One Vision Brasileira

Autor(a): üMobius


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 3: Você Está aqui, Eu também

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Depois da briga, a chuva começou a cair, fria e impiedosa, inundando as ruas da cidade. O som das gotas batendo no chão e o rugido dos carros preenchiam os ouvidos do garoto pálido, parado à entrada com os olhos fechados, absorvendo o clima ameno, quando ouviu novamente aquela voz chamando por ele.

Tudo o que ele queria era ficar ali, imóvel e em silêncio. Mas a voz persistia como uma ventania impertinente, ainda mais alta desta vez.

— Ei! Responda... por favor... — suspirou, impaciente. Após alguns segundos de silêncio, continuou: — Me responda agora! Não pode continuar me ignorando assim, nem às minhas mensagens!

Kitsuia apertou os olhos, sentindo indignação ao lado daquela pessoa. Só de ouvir aquela gritaria, se enchia de raiva e desgosto. Seus verdadeiros sentimentos estavam à flor da pele, emergindo como uma rosa no verão: timidez clara enquanto se abre, a umidade em suas pétalas, de uma forma exuberante e frágil, mas ainda assim se recusava a abrir completamente.

Nunca houve sinceridade nas suas raízes.

Gritar, chorar e fugir aos poucos se tornaram sua rota de escape. Uma válvula de pressão que ele não queria sentir. Evitava suas próprias emoções, forçando cada brecha para dentro do peito, para não se sentir daquela maneira novamente.

Assim como as raízes de uma flor se formam no verão, as feridas também aparecem.

— O que você quer que eu diga?! Quer que eu te agradeça depois de tudo aquilo? — Virou para trás, gesticulando no ar com força. — Não fale como se meus sentimentos não importassem... Depois de tudo o que aconteceu, você quer que eu reviva aquele inferno!? Não, não...

A expressão se tornou chorosa e frágil. Gritou tão alto que a própria garganta começou a falhar em meio a chuva, se tornando um sussurro.

— Huh? Mesmo te ajudando você ainda é muito cabeça dura, viu… — Observando a chuva caindo sobre a rua movimentada, lembrou-se da época em que brincava nesse temporal, trazendo consigo algumas memórias esquecidas com o tempo. — Você lembra quando éramos crianças e brincávamos em uma chuva como essa? Você voltava todo molhado para casa e a Hapura te secava para sua vó não vê-lo naquele estado. Haha!

Melancólico e verdadeiro. Os sentimentos expostos das memórias antigas surgiram aos poucos, trazendo aqueles dois de volta para a infância.

Brigavam frequentemente, adoravam discordar um do outro, mas sempre permaneciam juntos, como uma família.

Com o gosto da saudade na garganta, voltou a dizer: — Lembra da vez que você se machucou sem querer em uma pedra? Sua cabeça ficou feia nesse dia. Chorou tanto que ficou vermelho! Ficava assim: “Me machuquei! Buáá” — E, sem demora, complementou: — sempre nos divertimos muito… Até você simplesmente sumir do nada. — O rosto, antes alegre, se tornou sério e sombrio.

Er… Hm… — Se assustou pela rápida mudança de tópico e parou por um instante. — É meio complicado…

— Complicado o suficiente para sumir por um ano sem dizer absolutamente nada?

— Não! É qu… — Algo o acertou na testa. — Ai!

A outra parte, ainda séria, jogou uma pequena moeda na testa dele e gritou: — Sempre complicando as coisas, né, idiota! Para de ficar no mesmo erro. Se continuar assim, nunca irá melhorar. — Kanitsu abriu um sorriso gentil estendendo a mão para Kitsuia puxando-o para dentro do guarda-chuva, envolvendo-lhe em um abraço. — Que se dane o passado. Foque no futuro — finalizou.

O abraço se fez gentil e caloroso. Tudo o que precisava era ser abraçado, mesmo após passar por tanta coisa sozinho, nunca olhou para si mesmo. As olheiras cansadas de tantas noites viradas sem dormir. O corpo magro, resultado dos dias sem comer e o gosto amargo no céu da boca se tornou tão normal… Ele mudou por completo.

Queria sair daquele caloroso momento frágil, mas apenas lágrimas e um grito na chuva se formaram.

“Eu te odeio, Kanitsu…”

 

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Na noite passada, o moletom ficou encharcado, então o laranjinha, assim que chegaram em casa, sumiu com ele.

— Onde será que ele colocou… — murmurou, vasculhando o quarto por inteiro. 

Procurou no amontoado de roupas jogadas no canto do cômodo, em baixo da cama, em cima de cada móvel, e por fim, na varanda. Kitsuia se sentiu desprotegido sem ter seu precioso trap... roupa de frio. Usou ele por tanto tempo que era estranho não o ter ali.

Então, apenas vestiu outra roupa contra vontade, pois queria mesmo era vasculhar cada canto da casa atrás do seu bem mais precioso.

Colocou uma calça preta larga e cardigã também da mesma cor. O Guarda-roupa inteiro formado apenas por roupas pretas e largas.

Antes de sair, parou de frente para um quadro, em cima do criado-mudo. Era um retrato com quatro pessoas nele, uma delas sendo sua avó e ele… as outras duas estavam com os rostos borrados.

— Estou saindo hoje… Espero que estejam me vendo.

Enfim, abriu a porta do quarto, andando até a beira da escada e ficando parado lá, estático. Respirou fundo e soltou devagar, tentando não pensar, apenas agir.

“Podia só dar meia volta… Tava tão quentinho no meu cobertor”

Ainda estava apreensivo quanto ao que poderia acontecer. Começou a formular como seria o dia, o primeiro dia de aula. 

“Vou ir lá, fazer o teste, voltar para casa e pronto! Não quero ficar mais de um dia naquele lugar… mesmo sendo novo. Agora… a Hapura vai… Deixa!”

Seu plano meticulosamente arquitetado e pronto, digno de um estrategista, de uma expressão antes melancólica e triste, formou-se em um sorriso bobo e desleixado.

Convicto, desceu as escadas devagar, cada passo dado era uma facada no próprio coração que queria voltar para a cama. Quando pisou no último degrau, fechou os olhos, imaginando o que fará dali em diante. “É só ficar calmo e tranquilo… Não vai ser tã-”

— Finalmente a donzela indefesa acordou! Bom dia! — Cortando sua linha de raciocínio, Kanitsu, berrou tão alto que doeu os ouvidos do garoto. — Chega aqui, vem! — convidou, dando tapinhas na mesa.

Uma veia apareceu na testa de Kitsuia e não pode conter o ranger de dentes. — Eu vou te matar, laranjinha.

Levantando a sobrancelha, rebateu. — Hã? Já falei pra não me chamar assim, caralho! Já perdeu a noção do perigo, é? HEIN?

— Falando alto como sempre… Velhos costumes nunca mudam. — Olhando de soslaio para quatro pratos colocados à mesa. Como apenas ele e Kanistu estavam ali, presumiu que havia mais pessoas acordadas, mas, como não ouve nenhum barulho diferente desde que acordou, não fez muita questão de saber sobre. 

Caminhou pela sala encarando cada canto. Viveu igual um vampiro dentro daquele quarto por tanto tempo que caminhar pela casa se tornou estranho. 

Puxou a cadeira para se sentar, quando ouviu o barulho de vidro quebrando na cozinha. Urgência se formou em seu coração, erguendo-se da cadeira logo após se sentar, mas parando depois de dois passos. Sentiu as correntes envoltas do seu coração o puxarem para trás, como um animal aprisionado.

Queria poder falar, expressar o que via, mas a sensação de algo apertando o coração falou mais alto.

Uma voz doce e suave preencheu seus ouvidos. — Kitsu… 

Cabelo branco longo com mechas pretas e corpo robusto, a pele maltratada pelo tempo entregando a idade sem mesmo perguntar, o rosto fino e delicado.

O choque travou em sua garganta, o fazendo não pensar e nem falar. Tomando coragem para tentar dizer algo, começou a mexer os lábios, mas, tão baixo quanto um sussurro, disse:

— Vó… — Não queria encará-la dessa forma após passar tanto tempo trancado no quarto. Olhar para seus olhos azuis-claros tornou-se quase impossível. — E-eu…

Desconforto tomou conta. Queria dizer o que sentia. Queria pedir desculpas e que tudo aquilo não passou de um período ruim…

Como o prato quebrado, seu coração também abriu uma rachadura. Ficou ali, parado, olhando para o chão, pensando em uma forma de se expressar, mas quando foi que fazer algo tão simples se tornou tão difícil? Tão sufocante?

— Meu garoto finalmente saiu…  

Ainda estático, em sua visão, percebeu pequenas gotas caindo no tapete da sala. Levantando o rosto até a fonte das gotas, percebeu algo diferente que balançou seu coração. O rosto simples e fino escorrendo lágrimas formadas pelos olhos tão cansados e azuis semelhantes aos dele, o soluço em meio ao choro e palavras cortadas. Como a nascente de um rio, a trilha se formava mais e mais, até tornar-se um grande mar de lágrimas.

Mesmo tão frágil naquele momento, pequenas risadas dançavam entre os soluços e o choro tão leve e sucinto. Seu pequeno garoto finalmente saiu daquele estado horrível e estava à frente. 

As correntes que o prendiam apertaram ainda mais o frágil coração. Como poderia pedir desculpas se seu coração ainda sangra como uma nascente de um rio e como ele, o choro também tomou conta do garoto. 

 

“Eu… Eu senti falta desse abraço.”

 

Em meio ao choro, sua avó se recompôs e finalmente o soltou, soltando um sorriso meigo e feliz. Seu garoto saiu do quarto, saiu daquela escuridão que o cercava, mesmo sendo por alguns minutos, já se tornou o suficiente, vê-lo alí, tê-lo para si, mesmo se durasse segundos, já bastava.

Não queria acreditar ainda no que viu, vê-lo chorando como uma criança ainda ressoava no peito, gerando tristeza, mas o sentimento de felicidade tomou conta, preenchendo cada lacuna do coração gentil. Poderia fazer inúmeras perguntas para ele, no entanto, decidiu deixá-lo sozinho. Por enquanto.

— Vamos comemorar! — Juntou as mãos, sorrindo. — Não é todo dia que isso acontece! Já volto! E… Kitsuia… fica aí.

— Vou ficar, Vó… Vou ficar — respondeu, sorrindo de canto.

Sua avó, para alguns, poderia ter uma postura infantil e até mesmo desajeitada, mas seu jeito único e gentil a torna agradável aos olhos de todo mundo que a conhece, mesmo isso gerando certos problemas para kitsuia, até quando criança.

Toc! Toc!

— Está esperando alguém? — Virou para o laranjinha, mas o mesmo nem sequer se moveu do lugar, balançando a cabeça negativamente.

Kanitsu não quis mover um centímetro, e sua querida avó estava na cozinha, então decidiu responder às batidas da porta. Porém, ao atender…

Intensa. Vermelho e puro como rubi, contrastando com o cabelo azul longo e sedoso só de olhar, dividido em pequenas mechas. Cílios levemente longos.

Huh…? — Ao notar quem abriu a porta, ficou surpresa, ouriçando o cabelo aos poucos. 

— H-hapura! 

Sua garganta travou.

— Você…

Algo pesou sobre seu corpo, empurrando-o para baixo. Era denso, mas também suave, uma sensação difícil de compreender até que ele finalmente desabou no chão.

Lágrimas começaram a brotar dos olhos de Kitsuia, um som frágil e sincero que logo preencheu toda a casa como uma melodia doce. Nada do que aconteceu fazia sentido para ele. Ao cair, algo tão pesado quanto chumbo se instalou em seu peito, as lágrimas manchando sua camisa branca. Recebia socos leves e afetuosos no rosto.

— Seu idiota! Boboca... Idiota, chato! Você faz ideia do quanto eu fiquei preocupada com você!? Idiota...

“Ela...” Seus lábios se entreabriram em um gesto sem palavras, mas carregados de uma risada doce. Algo perdido há muito tempo estava retornando, aos poucos: a vontade de viver. Os olhos rubros, puros como joias, e as bochechas coradas daquela garota aparentemente forte se misturaram com as lágrimas incessantes. Ela queria parar de chorar.

Desejava dizer tantas coisas, mas as palavras falhavam. Nenhuma poesia poderia capturar o verdadeiro sentimento que florescia ali. Estavam tanto tempo sem se ver, e essa reação...

— Não... faça isso de novo... — disse, desferindo outro soco em seu rosto, mas parando logo em seguida. — Eu...

— Eu não vou mais fugir — declarou ele, levantando-se um pouco. Encarou aqueles olhos inundados de lágrimas. Vê-la tão frágil partiu seu coração, antes tão frio quanto o inverno, agora incendiado a cada centímetro, inundado por um sentimento que não era tristeza, mas algo mais profundo. Só agora percebia o quanto queria estar ali, não importando como.

Mesmo quando faltavam palavras, expressar o que guardava no coração sempre foi difícil, um fardo tão pesado quanto o chumbo.

No entanto, para aquele que guardava seus sentimentos para si, ver seu desejo se tornar realidade foi como ver o mundo desabar.

— Promete?

— Prometo. — Ele a envolveu nos braços, sentindo-a se aconchegar contra seu peito, chorando ainda mais. Cada batida de seu coração respondia à sinfonia formada pelos sentimentos sinceros expostos daquela maneira. Vê-la tão vulnerável não era algo comum, mas ele aprendeu a apreciar esses momentos preciosos, onde eram apenas eles dois. — Estou aqui. Não vou fugir novamente, pode me xingar o quanto quiser...

— Idiota... — Beijou-lhe a testa.

“E mais uma vez... Ela rouba minhas palavras.”

Não podia deixá-la ali, soluçando. Então, levantou-se lentamente para que ela o acompanhasse. As lágrimas derramadas mereciam uma resposta; o beijo na testa mostrou que, mesmo zangada, ela se importava.

Seu coração sangrava como uma torneira aberta, e ele não permitiria que aquilo acontecesse novamente. Não permitiria vê-la daquela maneira tão vulnerável.

E, como um anúncio doce, uma voz soou ao fundo. — Voltei! Vamos, sentem-se.

Boin! Boin! Boin!

Pequenos, porém fortes. Seres traziam consigo, pratos e talheres, cada um levando um item separado. Como golens, seus corpos tinham a compleição física quase nula, mas carregavam consigo pequenas manoplas flutuantes, nas quais carregavam as panelas com comida.

Boin! Boin! Boin!

A princípio aparentavam ser frágeis por conta da aspecto de gato vestindo roupas elegantes e com uma coroa na orelha.

— Huh? 

Mas se provaram fortes quando apenas um deles levantou Kitsuia, levando-o para à mesa. O que carregava os pratos tinha uma cartola na cabeça na cabeça, junto ao pelo branco, macio só de olhar e de olhos brancos em contorno preto, trajando smoking preto, diferente do padrão aberto esse era fechado com vários botões no peito. 

Chegou à mesa com Kitsuia e o jogou numa cadeira. Aquele, que levou os pratos, começou a saltitar como se estivesse caindo na risada, como não tinha braços como seu parceiro, as manoplas foram até o garoto e bagunçaram seu cabelo. Todos riram dessa vez.

Contudo, um sorriso amargo se fez. — Vó, por que suas invocações estão aqui? Isso… — perguntou, descendo da cadeira e dando alguns passos para trás. — Você…

Sabendo da reação, respirou pesado, apontando para o anel em sua mão. — Não se preocupe, está tudo bem, meu garoto. — Os pequenos golens juntaram-se em seus pés. — Você tem um teste pra fazer, não tem?

— Mas…!

— Vai, vai. — Começou o empurrar para a porta. — Depois quero que me conte tudinho, ouviu! — Esboçou o sorriso mais sincero que pôde. E eu sei que você está aflito, mas quero te entregar isso.

— Um colar?

O colar era simples. Um pequeno floco de neve sem muitos detalhes. — Sim, agora você não vai entender o porquê disso, mas… pense nele como se eu fosse com você em todo lugar. Estou te dando esse colar pra você lembrar que independente de tudo, você não está sozinho, meu filho.

Lágrimas correram e, respirando fundo, abaixou-se em saudação.

— Muito… obrigado.

Pegando no braço do pálido, disse: — Vamos, Kitsuia, já pedi um carro pra gente.

— Ui! Agora ele paga as coisas~! Isso pode ser considerado um milagre, vovó? — provocou de longe.

— Você para, ok?

— Tá nervosinho, é? Fica assim não, fofo, ainda nem falei da Mirabel pra você hoje.

Crash!

Ficou vermelho e falou grosso. — Não repita esse nome imundo do meu lado novamente. — O barulho foi o celular que Kanitsu acabou quebrando em sua mão.

Olhando para frente, Kitsuia ficou calado, observando sua avó acenando com suas pequenas invocações pulando.

Segurou o colar com força.

 

“Não estou sozinho.”

 

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Nota

Obrigado aos apoiadores que viram esse capítulo antes de todo mundo! Sem vocês, nem teria capítulo.

 

Saga 

Duck

Lahzinha 

Dri Ander 

🌹 Stuart 

 

Meus projetos: Carrd.co

Muito obrigado pela sua atenção! Boa leitura.

 

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