Volume 1
Capítulo 6: O Desonrado Príncipe
[Vilarejo de Arduran, 18 de maio de 812 da era Mágica]
Acordar em uma casa simples de camponeses ao nascer do sol, é uma experiência bem diferente do modo ao qual eu levava a minha vida até o dia em que perdi tudo o que eu mais amava. Posso dizer que de certa forma já me acostumei com a minha atual realidade, mas a dor que carrego em meu coração parece ser eterna.
Nunca esquecerei o que presenciei e o que perdi naquele dia. Agora eu não tenho pai, mãe, nem irmão. Não tenho família, e muito menos um lugar para chamar de lar. O brilho em meu olhar já não é mais tão presente, eu pareço estar nesse mundo apenas sobrevivendo, pois é a única coisa real e verdadeira que havia sobrado para mim.
— Feliz aniversário Magnus... — Acordei abrindo meus olhos vagarosamente com o nascer do sol, acompanhando os raios solares que invadiam o quarto daquela casa.
Esse será o segundo aniversário mais solitário de toda a minha vida. Estou completando 22 anos, mas nem meu aniversário e o mais lindo nascer do sol são motivos para me animar ou me fazer esquecer.
Após me levantar, ajeitei minhas roupas, que agora eram bem mais simples e modestas. Uma camisa preta trançada em sua gola com costuras douradas, uma calça preta confortável, um cinturão de couro bem afivelado e botas de couro negro que subiam até um pouco abaixo dos meus joelhos. Pra finalizar, eu atrelei minha espada de baixo orçamento a cintura, luvas pretas e uma jaqueta de couro marrom que continha uma pelagem felpuda em volta do pescoço.
— Muito bem, vamos para mais um dia. — Disse ao passar um cinto de fivela pelo meu ombro, prendendo-o no cinturão. Adicionei uma adaga na parte de trás da minha cintura, e antes que eu esquecesse, coloquei sobre meu pescoço o presente que Elize havia me dado. — Que Hawlking! Abençoe-me no dia de hoje também.
Após fazer uma refeição simples, eu saí do local onde eu estou me hospedando temporariamente.
No dia em que segui meu caminho, acabei andando por exatos quatro dias para o norte, até que finalmente encontrei esse vilarejo. A princípio, eu não fiz a menor diferença estando ali ou não. Eles não pareceram se importar nem um pouco com meu antigo status de príncipe do agora caído Reino de Eldoria.
Uma exceção foi a senhora Rosery de uns 47 a 50 anos, que me encontrou extremamente desnutrido, doente e cansado, sem a mínima chance de sobreviver se não fosse socorrido rápido.
Quando ninguém mais quis me ajudar, ela fez questão de me levar até sua casa e cuidar de mim até minha pronta recuperação. E em um período de dois meses e meio, eu já estava novamente saudável fisicamente. Desde então comecei trabalhar como caçador e guardador do vilarejo nas horas vagas.
Por conta da minha habilidade empunhando minha espada, ganhei fama depois que venci um pequeno torneio regional da vila. E por esse mesmo motivo comecei a ser importunado por algumas pessoas invejosas que nem se quer tinham percebido minha presença quando apareci doente no vilarejo.
Aceitava fazer alguns trabalhos pelo pagamento, uma quantia boa o suficiente para sobreviver, mas não sentia prazer em fazer aquelas tarefas. Essa nova realidade, querendo ou não, fez com que eu ganhasse um pouco mais de experiência sobre a vida real. Longe do antigo Reino de Eldoria, era uma realidade sombria, dolorosa e injusta, onde somente o mais forte prevalece.
Quando você se destaca em algo e ganha reconhecimento pelo que faz, sempre há aqueles que irão invejar seu trabalho e esforço. Não importa aonde quer que você vá ou esteja. Sempre vai haver aquelas pessoas que não irão gostar de você, e às vezes o motivo é tão supérfluo e imbecil, que não vale a pena dar atenção.
E é com esse pensamento em mente que poderão entender o motivo pelo qual, ao abrir a porta da casa, logo fui recebido com um soco no rosto que me levou ao chão.
— Olha ele aí! Se não é o principezinho caído! — Gritou Zurick de forma irônica enquanto gargalhava junto ao seu conjunto de idiotas. — Ah perdão vossa alteza. Talvez isso se aplique melhor a você!
Sem a menor chance de reação, aquele soco em meu rosto conseguiu me acertar em cheio, e mesmo que eu tivesse tempo para me defender, eu simplesmente não poderia. Zurick é o filho primogênito do líder da vila, e leva uma vida de babaca fazendo o que bem entende, enquanto se faz de filho perfeito para seu pai.
Sua cisma comigo começou após vencê-lo no torneio. Pois não aceitou a derrota e muito menos o meu nome sendo citado de boca em boca entre todos da vila. Então sempre que tinha uma chance, vinha me importunar, sabendo que eu não poderia fazer absolutamente nada contra ele, pois não tenho mais nenhum lugar para ir, enfrentá-lo e ser expulso pelo chefe da vila seria acertar uma flecha em meu próprio pé.
— Acho que ele não vai mais levantar por hoje senhor Zurick! — Zombou um de seus seguidores idiotas enquanto gargalhava.
— Isso é pra você aprender a não desviar os olhares de todos daqui do senhor Zurick! — As provocações continuavam.
— Ah! Caro novato... — Ele se agachou ao meu lado e então puxou meus cabelos me fazendo olhar para ele. — Nós vamos nos divertir muito ainda. E já que tá indo caçar vê se trás um banquete bem gordo pra gente colocar sobre a minha mesa viu? Vamos embora pessoal!
A raiva e o ódio haviam envenenado minha alma, e facilmente cortaria o pescoço deles se quisesse. Mas eu não sou esse tipo de pessoa, a dor que eu estava sentindo fisicamente por conta dos ataques covardes daqueles idiotas não era nada comparada a dor que eu estava sentindo em minha alma. Levantei-me enquanto todos em volta estavam olhando para mim, mas ninguém moveu um músculo para me ajudar.
E assim, machucado e humilhado, segui meu caminho até a casa da senhora Rosery, ao qual sempre ia visitar quando era possível, afinal ela tinha minha eterna gratidão por sua gentileza.
Por mais que estivéssemos entrado na primavera, o clima nesse lugar é bem frio e costuma ficar ainda mais gélido no inverno. Por esse mesmo motivo, a neve costuma ser bem presente em toda paisagem mesmo fora da sua estação respectiva, e as árvores de pinheiro são o destaque vivo com seu verde escuro no horizonte.
Antes de chegar na casa de Rosery, eu decidi ir ao ferreiro do vilarejo comprar um novo machado, pois o meu havia quebrado, e no clima desse lugar, ficar sem lenha para ascender uma lareira, significaria morte por hipotermia.
Andando um pouco mais adiante, logo cheguei na casa de Rosery que estava em seu quintal limpando a neve que havia se acumulado por ali. A residência lembrava facilmente a estrutura de um chalé, já que foi construída com toras de pinheiro, porém sua base inteira era de pedregulho e argamassa.
— Ah Magnus meu querido! — Gritou Rosery trajada adequadamente para o frio. Seu vestido vermelho era bem mais pesado que o comum, e em volta de seu pescoço, sempre havia um cachecol. Seus cabelos grisalhos e curtos, ainda continham mechas negras por todo seu comprimento, e estavam bem preso a uma tiara que não deixava sua franja cair em seus olhos. — Entre! Vamos tomar um café... Pelos deuses! O que aconteceu com seu olho!?
— Bom dia senhora Rosery! Eu me machuquei por aí, não se preocupe tanto! — Levei minha mão na nuca enquanto me aproximava.
— Foi Zurick e seu bando de trogloditas idiotas de novo não foi? Entre vamos dar um jeito nisso! — Ela logo se virou e começou a ir em direção a casa, abrindo a porta.
—Eu na verdade só vim... — Acabei sendo interrompido por sua seriedade.
— Pode me dizer o que quiser, mas antes, vamos tratar esse olho! — Disse ela fazendo um gesto rígido ao me mandar entrar sem reclamar.
— Tá bem! Você venceu! — Derrotado por seu carisma, decidi fazer como me pediu, e então entrei em sua casa.
Rosery pediu para que me acomodasse, e logo me trouxe uma cadeira para que eu sentasse e assim pudesse tratar meus machucados. Tenho 1,78m de altura, enquanto que Rosery aparentava ter seus 1,60m, então era lógico que eu devesse ficar do seu tamanho para não dificultar o trabalho.
— Francamente! Não sei como você ainda não deu uma surra naqueles moleques idiotas! Já o venceu uma vez! Poderia vencê-lo quantas vezes quisesse! — Rosery parecia indignada com a minha situação, mas eu até entendo, pois volta e meia eu aparecia com marcas em meu corpo ocasionadas pelas surras que levava, desde que venci Zurick.
— Perdão senhora Rosery. Mas não se trata de... — Fui interrompido mais uma vez.
— Não se trata de vencer! Eu sei, eu sei! O que estou querendo dizer Magnus é que você não deveria perder seu orgulho e muito menos sua coragem. Você ainda é um príncipe. — Esse comentário fez brotar em meu rosto um sorriso que há muito havia desaparecido.
— Não posso, seria como ir contra o mestre da vila, e você sabe que não tenho mais lugar nenhum nesse mundo. — Meus argumentos eram bons e de forma realista.
— Olha Magnus, eu posso ser viúva e ter perdido meu marido muito cedo, mas se tem uma coisa que eu aprendi com ele, foi que para sobrevivermos, sempre temos que arriscar sem medo. — Ela colocou um pano úmido sobre meu rosto. – E se você não arriscar, nada mudará de fato em sua vida.
— Você... Você tem razão... — O argumento dela era melhor, eu não poderia negar. Nada mudaria de fato se eu não fizesse aquilo que acredito ser o certo. — Eu realmente já estava cansado de ser atormentado por aqueles idiotas.
— Faça o que achar que tem que ser feito meu querido. — Ela então retirou o pano molhado de meu olho. — Magnus, você não sabe o quão gentil e bem intencionado é. Posso dizer claramente que é o filho que nunca pude ter. Está completando 22 anos hoje e sei que apesar da pouca idade já perdeu muita coisa, e que a dor ainda é um fardo muito grande em sua vida. Mas, nunca se esqueça, que você é um príncipe obstinado, de sangue e família real. Não deixe que os outros te digam como você deve viver sua vida.
— Você lembrou do meu aniversário. — Fiquei surpreso ao ver que ela havia lembrado, já que eu mesmo preferiria não lembrar.
— Mas é claro que lembrei! E lembrarei sempre, afinal como já havia dito, você é muito querido para mim. — Ela voltou a cuidar dos meus ferimentos. — Como já sabe, não tenho muito dinheiro, mas para comemorar esse dia, eu fiz uma farta refeição matinal para nós. E conhecendo você, acredito que não deva ter comido quase nada ao sair de casa! Francamente!
— Tá certo, tá certo! Eu me rendo, eu já entendi! — Não segurei o sorriso bobo que cresceu em meu rosto vendo as broncas daquela senhora carismática.
Entre gargalhadas, levantei a mão entrando na brincadeira de seu tom cômico. Após a senhora Rosery terminar de cuidar de mim, nos sentamos diante de uma mesa cheia de comida. Ali comemos, conversamos, nos divertimos, e então chegou a hora de ir embora. Eu ainda tinha obrigações do dia a serem cumpridas. Avisei a Rosery onde eu estaria caso precisasse, e que tentaria ao máximo buscar algo bom e farto para ela nas minhas caçadas.
A senhora Rosery me abençoou diante ao deus Lobo Fenrir gelado do norte, o que vagamente me lembrou de meu antigo amigo canino. A agradeci pela benção e então logo comecei minha caminhada em direção a Floresta de Pinheiros.
[...]
Uma vez dentro da Floresta, agora eu só sairia dali ao anoitecer, pois minha missão era conseguir caças de qualidade, ervas, alguma lenha e averiguar o perímetro do local. Armei várias armadilhas e arapucas, para que pudesse capturar pelo menos algumas pequenas presas.
Enquanto isso, rapidamente, peguei meu novo machado e comecei a derrubar algumas árvores menores para acumular lenha. A cada três tocos, eu os amarrava de forma que ficassem fáceis para levá-los.
Algumas horas depois, eu já havia capturado cinco coelhos grandes em minhas arapucas, e havia uma boa quantidade de lenha armazenada. As ervas que haviam me pedido estavam em mãos. Achei que seria mais difícil conseguir completar todas essas tarefas. Mas de todos os objetivos, apenas o de caça ainda precisava ser concluído. Se tudo corresse bem, eu iria voltar muito antes da hora que geralmente voltava em minhas expedições. Porém algo começou a me chamar a atenção, os animais que havia capturado estavam ficando inquietos. As aves não paravam de sair voando e gritando pelas copas das árvores, e aquela sensação de perigo começou a tomar conta dos meus sentidos.
— Alguma coisa com instinto assassino está por aqui... — Falei comigo mesmo guardando meu machado na cintura. Então agucei meus sentidos e levantei minha guarda para não ser pego de surpresa. Olhando em volta não parecia ter ninguém por ali. Com a mão sobre o cabo da minha espada, comecei a andar com cautela, olhando pelas árvores daquela floresta densa.
Afastei-me por alguns metros do local onde havia montado base, até que finalmente comecei a ouvir ruídos de algo ou alguém, lutando por sua vida com determinação. Fui me aproximando cada vez mais do local com cautela, mas não conseguia observar do que se tratava, pois a neve havia começado a cair de forma intensa prejudicando meu campo de visão.
Esgueirando-me entre as árvores, pensei estar seguro, mas um enorme Troll caiu próximo a mim, mais precisamente sobre as árvores a minha frente, destruindo tudo por onde havia atingido. Sua pele grossa e acinzentada parecia uma armadura natural, os olhos azuis pareciam grandes pedras geladas, aparentava ter seis metros e meio de altura, da ponta de seus gigantescos pés, até o final de seus chifres curvados para baixo. Pelos ruivos saiam de sua cabeça e continuavam a crescer até suas costas, presentes também em seus braços, que eram fortes e largos como suas mãos.
Trolls são criaturas selvagens que costumam viver solitariamente em cavernas no meio das florestas. São extremamente fortes e carnívoros, e aquele ali, estava claramente com fome e muito irritado.
O Troll levantou-se gritando com toda sua ira, enveredando-se para cima de alguém encapuzado que carregava uma lâmina longa e curvada em suas mãos. Seus movimentos eram rápidos e precisos, e por algum motivo muito familiares para mim.
Decidi me manter escondido atrás das árvores, apenas observando toda a batalha que estava muito intensa e caótica. A pessoa por trás daquele capuz conseguia ter movimentos tão fortes e precisos com sua espada, ao ponto de aparar os socos daquele monstro enquanto perfurava sua pele com cortes rasos. Entre esquivas e rápidas piruetas, percebi que tudo o que ele precisava era se manter firme e focado, ao ponto de fazer o inimigo ficar cansado e deixar um brecha boa o suficiente para um ataque poderoso.
E foi exatamente o que aconteceu, pois assim que o Troll demonstrou cansaço, ele rolou entre as pernas do monstro, que se virou imediatamente para o encapuzado em resposta, inclinando-se para baixo. Girando em seu próprio eixo e com um golpe poderoso com sua espada, o misterioso guerreiro acertou a mandíbula de seu inimigo gerando um corte que vinha de baixo para cima. E aquele corte eu conhecia. Logo reconheci o tipo de espada longa e curva que estava usando, e se tratava de uma Katana. Somente um lugar em toda Thâmitris havia espadas curvas e cortantes como aquela, e esse local era os Domínios do leste, mais precisamente a nação de Eiyonia.
Aquela esgrima oriental era muito familiar para mim, já que Miyuki era uma Eiyoniana, e uma das mais fortes usuárias da esgrima de sua nação. Miyuki uma vez me apresentou aquele golpe cortante que vinha de baixo para cima, imitando uma lua crescente. Olhando com mais atenção agora que o Troll havia caído mais uma vez, comecei a perceber a silhueta daquela pessoa por trás de seu manto e capuz. E a julgar pelas pernas grossas, cintura fina e bustos um tanto quanto avantajados se tratava claramente de uma mulher.
O Troll novamente se levantou, e dessa vez estava mais irritado, então ele se colocou diante dela gritando com toda a sua raiva, soprando uma ventania que acabou por derrubar o capuz da guerreira, revelando-me alguém que em meus pensamentos nunca poderia imaginar que veria novamente.
— Miyuki?! – Falei incrédulo ao observar seus cabelos negros, precisamente cortados na altura de seu pescoço. Mas antes mesmo que pudesse continuar a pensar que estava em um sonho, presenciei Miyuki vacilar em sua guarda, e acabar tomando um poderoso soco que a jogou para longe, indo de encontro a um pinheiro da floresta. – Miyuki!!!!
Sua katana havia girado em pleno ar e se cravado ao chão. Antes mesmo que pudesse pensar em algo, minhas pernas se moveram por conta própria, me colocando frente a frente com aquele enorme Troll.
Retirei minha espada da bainha, pronto para defender Miyuki que havia sido pega de surpresa por aquele ataque covarde. Olhei para trás, e vi somente Miyuki deitada sobre a neve, olhando fixamente para mim.
— J-jovem.... Mestre? — E após proferir essas palavras perdeu suas forças e consciência desmaiando ali mesmo.
Olhei para o Troll que estava andando em minha direção, sabia exatamente que tinha dois problemas para resolver. O primeiro era o oponente extremamente forte que estava diante de mim, e que não seria nada fácil derrotá-lo. Já o segundo, era que se eu não agisse rápido, Miyuki poderia acabar com hipotermia se continuasse naquele estado em meio a neve e o clima gelado. De forma lógica, a opção mais viável era pegar Miyuki e fugir dali o mais rápido possível. Mas escolhendo tomar tal atitude, eu estaria sendo negligente, pois aquele Troll poderia facilmente localizar o vilarejo de Arduran e atacar seus moradores.
Estava entre a “Cruz e a Espada”, as coisas estavam começando a ficar bem mais complexas do que o esperado. E foi com isso em mente que me aproximei lentamente de Miyuki sem tirar os olhos do Troll enquanto ele caminhava em nossa direção. Rapidamente peguei-a nos braços e a deixei em segurança próxima a uma enorme rocha que havia ali. Dessa forma não teria que me preocupar com sua segurança.
Olhei novamente para o Troll e coloquei-me frente a frente com ele que parou me olhando com raiva e abrindo seus braços.
— Isso seu grande idiota. Só eu e você agora. — Disse baixinho enquanto me posicionava sacando minha espada.
Meus olhos cerraram diante do inimigo que logo tentou me atacar fazendo com que toda a neve ao nosso redor voasse para todos os lados. Eu havia me esquivado para trás segundos antes, e assim que suas mãos acertaram o chão, corri em sua direção, me impulsionando para frente subindo pelo seu braço direito rapidamente ao acumular o brilho dourado que havia tomado conta da lâmina da espada. Acertei um golpe poderoso em sua bochecha que o desnorteou abrindo um corte no local, fazendo-o cair ao chão.
Pousei na neve de forma suave, enquanto o Troll começou a balançar sua cabeça tentando entender o que havia acontecido. Já havia se passado muito tempo desde a última vez que usei a benção de Hawlking, eu até senti estar um pouco enferrujado.
O Troll começou a se levantar, ainda balançando sua cabeça e agindo como se não estivesse crendo no que havia acabado de acontecer. Gritava e urrava para todos os lados, quase como se estivesse perdendo o controle da pouca sanidade que tinha.
Com cuidado comecei a observar sua peculiar atitude me aproximando calmamente para tentar alguma jogada certa. E quando menos esperava, ele se virou para mim em um poderoso golpe que me jogou diretamente para uma árvore que se partiu ao meio com o impacto.
Aquela batalha com toda a certeza não seria nada fácil, ainda mais agora que minha espada havia se partido em duas partes quando usei-a para tentar me defender, ao qual falhei de forma miserável. Joguei no chão o que havia sobrado da espada, e voltei ao campo de batalha com as mãos sobre minha barriga.
Assim que cheguei ao local, o maldito estava indo em direção aonde havia deixado Miyuki. Mas eu não poderia simplesmente deixar aquilo acontecer. Coloquei os dedos na boca, e assobiei o mais forte que pude, chamando a atenção daquele idiota mais uma vez. O olhar de fúria tomou conta dele novamente e logo que me viu tornou a correr em minha direção.
— Você é muito forte... E muito ingênuo ao mesmo tempo. — Coloquei minha mão sobre o cabo do machado, e assim que vi o Troll próximo o suficiente, girei a ferramenta com maestria acertando-o com muita força em baixo de seu maxilar.
O Troll cambaleou para trás gritando com toda sua fúria, e em resposta deixei meu poder responder ao meu chamado. E logo uma águia dourada explodiu suas asas atrás de mim, envolvendo todo meu corpo com sua aura dourada. O calor a minha volta começou a derreter a neve, e sentindo sua presença intensa, meu inimigo tornou a ficar mais diligente quanto a me atacar sem pensar nas consequências. Mas mesmo com o sentimento de medo crescendo em seu peito, ele decidiu tomar posição ofensiva, me atacando com toda sua ferocidade que ainda resistia contra o pavor.
Olhando-o com indiferença, avancei rapidamente contra o oponente que se preparou para me esmagar em único golpe com sua mão, porém mais rápido e mais veloz, desviei de seu ataque deslizando pela neve, enquanto que em um giro acertava de forma brutal a lâmina do machado em sua perna, abrindo um grande ferimento que o fez perder o equilíbrio enquanto gritava de dor.
Ele levantou-se mais uma vez, gritando sem qualquer controle e avançou contra mim. Imediatamente foi interrompido por um machado que se cravou de forma poderosa em seu ombro direito. Ele então olhou para o machado e voltou a olhar pra mim bufando de ódio e dor, e assim que voltou a correr em minha direção, eu saquei a Katana da Miyuki que ainda estava ali cravada ao chão. Segurei-a com as duas mãos tomando uma posição de combate, acumulando por mais uma vez toda a benção dourada sobre sua lâmina, enquanto meus olhos brilhavam intensamente na mesma cor.
O monstro levantou suas enormes mãos prontas para esmagar qualquer um que estivesse em sua zona de impacto, mas assim que chegaram próximas a mim, brandi a Katana utilizando a exata habilidade de corte que lembrava uma lua crescente, cortando os três dedos do meio de sua mão direita. Sem perder tempo, avancei pulando por seu braço, correndo em direção ao rosto que logo foi retalhado pela faca que saquei de minhas costas em um único movimento após saltar, e finalmente crava-la em seu rosto.
O Troll se debatia e fazia de tudo o que podia para me tirar dali, mas continuei firme, até que o mesmo resolveu lançar-me ao ar para cima.
Mas assim que fui arremessado, me impulsionei em direção ao centro de seus olhos, cravando a Katana com todo o poder mágico que poderia, enquanto gritava exaurindo toda a benção que continha dentro de mim para a espada, que insistia em se cravar cada vez mais fundo em sua vítima, fazendo com que o sangue azul do troll escorre-se pelo seu rosto, inundando seus olhos. Em questão de alguns segundos, senti a vida deixar seu corpo com um último suspiro enquanto caia de joelhos pelo chão.
— Criatura imunda e vil! Por todo o mal que demônios como você fizeram ao meu povo sobre o controle de pessoas cruéis! Eu agora me levanto! E você... — Retirando a Katana e a jogando para o lado com força, a fim de limpar o sangue restante de meu inimigo. Puxei para baixo a faca cravada em seu rosto, forçando o corpo morto daquele Troll terminar sua queda final em meio a neve, enquanto pousava de forma flexionada ao chão. – Você cai.
Ao olhar o corpo morto do Troll atrás de mim, percebi que os anos de experiência que tive sobrevivendo e protegendo pessoas ingratas, fizeram de mim um monstro, maior até do que os piores deles poderiam ser. Eu havia me tornado um assassino profissional, um vingador sem limites. Um guerreiro desonrado pelo sangue perdido. E mesmo sabendo disso, aquela águia dourada sempre esteve ao meu lado, nunca havia me abandonado.
Olhei para a Katana, e então coloquei-a presa em minha cintura junto de sua bainha, para que assim pudesse correr até Miyuki e pegá-la no colo.