Volume 1
Capítulo 4: A Traição Manchada de Sangue
[Reino de Eldoria, 20 de julho de 810 da era Mágica]
Em meio ao caos. Em meio às desgraças. Nada realmente parece ser o que realmente é. Tudo parecia não ser real diante dos meus olhos. Ver tanto sofrimento, seguido de ruídos metálicos, fez com que minha mente entrasse em um processo de negação constante, enquanto ouvia os gritos daqueles que sucumbiram em um solo profanado pela agonia.
Meu povo estava morrendo diante dos meus olhos, sem qualquer piedade, convicção de valores ou respeito às regras prioritárias daqueles que nada tem a ver com aqueles que empunhavam suas espadas. Era como se eu tivesse falhado de fato em ser o que tinha acabado de me tornar, pois pensava conhecer a realidade, quando na verdade apenas vivia em minha própria fantasia.
Aos meus 20 anos de idade, eu conheci o significado da dor e sofrimento, sendo torturado pelos gritos de socorro daqueles que via cotidianamente nas ruas do nosso reino. As vidas perdidas em meio aquele caos, nunca mais voltariam, mas eu também não podia me deixar abater por tais sentimentos, caso contrário, perderia muito mais do que já estava perdendo.
— NÃO!!! — Gritei em desespero ao ver uma das cenas mais cruéis que já havia presenciado, nunca esquecerei daquela terrível ação inumana em que um cavaleiro prateado contendo um brasão de armas de Algardia, cravou sua lâmina em uma criança diante de meus olhos. — SEU MALDITO!!! O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO!!!
Sem pensar muito, corri até ele em meio aquelas chamas em que as casas ao meu redor se encontravam. Aparei seu primeiro ataque, cravando rapidamente minha espada por baixo de seu elmo, que logo transbordou em sangue após o indivíduo ser abatido. E ao olhar para trás, vi Miyuki ao chão, deitando a cabeça daquele pequeno garoto em seu colo. O brilho de seu olhar estava se perdendo aos poucos, e não havia mais esperanças para ele, pois o ferimento da espada cravada em seu ventre havia sido muito profundo e mortal.
Max mantinha o rosto incrédulo, como se não pudesse acreditar no que estava vendo. Elize tornou a derramar lágrimas, sentando-se próxima a Miyuki que não aguentou segurar seu delicado choro em meio aquela armadura de combate. Fenrir se aproximou uivando com toda sua força, e logo que me aproximei, senti a raiva consumir todo meu corpo. Todo aquele sentimento de desespero e falta de força foi tomado pelo ódio, e então descobri o motivo de estar ali.
— Príncipe Magnus! É você? — Nas suas forças finais, ouvi o garoto me chamar. — Eu tô com medo. Eu não sei onde está a mamãe. Dói muito.
— Sou eu sim. Qual é seu nome? — Me aproximei dele enquanto Miyuki acariciava seus cabelos castanhos claros. — Eu estou aqui com você. Não tenha medo.
— Príncipe. Você... Vai proteger nossa casa não vai? — Peguei sua mão que já estava gelada. — Eu vou ficar bem? Eu me chamo Aziel.
— Eu vou fazer o meu melhor por todos Aziel, eu prometo que vou. — Max se aproximou colocando a mão em meu ombro, e então baixou a cabeça fechando os olhos. — Você vai ficar bem sim. Hawlking vai proteger você para onde quer que você vá.
— Porque eu não consigo mais ver vocês? Está ficando tão escuro. Você ainda está aí Príncipe? — Max então se aproximou dele, colocando suas mãos sob o leito de morte daquele garoto.
— Eu estou sim. Estamos aqui. — Comecei a chorar sentindo a impotência de não poder ter salvo aquela criança de um destino tão cruel. — Não tenha medo de nada!
— Eu vejo um brilho dourado, me pedindo para segui-lo. Obrigado por ficar aqui comigo. — Essas foram as últimas palavras que conseguiu proferir.
A mão de Max sob o peito daquele garoto brilhava em uma luz dourada calorosa e aconchegante, como se estivesse dando a ele a oportunidade de morrer vendo a esperança no fim daquela profunda e solitária escuridão.
— Fiz com que ele partisse com o coração cheio de coragem e esperança. Mesmo que eu tentasse não poderia curá-lo. — Max deixou cair algumas lágrimas, enquanto parecia sentir tanta culpa quanto eu.
— Vamos fazer melhor. — Coloquei a mão no ombro de Max. — Vamos impedir que isso aconteça novamente. Eu vou acabar com cada um deles que se colocar na minha frente.
Assim, Elize e Miyuki olharam para mim assentindo com a cabeça, enquanto Max pegou minha mão com força, mostrando firmeza e confiança, como se compartilhasse da mesma raiva que eu havia criado dentro de mim naquele momento.
— Vamos fazer isso juntos irmão. Vamos acabar com eles. — O olhar de Max nunca esteve tão irritado e odioso como agora, apesar de ser o mais gentil dentre todos nós ali presentes.
[...]
Mantendo a convicção em nosso peito começamos a correr em direção a academia de espadas do reino, enquanto ajudávamos e auxiliávamos os cidadãos que estavam perdidos cruzando nosso caminho.
Algumas batalhas logo foram resolvidas com habilidades combinadas entre nós, e assim que chegamos à Academia de Espadas, nos preparamos para o combate. Adicionei ao meu corpo uma armadura leve, com um par de manoplas que se estendiam até um pouco abaixo dos meus cotovelos. Grevas fortificadas para os pés, placas metálicas para as pernas, um peitoral leve com proteção para o pescoço e para finalizar adicionei uma segunda espada, que prendi do lado contrário da minha cintura em comparação a espada que meu pai havia me dado.
Assim que olhei para Elize novamente, parecia de fato uma Dama de Guerra, estava com uma armadura semelhante a minha, mas mantendo uma capa azul as suas costas, com detalhes em dourado e uma águia muito bem desenhada ao centro do tecido. Meu irmão optou por não usar um peitoral, deixando preso ao seu peito apenas uma placa metálica para manter uma velocidade constante com o movimentar de sua Rapiera.
Os soldados aliados ao nosso pai estavam segurando bem as tropas inimigas na parte da frente do reino. Mas por quanto tempo?
— Vamos precisar agir com estratégia. — Max disse algo realmente inteligente. — A cautela será nossa maior aliada nesse momento.
— Max está certo, precisamos derrotar os inimigos que conseguirem ultrapassar as muralhas do Reino, onde a batalha ainda não está em seu ápice, caso contrário mais crianças como Aziel irão sofrer! — Miyuki exclamou dizendo seu pensando para aquele momento.
— Vamos nos separar em grupos de dois! Dessa forma podemos dividir a defesa a Leste e a Oeste. Se ficarmos juntos seremos mais fortes, mas não teremos dimensões de quantos inimigos teremos que combater. — Rapidamente pensei na melhor solução para que não houvesse mais riscos de morte de civis, ou invasões inimigas adentrando no reino.
— Max e Elize, vocês vão ficar com a parte Leste, quero que levem Fenrir com vocês. Eu e Miyuki vamos para o lado Oeste. Se algo estiver muito problemático, priorizem os civis e retornem ao nosso encontro. Os inimigos provavelmente irão vir atrás de vocês. E a mesma estratégia será aplicada para mim e para Miyuki!
— Sim senhor! — Elize bateu continência para mim com seu olhar confiante.
— Como preferir meu irmão. Tome cuidado... — Ele se aproximou de mim pegando em meu rosto com suas mãos, e então puxou minha cabeça, encostando sua testa contra a minha gentilmente. — Somos as asas de Hawlking. Precisamos das duas vivas para voar... Não se esqueça disso.
— Digo o mesmo. Não hesitem em me procurar. — Me afastei de Max e me virei para Miyuki que assentiu para mim pronta para me seguir.
Mas no exato momento em que íamos sair da Academia de Espadas, a enorme porta dupla foi arrombada, estilhaçando-se e voando para todos os lados. Um enorme Orc armado até os dentes, estava diante a nós. Seu grito ecoou por todo o lugar, e sem pensar duas vezes, saquei minhas espadas.
— Se preparem para o combate! — Gritei ordenando a preparação para o ataque.
Algo me chamou a atenção naquele monstro, pois seus olhos estavam vermelhos e incandescentes, quase como se estivesse sendo controlado ou possuído. Orcs geralmente são seres de natureza selvagem e de pouca inteligência. Não é fácil combater um, e muito menos colocá-lo ao chão sem que leve alguns aliados para o túmulo durante a tentativa de controla-lo.
Rapidamente todos sacaram suas armas se preparando para o combate que se iniciaria. E tudo o que foi ouvido após o bufar do monstro que andava calmamente em nossa direção foi o rosnado de Fenrir que estava ao lado de Elize. O Orc gritou fortemente por mais uma vez e então desferiu seu primeiro ataque, com seu enorme martelo de guerra. Eu e Miyuki rolamos para lados opostos de onde estávamos para se desviar do ataque inimigo, e assim que o golpe poderoso atingiu o chão, uma onda de tremor sacudiu o local por alguns segundos.
— Jovem Mestre! Veja! Ele não é inteligente, só é extremamente forte! Podemos trabalhar em conjunto! — Miyuki gritou após perceber que o Orc perdeu sua atenção quando me viu, e agora olhava fixamente para Miyuki que segurava sua Katana com as duas mãos.
— Já entendi! Max! Elize! Vamos atacar em conjunto! — Gritei aos dois que logo começaram a correr em direção ao inimigo.
— Entendido! — Gritou Max preparando seu ataque correndo lado a lado com Elize.
Com maestria passei minhas lâminas de forma rápida e sincronizadas nas partes desprotegidas daquele monstro, que logo urrou de dor, fazendo com que sua atenção se virasse contra mim. Assim ele me atacou sem hesitar em sua tentativa de me acertar em sua fúria. Novamente rolei para o lado, desviando-me de seu ataque. Atrás de mim Elize e Max vinham a toda velocidade com suas Rapieras prontas para desferir seu poderoso ataque.
Miyuki previu o movimento do Orc entrando a minha frente, aparando seu ataque de forma incrível enquanto deslizava sua espada pelo cabo daquele martelo, jogando o ataque do inimigo contra a parede. Para minha surpresa, Fenrir atacou latindo e mordendo a perna do Orc que novamente perdeu sua atenção para outro oponente.
Aproveitando a brecha que havia sido criada, me coloquei em posição de combate ofensivo, deixando cada uma das duas espadas nas laterais de meu corpo com os braços cruzados acumulando a mana dourada de Hawlking, que logo brilhou por todo meu corpo. Fenrir começou a esquivar-se e desviar-se de todas as tentativas de ser pisoteado pelo Orc, e nesse exato momento Max e Elize em um ataque combinado, usaram minhas costas para saltar em direção ao inimigo, cravando com extrema força suas estocadas carregadas com poder mágico, no peito do nosso oponente que cambaleou para trás perdendo o equilíbrio.
— MAGNUS!! AGORA!! — Gritou Max enquanto o Orc terminava de quebrar mais uma parede, caindo para o lado de fora do que antes foi a Academia de Espadas.
Com um sorriso sanguinário no rosto, deixei todo aquele poder carregado explodir a minha volta, fazendo com que as asas douradas crescessem por mais uma vez nas minhas costas. As espadas tomaram um brilho dourado em suas lâminas, e então com uma extrema velocidade, voei em direção ao Orc, acertando seu peito em um ataque extremamente forte que o fez cair destruindo uma casa no meio do caminho.
— A nossa brincadeira ainda não acabou! — Ainda voando no ar batendo minhas asas, apontei minha espada para o Orc que balançava a cabeça confuso com o que estava acontecendo.
Aproveitando o momento de fragilidade do Orc após aquela sequência de ataques pesados, comecei a investir várias vezes contra ele, o deixando cheio de cortes pelas minhas lâminas.
— Magnus! Vamos dar um fim nisso! Não podemos mais perder tempo com esse monstro aqui! — Max gritou já se colocando em postura de combate mais uma vez. — Me permita lutar ao seu lado irmão!
O Príncipe loiro abençoado pela deusa águia assim como eu, colocou sua Rapiera a frente de seu rosto, acumulando o seu brilho dourado de luz intensa em volta de seu corpo, deixando-se ser completamente envolto de uma aura brilhante. Sua Rapiera brilhou, e em sua outra mão, um círculo mágico se fez. Ele apontou para o inimigo que estava se levantando, e logo começou a disparar várias esferas de luz no Orc.
— Vou mantê-lo ocupado! Vão! — Gritou ele para as meninas que assentiram com a cabeça e correram em direção ao monstro. — Magnus! Você precisa acabar com ele!
— Certo! — Acumulei por mais uma vez todo o poder que tinha na espada de meu pai, e então concentrei um incrível poder destrutivo em sua lâmina que brilhava intensamente como uma estrela.
Enquanto esperava o momento certo, Miyuki e Elize pareciam brincar de cortar pele e tendões das pernas do monstro que logo se pôs de joelho a nossa frente. Miyuki conseguia prever com maestria todos os ataques do inimigo, os aparando e impedindo que Elize fosse acertada pelo enorme martelo que girava para todos os lados.
Mais uma vez, Fenrir nos surpreendeu usando alguns destroços para pular nas costas de seu inimigo, e morder a orelha pontuda do monstro. O Orc perdeu totalmente sua atenção e urrou com força em resposta, dando brecha para que Elize o congelasse por completo da cintura para baixo, o imobilizando.
— Perfeito. — Disse a mim mesmo vendo a oportunidade que precisava para acabar com aquele enorme monstro.
— Fenrir! — Gritou Elize ao chamar o lobo, que logo veio ficar ao seu lado. — Muito bem garoto!
Percebi que o cristal de mana que antes estava roxo na espada do meu pai, agora brilhava intensamente em dourado. Eu havia enchido aquela espada com a mana da Deusa Hawlking que havia dentro de mim. Pela primeira vez, eu viria do que aquela espada era capaz de fazer usando seu potencial máximo e completo. Então, abrindo minhas asas, me impulsionei com extrema velocidade mais uma vez contra o Orc, acertando perfeitamente o seu pescoço, que foi cortado com facilidade pela lâmina brilhante da espada que empunhava em minha mão.
E assim que pousei atrás dele, sua cabeça caiu lentamente do corpo, e o mesmo aconteceu com o resto do Orc, que caiu morto no chão. Levantei-me olhando para a espada que tinha seu guarda mão em formato de asas douradas, e algo na minha percepção parecia entender que aquela espada não havia sido forjada por pessoas normais.
— Isso! Nós conseguimos! — Gritou Max ao pular de alegria. — Caramba! Essa foi nossa primeira vitória em campo de batalha! Nós realmente conseguimos!
— Não fiquem tão animados ainda! Temos que correr! Ainda estamos sob invasão! — Olhei para eles por cima do ombro. — Rápido! Sigam o plano inicial!
— Magnus tem razão! Vamos nos dividir! — Elize movimentou sua espada para o lado com força, fazendo todo o sangue do Orc ser limpo da lâmina de sua Rapiera.
— Certo! Nos encontraremos depois! Se cuidem! — Max se juntou a Elize limpando sua arma da mesma forma.
— Jovem Mestre! — Miyuki correu para perto de mim, enquanto Max, Elize e Fenrir correram para o lado oposto. — Estou logo atrás de você.
— Muito bem, vamos nos apressar! — Logo começamos a correr para o posto ao qual tínhamos combinado.
[...]
Do lado oeste, eu e Miyuki conseguimos auxiliar mais alguns civis que logo correram em direção ao palácio, onde minha mãe estava apta para levá-los a um lugar seguro e protegê-los. Durante nossa inspeção vimos corpos queimados, dilacerados e até alguns rostos conhecidos mortos por alguns Cavaleiros inimigos que tinham conseguido se infiltrar. Era possível ouvir não muito longe dali, os gritos de agonia dos cavaleiros que morriam pela espada na batalha intensa que acontecia na parte frontal dos portões do Reino.
— N-não! Por favor! Não faça isso! Eu tenho família! — Um grito desesperado foi possível ser ouvido de uma das ruas logo a frente da nossa posição. — Por favor! Me Ajudem!!!
Eu e Miyuki logo nos colocamos a correr em direção ao pedido de socorro, mas assim que chegamos, o homem já estava agonizando em dor, empalado por uma enorme lança que o cavaleiro carregava em suas mãos. Ele era alto, sua armadura que cobria todo seu corpo parecia impenetrável, além disso, parecia ser extremamente forte e resistente. Por algum motivo ele era bem mais assustador que o Orc que havíamos derrotado há alguns momentos atrás.
— Assim não dá nem pra se divertir direito! Eldorianos são uma raça fraca e sem valor mesmo. — Ele movimentou sua lança com força, fazendo com que aquele homem vitimado por sua arma voasse na direção da parede de uma casa como se fosse nada. — Ah.... Mas que lixo...
Aqueles comentários me encheram de raiva e ódio, era do meu povo que ele estava falando, era o meu povo que ele estava massacrando sem piedade. Caminhei até ficar frente a frente com ele segurando minhas espadas. Minha cabeça estava baixa, deixando meu olhar sombrio tomar conta de toda minha feição. Miyuki estava logo atrás de mim, mas assim que ela se aproximou para entrar na batalha, eu a impedi, colocando minha espada a sua frente.
— Essa batalha será um duelo entre mim e ele. — Apontei minha outra espada para o desgraçado que se virou para mim.
— Hooo! O que temos aqui?! Será um desafio de verdade! Acha que pode me derrotar garoto? — Ele cravou sua lança com força no chão. — Veja só você, todo irritado por ouvir algumas besteiras sobre o seu povo. Vamos ser honestos então! Eu matei mais uns 300 iguais a esse merda aqui. E todos tiveram a mesma reação.
— Cala a porra da sua boca! — Olhei firmemente para os olhos dele que estavam levemente aparentes pelo visor do elmo.
— Pena que só é divertido no momento em que estão com... — Ele puxou sua lança do chão novamente. — Medo...
Avançando para cima daquele ser insolente, mantive minhas espadas prontas para agir independente do ataque que viesse até mim. O cavaleiro fez o mesmo, avançando com voracidade com sua lança em um ataque giratório horizontal forte o suficiente para derrubar qualquer desavisado, e rapidamente me ajoelhei escorregando por baixo de seu ataque, me levantando em posição de combate logo em seguida.
— Oh! Você é corajoso garoto. Mas será o suficiente para me derrotar? — Gritou ele avançando novamente para cima de mim.
Mais uma vez o tempo pareceu ficar lento diante daquele sentimento de perigo e adrenalina que percorria por todas as veias de meu corpo. A lança era uma arma poderosa, conhecida como a rainha da guerra, capaz de te dar distância de ataque e força de estocada. Eu precisaria ler cada um dos movimentos do meu inimigo para que não acabasse empalado naquela ponta mortal.
O combate seria decisivo para aquele que falhasse primeiro, e assim que comecei a prever o ataque do cavaleiro, meus pés começaram a se movimentar por conta própria, quase como se fosse uma reação natural. A estocada veio com força na direção da minha barriga, e usando a espada da mão esquerda aparei o ataque levantando o ataque inimigo o retirando de seu alvo principal. Mas antes mesmo que eu pudesse prever seu próximo ataque, o cavaleiro girou a haste de metal de sua lança, me acertando no queixo com a pequena parte oval traseira de sua arma. Senti a dor percorrer meu maxilar enquanto havia sido jogado para trás, caindo de costas ao chão.
— JOVEM MESTRE!!! — Miyuki gritou colocando as mãos sobre a sua boca.
— A ingenuidade pode matar no campo de batalha. Tem certeza que ainda quer me enfrentar garoto? — O cavaleiro caminhava calmamente em minha direção. Suas botas de metal emitiam seus ruídos a cada passo, e olhando agora do chão para ele, todo o cenário daquele lugar o deixava ainda mais assustador. Pois o céu azul de Eldoria, agora havia se pintado de cinza, coberto pela fumaça das casas que queimavam. — Você ainda tem tempo para sair correndo, e tentar se salvar enquanto eu te caço. E caço também sua namoradinha ali.
Ao se aproximar, ele me chutou com toda força, me jogando contra a parede de uma casa da região, que terminou de se destruir por completo em cima de mim. Eu subestimei meu inimigo, ele era realmente muito mais forte do que eu esperava, naquele momento eu só pensava que aquela era a forma mais estúpida de se morrer. Deixei minha confiança tomar conta do meu corpo, e fiquei cego a ponto de não ver quem realmente estava frente a frente comigo.
— Vamos fazer assim senhor... "Jovem Mestre". — O cavaleiro riu debochadamente enquanto continuava a caminhar em minha direção. — Eu vou usar e torturar aquela sua namoradinha ali bem na sua frente. Depois disso eu vou matá-la lentamente, até o último suspiro...
Aquelas palavras entraram pelos meus ouvidos de uma forma avassaladora. Eu já não queria mais saber de vencer a batalha. Agora eu queria era a cabeça daquele desgraçado. Cravei minha espada no chão, usando ela como apoio para conseguir me levantar em meio aos escombros.
— Ah! Eu sabia que você não iria me decepcionar! — Aquele imbecil abriu os braços em um ar de superioridade enquanto continuava a rir. Sua capa balançava em meio a ventania do local. — Você é muito divertido rapaz, devo admitir. Permita-me a me apresentar a você. Eu sou Rujir Camavord, um dos campeões do glorioso e agora ascendente Império Algardiano!
— Então vocês decidiram nos apunhalar pelas costas mesmo. — Com a expressão sombria em meu rosto, comecei a entender o que de fato estava acontecendo ali. — O Reino de Algardia foi nosso aliado por anos. E agora simplesmente decidiram nos descartar.
— Oooh! Você é muito observador! Meus parabéns! Eu gosto disso... — Ele se colocou em uma guarda ofensiva após girar sua lança. — Esse é o fim de Eldoria! E o início do Império Algardiano!
— Vou fazer com que engula seu próprio sangue. Seu maldito! — Olhei para ele com uma fúria intensa estampada em meu rosto. Meus olhos brilhavam intensamente no dourado que a benção de Hawlking havia preparado para mim. — Vou fazer se arrepender amargamente de cada palavra dita sobre meu Reino. E sobre tudo o que fez até aqui! Você profanou esse solo sagrado! E eu! O abençoado Guardião de Eldoria! Príncipe Magnus Wingsfield, me tornarei a própria Hawlking se for preciso para te colocar um fim! AQUI E AGORA MESMO!!!
Apontei minha espada ao mesmo tempo em que começou a brilhar intensamente com seu dourado intenso. Enquanto isso e por mais uma vez, deixei que minhas asas douradas crescessem nas minhas costas, entrando em uma posição ofensiva ao segurar as duas espadas, uma em cada mão.
— AAAAH!!! ISSO!!! AGORA SIM GAROTO!!! VOCÊ É MAIS INTERESSANTE DO QUE HAVIA PENSADO!!! — Gritou ele ao se animar para o combate que logo começaria.
— Eu já disse pra você. — Avancei com uma extrema velocidade contra meu oponente que defendeu meu ataque de última hora com sua lança. — Cale a porra da sua boca!!!
Por mais que tenha defendido bem meu ataque, a força foi suficiente para fazer com que seu elmo voasse para longe, deixando revelar o rosto daquele imbecil. Seus cabelos loiros estavam bem cortados, e assim que ele se virou para mim, vi uma enorme cicatriz que começava em sua testa, passando por seu olho de cor avermelhada, terminando somente próximo ao seu lábio. Um sorriso maldoso se fez em seu rosto, e, então sem dizer qualquer palavra ele seguiu avançando com tudo o que tinha para cima de mim. Seus ataques se tornaram incessantes, enquanto dava meu melhor para aparar e defender cada um deles.
— VOCÊ ME DIVERTE!!! ENTRETENHA-ME MUITO MAIS!!! — Gritou ele continuando a girar e atacar incessantemente com sua grande lança de combate.
Então novamente senti meu corpo reagir a toda aquela situação, fazendo o tempo ficar lento aos meus olhos por mais uma vez. Sem pensar duas vezes, logo agi após perceber a abertura que precisava para derrotá-lo. Assim desviei de sua estocada, girando rapidamente para trás, enquanto o cortava por entre as falhas de sua armadura na região de suas pernas. Gritando de dor, o vi cambalear e logo se colocar em postura de combate novamente.
— Você é mesmo atrevido garoto! — Quando ele se virou novamente para mim, o sorriso sarcástico já havia sumido, e só havia sobrado raiva naquela expressão.
Abri um leve sorriso de canto de boca, e foi o suficiente para que entrasse em um surto de fúria enquanto corria em minha direção. Ele havia perdido a noção de seus golpes. E como estava com as pernas machucadas, eu tinha plena visão do que aconteceria, antecipando todos os seus ataques, e por fim travando sua lança entre minhas duas espadas.
— Isso é por ter zombado de mim! — Em um grito poderoso, joguei sua lança para cima com toda minha força, o deixando com sua guarda completamente aberta.
Concentrando toda a mana que estava em meu corpo em minha espada, atingi o peitoral de sua armadura que se rompeu por completo, ao ser cortada de baixo para cima.
— EU VOU TE MATAR GAROTO!!! — Gritou ele ao conseguir se recompor momentaneamente e avançar com sua lança em minha direção.
— Isso é por ter ameaçado minha preciosa serviçal! — Desviei de seu ataque em um giro rápido o levantando ao ar com a minha poderosa asa. O impacto foi tão forte que o vi perder o brilho dos olhos e o ar de seus pulmões.
Voei para cima dele cravando minhas espadas em seus braços, enquanto o fazia cair com toda a força ao pisar em suas costas. Então após retirar minhas espadas, chutei-o com toda a força em sua boca.
— Levanta! – Ordenei, dando mais um chute em seu rosto, que o fez voar para trás e cair de costas. — LEVANTE!!! EU AINDA NÃO TERMINEI COM VOCÊ MALDITO!!!
Com dificuldade e cuspindo sangue, ele se levantou pegando sua lança, enquanto me olhava com o resto de força que ainda havia sobrado. Ele se livrou de sua armadura danificada, e então jogou sua lança com toda a força que ainda lhe restava sem qualquer chance de que alguém normal pudesse desviar. Fiz tudo o possível para não ser acertado, mas a ponta de sua lança riscou minha bochecha, abrindo um corte no local, e em seguida acertou minha segunda espada que se partiu ao meio. Quando olhei para ele novamente, havia uma aura vermelha em volta de seu corpo.
— Garoto! Eu havia prometido que nunca usaria essa merda. Mas você está além de minhas capacidades. — Um brilho intenso de cor carmesim se fez em seu peito, e olhando com mais atenção, percebi que se tratava de um selo demoníaco. Seus olhos se tornaram vermelhos e brilhantes, e após um grande grito de fúria, o cavaleiro avançou contra mim. — EU VOU MATÁ-LO AGORA MESMO!
Pisando com força no chão, rapidamente me preparei para seu ataque. E assim que ele ficou frente a frente comigo, girei meu corpo, trazendo a espada de baixo para cima com toda força e poder que conseguia. Meu inimigo foi cortado ao meio diante de mim, e seus restos mortais caíram ao chão junto com sua derrota.
— Isso... É por todas as vidas inocentes que você ceifou nesse lugar. — Senti minhas forças saírem de meu corpo e cai de joelhos, nesse momento Miyuki correu até mim gritando meu nome.
Meus ouvidos estavam inaudíveis e a minha percepção havia se tornado apenas em um monte de vultos a minha frente.
[...]
Quando acordei, estava deitado no colo de Miyuki que me abraçava com força entre seus braços. Ela parecia chorar baixinho após ver que eu estava acordando.
— Pelos deuses. Você está bem? Você acordou... — Então me abraçou ainda mais forte após aquelas palavras.
Tentei me movimentar, mas agora após a adrenalina ter ido embora do meu corpo, eu estava sentindo todo o peso daquela batalha e da dor dos meus machucados.
— Miyuki! Nós precisamos continuar. — Tentei me levantar e reunir todas as forças que tinha ainda dentro de mim.
— Não! Seu idiota! Você vai morrer assim! — Gritou ela me puxando para seu abraço novamente.
— Eles precisam de nós. Max e Elize também estão a nossa espera. — Coloquei minha mão sobre a mão dela. — Você precisa me ajudar a levantar.
— Ao menos deixe-me tratar suas feridas então. — Ouvindo aquelas palavras, decidi concordar e apenas assenti com a cabeça.
Miyuki rasgou pedaços de tecido de sua própria roupa para fazer algumas bandagens sobre meus machucados. E me apoiando nela consegui levantar, assim seguimos em frente até o local do encontro com Max e Elize.
No trajeto não vimos nada além de morte e destruição, nenhum sinal de outros cavaleiros e muito menos de sobreviventes. As casas haviam sido totalmente destruídas, e agora eu podia ver por onde aqueles assassinos haviam entrado. Tinham destruído parte da muralha do lado oeste. Assim que avistamos Max, Elize e Fenrir, eles logo correram para ajudar Miyuki a me segurar.
— Pelos Deuses! O que aconteceu com você?! — Elize gritou com preocupação comigo.
— Eu venci um duelo. — Sorri para ela, que bufou com raiva, controlando-se para não me desferir um tapa.
— Deixe-me ver seus ferimentos irmão. Sentem ele aqui! — Max rapidamente tirou suas manoplas, ficando com as mãos limpas. Após me sentarem, ele colocou suas mãos sob meu peito, e uma aura dourada de luz percorreu todo meu corpo, curando todos os meus ferimentos mais leves. — Isso deve ajudar você por agora. Não consigo te curar completamente por ser bem mais complexo e exigir mais tempo e mana. Mas acho que isso já deve te ajudar. O que você tinha na cabeça hein?
Pisquei para ele que balançou negativamente sua cabeça em resposta. Assim que me levantei, corremos juntos para o local onde o ápice da guerra estava acontecendo. E as coisas não estavam nada boas para o nosso lado. No horizonte além das muralhas, havia exércitos, era quase como um mar de cavaleiros que estavam só esperando a sua vez de invadir o local. Meu pai estava lutando com todas as armas que tinha, lado a lado dos seus homens, mas estava bem claro para mim que não conseguiriam resistir por mais tempo.
Agora eu podia entender o porquê de Algardia resolver atacar de surpresa. Pois sabiam do potencial do exercito de Eldoria e vencer sem o fator surpresa seria impossível.
Olhando mais a frente, vi o Rei Algardiano montado em seu cavalo, observando toda a carnificina que havia ocorrido ali sobre seu comando. E ao seu lado, estava ele. Aquele que nos traiu, o mesmo homem que colocou sua confiança em cheque, e nem se quer tinha vergonha na cara de esconder o sorriso após suas intenções. Eu devia ter percebido após ele não aparecer antes das trombetas soarem no salão como havia me prometido. Era por isso que tive aquele sentimento estranho ao vê-lo naquele corredor.
"Tio Edward. Vou fazer com que pague por seus pecados. Eu juro que vou fazer pagar com seu próprio sangue. Independentemente do que você tenha sido pra mim no passado. Você escolheu o seu próprio caminho…”