Volume 1 – Arco 1
Capítulo 4: Prematuro
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Chegando no local onde seria realizado o teste — fora da escola de fato — os guardas formaram filas e começaram a credenciar os jovens. No local não predominava nenhuma característica, todos eram diferentes entre si, de jeito e formas.
Hapura, Kitsuia e Kanitsu pegaram a mesma fila, a do meio, e vários jovens seguiam até que chegassem sua vez.
Quando chegaram foi lhes perguntado apenas seus poderes e habilidades, nada além disso, porém quando chegaram no jovem pálido, ficaram inquietos sobre sua resposta.
Após isso foram enviados a corredores diferentes, mas Kitsuia foi enviado para um corredor mais longe dos demais.
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Já na frente da porta, no qual seria feito o teste, começou a ficar nervoso. Já que o pontapé inicial para uma vida escolar decente estava atrás daquela porta. Parado de frente à ela, um pequeno holograma vermelho na parte superior da porta. Era uma porta automática. Então, apenas decidiu ficar parado e esperar.
“O que será o teste, hein…” Indagou-se sobre quais obstáculos iria enfrentar.
O holograma na parte superior mudou para a cor verde e, finalmente, a porta se abriu.
Entrou dentro da sala, e se deparou com uma imensa floresta, suas árvores eram imensamente grandes e volumosas com neve em todas as partes. Chão com folhas em ambulância e algumas amontoadas. No entanto, existia uma neblina que não passava do calcanhar do garoto.
BAM!
Sentiu frio percorrendo suas costas.
"Eu…. realmente deveria estar aqui?”
Começou a se perguntar se havia algum motivo necessário para estar na Taisuru. Não era como se ele estivesse com medo de enfrentar algo maior e difícil. Mas sim, da sua própria capacidade. Sabia perfeitamente das suas limitações. Não havia nenhum talento para ser mostrado ou exibido, era apenas um ser humano comum, ansioso e sedentário. Por qual motivo ele deveria ter orgulho?
Afinal, sua vida inteira fora difícil desde o nascimento. Crescer sem uma figura paterna ou materna, sendo criado pela avó… Não era ruim pensar dessa forma, porém sua ela nunca tocou nesse assunto. Vê-la e entregar o colar dizendo aquelas palavras… novamente o sentimento de querer saber mais se aflorou.
— Até quando vai ficar andando de cabeça baixa? — A voz ecoou por todo local, até que chamou atenção do garoto cabisbaixo, branco e de cabelo curto. Ao ver de quem pertencia aquela voz, ficou pálido como papel. — Oh! Então me reconheceu. Já nos falamos antes? — Surpreso pela reação insólita.
O dono da voz tinha cabelo vermelho com pontas laranjas, semelhantes ao pôr do sol. bem solto e curto, não passando dos ombros.
Olhando para frente, meio em dúvida sobre o nome da pessoa pálida feito fantasma. — Então, é você o Kitsuia?
— S-Sim! Sou eu.— Engasgou por conta da voz ser alta, e causar certo medo.
— É… Eu não esperava que você fosse assim, mas… já dá pro gasto — disse enquanto alongava as pernas.
“Oi?”
Kitsuia não era muito estudioso, na verdade, odiava qualquer atividade escolar, e sempre que possível cabulava aula pra ir há uma biblioteca distrair-se. Mas uma coisa era de conhecimento geral, até mesmo para ele; os Ranks definem a força, velocidade, habilidade, nível de destruição, etc. Contudo, vendo alí alguém que nunca viu, entendeu de imediato que…
— Bom… Vamos começar!
Olhou para todos os lados procurando aquela pessoa de cabelos vermelhos. Porém havia desaparecido completamente. Kitsuia decidiu não ficar parado em meio à floresta. Afinal estava em um teste e não queria ser encontrado primeiro. Então começou a correr. Porventura, olhou para o céu. Surgiu um grande temporizador em forma de holograma. Junto de uma voz robótica.
2:59
Teste iniciado. Os competidores devem permanecer no local até que o tempo acabe.
Haruke Vs Kitsuia
“Então esse teste terá um tempo estimado para acabar?! Três minutos? É muito tempo! E… então esse é o nome dele?”
Mesmo com sua fragilidade, tentou formular algum tipo de plano. Queria muito fugir, sair dali. Seu corpo começava a suar desesperadamente como uma torneira aberta. Essa era a vontade estampada na cara do garoto, mas uma pequena chama acendeu-se em seu coração. Falhar era inevitável, já havia aceitado a derrota, mas ao menos queria tentar.
Lhe apoiaram tanto para estar ali, quis fazer valer à pena.
Caíram algumas folhas. Dentre elas, uma chamou muita atenção do jovem, o fazendo parar de correr. A folha chamou-lhe a atenção pois estava marcada… Pelo fato da floresta ser coberta por neve e o ar gelado, imaginou ter visto coisas, mas ao trocá-la percebeu que a marcação era um triângulo.
No mesmo instante a sensação de morte pairou sobre o peito.
A folha foi atravessada por algo, Kitsuia não foi capaz de perceber o que havia acontecido, apenas sentiu ardência em seu peito, e um furo exato no meio da camisa.
— Argh! — Colocou a mão na região do peito, sentindo a ardência aumentar.
— Finalmente te achei! — Com o dedo indicador apontado para o garoto. Sorrindo, soltando fumaça pela boca.
Kitsuia percebeu de quem se tratava. Haruke estava sobre um pequeno morro à frente, assim dava uma diferença de posição entre ambos.
Por sua vez, percebeu a clara intenção do inimigo, correndo para a árvore mais próxima à sua esquerda, ficando de costas para a mesma, enquanto olhava de soslaio.
2:30
— Eu fui atingido, certo? — Averiguou o buraco na camisa, com as pontas em cinzas. Aparecendo um pouco seu porte físico medíocre, digno de um verdadeiro sedentário que nunca viu a luz do sol. — Aquela pequena folha foi consumida e eu senti uma ardência no peito. Será um poder de fogo? — murmurou.
— Vai realmente se esconder atrás dessa maldita árvore?!
Haruke, por sua vez, na parte superior do pequeno morro, estendeu a mão para frente, em sua mão formou uma pequena chama semi-transparente, conforme aumentava transformava-se em uma esfera reluzente. Tomou distância, pegou impulso e lançou a esfera como se fosse uma bola de baseball. Porém a esfera acabou por acertar a árvore onde Kitsuia estava escondido. Metade dela foi destruída, com o impacto. O tronco caiu e as chamas se intensificaram o bastante para consumir o restante dele. Era possível ouvir um barulho crepitante.
— Ele é louco? Se isso pega em mim estou morto! — Antes que acertasse a árvore em que estava, passou para outra, ficando na mesma posição, tentando formular alguma estratégia.
— Eu preciso sair dessa situação, rápido! — Sem pensar, o garoto apenas saiu detrás da árvore e começou a subir o morro em disparada com dificuldade. — Preciso conseguir uma brecha. Uma única brecha!
Haruke percebeu o ritmo de quem subia, então começou a criar mais cinco esferas e as jogou contra o garoto. Porém, a outra parte desviava de cada uma delas com movimentos desordenados.
A primeira esfera acertou perto do pé, então foi forçado a desviar para direita. A segunda passou raspando pela cabeça. A terceira acertou as mãos de raspão, já a quarta e quinta acertaram em cheio a cabeça do Kitsuia, com o impacto gerado perdeu o equilíbrio e caiu novamente no final do morro. Desacreditado ficou deitado no meio das folhas.
No entanto, percebeu algo: o fogo não queimou seu rosto. O que confirmou sua suspeita, mas do que isso lhe serviria?
“Eu quase… Droga! Quase consegui...” Mesmo tentando se esforçar, não conseguiu um resultado satisfatório o suficiente, na verdade não consegui absolutamente nada, ainda faltava muito. Com o físico péssimo, uma visão de mundo horrível, agilidade em falta, fraqueza.
Não era apenas para ser resultado de sorte, porém faltava tanto que a diferença se tornou gritante.
Percebendo isso, ficou de joelhos e com o rosto ao chão, chorando. Batendo a mão contra o chão, lamentando por ser tão…
— Inútil… É isso que eu sou, não mudei nada…
2:10
— Você ainda não entendeu, né... — suspirou — ANDA! LEVANTE! E LUTE!
Kitsuia olhou para cima, prestando atenção no garoto de cabelo laranja. Era fácil para ele dizer aquilo, tinha um físico forte e um poder simplesmente magnífico. Levantar e lutar? Isso soou como zombaria para ele.
— Para com isso... Eu... não sou capaz disso…
Lágrimas inundaram seus olhos. Não queria estar ali. Apenas estava seguindo a vontade de seus amigos, e também da sua amada avó, todos eles o motivaram para estar ali, o que gerou um sentimento de aprovação no garoto.
Mais do que ninguém não queria estar naquele local. Teste de Grau? Nada disso tinha significado para ele. Entretanto, sempre incomodavam-o para estar lá. Sempre, todos os dias, não importavam as circunstâncias. E essas cobranças ao longo do tempo, foram se acumulando em sua cabeça. Chegando ao ponto de querer ficar apenas trancado no quarto e passar o dia inteiro dormindo ou jogando algum jogo.
Vem, vai ser legal. Todos diziam isso, será que nunca pararam pra pensar que jogaram um fardo muito pesado nele?
E assim, todos os dias de sua vida se resumiam em ficar o dia todo trancado dentro de casa, se afundando ainda mais. Quando percebeu que estava cada vez mais solitário e triste, já era tarde demais, a depressão já avançou demais e, mesmo se pudesse fazer algo, por que faria? Era mais fácil fingir que estava tudo bem e fugir das responsabilidades.
— Eu sou um lixo… — Seu coração apertava aos poucos, como se estivesse preso por correntes. — Me deixa ir embora.
— Cala a boca, porra! — exclamou Haruke, tão irritado que estava fervendo por dentro. — Até quando vai ficar remoendo o passado!? Hein!? Levanta essa bunda do lugar e toma uma atitude.
Como um vulcão, estourou. — É fácil diz-
Levantou a voz novamente, soando como trovão: — Cala a boca! Pare de rastejar dessa forma patética! Saiba que os fracos não possuem direitos e nem escolhas! Você ficou tristinho só porque te deixaram de lado? Não me faça rir. Acorda pra vida, garoto. Os mais fortes não vão considerar sua vontade ou desejo, essa é a lei da vida! Essa é a realidade. Saiba que os únicos que sobram são os fortes, os fracos morrem.
Cada palavra dita por Haruke era uma facada no coração de Kitsuia. Nenhuma palavra saía de sua boca, e inutilmente, a única coisa que conseguira fazer era ficar sentado e estático, ouvindo palavra por palavra. E sem perceber, as lágrimas que se formaram, aceitaram cair, tão pesadas quanto seu desejo de morrer alí.
— Vai continuar chorando que nem um bebê só porque o resultado foi por pura sorte? Quer saber o seu destino? Ser esmagado pelos mais fortes.
Mesmo que tentasse falar, algo o impedia dentro de sua garganta, pesando tanto quanto uma bola de aço. Tornou-se doloroso ouvir aquilo, mas sabia que todo aquele discurso era apenas a verdade, e por isso doía tanto para ele escutar aquilo.
Dentro do pequeno garoto pálido estava acontecendo um turbilhão de emoções. Nunca havia sentido dessa forma. Raiva? Tristeza? Angústia? Dor? Medo do fracasso? Depois de tanto ignorar esses sentimentos ruins, angústia, medo e ansiedade. Estava pronto para colocá-los para fora da melhor maneira.
Se dispôs a levantar, com certa dificuldade. Seu corpo estava tão pesado quanto chumbo, claramente estava cansado de esconder todos aqueles sentimentos por anos.
— E… — Toda tentativa de fala era inútil, a garganta estava tão pesada que não o permitiria dizer seus verdadeiros sentimentos.
Em um surto de raiva, Haruke, por sua vez, disparou em alta velocidade contra aquele merencório garoto. — Você me dá nos nervos! Você poderia ter evitado aquele acidente. Por que não fez isso?
Chegando perto dele, visando acertar seu rosto. Tudo isso em questão de segundos, de cima para baixo. Clareou toda floresta como um míssel em alta velocidade.
Até poderia desviar de alguma forma, pular para trás, esquivar para o lado, mas aquelas frágeis pernas não o permitiram, estavam, falhas para qualquer ação; tornando-se completamente: inúteis.
Pousou no chão. Haruke firmou-se no solo e pulou numa explosão abaixo dos pés e, girando seu corpo no ar, acertando o pálido em cheio. Percebendo que acertou, encaminhou mais dois, visando o rosto, e como resultado, acertou, deixando queimaduras. Kitsuia não conseguia reagir contra aquela sequência de chutes. Virando um saco de pancadas.
Irritado, exclamou o garoto de cabelo vermelho: — Que que foi, hein? Não vai reagir!? — Transferindo outro golpe, dessa vez, um soco, na boca do estômago.
Nesse golpe o garoto conseguiu se defender, fechando seus braços na frente do seu corpo, tentando defender-se a todo custo.
“Eu…” Recebeu o impacto direto. O punho do inimigo estava banhado em chamas, por consequência queimou os braços no processo.
“Esse moleque… O que foi que a Lily viu em você?”
A clara a diferença entre ambos. Uma parte furiosa, e a outra lutando com os sentimentos dentro de si. Uma enxurrada de sentimentos assolava o garoto pálido. Justamente ele, quem levava os golpes, não sabia o que estava sentindo.
“Eu estou…”, pensou Kitsuia, surpreso por ter segurado o soco. Aquela esquiva, não fora por habilidade, e sim, reflexo. A emoção de estar em perigo e um inimigo à frente o fizeram se mover por impulso.
Mesmo que pudesse revidar, como faria isso? Talvez tentando lutar frente a frente contra aquela “muralha de fogo”? Truques baratos, de nenhuma forma, funcionariam contra aquela aberração. Tentar fugir ou se esquivar para sempre. Essas realmente eram as únicas opções?
— Não se distraia quando o inimigo está na sua frente!
Uma enorme onda de fogo crepitante começou a levantar-se rapidamente, indo contra Kitsuia, arrancando-o de seus pensamentos. Começou a correr de maneira desleixada; como se estivesse correndo da própria morte. Porém.
Boom!
Saltando para cima como um míssil, em direção a lua; criando um manta de fogo em volta do corpo. Chamas que o rodeiam, formando um aspecto de leão rugindo em fúria.
— Eu vou te matar! — disse, direcionado-se como um leão rugindo em raiva contra aquele garoto pálido. Sua descida formava um gigantesco rastro, tornando-se numa verdadeira estrela cadente.
Entretanto acertou apenas o solo, com Kitsuia fugindo como de costume com o rabo entre as pernas. — Merd… — Mas já era tarde demais para simplesmente fugir. Aquela aura monstruosa só aumentava.
Sorrindo como maníaco, gritou com frevor: — Está na hora da caçada!
Pegando impulso, disparou direto e reto; o leão estava de boca aberta para acertar o pescoço daquele frágil coelho indefeso. Conforme os segundos iam passando a sede de sangue ia aumentando desenfreadamente. Agora, mais do que tudo, apenas queria matá-lo, quebrar, arrancar e dilacerá-lo por completo.
Agora, indefeso, Kitsuia corria desesperado buscando refúgio nas diversas árvores da floresta, mas toda vez que se escondia, as chamas o alcançavam a todo instante.
“Ele claramente quer me matar!”, pensou com terror.
— ROAAR! — Era possível ouvir um grande rugido ecoando por todo aquele cenário.
E mais e mais árvores eram queimadas; apenas sobrando as cinzas. O incêndio dançava descontrolado pela floresta, em questão de segundos, 70% do campo fechado, tornou-se aberto com as chamas devorando tudo.
Kitsuia não aguentava mais correr daquela aberração da natureza, ele era superior! E então, abraçou seu destino de braços abertos. Estava cansado e já não aguentava mais fugir. Se ajoelhando ao chão, apenas aceitou tudo o que aconteceu durante aquela pequena vida, não se amaldiçoou naquele momento. Sabia das consequências.
“Tentar e… falhar miseravelmente”. No fim das contas; era fraco demais, e não mudaria aquilo apenas por conta de um discurso.As chamas o alcançaram, e de braços abertos… recebeu como ultimato.
KABOOM!
1:59
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Há um ano atrás:
Kitsuia sentiu como se alguém o tivesse acordado repentinamente, o canto da boca todo babado e cabelo bagunçado. Com o corpo gelado se fez presente um moletom preto. Observou a janela de longe, percebendo que a nevasca ficou mais forte. Provavelmente viria uma tempestade forte.
“Como será que tá a Hapura agora…?”, pensou na garota de olhos escarlate, sentindo saudade. Aquele cenário junto a sensação térmica, deu a ele um sentimento de nostalgia, por algum motivo.
— …. Eu tô esquecendo de alguma coisa? — Logo uma das janelas abriu com a ventania, e uma pequena borboleta azul entrou dentro da sala de aula.
Kitsuia apenas observou o voo da pequena borboleta, até que ela chegou mais perto. Suas asas eram cristalinas, quase transparentes, e acima dela, um pequeno amontoado de neve.
Logo percebeu a dificuldade dela, estendeu a mão para que ela parasse em sua palma. Com ela mais perto, percebeu o quão linda ela era, uma espécie rara e não vista com facilidade. Era como um pequeno cristal frágil, qualquer coisa poderia quebrar-la
— Linda… — Tocou levemente a asa, cada detalhe da borboleta que lhe chamava atenção.
— Linda? — replicou, surpresa com o elogio repentino.
Dentro da sala estava gelado por conta da janela aberta, mas quando Kitsuia ouviu, e viu quem estava à sua frente, logo toda sala parecia ficar mais quente e fresca, como um pequeno campo de flores na primavera. E então respondeu.
— Eu estou falando da borbole… — Com a agitação do garoto a pequena borboleta pegou seu rumo novamente e saiu pela mesma janela de onde veio. — Ah…
— Ué… Tá falando sozinho, doido? — Colocou a ponta do dedo indicador no nariz do garoto — Boop!
Surpreso com a ação da garota, franziu a testa.
— Hapura… — Olhou nos olhos vermelhos da garota, que demonstravam um pouco de carinho junto a um pouco de preocupação.
— Tá fazendo o que sozinho aqui? — Tirou o dedo do nariz do garoto e começou a olhar em volta. — Não tem ninguém aqui.
— É... eu sei…
— E então…?
— Fiquei pra arrumar as carteiras e cadeiras da sala, eu acho? — Folgou a gola da camisa, sentiu seu pescoço sendo pressionando sem ao menos sequer ter encostado.
— Não vai falar? — Aproximou mais o rosto.
Kitsuia sabia da situação atual, estava sendo interrogado sem motivo. Pelo grande histórico anti-social, Hapura tinha suas dúvidas, mas deixou um pouco essa questão de lado e decidiu seguir para o refeitório. Só que dessa vez, acompanhada.
— Tá, tá, tá. Isso não importa agora, vamos! Eu quero comprar algumas rosquinhas! — Ergueu o braço e fechou o punho, demonstrou a clara vontade de arrastar o garoto pela escola toda atrás do seu objetivo.
— Hah? — Franziu o cenho. — Por que eu tenho que fazer isso!?
— Porque você é meu! — Não dando tanta importância a voz do garoto, simplesmente o pegou pelo braço e começou a levá-lo. — E não reclame! Huff!
— Ei!! — Tentou relutar, mas sem sucesso.
E então, Hapura puxava Kitsuia pelo pulso até a porta, mas o garoto ficou um pouco desajeitado, e tropeçou algumas vezes. Ele parou de tentar acompanhá-la. Segurou-a pelo pulso levemente e passou pela a sua frente.
— Hum… — Tentou entender o que ele queria. Pensou por um curto momento, mas logo então agarrou-o pelo braço direito e começou a andar.
“Isso tá parecendo um sequestro…”
O que são essas memórias?
— O que foi, Kitsuia? — disse Hapura enquanto tomava uma xícara de café.
Por incrível que pareça, não estava irritada ou brava. “Por que ela não veio me matar? Ou me xingar até eu querer morrer?” De fato, era estranho a calmaria da garota.
— Não foi nada, vamos voltar para sala. Vem! — Levantando da cadeira, colocou as mãos no bolso e seguiu em frente ao corredor principal. — Vai ficar aí parado?
— Hã? — Mesmo que fosse uma ocasião estranha, o garoto pálido decidiu segui-la sem muito questionamento. Afinal, não era todo dia que ela era bem-humorada.
Passando-se um bom tempo desde Hapura começou a caminhada com Kitsuia. Não foi dito sequer uma palavra desde a saída do garoto para fora do refeitório, o que deixou o clima completamente estranho.
Estavam numa parte do campus, um pouco mais afastada da multidão de adolescentes que iam e vinham de todos os lados. Andando numa parte florida e bem arborizada. Essa parte em particular servia para alguns estudantes relaxarem e escutarem os passarinhos cantando. Ao redor daquela região há um pequeno riacho que passava ao lado dela, então era possível ouvir o som suave da água passando.
Depois de tanto caminhar, a garota finalmente parou, virada de costas.
— Kitsuia… a gente precisa conversar… — Sua voz estava mais estranha do que habitualmente seria. Em um tom melancólico e um pouco seco. — Eu…
— Sim? — Queria ouvir sua melhor amiga falar, porém aquilo o deixava um pouco incomodado. Esse comportamento era diferente da maneira que se comportava normalmente. A voz dela parecia estar distante e muito aflita com algo.
Naquele mesmo instante foi possível ouvir uma música em volume baixo tocando.
— Era meu celular, desculpa — Hapura disse enquanto parecia ter acordado de um transe com a música do smartphone.
As pessoas passeavam pelo Campus tranquilamente, mas naquele lugar onde estavam era muito silencioso e também mais isolado de multidões.
Então, a garota finalmente juntou forças, respirou fundo, apertou as mãos e disse com a voz trêmula: — Eu…
Naquela situação nenhum dos dois estavam conseguindo se entender, uma parte queria contar algo e a outra buscava entender.
— Eu… vou viajar! — disse, aproximando-se do garoto.
— Era isso? Não poderia ter me contado em outra hora? Sabe… com mais calma e…
Logo seu raciocínio foi interrompido por um aperto, não era dolorido e sim caloroso, mas ainda assim carregava um sentimento de tristeza. Um abraço, talvez não significasse muito para as pessoas que vissem a cena, entretanto, para Hapura, era sua única maneira de se expressar.
— Sim… Só que… Vai ser para os Estados Unidos… — Reforçou o abraço enquanto continuava. — Vou precisar passar um tempo na casa dos meus pais…
Naquele momento Kitsuia entendeu o motivo da garota estar tão aflita. Um motivo pequeno e talvez infantil. Hapura convivia com o irmão e sua avó desde que nasceu e nunca teve sequer algum contato com seus pais. Em raras ocasiões, mandavam algum dinheiro ou presentes simples. Nunca chegaram a se preocupar com ela como pais de verdade.
— Eu não queria ir… mas é preciso. Minha avó vai precisar viajar também… Então hoje é meu último dia de aula com vocês, tá? — Tentando segurar o choro, apertou ainda mais o garoto.
— Ei ei. Não se preocupe, sempre vou estar ao seu lado, prometi não prometi? Não tem problema. — Mesmo que quisesse falar algo agora, não era a hora, então apenas acariciou-a com um cafuné. — Quanto tempo você vai passar lá?
— O resto do ano… — O sentimento de culpa começou a sobrepor seu peito. Não que ela tivesse que dar razões ou motivos pela viajem dela, porém…
— Não queria ficar longe de você… De vocês… — O apertou com mais intensidade, não queria se dar ao luxo dele a ver levemente corada.
— Tudo bem, não tem problema nisso.
Kitsuia descontraído enrolou seu dedo indicador no cabelo liso e grande da garota de olhos escarlate. Ela estava tão frágil naquele momento, normalmente não era assim, sempre mantinha a determinação forte e destemida. Só de pensar em rever seus pais era motivo de estar ansiosa.
E então, continuou falando: — Só me prometa que não irá esquecer dos seus amigos. Nunca lhe perdoarei se fizer isso. — Ainda meio preocupado, abaixou a cabeça e cochichou ao seu ouvido. — Bobinha!
— Eu não sou boba! Seu idiota! — Com a provocação lagou do abraço e afastou-se poucos a centímetros. Furiosa com o que havia escutado. — Vo-você não tem jeito mesmo, imbecil… — Mesmo sendo provocada acabou fazendo um biquinho e jogando o rosto de lado.
Mistura amava aquela situação. Ver aquela reação exagerada de Hapura, só ressalta sua dúvida. “Ela está bastante inquieta com isso, mas é sempre bom descontrair um pouco, haha.” Aquele sorriso sempre o encantou. Mas aquela interação teria que acabar.
O que são essas memórias? Não lembro delas.
— Anda logo Susu, a gente não quer pegar a nevasca que vai vir — exclamou apressada a garota de olhos escarlate.
Por mais que quisesse se apressar, não poderia, pois ainda estava arrumando algumas coisas na bolsa e seu cadarço estava desamarrado.
Foi quando sentiu a falta de algo, suas costas estavam muito leves “esqueci minha bolsa na sala”. Então correu para dentro da escola novamente em direção a sala.
— Podem ir sem mim! Eu encontro vocês depois! — Após olhar para trás viu que Hapura parecia ter tentado o acompanhar, porém, devido ao clima, não quis prosseguir com a ideia. — Preciso ir rápido.
Tá tudo muito bagunçado, mas eu lembro…
Mas ainda era possível ver a luz pelas janelas. Aquele pequeno feixe luminoso passando por debaixo da porta atiçava sua curiosidade ao máximo. “Aff, que se dane, vou deixar isso pra lá! ” Porém o barulho, não tão alto ressoou pelo corredor, parecia muito o canto de alguma baleia jubarte.
Ao entrar no local, percebeu uma coisa completamente diferente de tudo que havia visto na vida. Diferente de qualquer descrição que poderia dar.
Mas era em formato de uma esfera, não sólida, mas sim líquida e alternava entre azul e roxo e sempre se mexiam de forma desordenada. Mas parecia que havia um núcleo dentro dele, segurando a forma líquida. Parecia plasma envolvendo alguma esfera azul que se expandia devagar e girava constantemente…. como se estivesse… condensando.
Vários lapsos de memória vindos de uma só vez. Criados pela própria imaginação ou são de fatos reais? Gritos e mais gritos se formaram e dentro de si já sabia a resposta do que aconteceu.
Foi aqui… Onde tudo começou.
Kitsuia estava de frente ao portal
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