Volume 1

Capítulo 4: A Batalha no Pátio dos Ipês

Via de regra, heróis e campeões ‘digna cedro’ começam do zero. Porém, Santa Hélène partiu do conjunto dos negativos para a história; zinnahiou, ou seja, mestiça de pai humano e mãe elfa, nasceu em uma decrépita choupana nos arredores do então povoado de Champs de Fleur. Nas escassas páginas do seu diário, percebe-se a árdua vida que levou na juventude, a qual debruçar-me-ei nos próximos parágrafos.   

Dos seus feitos mais notórios, fundou a primeira escola de magia do continente, alcançou seu objetivo de se tornar uma maga — a primeira de que se tem registros — e subjugou o dragão-azul de Draconville. Mas seu currículo ainda conta com diversos outras boas-ações, tanto em vida quanto em pós-vida. É justa, então, dar a um país o nome de tão importante e de tão merecedora pessoa.

O Legado de Santa Hélène de Draconville, volume I, Ágnes del Rubio.


O relógio marcava quatro e quarenta. Quase na hora marcada para a luta. Por causa disso, Henry e Ágnes decidiram encerrar o tour e se dirigiram para a Ala Amarela. No caminho, Henry resolveu perguntar algo que o intrigava desde quando chegara à Academia:

— Ei, o que é aquela torre gigantesca ali?

— É a Torre de Babel, a maior biblioteca do Reino de Sainte-Hélène. Seu acervo é muito diversificado.   

— Ah. Deve ser um paraíso para gente como você.

— Como assim «gente como você»?

Ágnes fez um «へ» com os lábios. Não era como se faltassem motivos para descrevê-la como uma nerd...

— Mudando de assunto, como você planeja enfrentar Draculescu? No fim, você também é um inapto. Acha mesmo que tem chance contra ele e seus amigos?

— Eu só aceito um desafio quando sei que posso vencer.

Ágnes engoliu em seco. Como alguém desarmado poderia fazer frente a um grupo de magos, sem usar magia? Era o seu destino que estava em jogo, e a aposta não parecia favorável...

O sol se punha no horizonte, tingindo o céu de carmesim. Sua luz melancólica banhava as folhas douradas dos ipês, que farfalhavam ao redor da praça.

O Pátio dos Ipês tinha o formato de um triângulo. No vértice do triângulo ficava a parte dos ipês-amarelos, encantados para estarem sempre floridos, e uma praça. O restante do espaço era um campo gramado, com canteiros de flores e bancos de madeira.

A Fonte de Hipérion, na praça, era cercada por seis bancos de madeira. Ela cuspia água de suas quatro bocas de granito. O som da água corrente e das folhas produziam uma melodia agradável e harmônica.

Sobre o pilar da fonte havia a estátua de uma jovem sacerdotisa. Uma imagem de Santa Hélène.  Em suas mãos, unidas e erguidas diante de si, ela segurava um pequeno cristal luminoso, cuja intensidade aumentava à medida que o sol desaparecia.

— Pois não é que apareceu? Você tem coragem, Henry Atwater!

— Salve. Está pronto para a derrota?

Fazendo uma reverência, Henry cumprimentou o adversário com um sorriso irônico. Leonard estava acompanhado de quatro estudantes. Eram três rapazes e uma moça. Os homens eram esbeltos e loiros, e usavam braçadeiras vermelhas, laranjas e amarelas. Já a menina, de cabelo curto e negro, tinha uma braçadeira verde.

— Humpf. Será um milagre se conseguir lidar com pelo menos um.  

— Tsc. Devemos nos preparar? 

— Certamente. As regras são: aquele do meu time que for desarmado de sua varinha ou incapacitado está fora. Por outro lado, se você desmaiar ou não conseguir mais se mexer, você quem perde.

— Estou de acordo.

Como a notícia da luta havia se espalhado pela Ala Amarela, pelo menos trinta estudantes estavam ali para assistirem ao combate.

— Hum... — Os olhos de Ágnes transbordavam ansiedade.

— Eu não perderei — Henry declarou com firmeza.

Dito isso, ele colocou a mão sobre o ombro da garota. Ela corou imediatamente e inclinou a cabeça para baixo. O que é este sentimento...?

— É melhor você vencer... ou vou lhe punir de uma maneira bem desagradável — disse Ágnes juntando-se à plateia. Ela começou a enrolar as pontas do cabelos com o dedo indicador.

Leonard deu algumas instruções aos seus colegas e recuou com Elizabeth até os ipês. Posicionando-se em uma formação triangular, Aurel, Florentin e Matei cercaram Henry. Observando seu relógio de bolso, Leonard gritou:

— Atenção... preparar... já!

Com os joelhos e braços levemente flexionados, Henry gingava de um lado para o outro. Os estudantes riam e zombavam daquela cena esquisita. Mas o que diabos ele está fazendo?! Droga... Levando a mão à testa, Ágnes começava a entrar em pânico. 

Matei retirou dois bonecos de madeira de sua algibeira de couro. Eram peças artesanais de excelente qualidade, enfeitados com roupas de folhas e cipós. Ele inseriu uma pedrinha alaranjada na cavidade de seus peitos e recitou:  

— Ó espíritos do ar, convertei estes núcleos em Numen e concedei aos meus bonecos o sopro da vida. «Golem de Madeira»!

Fuuuuuuuuuuuuuuuuu...

Uma forte ventania agitou a relva do campo. O vento, que assobiava alegremente, parecia cantarolar uma canção infantil. E então, em meio àquela atmosfera mística, os bonecos cresceram, cresceram, até que atingiram o tamanho de um ser humano.

As aberturas em que as pedras foram colocadas haviam se fechado. A madeira havia absorvido as folhas e adquirido uma textura semelhante à de um musgo. Seus olhos tinham um brilho alaranjado fantasmagórico.

A plateia aplaudiu a Encantação de Matei. Criar um golem de madeira era um feito e tanto para um primeiranista, pois o feitiço demandava bastante concentração e consciência corporal.

— É com você, Aurel — Matei disse distanciando-se de Henry.

Com um sorriso, Aurel assentiu com o polegar para cima. Ele sussurrou algumas palavras e faíscas cintilantes surgiram e se multiplicaram em frente aos golens, aglomerando-se e tomando forma. De súbito, as faíscas se materializaram em uma lança e um machado de madeira.

Sob o comando dos gestos teatrais de Matei, os golens se armaram e partiram para a luta. Um deles brandiu o machado de batalha e desferiu um golpe para acertar o ombro de Henry...

Grr!

Dij!

...Mas ele esquivou, com um salto curto para o lado. O impacto no chão ecoou pelo pátio. Pelo visto, a madeira invocada por Aurel não era ordinária. Ela estava ilesa, mesmo após aquele choque. 

Sem dar tempo para Henry se recompor, o lanceiro atacou com uma estocada. Com um reflexo sobrenatural, Henry executou um salto-mortal para trás, evitando, por um triz, de ser perfurado nas costelas.

Hu!

Bam!

Utilizando a abertura criada pela esquiva, ele girou a cintura e desferiu um poderoso chute na barriga do golem, que saiu voando e rolou pela grama.

— Um golem... derrubado?!

Matei estava perplexo. Um golem de madeira não era páreo para um guerreiro armado. Contudo, seu oponente estava de mãos vazias, e ainda assim havia derrotado um. Isso não estava dentro das suas expectativas.

Aparentemente, nem nas expectativas dos demais espectadores. Eles estavam boquiabertos e aplaudiam a performance de Henry. Sentindo-se envergonhado, Matei assumiu uma postura mais agressiva.

Fun fun fun!

No entanto, Henry desviava dos ataques com saltos e acrobacias. Sua movimentação era como uma dança. Uma dança mortal. Percebendo que o golem estava mais lento, Henry flexionou os joelhos, ao ponto de ficar quase agachado, e diminuiu o ritmo do gingado. Agora! Matei tentou realizar um golpe final. Quando o machado estava a um passo de atingir a cabeça de Henry...

Alea iacta est!

Dij! Crack!

...Ele se jogou para o lado no último segundo. O ataque tirou um fino e explodiu no solo. O cabo da arma se partiu na pancada.  Virando-se para trás, Henry realizou um salto-mortal na direção do golem.

Bam! Crack!

Girando no ar, ele acertou em cheio, de cima para baixo, a perna direita na cabeça do golem. A força do chute causou uma rachadura e quebrou seu pescoço.

A plateia gritou e vibrou de emoção.

Fun fun fun fun!

O lanceiro, de volta ao jogo, desferiu uma série de ataques, mas não acertou nenhum. Saindo do alcance da lança com velocidade, Henry se aproximou e saltou de barriga virada para baixo, com as pernas bem abertas, uma esticada e outra retraída, apontadas para o golem.

Pinçando as pernas do constructo com as suas, Henry imediatamente utilizou seu peso para forçar um giro de cento e oitenta graus, derrubando o golem na grama e se virando para cima. Após a queda, Henry desfez a chave de pernas e se levantou. Em seguida, ele se ajoelhou sobre o golem lanceiro.

No momento que o golem tentou se mover, foi atingido por um soco, que atravessou a casca que protegia seu núcleo. Quando Henry tirou a mão, havia uma pedra luminosa entre seus dedos.

Crack!

Com a pressão do seu punho, Henry esmagou a fonte de vida do golem.

— Meu golem...!

Matei deu um passo para trás. Produzir aquele golem havia dado um pouco de trabalho...

— O que, pelos espíritos, vocês estão fazendo?! Ele é só um inapto! Acabem logo com ele, seus idiotas!

Preocupado com o rumo da batalha, Leonard gritou dos ipês-amarelos. Ouvindo as palavras do líder, Aurel e Matei trocaram olhares e gestos breves.

O golem do machado, agora desarmado, avançou pela frente, chamando atenção de Henry. Ao mesmo tempo, Aurel, que havia invocado uma espada de madeira, moveu-se de modo sorrateiro para as costas do garoto.

Bam!

Notando seus passos, Henry se adiantou e derrubou a isca com uma pancada no queixo, que assim permaneceu. A energia de Matei havia se esgotado.

Hiah!!!

Aurel desferiu um corte descendente, que mirava a cabeça de Henry.

Clap!

A espada parou. O golpe havia sido bloqueado entre as palmas das mãos de Henry, bem acima de sua cabeça. Nem um segundo a mais, nem a menos. Mas quando ele estava prestes a contra-atacar...

— Florentin!

— Huh?

Fuish!

...Uma pequena bola de fogo respondeu ao chamado, voando como um raio na direção de Henry. Saltando para trás, Henry esquivou da primeira.

Fuish! Fuish!

Porém, mais duas daquelas se aproximavam, deixando um rastro flamejante em suas trajetórias. Por instinto, Henry executou um salto-mortal e depois uma estrelinha, com as chamas passando entre suas costas e pernas.

Florentin estava atônito. Não apenas ele... ninguém podia acreditar naquilo. Aquilo estava mais para uma apresentação artística. Henry estava brincando com eles.  

Tendo seu ego ferido, Aurel avançou contra Henry, utilizando golpes velozes de esgrima. Prevendo-os como se não fossem nada, Henry desviava de todos e desferia socos e chutes em represália. No entanto, o oponente, ainda que com dificuldade, conseguia se defender dos seus ataques. Levantando o dedo médio para Aurel, Henry deu um sorriso sardônico.

— Grrrrrrr!!! 

Não era como se Henry menosprezasse seu inimigo. Na verdade, aquela era uma tática para induzi-lo ao erro por meio da raiva. E ele conseguiu. O gesto deixou Aurel furioso. Para piorar, todos os estudantes que assistiam à luta gargalhavam da cena.

Possesso, Aurel desferiu uma estocada direta e carregada de ódio. Aproveitando-se do seu descuido, Henry se agachou e girou da esquerda para a direita.

Hein?!

Dij!

O movimento rápido de Henry impulsionou seu chute de calcanhar, que atingiu a mandíbula de Aurel e o derrubou, inconsciente, na grama.

Endireitando a coluna após derrotar Aurel, um calafrio desceu pela espinha de Henry. Que porcaria aquele moleque está fazendo? Era o que ele se perguntava, vendo os cristais de gelo apontados para a plateia.  

Na multidão de estudantes, ele vislumbrou algo adorável e bonito. Tratava-se do sorriso alegre de Ágnes, empolgada com o desenvolvimento inesperado do combate.

 Damn it... Pelo bem da missão, não posso deixar! Henry apanhou a espada de madeira caída no solo.

Zuuuuuuuuuuuuuuuuum!

 Uma corrente de faíscas índigo, acompanhada por um ruído elétrico, espalhou-se pelo seu corpo. Os estudantes entraram em pânico quando perceberam aproximação ligeira dos cristais de gelo. Paralisada pela tensão, Ágnes fechou os olhos e aceitou o seu destino.

Crack! Crack! Crack! Crack! Crack! Crack!

Quando ela abriu os olhos, não havia mais sinal dos cristais. No lugar deles, ela só viu Henry, rodeado por uma fina névoa azulada. Ninguém conseguia entender bem o que havia acabado de acontecer.

A propósito, após conjurar os cristais de gelo, Florentin desmaiou.

Zuuuuuuuuuuuuuuuuum! Pow! Puf.

Sem olhar para trás, Henry atirou a espada para longe e sumiu de vista no pátio.

Ugh?!

Em menos de um segundo, Henry havia aparecido na frente de Matei. Recebendo um soco no estômago, o garoto voou por alguns metros e caiu com um baque sobre a grama, já incapacitado. Depois de derrubar Matei, Henry arrancou na direção de Leonard e Daphné.  Com um salto, ele pretendia afundar as botas no rosto de Leonard...

Bam!

...Mas uma espessa parede de sal se formou do chão entre os dois e defendeu seu ataque. Leonard havia despejado sal de sua algibeira minutos antes.

Huh?!

— Arrependa-se dos seus pecados e torne-se uma estátua de sal. «Castigo de Sara»!

Respondendo às palavras de Leonard, o sal envolveu a perna de Henry e o engolfou por completo.

— Henry! — Ágnes deu um gritinho preocupado.

— Ainda não acabou! — Alguém na plateia respondeu para acalmá-la.

Zuuuuuuuuuuuuuuuuum! Bum!

O mineral explodiu em todas as direções. Estirado em meio a punhados de sal, Henry abriu os braços e respirou fundo. Terceira vez no dia. Passei dos limites.

Com uma pitada de arrogância, Leonard desembainhou sua espada de madeira e apontou-a para Henry.

— Renda-se enquanto é tempo, Henry Atwater. 

— Hu...

Fuish! Bam!

De repente, uma pedra voadora passou rente ao rosto de Leonard e acertou em cheio a mão de Daphné, que apontava a varinha para Henry. Henry havia pegado a pedra quando abriu os braços. Como tinha uma ótima pontaria e não era contra as regras, não hesitou em utilizá-la ao seu favor.

— Aiii!

— Hã?!

O susto fez Leonard voltar seus olhos para Daphné. Com a dor aguda, Daphné tinha derrubado sua varinha. Portanto, ela estava, pelas regras, derrotada.

Rangendo os dentes, Leonard exibiu seu anel dourado com runas entalhadas e recitou:

— Os humanos são criaturas frágeis, mas os espíritos da floresta protegem seus corpos. «Pele de Árvore»!

Em seguida, a pele branca de Leonard escureceu até se tornar uma casca de árvore. 

— Vejamos o quão habilidoso você é, inapto!

— Sinta-se à vontade para testar, mas não muda o fato que eu sou mais forte do que você.  

Henry já havia se erguido, e era possível escutar sua respiração ofegante. Seus músculos pareciam estar se rasgando...

Valendo-se de uma abertura, Leonard investiu e desferiu um ataque com sua espada de madeira, do qual Henry esquivou com um salto para trás. Iniciou-se uma intensa troca de golpes. Utilizando sua «Pele de Árvore», Leonard resistia e deixava Henry se cansar. De repente, Leonard tentou atingir a cabeça de Henry com um soco-martelo. Graças aos seus reflexos, porém, Henry se curvou para baixo, formando um «U» invertido, e escapou do ataque.

Com um impulso, suas pernas realizaram um movimento de cento e oitenta graus para trás e ele se levantou. Então, Leonard, brandindo sua lâmina de madeira...

Fun!

...Cortou o nada, pois Henry já havia saltado e caído sobre seu braço e, com um pequeno salto, atingiu seu rosto com ambas as botas.  Com o rosto na lama pela segunda vez, depois de apanhar de um inapto, Leonard socou a terra. A vergonha de ser colocado nessa situação era insuportável.

O duelo havia se tornado uma batalha de atrito. Isso estava evidente para os dois. Eles sabiam que seria preciso acabar com tudo em um único e poderoso golpe, capaz de pegar a defesa inimiga desprevenida.

Com isso em mente, Henry agiu primeiro. Evitando uma espadada ao se agachar, ele se apoiou com a mão esquerda no solo e deu um chute duplo na barriga de Leonard. Mas o aristocrata ainda não havia desistido.

Urrrrrrg!

Agarrando a perna direita de Henry com sua mão livre, ele o arremessou com toda sua força na direção dos ipês. Para a surpresa de Leonard, Henry executou uma acrobacia no ar e caiu em pé. A dor que ele sentia era tanta que, para suportá-la, mordia os lábios e segurava a respiração.  

Passo! Passo! Passo! Passo!

Ouvindo os passos pesados de Leonard, que vinham na sua direção, Henry saltou para o lado e rolou pelo chão. Por causa disso, a arma de Leonard havia ficado presa no tronco da árvore. Apoiado no cabo da espada, Leonard recuperava o fôlego.

Ao notar a abertura, Henry se levantou e calculou a distância entre os dois. E, movimentando-se em estrelinhas, desferiu um chute devastador de duas pernas na nuca de Leonard, que o levou ao chão e colocou um ponto final no combate.

Os mais ou menos trinta estudantes que estavam ali foram à loucura. Ágnes gritava e saltitava de felicidade.. Em meio a essa confusão, Rozalia, que havia sido informada por Leonard da luta, olhava fixamente para Henry. Ela sentia uma coisa estranha dentro de si, uma sensação ardente... O que era? Ela não compreendia.

No fim, ela correu para socorrer seu irmão, que jazia sobre as flores que ele mesmo havia derrubado. Ao se aproximar, Rozalia viu Daphné debruçada sobre o peito de Leonard. Observava a cena dramática que se desdobrava diante de seus olhos com espanto.

— Sniff. Sniff, sniff, sniff...

As lágrimas de Daphné escorriam e gotejavam sobre o uniforme sujo de Leonard. Apenas para aliviar sua consciência, Rozalia sacou sua varinha e conjurou o feitiço «Detectar Vida». Como esperado, seu irmão estava vivo.

— Não precisa se preocupar. Ele não corre perigo.

No entanto, a garota não se acalmou. Que exagero... Ignorando sua choradeira, Rozalia voltou seus olhos carmesins para Henry. Ele olhava para os três com indiferença.

— Duvido que ele precise de auxílio mágico, mas, mesmo assim, cuide dele.

— Hum?

Sem olhar para trás, Henry se dirigiu para onde estavam os estudantes. Seu corpo estava pesado. Ele sentia um enjoo terrível. Parecia que estava prestes a vomitar suas próprias vísceras.

Henry parou a cerca de cinco metros da multidão. Sua visão estava turva. Mesmo assim, ele viu muito bem um rosto familiar, com um sorriso de orelha a orelha e os olhos umedecidos.

— ---- ------!

Mas ele não conseguia mais entender. Estava bastante difícil de se manter consciente, mas ele resistia. Não posso... Ele deu mais três passos cambaleantes.

— Ágnes... é uma ótima pessoa... Ela é inteligente, amigável... e atenciosa...

Henry fez uma pausa. Não sentia mais seus membros. Estava de pé por pura força de vontade.

— Vocês zombam dela... por ser uma inapta... Inaptidão não significa nada além de... ser incapaz de conjurar... feitiços. E daí? Na minha terra natal... todos eram inaptos... Mesmo assim, todos aproveitavam a vida... e se esforçavam para... viver.

Dar lição de moral nesses nobres mimados não é nada mal.

— Deixem... este... preconceito de... lado e deem a... si mesmos a... pportunidade... de conhecê-la.

Ah, minha língua... Acho que está perdendo a sensibilidade.

— Ágnes... part-... de... ho...je... vo...cê é... livre.

Missão cumprida. Ou, pelo menos, uma pequena parte dela... Com um sorriso retorcido nos lábios, Henry desabou sobre um pequeno canteiro de flores. Os últimos suspiros carmesins sumiram do céu e foram substituídos pela luz exótica da lua vermelha. 



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