membros do exército de defesa de Krassel, você sabe! Vocês todos vão ser presos e levados direto para o bloco de corte!". Caso dissesse algo assim, então tudo acabaria.
No início, ririam, vendo-a como nada além de uma criatura tagarela de pouco significado, apta somente para colher o seu pó. Pelo menos, até o amanhecer do dia seguinte.
As pessoas têm uma estranha tendência a encontrar clareza súbita na manhã seguinte, seus cérebros filtrando as informações enquanto dormem e levando-os a conclusões lógicas. Quando a manhã chegasse, Zell seria apagada, e fugiriam. Afinal, eram tão sofisticados que conseguiram escapar dos investigadores de Krassel enquanto cometiam ataques graves. O próximo passo parecia óbvio.
Para ser honesto, tudo bem para o general. Os ataques na estrada parariam, e a cidade conheceria a paz mais uma vez. O único problema era... seus subordinados.
A fada não era responsabilidade dele, mas se abandonasse uma companheira na frente de seus leais soldados... Bem, a perspectiva era impensável. E havia Bash a considerar, também. Não teve coragem de condenar a boa amiga deste grande orc à morte bem na frente dele. Não tinha escolha, apenas a de lançar uma missão de resgate usando o que possuía atualmente à disposição.
Não seria necessário arriscar a vida de seus soldados sem uma consideração cuidadosa. Para aumentar suas chances de vitória, decidiu um ataque noturno.
Se ela tivesse os entregado, então o inimigo estaria no limite, com certeza. Estariam em alerta, prontos para um ataque a qualquer momento. Contudo, ficar em alerta por um longo período de tempo? Difícil. Se esperassem um pouco, o inimigo começaria a relaxar e até mesmo dormir. Supondo que Zell ainda estivesse viva, isso lhes daria a melhor chance de resgate.
— Sr. Bash, tudo bem para você?
Houston fez questão de checar seus planos com o orc, por precaução. Se fosse por ele, o orc provavelmente invadiria sozinho e acabaria com todos usando as próprias mãos. Nesse caso, o general e seus homens nem precisariam entrar.
“Se assim for, vá em frente, Bash. Seja nosso convidado.”
Mas Houston era um homem cuidadoso e sabia melhor do que apostar em um coringa. Claro, se Bash se opusesse ao plano e afirmasse que iria sozinho, não seria detido de modo algum.
— ... Sim.
Após alguns momentos de silêncio, apenas concordou com Houston.
Judith ficou indignada.
— Que diabos?! Você vai esperar também? Foi a sua amiga que eles capturaram, você sabe! Eu pensei que orcs deveriam ser guerreiros corajosos, atacando em batalha, não importa as desvantagens!
— Orcs sempre seguem ordens primeiro, então lutamos bravamente fazendo exatamente como fomos orientados. O comandante decidiu nosso plano, e eu vou segui-lo como instruído. Os ataques selvagens e imprudentes pelos quais os orcs ainda são conhecidos só tinham acontecido durante os estágios iniciais da guerra.
Com o tempo, aprenderam muitos truques de guerrilha. Fazer uma emboscada, atacar de surpresa, derrubar tropas inimigas, matar primeiro os líderes, queimar os suprimentos do inimigo, cortar o seu acesso à água doce, e assim por diante. Todas essas ações envolveram cumprir a ordem de um comandante.
O irônico é que foi o exemplo humano que ensinou tudo isso aos orcs, ao longo de cerca de um século. Até os dias atuais, ainda não eram capazes do tipo de sofisticação que os humanos possuíam de maneira tão natural, contudo aprenderam a pensar com cuidado antes de agir. Se não aprendessem, nunca teriam estabelecido sua própria cadeia de comando, que ia de chefe a chefe de guerra e a grande chefe. Aprenderam a seguir as ordens do chefe do clã local sempre que ficavam nas aldeias de diferentes clãs orcs.
Em outras palavras, Bash sendo um orc moderno e tudo mais, pretendia cumprir todas as ordens que o General Houston ordenasse.
— Fora isso, Zell vai ficar bem.
— Você não tem nenhuma prova disso. Você só... não, esqueça! Não adianta nem falar com você! General Houston, senhor, por favor, dê a ordem. Vou levar os outros soldados para a caverna e lançar um ataque total, não descansando até que todos os criminosos tenham sido exterminados!
Houston coçou o queixo enquanto Bash e Judith olhavam para ele com expectativa.
— Hmm... Ela está certa. A segurança de Zell é uma preocupação séria. Dizem que as fadas não costumam ser mortas, mas não há garantia, não é? Então, qual é a sua razão para estar tão confiante de que ela vai ficar bem?
— Se ela fosse fraca o suficiente para ser morta aqui, já teriam morrido há muito tempo na guerra.
A resposta de Bash foi breve, mas ressoou em Houston. Afinal, às vezes fadas muito fracas ou tolas eram mortas, e ela sobreviveu a inúmeras capturas durante a guerra e viveu para contar a história.
Sorte? Pode ser, só que o general não pensava assim. Ouvira histórias dela fugindo inúmeras vezes. Sem dúvida havia muitas outras ocasiões também — aquelas das quais simplesmente não tinha ouvido falar. Se também levou em conta essas incidências desconhecidas, então sempre era pega e escapava. Um tipo normal de fada teria sido morta centenas de vezes em circunstâncias semelhantes; ela, não. Não podia ser atribuído à sorte.
— Entendo. Faz sentido, senão, não a chamariam de Zell Armadilheira à toa. Não estou confiante, mas estou disposto a esperar e ver.
O nome dela era bastante famoso. Adquirir um apelido de qualquer tipo da guerra era uma espécie de prova de que alguém conseguiu se distinguir, não importando a verdade de seus atos.
— Tudo bem, todos. Vamos esperar. Observaremos a caverna dentro dos limites de nosso feitiço silenciador e, em seguida, lançaremos um ataque contra o inimigo enquanto ele dorme.
Sim, esperariam. Foi isso o decidido.
Judith ainda não fora convencida.
— Mas, senhor, por favor, reconsidere!
— O que você disse?
— Nossa companheira pode estar em apuros neste exato momento!
— De fato. Isso é possível. Eu gostaria de fazer o nosso melhor pela criaturinha, porém não temos tempo para voltar à cidade para reforços. Então, vamos lançar um ataque à meia-noite com o que temos.
— Não, devemos atacar agora!
— Já falei sobre o assunto. É muito perigoso, vamos esperar. — O tom dele ficou áspero, fazendo a cavaleira recuar e cerrar os punhos.
Ainda franzia a testa com dissensão. A novata estava lutando para respeitar a autoridade e ficou irritada com a decisão dele de dar mais importância à opinião de Bash do que à dela. Parecia desesperada para que as coisas fossem do seu jeito, em vez de obedecer Houston como o protocolo ditava.
"Bem, eu posso simpatizar. Esta é sua primeira missão, afinal."
Sim, ele entendia. Agora, entretanto, tinha o comando.
No momento em que anunciou que se juntaria ao grupo de busca na floresta, a missão deixou de ser dela. Foi uma transferência de poder não sofisticada, com certeza. Enquanto estivesse comandando, faria o possível para garantir que todos voltassem vivos e que o caso se resolvesse.
Era o planejado.
— Tudo bem, vamos colocar um homem de vigia enquanto o resto dorme um pouco. Sr. Bash, tudo bem para você?
— Vou acatar a ordem do comandante.
Então o orc foi direto a uma árvore próxima, encostou as costas e fechou os olhos.
— Tudo bem. Jett, você é o primeiro. Se algo ocorrer, acorde-nos.
O primeiro vigia foi ficar na entrada da caverna, em alerta. O general previu que teriam cerca de cinco horas para esperar antes que o inimigo decidisse agir. Quando chegasse a hora, dormiria enquanto outro fazia a guarda, e esses dois seriam deixados para cuidar da retaguarda enquanto o resto se infiltrava lá dentro.
Houston tinha duas boas razões para deixar alguns homens para trás. Primeiro, isso evitaria que inimigos adicionais entrassem na calada da noite e interferissem. Segundo, no caso de todo o grupo ser eliminado, ambos poderiam retornar à cidade e informar ao vice-general o que ocorreu.
Normalmente, ele sempre se certificava de cuidar da retarguarda ele mesmo.
No fim das contas, esta deveria ser a missão de Judith. Ele, como um general vital do exército, deveria ser protegido, porém Bash estava lá. Portanto, a opção de enviar o grupo sem ele enquanto esperava em um lugar seguro não estava disponível.
Havia esquecido alguma coisa, no entanto.
Os soldados verdes eram uma coisa, mas a cavaleira também era uma absoluta amadora, que só estava no serviço ativo por cerca de um ano naquele momento.
Todos se alistaram em tempos de paz e nunca experimentaram uma batalha real.
Duas outras coisas importantes que Houston nem percebeu. Primeiro, seus subordinados se inclinavam mais para a lealdade à novata do que a ele. Segundo, depois de verem como o general se curvou às opiniões de um orc, começaram a nutrir um profundo ressentimento em relação a ele, seu superior... E no mesmo momento, Zell poderia estar implorando por sua vida.
— Eu juro, eu estava apenas passando! Você sabe, uma pequena viagem solo de uma fada no impulso. Bem, por acaso eu avistei esta adorável caverna e pensei que seria o local perfeito para explorar durante minhas aventuras! Nunca sonhei que já fosse habitada por vocês, bons camaradas! Tudo o que posso fazer é me desculpar por invadir sua residência! De qualquer forma, por favor, não me matem... Ah... Na verdade... que tal me deixar entrar na sua gangue? Veja, eu sou uma fada, e posso fornecer meu pó e... e outras coisas! Sim, pó de fada! E outras coisas! Vocês gostam dele, não é?!
Foi capturada pelos bandidos depois de entrar na caverna, como previsto. Agora estava cercada e falando a mil por hora.
Todos os bandidos usavam expressões iguais de perplexidade. Notaram o brilho fraco na escuridão e logo a capturaram há uma hora, e ela não parou de falar desde então. Estavam acostumados a ouvir as pessoas implorando por suas vidas, todavia a maneira como ela agia começou a derreter seus corações frios. Apesar de estar embrulhada em um pequeno rolo de pano, conseguiu se esgueirar até eles como uma lagarta.
Antes de ela conhecer o Herói Orc, tinha outro apelido pouco conhecido: Zell, a Suplicante Misericórdia.
Uma vez conseguiu escapar ilesa de alguém conhecido como Gordon, o Devorador de Fadas. A visão dela implorando por piedade influenciava os corações até mesmo do inimigo mais cruel. Era um dos truques em que confiava para sobreviver à guerra.
— Hmm, não há necessidade de ir em frente e matá-la agora, não é?
— Há o pó de fada a considerar também.
— E podemos ser amaldiçoados se a matarmos.
Os bandidos olharam uns para os outros, avaliando os sentimentos uns dos outros sobre o assunto, apesar de sua extrema pilosidade, era fácil ver que eram todos humanos.
Os humanos há muito mantinham uma superstição sobre serem amaldiçoados se matassem uma fada.
Isso, juntamente com os benefícios óbvios do pó medicinal, fez com que matar ela fosse uma opção idiota.
— Então vamos lá, caras, o que acham de me desamarrar para que eu dê um pouco do meu pó para vocês! O pó de uma fada feliz lhe dá um bom impulso de serotonina, sabe!?
— Não seja absurda, não vamos a desamarrar. — O pedido dela foi ignorado.
As fadas eram criaturinhas traiçoeiras. O grupo de bandidos sabia que ela fugiria no momento em que fosse liberada.
O método geralmente aceito de confinamento de fadas a longo prazo era enfiá-las em uma pequena gaiola ou garrafa.
— Saca só, manos. É sério, se não estivesse embrulhada assim, eu poderia produzir uma montanha inteira de pó de fada! Eu estou falando de montes! Antigamente, por exemplo, me chamavam de Tempestade de Pó!
Temia a gaiola e a garrafa, então, para evitá-las, sempre tentava se aproximar de seus sequestradores. Dessa forma, podem ficar um pouco mais dóceis, ou assim esperava. Na maioria das vezes, os resultados eram mistos, no entanto.
— Ei! O que estão fazendo?
De trás dos bandidos veio uma voz profunda e gutural.
Em uníssono, todos se viraram.
— É o chefe!
Pareciam encantados.
Se separaram para permitir que o dono da voz passasse, e a figura iminente entrou no campo de visão de Zell.
Então, este era o chefe do grupo de bandidos, o mais estranho e inculto que ela já vira.
Braços carnudos, uma boca enorme, olhos afiados.
Vestido com roupas de couro rígidas, também usava um colar feito de caveiras, que era antiquado ao extremo e de mau gosto.
A principal característica que ficou aparente, porém, foi a sua pele. Verde.
Sim, pele verde. E duas presas longas e fortes saindo de sua boca enorme.
O chefe era um orc.
— Oh, oh!
No instante em que pôs os olhos no orc, algo acendeu na memória dela. Com apenas um vislumbre daquela figura enorme, sabia quem era.
Foi mesmo apenas um vislumbre na luz úmida da caverna, mas foi o suficiente. Ainda assim, não conseguia lembrar o nome dele, somente de como ele era depois de encontrá-lo no campo de batalha.
— General! É você, não é?! Há quanto tempo! Sou eu! Zell! Zell, a fada!
Aliás, sempre foi terrível em lembrar nomes, e rostos também.
O único orc que podia reconhecer com segurança era Bash. Todos os outros eram meio esquecíveis. Certamente não se preocupou em lembrar o nome desse à frente. Quando encontrava algum, se referia com formas de tratamento honoríficas e multifuncionais, como general ou chefe.
— O que temos aqui? A lacainha de Bash? O que você está fazendo em um lugar como este?
O nome de Zell era bastante conhecido entre a raça deles, no entanto. Não havia um único vivo que não estivesse familiarizado com ela depois de testemunhá-la grudada a Bash como cola durante a guerra.
— Você precisa ouvir minha história, general! Então, lá estava eu, em uma viagem para ver o mundo inteiro depois da guerra e tudo mais. Enfim, me deparei com esta esplêndida caverna! E pensei comigo mesma: "Zell, a caverna cheira a tesouro"! Então eu entrei... só que infelizmente, a única coisa que cheirava era esse bando de humanos desalinhados! General, você tem que me ajudar! — Tentou ao máximo pular e se contorcer para se aproximar do orc.
Parecia indigno, de fato, porem ele a reconheceu como uma velha companheira de guerra.
Ora, sua vida foi salva inúmeras vezes por ela e pelo Herói Orc.
— Tudo bem, tudo bem, soltem a fada! Somos velhos parceiros.
— Você tem certeza? Fadas são notórias tagarelas, e esta aqui sabe tudo sobre nós. Se ela falar...
O orc fez uma careta, presas salientes enquanto olhava para o grupo hesitante de bandidos. Então inclinou seu rosto horrível contra o dela e murmurou em um tom ameaçador: — Ei, fada. Estar aqui é um segredo, entendeu? Não vá contar a ninguém, certo?
— Eu nunca sonharia com isso! Você já me viu contar um segredo? Esses meus lábios estão bem selados! Eu? Falar? Nunca! Ora, se eu fosse o tipo de fada tagarela, o chefe... quero dizer, Bash, teria sido morto há muito tempo, deixando nada além de uma estátua dele para lamentar no país dos orcs!
Na verdade, isso era verdade. Zell nunca contou um segredo. A fada era falava muito, com certeza, contudo a maior parte do que falava era inconsequente. Tinha muito orgulho de sua capacidade de distinguir entre informações confidenciais e meras palavras. Nunca revelou um segredo genuíno em toda a sua vida.
— Certo, desatem ela.
— Sim, senhor.
Os bandidos assentiram, ainda parecendo inquietos apesar da ordem firme do chefe. Desamarraram ela, hesitantes.
Ela rolou livre dos embrulhos, disparou no ar e saiu direto da caverna... Apenas em sua mente. Na realidade, voou até o chefe e começou a pairar em expectativa na frente do rosto dele.
— Obrigada, general! Você me salvou! Você é tão sábio quanto generosamente bom! Mas, general, por favor, diga... Por que você está tendo reuniões clandestinas com um bando de humanos em um lugar como este?
O seu dever era reunir informações. Embora fosse despreocupada, nunca negligenciava o dever.
— Hmph. Bem, Nemesis, aquele traidor, tá insistindo na paz! Tira as luta dos orcs, o quê que resta? Nada! É isso! Eu me recuso a concordar com isso aí! Então eu deixei o país dos orcs. Nessas viagem, encontrei esses bando de humanos e nos entendemo. — Olhou para eles, todos sorrindo e rindo. — No começo, fiquei receoso porque sou orc e eles humano. Daí percebi que tu ainda pode encontrar gente com ideias semelhante, mesmo entre raças diferentes.
— Fascinante! Então você está aqui fazendo uma aliança com a intenção de começar uma nova guerra? Matar todos que estão em seu caminho ao longo do caminho? Como... como... destruidores?
— Precisamente! Bem, na verdade, eu gostaria de dizer isso. A verdade é que ainda não tá indo muito bem. Neste momento, tamo reunindo poder em segredo para que os orcs e os humanos não descubram. Então, quando nós ficar fortes o suficiente, lançaremos nossa operação em grande escala!
— Uau, isso é demais, general!
Ela aparentou estar chocada e impressionada. "Agora que descobri o que precisava, é hora de voar" pensou e começou a esvoaçar pela caverna para se orientar.
Foi quando notou vários pares de olhos brilhantes, visíveis no escuro. Criaturas desconhecidas estavam na caverna com eles.
— General! T-tem algo mais aqui com a gente!
— Claro que tem. Tu se esqueceu? Eu sou um domador de feras.
Zell conhecia a arte demoníaca de domar bestas, é claro. Era uma prática estranha, diferente da magia. Um poder sombrio que até mesmo pessoas comuns poderiam exercer, não apenas magos. Isso permitia que uma pessoa tomasse as mentes dos outros e as dobrasse à sua vontade. Um exemplo era o seu uso para domar criaturas selvagens e indisciplinadas…
“Você está no comando dos bugbears!”
Várias engrenagens começaram a se encaixar no minúsculo cérebro dela. O nome do enorme orc chegou a ela naquele momento: Boggs, um dos oito grandes chefes que sobreviveram à guerra.
O Mestre das Bestas Boggs. Ele comandou uma horda de cerca de cem bugbears na guerra, que usou para matar centenas de milhares de humanos. Foi um banho de sangue. Claro, fez mais na guerra do que apenas comandar bugbears. Era um soldado tão forte quanto qualquer outro orc e empunhava uma maça de aço, usada para esmagar centenas de inimigos em sacos sangrentos de carne e osso. De fato, um lutador formidável, que lutou por quarenta longos anos.
— Infelizmente, o bando original que criei de filhotes diminuiu seriamente em número... — Lançou um olhar terno e amoroso para os que estavam aconchegados em um canto da caverna.
Durante a guerra, o bando dele havia ultrapassado cem em número.
Comandou mais do que qualquer outro orc.
Durante os estágios finais do grande confronto, foram quase exterminados em uma série de derrotas esmagadoras. Ficou com apenas um pequeno grupo, com menos de dez.
Ela conseguiu distinguir com clareza uma dúzia relaxando na caverna escura, apenas alguns eram do tipo robusto e musculoso adequado para a batalha. Os outros pareciam ter passado apenas alguns anos desde que foram domados. Ficou claro que seus corpos eram muito mais fracos e insignificante do que os espécimes prontos para lutas. Sempre se disse que os bugbears de Boggs eram mais fortes que os ogros e mais espertos que os homens-lagarto, o orgulho do exército orc.
— Por enquanto, de qualquer maneira, tão crescendo rapidamente em número. Em breve, vou ter ensinado a esse grupo como domar também, e começaremos a nos tornar o corpo de combate mais forte que já existiu!
Quando ela olhou mais de perto, percebeu que vários eram pequenos ao extremo, aproximadamente do mesmo tamanho dela.
Filhotes de bugbear. Demorava cerca de seis meses para passarem de filhotes a adultos maduros.
Na verdade, ver um filhote real era uma coisa muito, muito rara.
— Quando isso acontecer, eu vou reinar como o rei orc, e vamos enfrentar o mundo como nossos inimigos!
Todos aplaudiram, mostrando sua apreciação pelo discurso grandioso de Boggs. Alguém poderia até mesmo gritar “salve ao chefe!”. Aos olhos dela, não parecia que estavam de acordo total com esse plano mestre.
Na verdade, parecia mais que estavam apenas para o passeio, para o que pudessem conseguir.
— Grawr…
De repente, os bugbears começaram a rosnar.
O som fez Boggs e todos os bandidos saltarem em atenção e pegarem suas armas.
— Qual o problema?
— Intrusos! Se preparem, homens! — rugiu, agarrando sua maça de ferro e partindo para algum lugar na escuridão.
Os bugbears e os bandidos seguiram o exemplo. Tinham claramente provado a batalha antes e foram rápidos em entrar em ação.
As luzes na caverna desapareceram, a única que restava vinha do brilho suave emitido por ela, que havia sido deixada sozinha na caverna escura. Sem ninguém para protegê-la, a era a deixa para escapar, e ainda assim estava curiosa sobre esses chamados intrusos. Se foi Bash quem lançou um ataque, algo estava muito estranho.
— Droga! De onde eles tão vindo?!
— Ei, tem uma mulher! Uma mulher, bicho!
— Alguém pegue a lâmpada... Gahhh!
— Quem me bateu? Quem?!
— Como eu deveria saber? Está muito escuro para ver qualquer coisa! Ah!
—Alguém já acende a porra da lâmpada!
O som da batalha logo encheu a caverna, e estranhamente, não houve nenhum retinir de espada sobre espada, apenas uma série de baques e muitos gritos. Havia uma luta acontecendo, isso era certo, só que Bash não estava entre eles. Se estivesse lá, os sons da carnificina teriam sido muito mais abafados e violentos.
Apenas pelos sons das coisas, Zell sabia que o seu companheiro não estava lá. Entretanto, a pequena fada decidiu ficar parada por mais alguns minutos. Muitas vezes, adotou uma política semelhante na guerra. Houve muitas ocasiões em que ficar para trás em vez de pular na briga serviu bem à fada.
— Certo...
Voou mais.
Buscar informações era o importante aqui. Mesmo no escuro, poderia descobrir algo de valor.
Quando chegou ao local da batalha, a luta acabou, a área iluminada por uma tocha acesa.
Sob a luz fraca e bruxuleante da tocha, podia ver as formas feridas dos soldados. Bem no meio, sangrando na cabeça e com as duas mãos amarradas, estava Judith.
— ... O que aconteceu aqui?
— Aí está você, Zell. Como você pode ver... alguns cavaleiros da área local entraram e tentaram nos subjugar.
— Ah, en... entendi.
Judith virou a cabeça e olhou para ela.
"Caramba!" pensou, tentando se esconder da visão da cavaleira. Estava preocupada que pudesse ser revelada suas intenções.
Apesar de parecer surpresa por um momento, Judith logo estreitou os olhos com um olhar de desgosto. O significado de sua mudança repentina na expressão facial era desconhecido.
Era a mulher a qual Bash estava de olho, então a fada tinha que se certificar de que não fosse morta.
— Olha o que mais voou em nossa rede depois da fada! Mó bifão!
— Geh, heh, heh… Chefe, que tal entregar a mulher para mim?
— Idiota! Todos nós vamos compartilhá-la, certo, irmãos?
— Certo, certo, sem manter a lindinha só para você.
— Tudo bem, como é isso? Prendemos ela, matamos todos os homens e depois jogamo os corpos do lado de fora?
O rosto de Judith de repente pareceu perder toda a cor. — Guh... Apenas... me mate...
Parecia corajosa, mas sua expressão era de terror abjeto. Seus olhos estavam correndo por todo o lugar, e havia um som de vindo de sua mandíbula. De vez em quando, havia um som de glop, glop, enquanto engolia em seco. Estava prestes a explodir em lágrimas.
"Aha, isso poderia ir a meu favor."
Zell viu isso como uma oportunidade de ouro.
Esta cavaleira estava, para dizer o mínimo, completamente ferrada. Se a fada pudesse de alguma forma arquitetar um resgate heroico, as ações de Bash disparariam nas alturas. Na verdade, pode até ser suficiente para fazer a cavaleira se apaixonar feito louca.
— Ei! Não tão rápido! Não faz sentido matá-los agora! Não quando vocês chegaram tão longe sem que sua operação fosse exposta! Se os habitantes da cidade descobrirem os corpos, vocês serão perseguidos e caçados por dezenas de cavaleiros!
Todos os bandidos viraram olhares desdenhosos e zombeteiros para ela, mas mal se encolheu, pois era uma fada, e elas têm quase zero consciência social.
— Eu sei exatamente o que devem fazer! Esperem até de manhã e execute-os do lado de fora! Encene-o para que pareça que eles finalmente encontraram os bugbears que estavam procurando. Oh, opa, estávamos nos perseguindo, e logo do lado de fora da floresta, bam! Ataque de bugbear! Sangue por toda parte! Ah, e devem deixar alguns cadáveres de bugbear só para parecer que foi uma verdadeira luta até a morte. Os humanos são estúpidos; eles vão cair direitinho! Olha, querem mesmo que todo o seu bom trabalho seja desperdiçado? Não, não, seria uma pena! Eu sei que são muito espertos, o bastante para não estragar tudo agora! Sem mencionar que está muito escuro aqui. Você quer dar uma boa olhada em seus rostos à luz do dia enquanto você os mata? Vê aquele olhar em seus olhos que diz "isso não pode estar acontecendo!"...? Vai ser muito mais satisfatório matá-los enquanto vê isso, não acham?
À medida que a enxurrada de palavras chovia sobre os bandidos, realmente pareciam estar considerando isso. Seus rostos diziam “hmm, talvez a fada tenha razão?”. Afinal, poderiam matá-los quando quisessem, certo? Tinham o tempo a seu favor, e sua posição ainda era segura, não era?
As palavras dela tinham um poder estranho, um poder de fazer com que todos se sentissem seguros e confiantes. Em certos círculos, ela tinha ainda outro apelido: Zell, a Língua-doce. Uma vez que começasse a bajular, falar e convencer, era difícil para qualquer um resistir.
— Você pode ter razão, fada. Tudo bem, homens. Nós trancamos todos eles. Heh, cavaleirinha... vou levá-la até o céu enquanto meus homens observam... — Depois de pensar um pouco, essa foi a conclusão a que Boggs chegou.
Agarrando a cavaleira pelos cabelos, arrastou-a mais para dentro da caverna, seu corpo flácido raspando no chão de pedra áspero.
Enquanto era arrastada, manteve os olhos fixos em Zell. O olhar dentro deles era uma mistura de desespero e acusação, raiva por terem sido traídos.
"Chefe! Deixei tudo pronto! É a situação ideal! Se isso não for suficiente para obter resultados, nada será! Agora tudo o que resta é você fazer uma aparição oportuna e salvar a bela donzela!"
Zell nem estava olhando na direção de Judith.
Quando Bash acordou, Houston estava sentado por perto, embalando a cabeça nas mãos.
— Eu não posso acreditar nisso... Deve ser alguma piada...
Judith e os outros soldados não estavam à vista.
— O que aconteceu com os outros?
Houston levantou a cabeça ao som da voz de Bash. Sua expressão era de culpa.
— Isso é embaraçoso, mas... parece que um feitiço do sono foi lançado em nós. Os outros... seguiram na frente.
Um feitiço de sono. A magia costumava colocar alguém em um sono incrivelmente profundo por um curto período de tempo.
— Você deu a ordem?
— Não, não... Eles se amotinaram.
— Motinaram? Humanos desafiam as ordens de um comandante?
— Às vezes, quando não concordam com ele.
Bash ficou seriamente chocado. Um choque cultural.
Na sociedade orc, qualquer um que violasse uma ordem oficial era punido com morte ou banimento. Esse era o valor que os orcs davam em honrar a cadeia de comando. Uma ordem oficial era quase que uma lei.
— Qual é a punição para tais transgressões na sociedade humana?
— Uh, em boa parte das vezes é uma palestra ou um corte salarial. Dependendo das circunstâncias, um período de autorreflexão ou perda de privilégios que acompanham o fato de ser um cavaleiro.
— Não parece que é tratado como um crime grave.
— Bem, é tempo de paz... Além disso, a incompetência generalizada tornou-se até que comum entre a liderança humana. Muitas pessoas se opõem ao conceito de seguir ordens incompetentes sem questionar e ser morto. Ah, eu estou tão envergonhado. Suponho que não sou ninguém para falar, hein?
— Hmm.
Não se importava se Houston era incompetente ou não, tampouco se importava com o tratamento humano negligente do crime hediondo de traição, chocado como ficou ao ouvir sobre isso. A coisa mais importante agora era o cheiro de sangue que já havia notado que estava saindo da caverna.
Judith, a principal candidata a esposa em seu coração, havia entrado naquela caverna. Não conseguia afastar o pensamento de que ela poderia estar em perigo terrível.
— E agora?
— Bem, o feitiço do sono passou, mas as tropas ainda não voltaram. Isso não é bom. É provável que todos já tenham sido mortos. Devemos voltar para a cidade e reunir reforços…
— Tal fraqueza de espírito não é o que esta ocasião exige. — Olhou para o general.
A mulher que ele estava de olho poderia estar em sério perigo. De jeito nenhum recuaria.
— Mas você é o oficial encarregado. Se der uma ordem, eu a seguirei.
Orcs sempre obedeciam aos comandos. No entanto, eram livres para questionar o julgamento de um comandante a qualquer momento. Era amplamente desaprovado, mas sentiu que era justificado na situação atual.
— Apenas uma coisa, porém. Orcs nunca são covardes. Seguimos as regras, mas depois damos tudo de nós na batalha.
Houston piscou, olhando para Bash.
Pele verde, presas longas, músculos ondulantes. Seu único problema: ser um pouco menor que a média. Todavia, ninguém jamais confundiria ele com outro ou o esqueceria depois de vê-lo em ação mesmo uma vez. Durante a guerra, Houston sentiu como se estivesse sempre fugindo desse mesmo orc.
O general não teria nenhum problema em abandonar a cavaleira em um piscar de olhos. Serve-lhe bem, é o que ganha por desobedecer a ordens. Ele não era tolo o suficiente para arriscar seu pescoço para salvar uma idiota como aquela. Se o povo da cidade o chamasse de covarde, ignoraria. Só que o Herói Orc estava bem ali, observando-o. Não havia ninguém que ele temesse ou respeitasse mais.
Estava orgulhoso de sua conduta na guerra. Não foi covardia que o levou a fugir do orc, e sim uma tática calculada para garantir a vitória. Afinal, sobrevivera à guerra, não? E o lado orc tinha perdido, não? Não queria pensar em si mesmo como um covarde que só sobreviveu à guerra porque teve sorte em suas tentativas de escapar de Bash.
— …Tudo bem. Entendido. Então nos infiltraremos na caverna, salvaremos nossos compatriotas e mataremos cada um de nossos inimigos.
— Entendi.
O Herói Orc expôs suas longas presas em um sorriso.